Senti e observei em mim a marcha do fenômeno, em seu desenvolvimento interior e exterior. Permanece ele, assim, individuado no seu aspecto dinâmico – da gênese, desenvolvimento, plenitude até o seu produto concreto – o pensamento fixado em escritos, que são o documento, sempre suscetível de observação, último termo do fenômeno, o resultado definitivo do processo terminado.

Relatei esta cronistória pessoal, embora necessária à compreensão do fenômeno, mas não me cabe repeti-la aqui. Agora vamos observar o fenômeno, não mais no seu desenvolvimento no tempo, mas em sua profundidade, para pesquisar-lhe e descobrir-lhe a técnica, isolando-a num dos momentos culminantes e mais intensos, na recepção da minha última obra.

Minha tarefa e meu método são objetivos, anatomizo por secções diversas, trabalhadas primeiro longitudinalmente, na direção do tempo, e depois verticalmente, em profundidade. O leitor compreende que a recepção durante quatro verões(A Grande Síntese, iniciada no verão de 1932, foi continuada nos de 1933 e 1934 e concluída no verão de 1935) implica necessariamente o repetir de normas constantes, consuetudinárias, a formação de um verdadeiro método receptivo.

É minha tarefa, agora, descrever as condições de ambiente e de espírito exigidas, os estados psíquicos vividos, o comportamento de meu ser físico e psíquico, considerado como meio do fenômeno, precisando todos os fatores que para o mesmo possam ter concorrido.

E isso para individuar as características, definir o tipo e, finalmente, encaminhar-nos ao descobrimento da lei daquele fenômeno. Operarei indutivamente, pelo menos nas primeiras fases da pesquisa, remontando dos efeitos às causas, do particular ao geral, do relativo ao princípio das coisas. Quando este método não mais for suficiente para resolver os problemas, eu me transporei, num voo, ao método da intuição, de modo que o leitor possa vê-lo, aqui, não só descrito, mas operante na solução das questões mais complexas.

É diferente em mim o tipo de inspiração emotiva do tipo de inspiração intelectiva. Minha mediunidade, verdadeira função de vida, não é fenômeno de tipo imóvel, mas se transforma com a minha evolução. No primeiro caso, são mobilizados os centros nervosos afetivos do coração, no segundo, os centros nervosos intelectivos do cérebro. Atravessando estes dois tipos de inspiração, vivi em dois centros de vida distintos, nos quais se condensavam todas as minhas sensações.

Não insisto no primeiro caso, que é particularmente o dos místicos, porque a produção que dele resulta, embora em lógico desenvolvimento, não é um verdadeiro organismo conceptual. Isso pode deixar duvidosa a ciência, porquanto o eu se expressa nos vagos termos do sentimento, e poderiam os céticos achar facilmente um modo de introduzir, na interpretação, um despertar de estados de subconsciência, com distorção e translação de imagens psíquicas, concluindo, finalmente, com o patológico da neurose. Não me refiro, naturalmente, a quem crê, sente e raciocina. Conheço bem, no entanto, o contrário – a mentalidade preconceituosa de certa ciência catedrática e oficial, e é a esta que aludo.

Agora, quando nos achamos diante de um tratado em que o sentimento é relegado a plano secundário e se enfrentam e resolvem problemas que aquela ciência provou ser incapaz de resolver, por quanto por concepções arbitrárias absurdamente os situou, aquela ciência não poderá refugiar-se muito facilmente na hipótese do patológico e o fenômeno mediúnico inspirativo, revolucionando, como método de pesquisa, o passado, não poderá senão resplandecer em toda a sua beleza. Se me abandono, em certos momentos, ao meu lirismo, no ímpeto das impressões, ele é sempre circunscrito e controlado por uma fria razão que é minha garantia, é sempre refreado por uma subversão de psicologia, que em mim é rápida e instintiva e que me leva a ver de cada ideia o seu contrário, e a demolir o que não é bem firme, com a psicologia destruidora do ceticismo científico. A fusão entre fé e ciência, tão auspiciada, já se completou em meu espírito, visão única na substância e de uma a outra eu passo unicamente por uma mudança de perspectiva visual ou de focalização de meus centros psíquicos.

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Abaixemos, portanto, as luzes e entremos no Templo do pensamento. Vamos penetrar num mundo de vibrações delicadas, de formas fugidias, que o pensamento cria e destrói, mundo de fenômenos evanescentes e sutis e, no entanto, reais.

A insolubilidade de muitos problemas talvez seja motivada justamente por situá-los de maneira errônea, a solução é muitas vezes impedida pelo próprio preconceito, embora inconsciente, a conclusão já é dada pela primeira posição do problema.

Aproximamo-nos da gênese do pensamento. Talvez todo o fenômeno do pensamento não seja senão um fenômeno mediúnico de ressonância noúrica e possam ambos reduzir-se ao mesmo princípio, e assim, muitas diferenciações preconcebidas, que prejudicam a visão substancial do fenômeno não terão sentido.

Virão à luz expressões audazes e desconcertantes, mas quero levar à superfície da consciência – onde tudo é claro, sensível, racional – estes mistérios evanescentes das profundezas, quero medir este, quase direi – singular pensamento radiofônico, que tão estranhamente emerge dos abismos.

Desçamos às profundezas desse oceano que existe no íntimo de nossa personalidade psíquica.

