Eis a técnica do desenvolvimento do psiquismo, que culmina na gênese do espírito. Escavando no subconsciente, achareis todo o vosso passado que ressurge nos instintos, nas tendências, nas simpatias e antipatias. Quem poderia ter-vos construído repletos de conhecimentos gratuitos instintivos, senão "vosso" passado? Como poderia contê-los o germe da vida e depois, a um dado momento, desenvolvê-los prescientes e proporcionados ao ambiente, senão por uma restituição? Que processo de descentralização cinética seria esse se não tivesse sido precedido por uma lei de equilíbrio, por um processo correspondente e proporcional de concentração cinética, das qualidades adquiridas através de vidas e experiências? Existirá um único fenômeno no universo que vos autorize a acreditar ser possível algo diferente disso e que vos autorize a negar a lei de causalidade, de proporção, de equilíbrio, de justiça? Olhai para vós mesmos e encontrareis um abismo. Existem zonas mais profundas, as dos instintos mais estáveis, onde se agitam os impulsos fundamentais da vida, tal como foi definida em suas fases mais distantes. Sobrevivências abissais, obscuras, da vida primordial protoplasmática, que ainda se agitam nas fibras íntimas de vosso organismo; instintos como a conservação, a defesa, a reprodução, que por vezes, explodem de inopino em vossa consciência, de uma zona de mistério que desconheceis, pela maturação de um ciclo, lei e vontade autônoma, que progride independentemente de seu conhecimento ou vontade (por exemplo: o instinto do amor que explode na juventude). Porque tudo o que existe traz escrita em si sua primeira lei, nascer; cada fenômeno está completo em seu princípio, mesmo antes de sua manifestação. Há zonas de trevas, em que desanimais e não gostais nem de olhar; no entanto, atraem-vos e, inutilmente, interrogais em vão. É vosso passado.

 Mas tudo pode ser sempre consertado. No superconsciente há luz para todos; a febre da evolução, a insaciabilidade de vossa alma são forças irresistíveis e universais que impelem cada vez mais para o alto. A lei do progresso exige a contínua dilatação do psiquismo. A evolução é irresistivelmente lançada para o superconsciente; dirige-se para o supersensível. Recordai que vossa consciência é apenas a dimensão de vossa fase de evolução α; vosso inexorável caminho, deslocando-vos de fase em fase, vos leva de dimensão em dimensão para o superconsciente intuitivo e sintético de que já falamos. Nas fases inferiores, que percorrestes, de γ e  β, o ser existe normalmente, sem consciência, qualidade ignorada aí como agora ignorais a dimensão do superconsciente. O estado de consciência é fenômeno em contínua elaboração construtiva ou destrutiva, conforme o trabalho livre que executardes, de construção ou destruição no caminho da evolução que, em vosso nível α, é progresso moral e psíquico. Quem fica ocioso pára. Quem pratica o mal desce e arruína o próprio eu, destrói a luz de sua compreensão. Quem trabalha no bem sobe e dilata-se a si mesmo, cria a própria riqueza de concepção e potência da alma. Punição e prêmio automático e inexorável. Assim a dor, excitando as reações do espírito, é agente de ascensão para as fases e dimensões superiores.

 Passarão as formas materiais da vida: passarão povos, civilizações, humanidades e planetas. Mas um herdeiro recolherá o suco de tanto trabalho que não foi inútil, a alma. A insaciável e eterna mutação das coisas produzirá um resultado que não será perdido. Já que o campo dominado no âmbito do consciente avança continuamente, também progressivamente desloca-se o limite sensório: o super-humano torna-se humano; o superconsciente, consciente; o inconcebível, concebível. A consciência adquire, então, nova dimensão, o meio material requinta-se e se sutiliza até atingir sua desmaterialização, até que o princípio espiritual se destaque dele e atraque em outras praias, levando consigo o suco destilado de todo o passado vivido, em sua construção terminada.

