O Sistema

Em primeiro lugar, temos de explicar a técnica de pensamento que usamos, para chegar às concepções a serem aqui expostas.

Podemos estudar a natureza de um terreno, de duas maneiras: 1) construindo, para nós, um conceito geral, observando-o do alto de um monte ou de um avião; 2) fazendo uma idéia dele percorrendo-o a pé, passo a passo, em todos os sentidos. No primeiro caso teremos uma visão de conjunto, que chamaremos de síntese. No segundo teremos uma visão de pormenores que chamaremos de análise. No primeiro caso veremos as linhas gerais, que nos escapam no segundo; no segundo veremos as linhas dos pormenores, que nos escapam no primeiro.

É lógico ser desse modo, porque o ser humano se encontra exatamente entre o microcosmo e o macrocosmo, ou seja, entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. Somos feitos para perceber com os nossos sentidos apenas a realidade que nos é oferecida pelos fenômenos de nossa grandeza. Procuramos afastar-nos deles, superando-lhes os limites, com o microscópio e o telescópio, mas só podemos fazê-lo até certo ponto. Conseguimos, então, chegar um pouco mais longe, mas temos, depois, de parar, diante de horizontes mais afastados, além dos quais, para nós, o infinito permanece igualmente inatingível.

O pensamento humano, filho de capacidades perceptivas incrustadas pela natureza das coisas entre esses dois extremos, lançou-se, em seu impulso natural para o conhecimento, ora uma direção ora noutra, criando assim instintivamente os dois métodos de pesquisa que o homem conhece: o dedutivo e o indutivo. Possuindo a inteligência e equipado assim, com meios para caminhar, o homem tinha de seguir as duas estradas que já o esperavam, traçadas na estrutura do mundo, e por elas caminhou. Logo, com o seu método dedutivo explorou o terreno, como de cima de um monte ou de um avião, obtendo uma visão de síntese, mas sem ser controlada no local, em contato com o terreno onde ocorrem os fenômenos; uma visão de conjunto, de princípios gerais, onde faltam os pormenores. Isto ocorreu quando o homem se entregou nos braços da inspiração, da intuição ou da revelação. Daí tirou os princípios gerais, não demonstrados, não focalizados com exatidão pelo trabalho racional, suficientes para saciar apenas a mente, até quando o seu amadurecimento lhes despertasse a fome de saber mais.

Eis então que, em certo momento, nasce a ciência, usando a perspectiva oposta, ou seja, o método indutivo; com sua posse começou a explorar o terreno não mais do alto, mas percorrendo-o passo a passo, entrando em contato direto com os fenômenos. Não mais visão de conjunto, de síntese, mas dos pormenores, analítica. Daí a observação e a experiência, no primeiro caso excluídas, e os resultados práticos e utilitários, produzidos pela ciência.

Este método, entretanto, diante do problema do conhecimento, tem um ponto fraco: se é mais apto a agir na matéria, dando-nos resultados práticos, é o mais inadequado, por ser método de análise, para dar-nos a visão de síntese e resolver assim o problema do conhecimento. Sucede então que, em pleno século de ciência positiva, como o nosso, voltamos a confiar no gênio dos grandes matemáticos, os quais, por abstração – não só trabalho de lógica, mas também de intuição conseguem elevar-se acima do mundo fenomênico, daí trazendo a visão de conjunto, que a ciência positiva, com seu método experimental, não consegue alcançar. No entanto, também a ciência necessita da intuição, pelo menos para formular algumas hipóteses de trabalho, sem o que não consegue orientar-se, ficando em seu progresso, sujeita às puras tentativas.

 

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Após esta premissa, vamos ao nosso caso. Nos volumes anteriores usamos, alternadamente, ora um ora o outro desses dois métodos. Neste volume utilizar-nos-emos de ambos dirigindo-os em colaboração para o mesmo alvo. Quer dizer, usaremos os dois métodos e as duas perspectivas: a da revelação, intuição e inspiração – ou seja visão panorâmica por síntese – e a da observação e experiência – ou seja visão detalhada por análise. São estas as duas formas do pensamento humano: religioso e científico, isto é, descida do pensamento de Deus à Terra, por meio dos profetas e inspirados, e a laboriosa ascensão do pensamento humano por meio dos pensadores e dos cientistas.

Eis aí o método que seguiremos. Para atingir o máximo resultado possível, na busca da verdade, e alcançar o máximo possível de conhecimento, usei alternadamente os dois métodos: inspiração e razão.