Começo do exterior, da superfície, da descrição do ambiente. Não posso escrever em qualquer lugar. Num ambiente de desmazelo, desordenado, desarmônico, não asseado, novo para mim, não impregnado de minhas longas pausas do meu estado de ânimo dominante, não harmonizado com a cor psíquica de minha personalidade, não posso escrever senão mal e com esforço. Eis-me, ao contrário, em meu pequeno gabinete, ambiente de paz, onde os objetos expressam minha própria pessoa, onde a atmosfera é ressoante de minhas vibrações e tudo, por comunhão de vida, está sintonizado com meu temperamento. Por aí me deter, longamente, para pensar e escrever, saturei as paredes, a mobília, os objetos, de um particular tipo de vibração, que agora a mim retorna como uma música que harmoniza o meu pensamento.

Este é o primeiro problema: harmonização, que me permite a seleção de correntes e a imersão nelas; esses delicadíssimos estados de consciência não posso atingir senão num oásis de paz, através de um processo inicial de isolamento vibratório do violento ruído do mundo.

Antes de lançar-me à exploração do supranormal, tenho necessidade de encerrar-me, para minha ajuda e proteção, nesse invólucro de vibrações simpáticas, harmônicas, leves, como um veículo que me permita flutuar no oceano das vibrações comuns da vida humana, que são densas, sufocantes, cegas.

É noite, aproximadamente dez horas. É ótima hora, em que minha capacidade receptiva se intensifica, até cerca de 1h da madrugada, em que diminui, então, por cansaço. Existe um antagonismo entre meu pensamento e a forte radiação solar; parece que a luz embaraça minhas funções inspirativas, neutralizando as correntes psíquicas que me circundam. Amo as luzes tênues, difusas, coloridas, que deixam vaguear os objetos nos contornos indefinidos da penumbra.

Li que quando Chopin improvisava, fazia baixar as luzes e procurava a “nota azul”, que devia ser a nota de sintonização entre sua alma e a do público.

No meu caso, o público está materialmente distante, mas espiritualmente está presente e próximo, e eu o sinto, imenso, estrondeando mil vozes: é a alma do mundo.

Minha solidão está cheia dessas vozes; é um oceano sem limites, que sobe em marés, ruge na tempestade, submerge-me e levanta-me em seus vagalhões. Depois, se aquieta e escuta, vencido por essa potência de pensamento que me arrasta.

Em minha sensibilidade, o pensamento adquire o poder do raio, as correntes espirituais do mundo são tangíveis, essas forças sutis são reais; e entre elas vou avançando e com destreza navegando.

A princípio, sinto-me extraviado, sozinho no vácuo, e imploro apoio moral, consentimento, confiança. Peço às menores harmonizações de ambiente o primeiro auxílio para o impulso, peço um encaminhamento a uma cadeia de simpatias humanas, que funcionem como círculo mediúnico, embora espiritual e longínquo: uma espécie de caixa de harmonia das minhas ressonâncias espirituais.

Vou subir a uma atmosfera rarefeita e minha humanidade tem necessidade de um invólucro de simpatia que a aqueça e proteja, que a auxilie a lançar-se além da zona humana das tempestades, onde minha alma se encontra exposta ao embate de forças titânicas. Não se pode imaginar o poder de harmonização que emana de um ato de bondade; a bondade é uma música que eu respiro e que docemente me impele à corrente. Esta vibra muito mais pela bondade que pela sabedoria: é perfeição moral.

Para conquistar o conhecimento, devo alcançar um estado de purificação, que é leveza espiritual. Apresentam-se, desde agora, as necessárias relações entre evolução e ascensão, de um lado, e mediunidade inspirativa, de outro; esboça-se a afirmação de que a verdadeira ciência não pode ser senão missão e sacerdócio.

Atingido o estado de tensão nervosa indispensável para submergir-me na corrente, esta me arrasta, o próprio estado de tensão me protege do choque das vibrações inferiores e o mundo humano desaparece, distanciando-se de minhas sensações. Basta a imersão das noúres para poder absorver-lhe todo o alimento energético e atingir o isolamento das correntes inferiores. Isso constitui felicidade, êxtase, esquecimento de tudo, até o momento de despertar na consciência normal, em que há uma espécie de penosa turvação de potência perceptiva.

Antes, porém, de estabilizar-me nessa como estratosfera de evolução, enquanto atravesso as camadas inferiores, permaneço vacilante na minha hipersensibilidade, desproporcionada à violência do assalto, muito vulneravelmente exposto ao choque de forças misteriosas. Sinto essas forças vagarem em torno de mim. Sinto, como sentem todas as formas da vida, o terror, a ameaça de um perigo desconhecido nas sombras.

Se, no alto, sou forte, porque sustentado pela corrente, sou humanamente débil cá em baixo, e devo, timidamente e sozinho, dar os primeiros passos dessa grande viagem, que implica numa transformação de consciência. Procuro conseguir isso, auxiliando-me com um processo de progressiva harmonização, que se opera do exterior para o interior. É com a harmonia, começando no campo acústico musical, que consigo vencer as dissonâncias dilacerantes das correntes barônticas10 do mal, utilizo a música como primeiro degrau no caminho do bem e da ascensão do espírito. Isso estabelece relações, ainda não suspeitadas, entre música, prece e evolução da alma para o bem.

Harmonizar-me é o meu problema, porque subir significa encontrar a unificação, porque, ascendendo, minha sensibilidade aumenta e mais sofro por qualquer dissonância.

Um dos tormentos de minha vida é a convivência no torturante estrépito psíquico humano, que só a insensibilidade dos involvidos pode suportar. Assim, uso a música como outro meio inicial de sintonização de ambiente, a fim de que me ajude a saltar da harmonização nesse primeiro plano sensório exterior, para minha harmonização nos mais altos planos supersensórios; essa música obtenho através do rádio e do disco, especialmente a melhor música sinfônica, tipo Wagner, Beethoven, Bach, Chopin e outros.