Observai como já se inicia, desde vossa fase, esse processo de separação e desmaterialização. Na exteriorização dos meios da vida, o animal fica preso ao utensílio, que permanece parte indivisível de seu organismo. A história natural do homem é a repetição apenas do mesmo processo de projeção de órgãos, mas num nível mais alto. Por isso, as formas, os sistemas, as perspicácias assemelham-se, mas com uma diferença substancial: no homem realiza-se a separação entre o organismo e o utensílio. Tal como o orgânico, também o utensílio mecânico é a expressão da íntima vontade de ação. Mas, no animal, o meio está organicamente fundido no corpo; no homem, o meio não lhe é mais parte integrante e destaca-se dele. O homem constrói para si um só utensílio, aquele que pode fabricar utensílios de toda espécie: a mão guiada pela inteligência.

 À proporção que o centro psíquico se agiganta, os meios de sua expressão transformam-se, multiplicam-se e requintam-se; os órgãos tornam-se meios de expressão de vida psíquica, as funções físicas inferiores são confiadas aos utensílios mecânicos. Os órgãos animais, não mais utilizados, tendem a atrofiar-se; a indústria cria outros continuamente e nela continuará a desenvolver-se a evolução do utensílio orgânico, expressão cada vez mais complexa de um psiquismo mais complexo. O próprio desejo intenso que criou o órgão encontra agora formas múltiplas de manifestação, proporcionadas ao novo poder do psiquismo motor. A função desenvolve as qualidades e os órgãos cerebrais; manifesta-se no homem a evolução psíquica, de preferência, e como prosseguimento da evolução orgânica, que passa para segunda linha, suplantada pela evolução dos produtos da inteligência. Assim o homem afasta-se cada vez mais da forma animal, numa contínua desmaterialização de funções, que leva a uma progressiva desmaterialização de órgãos. A vida do homem concentra-se cada vez mais na função psíquica diretora, que ele assume como sua nova natural especialização.

 Eis a íntima e maravilhosa técnica, pela qual a evolução produz a transformação da matéria na fase vida. Quando pensais em sua íntima estrutura cinética, essas transmutações já não vos parecerão absurdas. Já os movimentos vorticosos transformaram a estrutura atômica num sistema mais sensível e susceptível de infinitas modelagens. A maleabilidade do material protoplasmático permite inexaurível e profundo transformismo e lhe dá a possibilidade de chegar já plasmado às mais variadas formas de tecidos e órgãos.

Num sistema tão sensível, o desejo intenso, uma vontade decidida, proveniente do íntimo, é fator psíquico que tem força criativa. Pensai nos fenômenos causados pelas impressões maternas e no poder ideoplástico, que as funções psíquicas da mãe têm sobre o feto. Cedo ou tarde,  a forma acaba obedecendo ao impulso íntimo e expressando-o. Aí está a técnica evolutiva desse fenômeno da construção de órgãos por projeção ideoplástica. Da zona latente, mergulhada nas trevas, fora da consciência, emerge, sacudido pelo choque das forças ambientais, impulsionado pela lei da evolução, o germe de nova necessidade que, no centro psíquico, assume a forma de desejo, ou seja, força-tendência, presa à realização. Do desejo surge a tentativa, a ação, retesada para a realização. Entramos na fase do consciente, isto é, do trabalho, da atividade, da conquista. Desponta a realização, forma-se e reforça-se sua função que, por sua vez, define sempre mais o órgão; enquanto este, mediante uma série de contínuas experiências, equilíbrios e ajustamentos, adapta-se às resistências ambientais tanto quanto ao impulso interior, entre os quais constitui um traço de união. A progressiva atividade funcional plasma para si mesmo o instrumento orgânico, como sua expressão cada vez mais legítima. A definitiva constituição do órgão estabiliza a função e estabelece uma série de experiências, de cuja repetição constante nascem aqueles automatismos, que vimos assinalarem a fase de assimilação terminada e de dilatação do psiquismo do ser. Automatismo significa qualidade adquirida, nova capacidade inerente na natureza do indivíduo, novo instinto, nova experiência. A evolução está realizada. O resultado se deposita, definitivamente assimilado, como nova camada em torno do núcleo precedente do psiquismo, e é deixado fora da zona de trabalho, a zona da consciência.