Começo, assim, enfrentando o problema com a visão panorâmica, do alto, ou seja, com inspiração. Dessa forma, obtenho uma visão de conjunto, ou total, o último resultado de uma operação, da qual, entretanto, não conheço os termos componentes donde esses totais derivaram. Faltam os pormenores, as provas, o controle racional, para esses resultados serem aceitáveis no plano lógico, a fim de que resultem demonstrados, de acordo com a forma mental do homem moderno. A intuição não nos dá nada disso. Ela produz num lampejo, uma visão de síntese, sem minúcias, na qual não é possível aplicar, naquele momento, análise e controle, nem de observação, nem de experiência. Pude conseguir desse modo a orientação geral, mas falta todo o resto. Assim, chego a descobrir a conclusão a ser alcançada; mas pelas vias racionais, ainda não sei o caminho para chegar lá. Vi a verdade, mas não posso demonstrá-la, agora. Tanto mais que o fenômeno da inspiração é, em grande parte, independente de nossa vontade. Mas enfim, alguma coisa conseguimos, precisamente a orientação geral que hoje falta à ciência.

Os profetas, os inspirados, as revelações das religiões pararam aí. É natural, portanto, que a ciência ao trabalhar no pólo oposto, não tome em consideração esses resultados, os quais, no entanto, são de grande importância. Ela não deveria tê-los rejeitado, mas antes tomado para examinar e dar-lhes uma explicação, pelo menos uma hipótese de trabalho, que pudesse, mesmo provisoriamente, preencher a sua falta de orientação quanto aos problemas máximos do conhecimento. Por enquanto, não vamos deter-nos neste ponto. Ao contrário, temos de procurar completar os resultados da inspiração recebida, usando em seguida, num segundo tempo, também o método oposto e complementar, que é o da ciência. Devemos, assim, descer do monte ou do avião, ao nível do terreno e percorrê-lo todo a pé, observando-o de perto. Isto procuramos fazer em vários volumes, onde retomamos os temas da inspiração para desenvolvê-los racionalmente, controlando-os com a observação e a experiência. Guiados pela inspiração recebida, maior é nossa orientação, e não vamos explorando ao acaso; mas, pelo contrário, seguimos direções precisas, porque sabemos, mesmo antes de vê-los, que lá existe um rio, um bosque, uma rocha, um terreno diferente. Com o mapa geral do solo, obtido com a perspectiva do alto, reduzir-se-á o nosso trabalho apenas à análise dos pormenores, em vista de a visão sintética estar diante de nossos olhos, nos orientando. Com esse mapa nas mãos, não temos o trabalho de fabricar outro para orientar-nos e podemos, pois já estamos orientados, concentrar toda a nossa atenção no estudo das minúcias.

Infelizmente, a ciência se acha em outras condições. Ela não tem nas mãos o mapa geral do terreno, para fazer as suas pesquisas. Acha-se diante de um número infinito de pormenores, e o fato de estar obrigada, através deles, a chegar à reconstrução de uma visão de conjunto, constitui uma dificuldade por vezes insuperável, pois em nosso universo, como veremos, a unidade do todo foi pulverizada na infinita multiplicidade fenomênica. Por isso, ela é obrigada a limitar-se a sondagens parciais, denominadas hipóteses; estas, controladas mais tarde pela observação dos fatos, são definitivamente aprovadas como teorias aceitas, representando apenas sínteses parciais, limitadas a campos restritos ou aspectos da verdade global. Assim, tudo permanece fracionário, cobrindo apenas estreitas faixas do terreno. No conjunto, tudo fica desorientado, justamente porque falta o meio para alcançar uma visão de síntese, coisa que a análise, por sua natureza, é incompetente para nos dar. Dessa forma, se a ciência é o meio mais adequado para produzir resultados de caráter material, mostra-se mais inepta para produzi-los de valor espiritual. E isto porque, estando ela situada na multiplicidade dos pormenores fenomênicos, no terreno das formas e dos efeitos – no pólo oposto do centro unitário da Divindade, da qual desce a revelação – mostra-se por sua natureza, a mais incompetente para alcançar resultados unitários de síntese, ou seja, visão geral, única que pode resolver os problemas máximos e dar-nos o conhecimento. Fica-lhe, dessa maneira, vedada a função de orientação, que compete, pelo contrário, à inspiração, como a esta é vedada a função do conhecimento analítico, que compete à ciência.

Mesmo em relação ao nosso caso, temos de fazer estas referências contínuas ao estado atual do pensamento humano, pois o nosso deve também orientar-se em relação a ele e à sua atual fase de desenvolvimento. Procuramos, assim, não permanecer unilaterais, como as religiões de um lado e a ciência de outro, acreditando cada uma ter a sua perspectiva particular, suficiente para abarcar a verdade toda. Em vez de completar-se, como é necessário entre coisas complementares, a fé e a ciência têm procurado excluir-se, condenando-se uma à outra.

