O evoluído adquire consciência da presença de leis amigas e justas e, agindo de acordo com elas, alcança bem outros resultados

À primeira vista, não conseguimos compreender porque o Evangelho quis fazer do homem um derrotado, um vencido - em vez de um vitorioso, um vencedor -, dado que, perante às leis de nosso mundo, isto é absurdo, antivital.  Mas por que Cristo nos quer derrotados em vez de vencedores? Tenciona Ele ir contra a vida? Seria, assim, a sua mensagem uma mensagem negativa, de morte? E se Ele quer andar em direção à vida, porque então nos propõe a Cruz? Como eliminar tais contradições? Procuremos compreender. A vida pode ser entendida de duas maneiras e ser assim dirigida para duas diversas finalidades: ou vivemos para realizar-nos imediatamente na Terra tais quais somos, conforme nossos próprios instintos; ou então para alcançar amanhã — através do superamento desses instintos — um outro tipo de vida, num plano evolutivo mais alto.

É evidente que o homem do mundo não pode compreender esta estranha psicologia que aponta para realizações longínquas. Entretanto, se é verdade que a vida evolui, estas outras metas a alcançar representam um fato positivo, como tal é a necessidade da dolorosa fadiga da evolução para chegar até elas. É bem lógico, pois, que tudo isto venha a ser levado em conta, logo que se alcance um estado de consciência que nos permita compreender.  Assim, para quem compreende, resulta evidente a diferença de amplitude visual entre os dois pontos de vista, sendo o primeiro dirigido a pequenos escopos imediatos, e o segundo visando metas de vastidão cósmica, podendo-se disto inferir quão alto grau de consciência seja necessário para que se possa optar pelo modo de viver proposto por Cristo. Como é, então, que vê o mundo o evoluído que alcançou este estado de consciência a ponto de ser capaz de compreender e viver o Evangelho? Exatamente por esta sua aproximação evolutiva do S (de Deus), que se tornou o principal objetivo da sua vida, começa a sentir a presença viva da Lei que vigora nele e em tudo que o circunda. Esta sensação se faz nele sempre mais forte e evidente à medida que evolve. Isto é natural conseqüência do avanço de posição biológica que o evoluído vai cada vez mais realizando, mudando "pari passu" o modo com que ele concebe a vida. É natural que a mesma seja sentida e vivida de modo diverso, pois é vista agora de outros pontos de referência.

Quem sente a Lei vê aspectos da vida ignorados por quem não a sente. Vê-se então que, quanto mais se sobe nos planos mais avançados em direção ao S (a Deus), tanto mais o mundo é dirigido por outras leis que não coincidem com as vigentes no plano biológico humano. À  medida em que construímos os olhos que nos permitam enxergar as profundezas do fenômeno, mais claramente perceberemos que quanto mais evolvemos tanto mais a existência se nos revela dirigida por leis amigas e justas, e não mais pelos caminhos da rivalidade e da força que imperam em nosso mundo. Cada plano biológico tem as suas leis. Para o evoluído não mais vigoram as leis da força, mas as da justiça. Por isso o Evangelho torna-se para este realizável. Com a evolução o homem se civiliza e a sociedade passa do estado caótico ao estado orgânico. Então, a virtude da força - útil naquele primeiro estado - é encarada agora como anarquia, e a vida a substitui pela virtude evangélica da justiça conforme a Lei. Muda, assim, toda a técnica da luta pela sobrevivência, confiada a novas forças que atuam com outros métodos.

 Acima havíamos perguntado o motivo pelo qual o Evangelho parecia querer nos colocar numa posição absolutamente anti-vital, de fracassados que se entregam, em lugar de triunfadores que vencem. Agora podemos responder. O Evangelho faz isto porque nos coloca perante posições da Lei mais avançadas em relação às próprias do homem primitivo. Nesta nova fase, a Lei é feita de justiça, perante a qual se verifica o contrário daquilo que se verificava antes perante a força. Se no regime de injustiça os assaltantes vencem e os assaltados e derrotados perdem, num regime de justiça os assaltantes vencedores contraem um débito a pagar, enquanto os derrotados sabem que estão pagando suas dívidas. Num regime de justiça o jogo do vencedor e do vencido se inverte.

Enquanto se está no reino da força, vencem os fortes e perdem os débeis; mas quando se entra no reino da justiça perdem os prepotentes e vencem os justos.

 

Do livro "Cristo" , capítulo 17 - segunda parte