"S. Vicente, 17 de outubro de 1954.

Nazarius,

Todas as suas cartas chegaram bem. Também o cheque de Cr$ 1.650,00 para a viagem, ainda não troquei. Fico comovido, sem saber como agradecer. Estou com remorso por gastar pela minha comodidade, tanto dinheiro.

Meu trabalho continua, mas fique tranquilo que estou menos preocupado agora, porque os bons amigos me ajudam.

Estou ansioso para ir a Campos, mas ainda não fiquei livre para viajar. Tenho compromissos e não posso afastar-me daqui. Que maravilha! É um sonho fugir para aí e esquecer tudo. Mas aqui está o meu dever. Você não sabe o que significa para mim esta palavra: DEVER. Foi a idéia dona de tudo na minha vida. Mas fique tranquilo. Não é um Dever Triste, é o único caminho para a felicidade.

Tem uma porção de gente que nos ajuda e está sempre crescendo. Deus vê e sabe. O Cristo está aqui e me ajuda. Oro sempre por você e pelos bons amigos de Campos. Eles me deram prova de tanta bondade! Que boa gente achei aí! Não vou esquecê-los.

Estou cheio de esperança de que tudo vai resolver-se pacificamente e breve. Mas quando chegam os guerreiros, temos o dever de defender as nossas obras e de afastar das coisas sagradas os que não merecem tocá-las.

Não voltei mais a Porto Ferreira. O dono de lá perdeu as eleições.

Você esteve comigo nos dias de dor. Vai ficar nos dias de felicidade.

Ore por mim. Estou sempre com você em espírito.

Clóvis respondeu e lhe escrevi.

Um grande e saudoso abraço e lembranças a todos.

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

Esta carta nos traz alguns ensinamentos edificantes:

– Preocupação com aqueles que lhe mandaram os recursos às passagens de avião, S. Paulo - Rio - Campos e retorno. Realmente, eram pessoas pobres.

– Estava ansioso para viajar a Campos, descansar e rever os seus amigos, mas não sobrepõe o seu egoísmo ao dever, que sempre considerou sagrado. Foi escravo do DEVER durante toda a vida, desde quando eram poucos, obediência aos pais, os deveres escolares, o dever universitário, até o maior deles: cumprimento da missão. Nunca os encarou como pesados encargos, acima de suas forças.

– Como recompensa do cumprimento do seu DEVER, a ajuda do mundo espiritual começou a manifestar-se materialmente, através dos novos amigos que estavam chegando. Este foi o primeiro sinal e ele vislumbra uma solução pacífica e definitiva. É a presença de Cristo que nunca o abandonou.

– Jamais deu qualquer sinal de covardia diante de Deus, por isto diz: “quando chegam os guerreiros, temos o dever de defender as nossas obras e de afastar das coisas sagradas os que não merecem tocá-las”. As suas armas foram as do Evangelho, as do Terceiro Milênio.

– A humildade estava impressa na fisionomia de Pietro Ubaldi, esta era a razão pela qual pedia a Nazarius que orasse por ele. Que oração seria mais poderosa do que a dele, que fez um paralítico andar na porta do templo em Jerusalém, hoje chamada porta de ouro? A passagem é digna de recordação, em Atos dos Apóstolos, capítulo três:

“Pedro e João subiam ao templo para a oração da hora nona. Era levado ali um coxo de nascença, cada dia à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola aos que entravam. Ele vendo Pedro e João, ao entrarem no templo, implorava-lhes que lhe desse esmola. Pedro, fitando os olhos nele, juntamente com João, disse: olha para nós. Esperando receber deles alguma coisa, olhava-os, com atenção. Disse-lhe Pedro: não tenho prata nem ouro, mas o que tenho, isso te dou; em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, anda. Tomando-o pela mão direita, levantou-o. Logo seus pés e artelhos se firmaram. Dando um salto, pôs-se de pé e começou a andar. Entrou com eles no templo, andando, saltando e louvando a Deus. Todo o povo vendo-o andar e louvar a Deus, reconhecendo ser este homem que se assentava a esmolar à Porta Formosa do templo, ficaram cheios de admiração e pasmo, pelo que lhe acontecera.”

Dois mil anos depois, o Apóstolo de Cristo a quem foram dadas as chaves do reino dos céus, retorna à Terra para continuar a sua missão apostólica, reencontra o seu velho amigo Nazarius, tão jovem hoje quanto naquela época, e lhe pede oração. Isso é excesso de humildade!...

Nazarius compreendeu e orou, agradecendo a presença dele entre nós.