Procuramos, por isso, evitar esse erro de unilateralidade, fundindo os dois métodos, sem nos fecharmos em barreiras preconcebidas, nem num nem no outro pólo. Sempre há alguém para compreender cada vez melhor, ou, seja, para alcançar o conhecimento, se, em vez de uma, dispõe-se de duas perspectivas ao mesmo tempo: a sintética e a analítica.

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Eis, portanto, o que será e é, de uma maneira geral, o nosso trabalho no segundo momento. Quando já houvermos registrado, por escrito, os resultados da inspiração e tiver cessado o lampejo, do qual derivam aqueles conceitos, então cessa de funcionar a intuição, e voltamos ao estado normal. É como se descêssemos do monte ou do avião. Aí, então, começamos a andar a pé, no chão, passo a passo. Tornamo-nos, dessa forma, investigadores comuns, que observam e experimentam. Estamos, então, fora do mundo da revelação e da fé, penetrando no da pesquisa e da ciência. Usamos, agora, a forma mental, não mais a de quem crê, mas a de quem duvida. As atitudes e as perspectivas invertem-se. Não se abre a alma de Deus, mas buscam-se provas, entrando na fase de controle racional da intuição. O nosso pensamento põe-se a funcionar com engrenagens diferentes, pondo-se em relação diferente com o existente, não mais de espírito, interior, por visão, mas de  sentidos, exterior, por contato material.

Entro pois nesta segunda fase retomando o pensamento já atingido pela inspiração e o analiso. Eu mesmo procuro as provas, com os meios racionais e culturais, porque só quando tiver transformado o pensamento intuitivo, nesta segunda forma, então poderei apresentá-lo aos modernos homens da ciência, os quais só tomam a sério o pensamento quando este se apresenta assim revestido. Nesta segunda fase, não é mais a inspiração que trabalha, mas apenas as forças da minha pequena inteligência humana. Não vôo, mas caminho à pé, e a cada passo toco a terra e tudo em meu redor. Tenho de fazer, então, pesquisas, e quando me falta o conhecimento de alguma coisa, devo procurá-la e encontrá-la nos livros científicos.

Entretanto, esta não é a investigação comum, da qual se diferencia. Não se realiza por tentativas, mas segue uma orientação conhecida, não se encontrando nos livros. Quem já está orientado por sua conta, sabe o que quer achar; do que é dito pela ciência, sabe o que deve e o que não deve aceitar. Nesta pesquisa, não me submeto à orientação dada pelos livros. Ela já me foi dada pela inspiração e só esta me pode dar. À ciência eu peço apenas o fato, o fenômeno que não está em minhas mãos, o qual a ciência conhece bem, porque é a ciência dos fatos e dos fenômenos; peço-lhe apenas os pormenores, pertencentes à sua análise, e não fornecidos pela visão sintética de conjunto.

Quis explicar tudo isso  também para afastar o mal-entendido que a meu respeito tem ocorrido no Brasil. Fui aqui qualificado de médium, o que neste país tem o significado geral de receber, neste caso, mensagens escritas e fragmentárias (quase nunca um tratado sistemático e completo), proveniente de determinadas entidades, que quase sempre foram humanas; e tudo isso, em estado de inconsciência, em estado de transe. Enquanto para esses médiuns, a maior prova da genuinidade da recepção reside em não se conhecer aquilo que se escreve, para mim a maior prova consiste no controle contínuo, que eu posso fazer, em plena consciência, da própria recepção, no momento mesmo em que ela ocorre. No meu caso, a passividade do transe não é uma virtude, mas um defeito que deve ser evitado; se eu não perceber, em plena lucidez, os conceitos que estou recebendo, seria apenas u‘a máquina cega, passiva e irresponsável, e não poderia distinguir os conceitos inspirados, dos que não o são. Tenho de tomar parte no trabalho com a minha contribuição pessoal, que a seguir deve controlar os resultados obtidos pela inspiração, verificando se são genuínos, submetendo-os ao exame da razão e da cultura, baseando-os em provas, traduzindo-os para a linguagem científica moderna. Trabalho sério e árduo, exigindo disciplina intelectual e certo conhecimento da arte de saber pensar. Pode-se então imaginar a dificuldade surgida aqui, quando tive de entrar nessas categorias já estabelecidas, adequadas a outros casos e tipos de fenômenos, tendo de vestir uma roupa que não tinha as minhas medidas. A finalidade do meu trabalho não é apenas demonstrar a sobrevivência da alma ou o fenômeno mediúnico, mas oferecer ao mundo cultural moderno o resultado de um trabalho sério de investigações positivas, realizadas em campos inexplorados, com o método da intuição, novo para a ciência. O meu trabalho não consiste em fazer ato de fé neste ou naquele grupo religioso, mas em explorar, com métodos novos, o inexplorado, em enfrentar e possivelmente resolver, perante a ciência e o pensamento moderno, o tremendo problema do conhecimento. Assim, como fui julgado condenável pela Igreja católica, na Itália, porque não era ortodoxo, o mesmo ocorreu comigo neste novo ambiente mediúnico. Pelo que parece: procurar a Verdade, sem preconceitos, não pode ser aceito como ortodoxo em nenhum grupo humano.