Então, lentamente, a percepção sensória do mundo é substituída por uma diferente, interior, anímica, que tudo sente diversamente.

As harmonias musicais da audição se transformam nas mais profundas harmonias dos conceitos. Música suave, e em torno, silêncio completo. Luzes moderadas, em tom menor, em torno, tudo escuro. Minha alma é uma chama que arde na noite.

Percebo sua luz e seu cântico, solitários, e eles surgem assim, logo que adormece a consciência do dia. Lentamente, as coisas perdem o seu perfil sensório, então vejo vibrar seu espírito. E ouço a voz das coisas, que cantam. Minha consciência adormece para o exterior, o meu eu morre para as coisas do dia, mas ressuscita numa realidade mais profunda.

É noite avançada. A vida humana repousa, em silêncio. São antagônicas as duas vidas: a do pensamento desperta, enquanto a outra adormece.

E quanto mais adormecido, mais me torno inconsciente da realidade exterior, volitivamente consumido, ausente do mundo de todos, e mais a visão se faz nítida e profunda e mais consciente ressurjo nessa lucidez interior.

A sonolência é, portanto, superficial e condiciona o despertar num outro estado de consciência, diferente, mais profunda, mas sempre minha, ativa, lúcida. Processa-se uma como contraversão no funcionamento psíquico humano, à medida em que se distanciam os estados de atenção volitiva que o caracterizam, dá-se uma inversão de consciência, uma conquista de potência na passividade, tanto que desaparece toda sensação de trabalho e esforço e se produz num estado de abandono.

A vontade, no comum sentido humano, encerrada num círculo de conquistas terrenas, é verdadeiramente para mim um estado de vibração involvido e violento, que perturba os mais sutis estados vibratórios do pensamento. Os volitivos comuns, se são aptos para dominar, são impotentes em face dessas delicadas percepções.

Lentamente, então, vou perdendo a sensação física do corpo, embalado por complexos ritmos sinfônicos de uma vasta orquestração, e adormeço num estado de tranquilidade confiante.

Atravessada essa primeira fase de negação sensória, desperto além da vida normal numa outra consciência. Adormentados os sentidos, desaparecido de minha percepção o mundo concreto que me circunda, posso abismar-me na vertigem da abstração. Não estou morto, nem passivo, nem inconsciente, porque todas as sensações da vida retornam, mas com uma potencialização nova e maravilhosa de todas as faculdades de minha personalidade, com um vigor e uma profundeza de percepção e ainda com um lirismo de afetividade que antes desconhecia; parece que somente agora, despida a alma de sua veste corpórea, ela poderia revelar-se inteiramente.

O pensamento regressa, mas com uma sensação de potência titânica, com uma profunda lucidez de visão, com uma rapidez vertiginosa de concepção; percebo-o despojado de palavras, em sua essência. Sou possuído de uma sensação de leveza e de libertação de véus e limitações; sinto dotada minha consciência do poder da intuição e do domínio de uma nova dimensão conceptual. Despertou-se-me um olhar mais penetrante, que vê o interior e não mais somente a superfície, que regista nas coisas não só reflexos óticos, mas também psíquicos; esse novo olhar já não é interceptado pela forma, mas penetra diretamente na substância, buscando o conceito genético, o princípio que anima e governa as coisas. Vejo, então, o que se encontra além da realidade sensória do mundo exterior, isto é, as forças que o movimentam e lhe mantêm o funcionamento orgânico. Essas forças tornam-se vivas, os fenômenos me aparecem com uma vontade própria de existência, uma potência de individualidade que investe sobre mim e grita: eu sou.

Cada forma se reveste de um hálito divino de conceito que eu respiro; é então que sinto, verdadeiramente, que o universo é um grande organismo dirigido pelo pensamento de Deus. Tudo possui, então, uma voz e me fala; todas as forças, todos os fenômenos, toda a vida, desde o mineral, todas as criaturas de Deus irradiam um cântico que eu escuto e percebo harmonizar-se na sinfonia imensa da criação. Desenvolve-se um colóquio íntimo que registo; despertaram todas as criaturas irmãs e me olham dizendo: “Quem és tu que ouves? Escuta-nos, nós te falamos”.

O colóquio torna-se, então, um imenso amplexo, um perder-se de aniquilamento no seio de uma luz resplandecente. A ciência é um cântico e uma oração. Abre-se o abismo do mistério e contemplo: é uma visão, um êxtase. Mais não sei dizer.

Não há palavra que possa descrever a vertigem desses estados de consciência, a potencialidade desses clarões interiores, o júbilo dessa paixão maior que a vida e a morte, a festa dessa liberação do corpo e dessa fuga da Terra, a sensação de força e de eterna juventude que emana desses triunfos do espírito. Assim, imagino o meu paraíso.

Relato essas coisas para inflamar os ânimos, induzindo-os a essas altas paixões, porque desejo que todos encontrem essa vida de perene mocidade e o dinamismo incansável que existe na substância vibrante do espírito. Esse vórtice de sensações faz perceber, do modo mais palpável, que o espírito existe e que sua potência suprema não pode morrer.

Terminada a visão e a registação, o processo se inverte numa descida: é o retorno à consciência humana. Assim como o “trans lúcido” e consciente é preparado por uma fase de adormecimento, do mesmo modo termina por uma fase de despertar; essa sonolência e esse acordar referem-se à minha consciência normal, porquanto em face da minha outra consciência os termos simplesmente se invertem. Para que uma possa despertar, é necessário que a outra adormeça. Evidentemente, a volta ao estado normal dá-me vivíssima sensação de enfraquecimento intelectivo, de redução da personalidade, de queda em dimensões mais involutivas, em que tudo está comprimido entre barreiras e encerrado em limitações: há uma sensação de gigante abatido.