 Assim avança a evolução e o ultraconsciente é conquistado, passando através da fase consciência que, depois de completada a assimilação, passa ao subconsciente. Pela evolução ocorre um deslocamento contínuo da zona do consciente, que vai do subconsciente para o superconsciente. Assim a zona móvel de trabalho, em seu caminho, progride, cobre uma zona cada vez mais ampla de subconsciente, a zona das aquisições definitivas, do armazenamento do indestrutível na eternidade. Por intermédio de contínuo esforço psíquico da vida, ocorre um contínuo crescimento do núcleo subconsciente, preparado para a assimilação do superconsciente, por um processo de acréscimo, de hereditariedade e reconcentração cinética na fase de germe, que encontrais na vida das formas orgânicas. Assim, também o campo de trabalho ascende cada vez mais alto, ao mesmo tempo em que se amplia e se torna mais rico e poderoso.

Paralelamente, a matéria, expressão de tudo isso, experimenta mudanças profundas. Vimos que o trem eletrônico da onda dinâmica degradada começa investindo as unidades atômicas de estrutura planetária mais simples (no círculo da vida, são introduzidos, de preferência, os corpos simples, de peso atômico baixo). Ora, esse fenômeno constitui apenas o início do processo da desmaterialização da matéria. Quando o vosso novo turbilhão vital tiver investido toda a matéria até os pesos atômicos máximos, isto é, quando o trem eletrônico tiver transformado os movimentos planetários atômicos em movimentos vorticosos até as formas planetárias mais complexas, deslocando e reconstruindo, em equilíbrios mais complexos, todas as órbitas até as de 92 elétrons de U, então α, o psiquismo, terá penetrado e permeado toda a matéria, esta se desmaterializará, ou seja, não existirá mais como matéria. A energia, sua filha, tê-la-á arrastado mais para a frente, para uma fase evolutiva superior e todo o movimento da Substância continuará de forma imaterial, sem que nada da matéria, em sentido absoluto, tenha sido criado ou destruído. Terá ocorrido apenas uma transmutação íntima, que leva a Substância a novo modo de ser, supermaterial e superdinâmico,  superespacial e supertemporal, no limiar de novas dimensões.

 Assim a evolução volta atrás e faz elevar-se consigo os instrumentos de seu trabalho. Por isso, desmaterializa a matéria por meio do fenômeno da vida, até o espírito. O princípio dinâmico veste-se de formas cada vez menos densas. A evolução as requinta, sensibiliza-as, desmaterializa-as. Os órgãos, os utensílios da vida, destacam-se, o organismo se sutiliza. De tudo, fica o profundo, imenso trabalho da vida, uma central psíquica poderosa, na direção de um mundo dominado e obediente, orientado para as fases superiores de consciência e de evolução, para vós, ainda ocultas no inconcebível.

Chega, assim, a evolução aos mais altos níveis de vosso universo. Agora podeis compreender-lhe todo o significado. Em seu conceito mais profundo, a evolução é a libertação do princípio cinético da Substância. Isto ocorre mediante uma profunda respiração, em que se invertem e se apóiam mutuamente, para ascender, as duas fases de concentração cinética das experiências da vida no germe e descentralização cinética do germe na vida. Por isso, a evolução se exprime com uma constante superação de limites, como observais no progresso das dimensões. Com a evolução, o ser subtrai-se cada vez mais aos limites do determinismo físico que, no nível da matéria, é geométrico, inflexível e idêntico em todos os lugares. A vida começa a libertar-se dos aspectos desse absolutismo; seu crescente psiquismo é nova causa que se sobrepõe a decorrente das leis físicas. O animal já adquire uma liberdade desconhecida no mundo físico. Chega-se assim ao reino humano do espírito e além, onde o livre-arbítrio afirma-se definitivamente.