De tudo isso, o leitor poderá compreender como os meus livros nascem de uma profunda elaboração. A fonte primeira e maior é a inspirativa. Representa a origem de onde nasce tudo. Se mais tarde, leio algo a respeito do argumento tratado, isto é só depois, para conhecer o ponto de vista da cultura contemporânea, a respeito dos temas desenvolvidos. Mas jamais a opinião alheia, tendo chegado sempre num segundo momento, modificou ou pôde modificar o que resultara da inspiração. Jamais aconteceu alterar, por maiores que fossem as objeções dos opositores. Em caso de discussão e dúvida, sempre acrescentei esclarecimentos e exemplos, para explicar melhor, eliminando todas as dificuldades possíveis, para achar cada vez mais provas, a fim de eu mesmo – que nesta segunda fase do trabalho me fizera tanto mais desconfiado, como o quer a ciência positiva, quanto mais confiante fora na primeira fase – ser constrangido a render-me diante da evidência e aceitar como prova as conclusões da inspiração. Trabalho útil, porque havendo-me colocado no estado psicológico do homem mais desconfiado e refratário, tive de achar tantas provas até ficar esmagado e convencido. Quis eu mesmo colocar-me num estado de descrença tal, que não houvesse mais lugar para a descrença alheia.

Compreendida a gênese do pensamento a ser aqui seguido, vamos proceder à exposição dos princípios fundamentais do Sistema.

 

Com este volume, inicia-se a Segunda Trilogia da obra, chamada brasileira porque escrita no Brasil, em relação à primeira chamada italiana, escrita na Itália. Terminou, com a Primeira Trilogia o período da grande batalha, da luta. Tiramos dela todo o fruto benéfico. Voltamos, agora, ao caminho ascensional da construção com o início desta Segunda Trilogia.

Retomamos neste escrito, os conceitos dos volumes: A Grande Síntese e Deus e Universo, nascidos em dois períodos diversos da minha maturação e filhos de estados d‘alma diferentes, a fim de fundi-los num só, formado pela atual e mais profunda maturação adquirida. Significa isto fundir as duas concepções numa única visão de conjunto, ou seja, num único sistema (religioso, ético, científico etc.) que abarque em síntese todos os fenômenos do Universo, orientando-os para um único centro e objetivo; um sistema que dê a chave e esgote o problema do conhecimento, pelo menos nas suas linhas gerais.

Por isso, este volume se chama O Sistema, pois representa um conjunto de princípios em que cada fenômeno se coordena, para formar um todo orgânico. Nesta visão global, a concepção científica de A Grande Síntese, vista em função do homem, fundir-se-á, permanecendo nela inserida, junto com a concepção teológica do volume Deus e Universo, vista em função de Deus.

A Grande Síntese é uma visão do Alto, isto é, vinda do Espírito para baixo, ou seja, para o mundo físico da matéria até ao homem. O volume Deus e Universo, é uma visão de baixo, isto é, do plano humano para o Alto, ou seja, em direção ao pensamento de Deus Criador. Neste volume, queremos fundir as duas visões numa só, o sistema de A Grande Síntese com o sistema de Deus e Universo, cada um em seu campo; ou seja, fundir os dois campos num só, dando-nos, não duas perspectivas diferentes, mas uma única perspectiva, num único sistema. Esta é a finalidade do presente livro.

O livro nasceu no primeiro semestre de 1956. Havia então terminado o período da grande batalha e o horizonte se havia tornado mais claro. A luta, sem bem que não terminada, ao menos não exigia toda a minha atenção e energia, podendo se organizar na forma dum trabalho mais regular e ordenado. Com o meu espírito mais livre pude então dirigir-me para novos caminhos.

Foi isso que permitiu o nascimento deste novo volume: O Sistema. Naturalmente a produção literária se ressente das condições do ambiente, no qual se vive, e do trabalho que isto impõe. Mudou meu estado de ânimo e não mais oprimido pela luta indispensável à sobrevivência num ambiente hostil, um sentido de libertação e de alívio me permitiu, em vez de olhar para a Terra a fim de defender-me, levantar os olhos para o Alto, contemplando visões. Nasceu deste modo este meu novo livro, que representa o maior amadurecimento espiritual até hoje atingido.