Torno a cair, então, na realidade cotidiana, onde os outros têm razão e não eu. A visão desfaz-se, o céu se fecha. Estou sozinho. Novamente encontro o trabalho e o cansaço da vida e retomo o peso da minha luta de cada dia.

Tenho, pois, a sensação de que existem em mim duas consciências, colocadas e operantes em planos visuais distintos. Elas se excluem mutuamente e me disputam o campo da personalidade, que não podem possuir plenamente, senão cada uma por sua vez. É necessário, antes, que eu adormeça, como num sonho, e é nesse so-nho que o meu eu pode transferir-se à consciência mais profunda.

Estudaremos melhor, a seguir, o significado dessas diferentes focalizações e deslocamentos de centro de consciência, porque aí se encontra a chave de minha técnica receptiva.

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A rápida descrição dessas minhas sensações, esta narrativa do meu caso interior, que anteponho para enquadrar o fenômeno, já basta para fazer nascer na mente do leitor um bom número de interrogações. A elas daremos gradualmente resposta.

Tive que descrever o fenômeno no seu lirismo, na intensidade com que o senti e vivi – isso para ser verdadeiro e objetivo –, tendo por fim apresentar fotograficamente o fato interior. Agora, vou deixar de lado meus entusiasmos e encará-lo com diferente psicologia analítica.

Embora esses meus estados de ânimo, mobilíssimos, porque incontroláveis pela observação exterior (embora me sejam necessários), possam reduzir-se a um acontecimento pessoal de relativa importância, e também ser discutidos e negados, todavia resta sempre, tangível e indestrutível, o seu produto: o volume que foi escrito, com seu conteúdo filosófico e científico, com a solução dos problemas defrontados, com sua técnica de pensamento, elementos largamente suscetíveis de observação.

O fenômeno completo, embora encerrado em sua imobilidade, é uma afirmação realizada, que aí está como testemunho; e os sutis processos de combinações psíquicas que lhe deram origem podem ser reconstituídos.

Os estados psicológicos acima descritos não foram inúteis, porquanto geraram um efeito, que deve ter uma causa; embora possam parecer de exaltação, produziram um organismo conceptual lógico e profundo. Se o efeito revela a natureza da causa, se ele é uma construção racional, precisa, completa, não é justo atribuir sua origem ao acaso ou a uma anormalidade psicológica ou patológica; se o escrito supera a potência cultural e intelectiva do escritor, deve existir em algum lugar uma fonte que a tudo isso deu origem.

Conservar-se cético, negar uma causa ao efeito, não perceber um liame de proporções entre os dois termos, não é racional, nem científico.

Esses meus estados psicológicos ainda representam mais: significam uma nova técnica de pensamento que pode revolucionar os processos psicológicos até agora habitualmente usados.

Este exame que aqui estou fazendo não tem somente a importância de um estudo sobre um particular tipo de mediunidade, mas é o estudo do grande problema da gênese do pensamento, de uma sua novíssima técnica, de um novo método de pesquisa filosófica e científica. Essa técnica e esse método eu os usei largamente e aqui apresento seu primeiro resultado. Denomino-o método da intuição e, como já o tenho adotado, proponho-o, por ser mais poderoso que o método indutivo-experimental. Este último, creio, já deu seu máximo rendimento; também creio necessário mudar de sistema, se a ciência deseja progredir em profundidade, se quer encontrar sua unidade, agora que está em perigo de pulverizar-se no particular e na especialização, se quer descobrir os princípios centrais e obter uma conclusão, após tantos anos de inúteis tentativas. Urge devolver à ciência, que descambou em utilitarismo, a dignidade que lhe é própria, levando-a a descobrir no campo do espírito, guiando-a ao caminho justo da verdade, que o mundo espera e pede há tanto tempo, em vão. Urge elevar a ciência ao nível da fé, para que se funda com está e se unifique o pensamento humano. Também esse é o objetivo da obra que recentemente concluí.

Abstraindo embora seu conteúdo, que pode ser considerado como revelação, o referido escrito permanece íntegro, no campo científico, como realização completa do novo método de pesquisa. Com este método, sem profunda e especializada preparação cultural, com rapidez e trabalho relativamente mínimo, pude resolver problemas que os outros métodos não conseguiram solucionar.

O método da intuição é o método da síntese, dos princípios, do absoluto, é o método interior da visão e da revelação; o método indutivo-experimental é o método da análise, do relativo, é o método exterior da observação. O segundo é prático, utilitário, mas desperdiça o conhecimento; o primeiro é abstrato, teórico, mas toca a verdade absoluta, atinge os princípios universais diretivos dos desenvolvimentos fenomênicos.

Há a considerar também a questão da Entidade, ou seja, do transmissor, questão árdua, para cuja solução teremos, mais adiante, melhores elementos de juízo. Por enquanto, devo observar que, conforme suas próprias declarações, a fonte afirma não ser uma personalidade no sentido humano. Em sua primeira comunicação, Sua Voz, enuncia, realmente, como primeiro fato, estas já citadas palavras: “Não perguntes meu nome, não procures individuar-me. Não poderias, ninguém o poderia; não tentes inúteis hipóteses”. Além disso, tenho lido, repetidamente, na imprensa espírita, que é mais séria e mais verdadeira essa impessoalidade do centro transmissor do que seu exato definir-se numa assinatura, embora esse nome seja dos grandes da História. E é intuitivo que embora sobrevivendo, a personalidade humana deva experimentar mutações que lhe fazem perder seus atributos humanos, seus sinais de identificação psíquica e as características que lhe eram próprias no ambiente terrestre. E isso deve ser mais intensamente positivo quando se trata de Entidades que jamais viveram na Terra, ou também que sejam tão elevadas que vivam normalmente em dimensões conceptuais e planos de consciência superiores.

