Chegados a este ponto, podemos estabelecer, em suas grandes linhas, os conceitos fundamentais que depois desenvolveremos analiticamente.

   Não vos digo: observemos os fenômenos e deles deduzamos as consequências e lhes procuremos o princípio; mas vos digo, o quadro do universo é este: observai e vereis que os fenômenos aí se encaixam e a ele correspondem, em sua totalidade. O universo é a unidade que abarca tudo o que existe. Essa unidade pode ser considerada sob três aspectos: estático, dinâmico e mecânico.

   Em seu aspecto estático, a unidade-todo é considerada abstratamente seccionada em um átimo de seu eterno devenir, para que vossa atenção possa observar particularmente a estrutura, mais que o movimento. Como estrutura, o universo é um organismo, ou seja, um todo, composto de partes, não reunidas ao acaso, mas com ordem e proporção recíproca; mesmo que momentânea e excepcionalmente possa ocorrer o contrário, sempre se correspondem entre si, como é necessário num organismo cujas partes, ao funcionarem, devem coordenar-se num objetivo único.

   Em seu aspecto dinâmico a unidade-todo é considerada naquilo que verdadeiramente é: um eterno devenir. O universo é um movimento contínuo. Movimento significa trajetória; trajetória significa um objetivo a atingir. Na realidade, o aspecto dinâmico se funde com o estático, isolamo-lo apenas para facilitar as observações. O movimento é orgânico, é funcionamento de partes coordenadas. Assim se define o conceito de simples movimento e se completa num vir-a-ser mais complexo, que já não é só movimento físico, mas transformismo fenomênico; o conceito de trajetória complica-se num mais amplo progresso à meta definida.

   O aspecto mecânico é apenas o conceito de movimento abstratamente isolado, a fim de poder analisá-lo melhor, colhendo o princípio e definindo a lei, por meio do estudo da trajetória-tipo dos movimentos fenomênicos. É o estudo da lei como forma e norma do devenir.

   Resumindo:

   O aspecto estático mostra-nos o universo em sua estrutura e forma; o aspecto dinâmico, em seu movimento e vir-a-ser; o aspecto mecânico, em seu princípio e em sua lei. Mas esses são somente aspectos, pontos de vista diferentes do mesmo fenômeno. Coexistem sempre, em toda parte, e os encontramos conexos.

   Do exame desses três aspectos surge a idéia gigantesca que domina todo o universo. Quer o observemos como organismo, como devenir, ou como lei, chegaremos ao mesmo conceito por três estradas diferentes, que se somam e reforçam a conclusão. Ascendemos, assim, ao Princípio Único, à idéia central que governa o universo. Esse princípio, essa idéia, é ordem. Imaginai, se a ordem não reinasse soberana, que choque tremendo sofreria um funcionamento tão complexo como é o da criação, um transformismo que jamais pára! Somente esse princípio pode estabilizar um movimento de tamanha vastidão. Cada fenômeno, em cada campo, tem uma trajetória própria de desenvolvimento, que não pode mudar, é sua lei, coordenada à lei maior; tem uma vontade de existir numa forma que o individualize e de mover-se para atingir u’a meta exata, razão de sua existência; é lançado com velocidade e massa que inconfundivelmente o distingue entre todos os demais fenômenos. Como poderia tudo mover-se sem precipitar-se num cataclismo imediato e universal, se cada trajetória não tivesse sido já traçada inviolavelmente? Não podeis deixar de encontrar esse princípio de uma lei soberana, em toda parte e a qualquer momento. Vossa vida individual, vossa história de povos, vossa vida social têm suas leis. Vossas estatísticas, pelo princípio dos grandes números, colhem-nas e podem dizer-vos quantos nascimentos, mortes ou delitos acontecerão aproximadamente nos anos seguintes. Também o campo moral e espiritual tem suas leis; embora sua complexidade vos faça perder o rastro, a lei subsiste também nesse campo, matematicamente exata. Não vos falo de fenômenos biológicos, astronômicos, físicos ou químicos. Se podeis mover-vos, agir e conseguir qualquer resultado, é porque tudo em torno de vós se move com ordem, de acordo com uma lei, e nessa lei tendes sempre confiança porque só ela vos garante a constância dos efeitos e das reações. Lei não inexorável, não sensível, mas complexa, extraordinariamente complexa em todo o entrelaçamento de suas repercussões; uma lei elástica, adaptável, compensadora, construída com tão vasta amplitude, que abarca em seu âmbito todas as possibilidades. Lei, sempre lei, exata nas consequências de qualquer ato, férrea nas conclusões e sanções, poderosa, imensa, matematicamente precisa em sua manifestação.

   Ela é ordem e, como ordem, mais ampla e poderosa que a desordem, portanto, engloba-a e a guia para suas metas; ela é equilíbrio, mais vasto que o desequilíbrio, o qual abarca e limita num âmbito intransponível. Equilíbrio e ordem são, também, o Bem e a Alegria. Em todos os campos, uma só é a lei. A alegria é mais forte que a dor, que se torna instrumento de felicidade; o bem é mais poderoso que o mal, ele limita e o constringe para os seus objetivos. Se existem desordem, mal e dor, só existem como reação, como exceção, como condição, como contragolpe fechado dentro de diques invisíveis, determinados e invioláveis. Esta é a verdade, embora seja difícil demonstrá-la à vossa razão, que observa a matéria. Esta, por estar à distância máxima do centro da causa primeira, é o que há de menos apto para revelar-vos essa causa; embora contendo em si todo o princípio, esconde-o mais secretamente em seu âmago.

   Não confundais a ordem e a presença da Lei com um automatismo mecânico e um fatalismo absurdo. A ordem, vo-lo disse, não é rígida, mas apresenta espaços elásticos, contém subdivisões de desordem, imperfeição, complica-se em reações, mas permanece ordem e lei no conjunto, no absoluto. Um exemplo: em oposição à vontade da Lei, tendes a vontade de vosso livre arbítrio, mas é vontade menor, marginalizada, circunscrita por aquela vontade maior; podeis agitar-vos a vosso bel prazer, como dentro de um recinto, não além dele.

   Essa movimentação vos é permitida, porque necessária para que sejais livres e responsáveis no ambiente que vos cerca; possais, assim, com liberdade e responsabilidade, conquistar vossa felicidade. Resolvi (assim de passagem) o conflito que para vós é insolúvel entre determinismo e livre-arbítrio. Estes conceitos levar-vos-ão, posteriormente, a conceber uma exata moral científica.