Mas para ele me arrastaram também, as forças que dirigem a minha vida, e isto através de conhecimentos exteriores, independentes da minha vontade. O volume Deus e Universo foi honrado, na primeira metade de 1956, com discussões na imprensa brasileira. As observações feitas chamaram de novo a minha atenção para aquele argumento, que eu esquecera durante a luta. Ao mesmo tempo, essas forças me prepararam, sem que eu o soubesse, um curso que em 1956 dei em São Paulo e, depois, outro no Rio, e mais um terceiro, em Santos, exatamente sobre o tema: "Gênese e Estrutura do Universo", tema do volume Deus e Universo. E esses cursos levantaram novas discussões. O Brasil é um grande país, onde o público se interessa por questões difíceis de alta teologia, coisa que não é comum em outros lugares.

Esses fatos excitaram e tornaram a despertar aquele meu pensamento adormecido e o impeliram a colocar-se novamente diante da visão de Deus e Universo, mas desta vez com maior amadurecimento ao que havia dantes contemplado. O empenho em fazer estes cursos e em responder as objeções dos assistentes e da imprensa, obrigou-me a precisá-los, ao focalizá-los com mais exatidão, a fim de esclarecer melhor, sobretudo a mim próprio, sobre os problemas enfrentados. Isto porque o modo como eram feitas as discussões e desenvolvidas na imprensa e nas conversas, demonstrava-me, acima de tudo, que não tinha sido bem compreendida a orientação e a colocação geral dos problemas tratados, o que de resto bem se explica, porque eram diferentes os pontos de referência culturais e a novidade revolucionária de uma concepção que nem sequer a cultura européia se revelou capaz de logo compreender e aceitar. É evidente que uma tal visão, de dimensões cósmicas, não podia ser reduzida a medir-se e a ser julgada pela média comum, nem podia se reduzida a enquadrar-se nos imites desta ou daquela doutrina. Assim o homem, mesmo partindo de religiões diferentes, teve um comportamento igual diante de A Grande Síntese e de Deus e Universo. Não discutimos os julgamentos, que respeitamos porque correspondem à necessidade de defender patrimônios espirituais já adquiridos. Mas também é certo que Deus, ao criar, não podia ficar na dependência deste ou daquele sistema religioso, que lhe estabelece uma determinada norma.

De tudo isso nasceu a necessidade de esclarecer ainda melhor como se desenvolveu o processo da criação, enfrentando-o novamente, com métodos inspirativos (já que não existem outros de observação direta), e dos quais já demonstramos o valor como métodos de pesquisa, estes, aliás, completados e controlados pela lógica e pela razão. Respeitamos todas as fontes, tradicionais; mas Galileu, como a ciência moderna, para resolver os problemas astronômicos, se lançou ao estudo dos céus por meio de telescópio e do cálculo, e não com a Bíblia. E se esta dizia que Josué deteve o sol, Galileu não obstante ser julgado herege porque contradizia à Bíblia, continuou, com toda a razão a dizer: "e, no entanto, a Terra se move".

Por isso, tal como Galileu, só podemos responder às objeções da imprensa dizendo que, apesar de tudo o que afirmam as diversas doutrinas, as coisas são exatamente como estão descritas desde o princípio do volume Deus e Universo. Para termos a certeza disso, neste volume, O Sistema, a questão foi toda reexaminada: a visão foi novamente vista em seu conjunto e em seus pormenores. Deste novo exame crítico e analítico, resultaram confirmadas todas as afirmações precedentes, e demonstradas com maior evidência. Esta é uma análise ainda mais atenta. Se houvesse erros, eles deveriam aparecer. E não apareceram.

Teria gostado muito que a crítica alheia me houvesse apontado erros. Mas, tal como ocorreu na Itália, com a condenação de A Grande Síntese, a crítica limitou-se não a ver se a teoria era verdadeira ou falsa à luz da lógica e dos fatos, mas penas a ver se ela correspondia a uma unidade anterior de medida, dada pela medida da própria doutrina. Assim, a crítica não me ofereceu, como eu teria desejado, alguma coisa que pudesse aprender, para melhorar me trabalho, nenhum fato positivo que verdadeiramente enfrentasse a substância dos problemas. E é isto o que mais interessa ao pesquisador apaixonado. O que lhe interessa não é tanto se ele está de acordo com esta ou aquela doutrina particular, mas é obter resposta às suas perguntas e saber como realmente ocorreu o fenômeno da criação.