E se a virtude destes meus estados psíquicos particulares é de fazer-me atingir, conscientemente, esses planos, deverei achar suficiente falar não de Espíritos no sentido comum, mas somente de centros emanantes de correntes psíquicas, as noúres, em que justamente se processa minha imersão, correntes que eu percebo, vibrações que registro em minha hiperestesia psíquica. Reconhecer-se-á lógica a necessidade de alteração de perspectivas, quando se pensar que longa e estranha viagem seja necessário realizar até atingir o outro limite da comunicação.

Por isso, meu caso é bem diferente dos tipos comuns de mediunidade. Não é mediunidade física, de efeitos materiais, que lança mão de centros humanos e subumanos, de caráter barôntico. Não é mediunidade intelectual inconsciente, em que o médium funciona como simples instrumento e cuja consciência se afasta no momento da recepção. É, porém, mediunidade intelectual consciente no plano superior em que trabalha e para o qual se desloca, na plenitude de suas forças. É, portanto, mediunidade do tipo mais elevado e chego quase a duvidar que em tais níveis possa ainda subsistir toda a estrutura da concepção espírita comum, e se a tudo isso se possa chamar ainda mediunidade, porquanto ela coincide e se confunde com o fenômeno da inspiração artística, do êxtase místico, da concepção heroica, da abstração filosófica e científica, fenômenos todos que possuem um fundo comum e que se reduzem, não obstante as diferenças particulares, ao mesmo fenômeno de visão da verdade no absoluto divino. “Nesses momentos, que são chamados, justamente, de inspiração” – diz Allan Kardec no seu Livro dos Médiuns: “as ideias abundam, se seguem e se encadeiam por si mesmas, sob um impulso involuntário e quase febril; parece-nos que uma inteligência superior vem ajudar-nos e que nosso espírito se haja desembaraçado de um fardo. Os homens de gênio, de todas as classes, artistas, cientistas, literatos, são indubitavelmente espíritos adiantados, capazes de compreender e conceber, por si mesmos, grandes coisas; ora, é precisamente porque os julgam capazes que os espíritos, quando desejam executar determinados trabalhos, lhes sugerem as ideias necessárias e assim, na maioria dos casos, eles são médiuns sem o saberem”.

Concebo, desse modo, estes estados e qualidades como uma sublimação normal de todo o meu ser psíquico, atingida por minha natural maturação biológica, que figuro como uma continuação, no campo psíquico, da evolução orgânica darwiniana. Foi desse ponto de observação, a mim oferecido por estados de consciência, supranormais em face da mediana evolução biológica, mas normais para a fase por mim atingida, foi desse ponto de observação que eu pude contemplar a síntese do cosmos. E é por isso que, desse nível biológico, me inspira o maior desagrado a mediunidade física, que percebo como algo de violento, sufocante, involvido. Deixo a esse mais áspero trabalho do espiritismo o valor probatório para a hodierna ciência da matéria, para os cegos do espírito, mas permaneço em minha sensação de aversão e de desagrado.

A minha paixão é, ao contrário, subir, sutilizar-me espiritualmente, aperfeiçoar-me sempre como percepção. E esta é a condição de minha mediunidade. Fujo, por isso, do que é terreno, das formas de vida humana, de todas as manifestações barônticas que arrastem meu espírito para baixo e, ao invés de abri-lo para a compreensão e a luz, o sufocam num cárcere de trevas.

Minha paixão é evadir das baixas camadas da animalidade humana e essa é minha meta e o significado de minha mediunidade. Quando esta, embora vagando no além, permanece em nível humano ou subumano, não tem mais razão de existir para mim, porquanto não mais significa evasão e libertação. Observar o mundo dos vivos ou mundo dos mortos é para mim problema secundário em face do de minha evolução. Sou um exilado na Terra e busco desesperadamente a minha gente e a minha pátria distante. Meu esforço objetiva reencontrar algo de grande que já senti ou vivi, um conhecimento, uma bondade, um poder que ruiu, não sei como, neste mundo. Meu esforço é para subir, subir moralmente sempre mais, para aprender sempre melhor a manter-me em equilíbrio estável ao nível de consciência representado por essas noúres que eu capto e registo. Procuro, simplesmente, tornar normal para meus pulmões a respiração, que é difícil para um ser humano, naquela atmosfera rarefeita, mas puríssima e esplêndida.

Toquei de leve, neste momento, uma corrente que me delineia uma interpretação do fenômeno. Sinto, desse modo, muitas vezes, nascerem em mim os mais inopinados conceitos. Minhas capacidades consistem, portanto, no saber eu mover-me, em plena consciência, de um plano conceptual humano a um plano conceptual super-humano; no saber efetuar, com a sonda de minha superconsciência, reconhecimentos nas profundezas do plano superior e trazer os resultados da investigação à consciência normal, para poder, através desta e em terminologia desta consciência, fazer a comunicação dos mesmos, isto é, pô-los em forma racional, compreensível aos meus semelhantes. Eis o conceito de que falei: a linha que percorro e ao longo da qual me elevo e desço é a dimensão “evolução” (A Grande Síntese, cap. “Teoria da Evolução das Dimensões”). Tudo isso pode acontecer porque me encontro numa fase de transição e transformação entre consciência e superconsciência, que ainda me permite oscilar entre as duas fases contíguas de evolução psíquica.