A lei do baixo mundo da matéria é determinismo; a lei do espírito é liberdade. Pela evolução realiza-se a passagem do determinismo ao livre-arbítrio. Este é a expressão de maior amplitude na possibilidade de movimento, determinada por gradual reabsorção do determinismo, correspondente a uma progressiva manifestação do princípio cinético. Matéria, energia, vida, espírito, são apenas a expressão da mudança desse movimento de forma, cada vez mais evidente e mais livre, numa lei mais complexa, em que é possível fazer-se e desfazer-se os equilíbrios, cada vez mais instáveis, em combinações mais frágeis e renováveis, num dinamismo crescente em que desaparece a estase do determinismo. Isto é uma progressiva liberação dos limites dos sistemas cinéticos fechados, é uma dilatação de possibilidades, de combinações e de escolhas. A contínua renovação permite atingir o equilíbrio por um número sempre maior de caminhos.

 Agora podeis compreender como o homem, em seu caminho evolutivo, traslada-se da matéria ao espírito, levando consigo os dois extremos do determinismo e do livre-arbítrio. Podeis agora explicar o incompreensível conúbio e resolver filosófica e cientificamente uma questão que sempre vos pareceu insolúvel antagonismo. Para compreender esses dois termos é necessário não mais opor um ao outro, como sempre fizestes, como dois casos extremos, imóveis e absolutos; mas é indispensável coordená-los no relativo, em que se movimentam, como duas fases sucessivas, dois pontos de uma escala, e uni-los com o conceito de evolução.

 O homem é determinismo enquanto matéria. Essa é sua lei enquanto se movimenta nesse campo de absoluta e férrea necessidade. Mas quando o homem age como espírito, sente que nesse campo é perfeitamente livre. Pois no mundo psíquico, em que desaparecem as leis físicas, também desaparece a lei de seu determinismo. Assim, o homem só é livre no campo das motivações, em seu espírito, onde domina e supera tudo; ele é a única potência que emerge livre, num mundo de fatalidade. Mas não é igualmente livre no campo das realizações, porque aí, seu caminho é sempre cruzado no determinismo físico, inviolável, que cada ato sofre, mais ou menos, e não pode torcer mas, se o coadjuva, pode guiá-lo a seus fins.

Prosseguindo nosso caminho racional, as vias da biologia desembocam na ética. Só existe responsabilidade onde há liberdade. A libertação do princípio cinético, que se tornara evolução de liberdade, transforma-se em progressão de responsabilidade. Responsabilidade relativa, estritamente ligada ao grau de evolução, portanto, ao nível psíquico e ao grau de conhecimento do indivíduo. Por isso, o animal não peca. Movendo-se num jogo mecânico de instintos, apertados num determinismo exato, não pode e não sabe abusar, como faz o homem. Liberdade, escolha, responsabilidade só existem na fase superior da consciência e das formações, não na fase do instinto, em que os equilíbrios estão estabilizados no determinismo. O livre-arbítrio, novo equilíbrio mais ágil e instável, para manter-se, presume para reger-se, a direção de uma nova consciência superior, não necessária no animal, mas indispensável ao homem.

 Não há perigo maior que uma liberdade sem controle, porque pode cair em todos os abusos, que doutra forma seriam impossíveis. Embaixo está o determinismo, por isso, as consciências mais presas à matéria são menos livres do que aquelas que, ao evoluir, emanciparam-se de suas leis fatais. É justo que só a uma sabedoria maior possa corresponder maior liberdade e a esta, maior responsabilidade (gravidade de perigos e de consequências). Assim, o livre-arbítrio é relativo, gradual, e evolui com a consciência. A responsabilidade das próprias ações é relativa e progressiva. Na matéria  existe escravidão; no espírito estão os caminhos da libertação.