Como aconteceu com A Grande Síntese, o fato se repetiu agora. Qualquer verdade nova se acha diante de outras verdades já admitidas. Se a nova verdade concorda com elas, é julgada verdadeira. Se não concorda, é julgada falsa. Assim, as verdades novas que se estão desenvolvendo nestes volumes são diferentemente julgadas. Há sempre luta entre o velho e o novo. O primeiro possui as posições já conquistadas, mas envelhece e se cansa. O segundo deve conquistá-las, mas é jovem e tem direito à vida. Ninguém pode deter o progresso que, apesar dos conflitos, continua a avançar sempre impassível. Trata-se de uma lei irresistível da vida. Basta esperar. Para compreender o novo, precisa-se de tempo. Foram necessários vinte anos, paraue A Grande Síntese fosse compreendida. Para que Deus e Universo seja também compreendido, mais ainda será necessário.

No momento, só uma poderia ser a resposta às discussões sobre o volume Deus e Universo: a que foi dada às que se fizeram sobre o volume A Grande Síntese. Não renegar, mas reafirmar, porque havia sido feito um estudo profundo do problema, tendo sido encontradas novas confirmações. Por isso, tudo se reduz a explicar ainda melhor, cada vez mais clara e evidentemente, até que se compreenda. A única dificuldade que pode surgir como causa de dissensões, é não se haver explicado bastante. O remédio diante de qualquer condenação é apenas o de insistir, explicando sempre mais claramente. O problema não é de modificar, mas de ser compreendido.

Assim nasceu este livro. Embora susceptível de contínuos desenvolvimentos, agora ele já esclarece tudo, pelo menos em suas grandes linhas especialmente a mim próprio, que sou difícil de convencer. E ele me convenceu. Eliminou, em meu atual estado de amadurecimento, todo resíduo de dúvida, que sempre permanece no fundo da mente de qualquer pesquisador honesto.

Assim a teoria da queda não só não morreu, como se reforçou em mim, fundindo-se com a concepção de A Grande Síntese e absorvendo-a. Por isso, essa teoria continuará a constituir a espinha dorsal das obras que estou escrevendo, de modo que os meus futuros livros não só a confirmarão, como continuarão a elevar-se nestas bases, esclarecendo cada vez mais, desenvolvendo, aplicando, convencendo. Quanto mais se estuda o que é verdadeiro, menos dúvidas se tem.

A Verdade sempre caminhou dessa forma. As resistências fazem parte do seu processo evolutivo. Trata-se de uma lei igual para todos, que nós não podemos modificar, devendo apenas aceitá-la. É justo e devemos defender as velhas verdades já conquistadas. Mas, às vezes, repudiando e sufocando o que é novo, para defender o patrimônio já possuído, tenta-se impedir a vida de conquistar outro patrimônio melhor. No entanto, como é explicado neste volume, o impulso do progresso vem de Deus e, como tal, esse impulso é o mais forte e não pode deixar de vencer.

São Vicente, Natal de 1956

 

Terminada a tradução da obra, O Sistema, de Pietro Ubaldi, feita com a alegria imensa do garimpeiro que vai descobrindo em cada nova linha uma pepita de ouro do mais puro, não me contenho em rascunhar a impressão que me ficou dessa leitura meditada, do estudo dessa revelação nova trazida a nós em plena segunda metade do século XX.

Desde a infância, o estudo desses problemas, através das obras da Teologia Católica, primeiramente, e mais tarde através das publicações oficiais do Espiritismo, do Protestantismo, da Teosofia, do Esoterismo, da Antroposofia, dos Rosa-Cruzes, das obras mais antigas da Índia, do Egito e da China, o estudo de tudo isto deu-me uma impressão de incerteza e de tateamento, ou então de afirmativas sem bases no campo racional. Não há, em todas essas doutrinas, respeitabilíssimas sem dúvida, porque representam o labor da mente concreta que busca o conhecimento através de suas próprias forças – não há uma unidade completa que una tudo numa única visão de conjunto.

Por isso, através da leitura estudada e meditada da obra de Ubaldi, cheguei à conclusão de que o universo é de fato um todo único, cujo centro é Deus. E, completando a maravilhosa e inspirada A Grande Síntese com o volume Deus e Universo, vislumbrei certos aspectos novos. No entanto, o segundo volume citado está demais conciso e alto, não me permitindo à parca inteligência, a compreensão total da grandiosidade ali exposta.

Neste volume, entretanto, a explicação é cabal e acessível a todas as inteligências, mesmo as medianas, como a de quem está escrevendo, e as provas são de tal forma completas e irrespondíveis, que pouco haverá que acrescentar a isso, nessa época. Talvez mais tarde se possa dizer algo mais. Mas, no momento, não vemos o que acrescentar ao que aqui se encontra.