Em face de tudo isso, pode-se ver como se deve abandonar, caso se queira compreender a fundo o problema, o simplismo da ideia de uma Entidade que fala mais ou menos materialmente aos ouvidos do médium. E daí também se compreende a extraordinária importância que tem esta minha qualidade de recepção inspirativa, para completá-la, mantê-la e aperfeiçoá-la, o fator moral; compreende-se que importantíssima função possui, em face dessa minha mediunidade, o fator dor, que refina, educa, purifica; compreende-se como fazem parte integrante do fenômeno e como é necessário dar-lhes um verdadeiro peso científico, fatores de caráter religioso, ético, espiritual, que a ciência acreditou até agora poder ignorar como não-valores.

No meu caso, por isso, a recepção se realiza por sintonização, isto é, capacidade de vibrar em uníssono, que se pode chamar simpatia, envolvendo o conceito de afinidade de natureza. Devo, então, submeter minha natureza humana ao martírio de viver num nível que não é o seu, entregando-se em holocausto de uma lenta morte; devo saber continuamente realizar entre as cargas de minha vida humana diária, o esforço de erguer-me, como consciência, um nível sobre-humano e nele manter-me, através de uma tensão nervosa esgotante, em que muitas vezes me abato, caindo humanamente desfalecido. É através de um sofrimento contínuo que posso declarar-me uma antena lançada no céu dos antecipadores da evolução. Só a dor pode permitir e perdoar a audácia destas afirmações.

Referi-me, assim, às notas fundamentais do fenômeno total como eu o vivo. Pode definir-se como um estado de acentuada hiperestesia psíquica que me permite a captação consciente de correntes conceptuais emanantes de centros psíquicos que existem em formas biologicamente superiores e dificilmente individualizáveis para o homem, em face de suas limitações sensórias e conceptuais. Esses estados podem ser chamados medianímicos e são no meu caso conscientes, lúcidos, utilizáveis pela minha possibilidade de retroceder biologicamente aos estados de consciência normal e traduzi-los em forma humana de pensamento; possibilidade, para mim, de oscilar entre essas duas consciências, que são duas fases de evolução biológica, no nível psíquico. São capacidades supranormais em face do nível médio, mas normais para mim, porque atingidas por normal processo evolutivo: capacidades abertas a todos e às quais a humanidade chegará por via normal de evolução no tempo. Fenômeno de sintonização entre os dois centros comunicantes, o que implica afinidade e, de minha parte, a tensão para manter-me num alto nível biológico, expresso neste campo psíquico por leis morais. Tudo isso eu adoto praticamente como um novo método sintético por intuição, de pesquisa filosófico-científica; tenho-o utilizado, ofereço-o e também seus resultados à ciência, para seus objetivos. No fundo, não é senão o antiquíssimo método dedutivo, da revelação, que a ciência, atualmente, trocou pelo método indutivo: é o retorno às fontes da verdade, ao outro extremo visual do conhecimento.

Com este método, introduzem-se na pesquisa científica fatores delicadíssimos. Considero absurdo falar, no presente caso, de gabinetes e experimentações num sentido materialista, porque a primeira coisa a fazer não é tanto induzir o cientista a estudar o fenômeno com sua psicologia, mas reconstruir, desde os fundamentos, a psicologia do cientista. Meu fenômeno não pode ser apenas objeto de observação, mas é um método científico “para a observação”, em que não se procede por verificações exteriores e superficiais com meios sensórios e instrumentos apenas, mas se usa a consciência do observador, que é elevada a instrumento de pesquisa. Procede-se, aqui, por sintonização entre o psiquismo do observador e o psiquismo diretivo do fenômeno; é necessário, em outros termos, que a alma do observador se dilate e expanda do interior para o interior e entre em contato com a substância, o princípio animador do fenômeno e não somente com sua forma externa e com o aspecto exterior de seu desenvolvimento. É o estado de espírito do poeta e do místico, de simpatia por todas as criaturas, de paixão de conhecimento para o bem, de visão estética do artista, não mais vagas, mas dirigidas com exatidão científica no campo das concepções abstratas.

Nestas formas de pensamento, sinto que se dilatam os horizontes novíssimos da ciência do futuro, sinto que nestes conceitos que aqui estou expondo está a semente de uma profunda revolução na orientação do pensamento humano, sinto que este assunto é o problema fundamental, o mais importante a que possa dirigir-se hoje a mente humana. Aquém deste estudo, que parece apenas de um caso pessoal, se agita o grave problema do conhecimento humano e dos novos métodos para atingi-lo. Tudo isso demonstra que a verdadeira ciência, a profunda ciência que toca a verdade, só é atingida pelas vias interiores, através de um processo de harmonização da consciência com as leis da vida e com o divino princípio que tudo rege; demonstra que os caminhos do conhecimento não podem ser senão os caminhos do bem, que o saber é um equilíbrio de espírito, que a revelação do mistério não se verifica senão quando se alcança a fase de perfeição moral; demonstra que a ciência agnóstica, amoral, é a ciência do mal, que se destrói a si mesma, e que é absurdo, portanto, ignorar certos imponderáveis substanciais e prescindir do fator ético na pesquisa; demonstra, finalmente, que a ciência não deve ser senão uma ascensão cultural e espiritual tendente à unificação de tudo – arte, filosofia, religião, saber – em Deus. Porque a lei de evolução é também lei de unificação.