O Sistema é um livro ótimo, lógico e claro. Trata-se, em minha insignificante opinião, de completo curso ou tratado de Teologia cosmogônica, uma Teologia Nova, que vem cortar pela raiz todas as elucubrações puramente humanas, esclarecendo os pontos obscuros, revelando todos os mistérios incompreensíveis e inaceitáveis à mente hodierna. As teologias antigas, que pararam no tempo e no espaço, por se terem tornado dogmáticas e não mais admitirem pesquisas, reagirão, sem dúvida, a esta intromissão em seu terreno. Mas a humanidade está em evolução perene, e não seria compreensível que a parte mais nobre e elevada da humanidade, que é o pensamento e a sabedoria, parassem nos séculos remotos, enquanto a parte inferior, material, estivesse, como está, progredindo a passos gigantescos.

Neste Tratado Teológico, encontramos um Deus perfeitamente aceitável por Sua grandeza, ao invés daquele Deus mesquinho que trazia sempre bombons na mão direita para premiar e um chicote na esquerda para castigar, como qualquer capataz irritadiço e vulgar. Revela-nos uma finalidade à existência, ao invés de um paraíso de ociosidade inútil e egoísta, em que as criaturas ficarão por toda a eternidade gozando ao ver seus entes queridos sofrendo horrorosamente um inferno infindável.

A teoria da queda e da reabilitação dos espíritos é tão lógica que temos a impressão que ela guiará o mundo espiritualizado de amanhã, esclarecendo os pontos obscuros e dando direção à evolução da humanidade, que hoje se debate em problemas sem solução. É um Tratado de Teologia nova e ao mesmo tempo um Tratado de Filosofia Universalista Unitária, que nos apresenta, como um todo único, um só corpo cuja cabeça é Cristo.

A segurança de raciocínio jamais abandona o autor a especulações vazias, mas o leva a provas sólidas, em matéria difícil e complexa. É a única teoria que conhecemos, que pode satisfazer o intelecto, a razão e mesmo o coração, porque explica logicamente tudo o que se passa neste mundo. Filosofia, física, química, biologia, sociologia, moral, tudo é examinado conscienciosamente, com minúcias que esgotam o assunto, com inflexibilidade irrespondível, com segurança e acerto.

A parte mais alta do livro O Sistema é constituída pelo capítulo XX, quando o autor nos dá a terceira interpretação da visão. Esta é de uma clareza deslumbrante. Inegavelmente trata-se, nesta obra, de uma revelação descida do Alto, que nos vem trazer luz acerca de problemas que a mente humana, por si só não poderia resolver.

Perguntam-me alguns confrades, como posso aceitar a teoria de Pietro Ubaldi, sendo, como sou, espírita adepto de Allan Kardec. Confesso não ver nenhuma contradição entre as duas teorias.

Para quem lê Kardec superficialmente, detendo-se nas palavras impressas, a teoria de Pietro Ubaldi pode parecer "herética". Mas aos que lêem o mestre penetrando as entrelinhas das respostas dos espíritos, tão sábias e profundas, nada lhes parece de contráditório.

Em primeiro lugar, Allan Kardec tentou penetrar nesse terreno. Todavia os espíritos não lhe deram a resposta ansiada. Podemos encontrar no Livro dos Espíritos a pergunta 39: "Podemos conhecer o modo de formação dos mundos"? E a resposta dos espíritos: "Tudo o que a esse respeito se pode dizer e podeis compreender é que os mundos se formam pela condensação da matéria disseminada no espaço". Não é o que diz Pietro Ubaldi, no capítulo XX? A origem dos universos foi uma "contração", em que o espírito ficou aprisionado dentro da matéria.

Em segundo lugar, o próprio Kardec afirma não ter dito a última palavra, mas apenas a primeira. E que todas as teorias por ele trazidas deveriam ser desenvolvidas à proporção que a ciência progredisse.

Em terceiro lugar, Allan Kardec preocupa-se com o problema da evolução, a partir da matéria primitiva, sem cogitar do que havia ocorrido antes. Ou seja, começa do mesmo modo em que a Bíblia e do mesmo ponto em que A Grande Síntese iniciaram o estudo: a subida evolutiva dos seres encarnados. Evidentemente, partiram todos da "matéria", ou seja, dos átomos, cuja concentração formou os universos. Nesse ponto – o infinito negativo, o ponto de chegada da involução, a concentração máxima do espírito – era evidente que "todos os espíritos eram simples e ignorantes" (pergunta 115). Entretanto, é evidente a confusão da palavra "espírito", no sentido de "princípio espiritual" com o sentido de espírito humano. Mas as próprias respostas dos espíritos e Allan Kardec classificam a origem, pesquisada agora por Pietro Ubaldi, como "mistério": "a origem deles é mistério" (Pergunta 81). E pouco antes: "Quanto ao modo pelo qual nos criou e em que momento o fez, nada sabemos" (Pergunta 78).