Com este método, escrevi uma obra que foi publicada como ditado mediúnico e isso, se corresponde à verdade, não basta para fazer compreender todo o fenômeno. Vê-se agora como esse escrito foi gerado num plano de consciência supranormal e que eu tinha que possuir as qualidades necessárias para saber transferir-me àquele plano e, assim, poder perceber aqueles conceitos. Meu esforço não foi, na verdade, o esforço cultural do estudioso, mas um trabalho completamente diverso. Nada de livros, de resto inexistentes em tais campos inexplorados e sobre tais novíssimas concepções; nenhuma preparação cultural particular, nenhuma coleta de materiais, nenhuma pesquisa, no passado, do pensamento alheio, mas um contato imediato com o problema e com o fenômeno, com uma nova e diferente focalização de consciência. A libertação do estorvo cultural foi, pelo contrário, a primeira condição, que me permitiu a leveza necessária ao voo e uma espécie de virgindade de espírito, livre de todos os preconceitos de precedentes interpretações alheias. A dificuldade da composição não se assentou no estudo de livros, mas na busca do estado de espírito. O fenômeno e sua lei me falaram diretamente, sem véus; a verdade me tocou como um lampejo de concepção instantânea; nenhuma incerteza, jamais a tentativa da hipótese: Prendia, num voo, o princípio, sem perder-me nunca no dédalo do particular e da análise. Jamais oscilei na dúvida em que a ciência se debate. Nenhum registo necessário, multiplicado pela observação prolixa e paciente; não mais o comportamento lento e incerto do cego que, para certificar-se da segurança, deve tocar tudo de todos os lados, mas um senso da verdade, uma registação rápida de totais, uma potência de síntese que imediatamente conclui. Não mais um mesquinho contato com o fenômeno, apenas pela estreita via dos sentidos, mas uma comunhão aberta de par em par, uma transposição completa do meu centro consciente ao centro do fenômeno, seja ele o menor ou o máximo do universo. Os dois termos, que devem compreender-se, observador e fenômeno, eu os ponho à mesma altura; não me canso em mudar os casos e as condições do fenômeno, mas mudo o observador e suas qualidades perceptivas; restituo sua alma ao fenômeno e a compreendo. Na transmutação da consciência, sintonizo os íntimos movimentos vorticosos do meu psiquismo com aqueles que constituem a essência do fenômeno; reduzimo-nos ambos (eu e o fenômeno, elementos que devem tocar-se) à última e mais simples expressão cinética. Reduzidos, assim, ao mesmo denominador, as duas expressões podem comunicar-se, minha consciência pode sobrepor-se e coincidir com a consciência do fenômeno. Este método de pesquisa por sintonização fenomênica atinge também fenômenos longínquos ou não mais reproduzíveis, não suscetíveis, portanto, de observação, como, por exemplo, as origens da vida, as dimensões conceptuais etc, fenômenos que não podem ser arrastados senão com esses meios de pesquisa, pois a ciência não os possui.

Nestes estados, não sou apenas consciente, mas também ativo centro investigador e não me limito à percepção de noúres ou correntes de pensamento emanantes de centros psíquicos de mim distintos, mas sinto diretamente a grande voz das coisas, vejo o princípio que as anima, percebo as correntes que delas emanam. É natural que, transferindo-me a um plano de consciência mais avançado em evolução, tudo naquele nível se manifeste em forma de vibração psíquica, porquanto nas fases superiores todo o universo se torna espírito. E tudo abarco porque, se na consciência normal adormeço, numa outra desperto, e esta é muito mais elevada e potente; nesta, adquiro uma nova amplitude de visão e de discernimento, visão minha, livre e autônoma. Também na percepção e captação de noúres permaneço consciente, examino, exercito um poder de juízo e de escolha. Daí se pode compreender a que grau de consciência atinge minha mediunidade e como eu domino completamente o fenômeno em toda a sua extensão, permanecendo senhor de suas possibilidades.

Apresenta-se agora uma delicada questão: saber se o seu produto é absolutamente meu; em outros termos, a quem cabe a paternidade da minha produção, chamada mediúnica. A questão é sutil, justamente porque em tais níveis de consciência não só conquisto um particular poder de visão no absoluto, não só percebo o pensamento de outros centros, como também naquele nível a distinção individualista humana, própria do separatismo imperante nos planos mais baixos de evolução, anula-se na unificação, própria dos planos superiores. Já afirmei que a lei de evolução é também lei de unificação. Subindo a superiores dimensões conceptuais é natural, portanto, que a individualidade se reabsorva na unidade. Atingindo aqueles planos, eu sinto, na verdade, apagar-se a distinção entre o eu e o não-eu, sinto-me anulado, fundindo-me e ressurgindo numa unidade mais alta e poderosa, sinto atuar-se a unificação entre mim e o princípio animador dos fenômenos, não apenas entre mim e as noúres, mas ainda, entre mim e os centros de pensamento que as emitem. Ascendendo-se, atinge-se a unificação com o princípio universal em que a individualidade se aniquila. Meu ser se harmoniza, então, de tal modo com o funcionamento orgânico do universo que dele não se sente mais separado, unificando-se, fundindo-se e perdendo-se no grande incêndio de luz da Divindade.