Dentro do próprio Livro dos Espíritos, contudo, encontramos em esboço muito rápido e leves pinceladas, a confirmação da teoria ubaldiana. Pergunta Kardec: "Donde vieram para a Terra os seres vivos"? Resposta: "A Terra lhes continha os germes, que aguardavam momento favorável para se desenvolverem. Os princípios orgânicos se congregaram (teoria das "unidades coletivas"), desde que cessou a atuação da força que os mantinha afastados" (Pergunta 44). Não é o que diz Pietro Ubaldi?

Mas, acima de tudo, está de pé a resposta à pergunta 540, no fim: "É assim que tudo serve, tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, que também começou por ser átomo. Admirável lei de harmonia, que vosso acanhado espírito ainda não pode apreender em seu conjunto!"

Nada mais cremos seja precioso para provar que a teoria exposta por Pietro Ubaldi, em sua revelação, nada tem de contraditório com a doutrina codificada por Allan Kardec. Antes, vem completá-la e explicá-la, levantando o véu daquele mistério que, há um século, os espíritos julgaram oportuno deixar ainda envolvendo a origem da vida. E isto porque os homens daquela época "ainda não podiam entender" essa origem, pois a ciência não havia demonstrado que matéria é apenas a condensação da energia, e esta a descida das vibrações do espírito. A frase final da resposta à pergunta nº 83 nos revela bem que Allan Kardec, incontestável mestre codificador, não pôde receber dos espíritos uma doutrina completa, porque o ambiente terrestre ainda não estava preparado. Lemos aí: "É tudo o que podemos, por agora, dizer". Então, há mais coisas a dizer, mas não podiam ser ditas, tal como ocorreu quando Jesus disse a seus apóstolos: "Muitas coisas vos tenho a dizer, mas não as podeis suportar agora" (João, 16:12). Por que então condenaremos a teoria de Pietro Ubaldi, se ela sem contradizer nem Kardec, nem Jesus, vem trazer-nos luz a respeito de coisas que nem um nem outro nas haviam revelado?

O fato concreto, sob nossa vista, é que a teoria exposta mediante revelação e inspiração por Pietro Ubaldi satisfaz integralmente a todas as indagações científicas, psíquicas, filosóficas, teológicas e espirituais que possamos fazer-nos. Assim sendo, temos que lealmente aceitá-la, até prova em contrário; mas prova que traga argumentos e fatos, experimentações e demonstrações, e não apenas citações do "magister dixit". Hoje o método científico tem de prevalecer para satisfazer tanto à mente concreta quanto à abstrata, tanto à razão quanto à intuição, tanto à inteligência quanto à sensibilidade.

A obra é de suma importância e finca no mundo um marco que dificilmente será removido. Poderá ser mais bem explicado e desenvolvido seu ponto de vista, poderá mesmo ser modificado em seus aspectos secundários. Mas o âmago do problema foi equacionado brilhantemente, e daí poderemos partir para posteriores e maiores pesquisas e buscas.

Compete agora ao homem de amanhã essa parte. Mas este já encontrará uma base onde se apoiar, um alicerce sobre o qual poderá erguer novos edifícios. E era isto, justamente, o que faltava à humanidade de hoje, que nada podia edificar em terrenos movediços de mistérios, sobre abismos sem fundo de desconhecimentos confessados. Tudo, dentro da relatividade humana, foi explicado em termos científicos e lógicos. Foi-nos mostrado, com dificuldade por causa da pobreza da linguagem humana, o que a mente do homem perquiria há milênios, e que nos fora dito várias vezes, mas sempre com palavras ocultas, cheias de subentendimentos, que a mente comum não conseguia penetrar.

Para a filosofia e a teologia, este volume constitui um dos mais importantes tratados que já apareceram publicados na face da Terra. É uma luz nova que se levanta no horizonte, um novo sol que vem iluminar as mentes e aquecer os corações, sequiosos de sabedoria e de amor. Porque nele se revelam, em Sua plenitude infinita, a Sabedoria e o Amor de Deus, como centro de tudo, como Seu pensamento a constituir atmosfera psíquica "em que vivemos, nos movemos e existimos (…) porque Dele também somos gerados" (Atos, 17:28)

                                                 Rio, 5 de Julho de 1957

                                                       C. Torres Pastorino