É para mim difícil reduzir a grandiosidade de sensações deste fenômeno aos termos do vocabulário mediúnico. Muito mais difícil porque devo ainda, por amor à verdade, acrescentar que também nos estratos inferiores de minha consciência, quando o trabalho lhes era apropriado, este lhes era confiado em colaboração harmônica pela lei do meio mínimo. Alguns, ao julgar-me, procuraram a evidência do fenômeno mediúnico na ausência, em mim, de uma adequada preparação cultural e viram a prova disso no contraste entre minha cultura, amplamente inferior ao escrito produzido, até ao ponto de considerar que, quando falta esse contraste, o fenômeno deve ser julgado suspeito. E se escandalizam por eu abolir, abertamente, no meu caso, essa presunção de completa ignorância como elemento probatório e por diminuir essa distância entre as capacidades culturais do médium e o produto intelectual. Já falei, porém, sobre sintonização. É evidente, pois, que o centro receptor, para poder entrar em ressonância deve saber elevar-se até atingir um estado de afinidade qualitativa com o centro transmissor, que tanto pode ser uma noúre, como a alma do fenômeno em sua própria expressão. E nos assuntos mais modestos, como a compilação de um quadro, de um diagrama, a execução de um desenho, o controle de um cálculo ou de uma fórmula, o desenvolvimento de conceitos mais simples, o próprio, mas raro retoque da forma etc., é natural, é justo que esse trabalho menor de contorno, esses serviços secundários sejam confiados à psique menor, para deixar, evitando inútil desgaste de energias, o trabalho central de direção à psique superior, que se reserva a função mais elevada de lançar os planos da obra e iluminar a essência dos fenômenos. Tudo isso corresponde a um plano lógico de divisão de trabalho.

Ouçamos o que, sobre o assunto, diz Allan Kardec no seu O Livro dos Médiuns: “É possível reconhecer-se o pensamento sugerido, por não ser jamais preconcebido; nasce à medida que se escreve e é frequentemente contrário à ideia que anteriormente se formara (exatíssimo); pode, além disso, ser superior aos conhecimentos e capacidades do médium (...). Este último, para transmitir o pensamento, deve compreendê-lo e, de certo modo, apropriar-se dele a fim de traduzi-lo fielmente e, no entanto, esse pensamento não é seu ... (pag. 243). Todo aquele que, seja no estado normal, seja no de êxtase, receba, pelo pensamento, comunicações estranhas às suas ideias preconcebidas, pode ser colocado na categoria dos médiuns inspirados. Esta é uma variedade de mediunidade intuitiva, com a diferença que a intervenção dum poder oculto é aí muito menos sensível, tornando-se ao inspirado muito mais difícil distinguir o pensamento próprio daquele que lhe é sugerido. O que caracteriza este último, é, sobretudo, a espontaneidade”.( pag.244)

Leio mais adiante, no mesmo volume, uma comunicação de um Espírito que diz: “Quando encontramos em um médium o cérebro dotado de conhecimentos adquiridos em sua vida atual e o seu espírito rico de conhecimentos anteriores, latentes, próprios a facilitar-nos as comunicações, dele nos servimos de preferência, porquanto com ele o fenômeno da comunicação é muito mais fácil do que com um médium de inteligência limitada e cujos conhecimentos anteriores sejam insuficientes (...). Nossos pensamentos não necessitam da vestimenta das palavras (...). Um determinado pensamento pode ser compreendido por tais ou quais espíritos segundo seu adiantamento, ao passo que, para outros, esse pensamento, não despertando nenhuma lembrança, nenhum conhecimento que se abrigue em seu coração ou em seu cérebro, não lhes é perceptível (...). Com um médium, cuja inteligência atual ou anterior se ache desenvolvida, nosso pensamento se comunica instantaneamente, de espírito a espírito. Neste caso, encontramos no cérebro do médium os elementos apropriados a vestir nosso pensamento com a palavra correspondente ao mesmo. Eis porque os ensinamentos assim obtidos conservam um cunho de forma e colorido pessoais ao médium. Se bem que os ensinamentos não provenham de modo algum deste, ele influi sempre em sua forma, tanto pelas qualidades quanto pelas propriedades inerentes à sua pessoa (...). Quando somos obrigados a servir-nos de médiuns pouco adiantados, nosso trabalho se torna muito mais longo e penoso, porque somos coagidos a recorrer a formas incompletas, o que é para nós uma complicação. Sentimo-nos felizes, por isso, quando podemos encontrar médiuns aptos, bem aparelhados, munidos de materiais prontos a serem utilizados (...). É por essas razões que nos dirigimos de preferência às classes cultas e instruídas (...) e deixamos aos espíritos galhofeiros e pouco adiantados o exercício das comunicações tangíveis, de pancadas e transportes”(...). Uma importante “Observação” encerra, no citado volume, essa comunicação: “Disso deriva, como princípio, que espírito colhe, não às suas ideias, porém, os materiais necessários para exprimi-las, no cérebro do médium e que, quanto mais rico é esse cérebro em materiais, mais fácil se torna a comunicação (...). Compreende-se que os Espíritos devem preferir os instrumentos de uso mais fácil ou, é como dizem, os médiuns bem aparelhados, do ponto de vista deles.”

No meu caso, portanto, a cultura não somente não deve ser excluída, mas é um instrumento precioso fornecido ao centro transmissor, como igualmente podem ser a elevação de sentimentos e a afinidade moral, que são condições de unificação. Minha mediunidade é, portanto, um caso de verdadeira colaboração consciente e ativa; não é, assim, absurdo que sejam chamados a cooperar e a dar todo o seu rendimento os melhores recursos que minha personalidade pode oferecer. Certamente é difícil precisar a distinção entre o meu e o não- meu, como também já não sinto o que existe entre o eu e o não-eu. Se eu sou o pedreiro, terei ofertado algum tijolo, foi-me confiada também a construção de alguma parede e o mecânico trabalho cultural que preenche os interstícios, mas não poderei jamais igualar-me ao arquiteto que concebeu o plano da obra, que lhe traçou as linhas, que por ele sempre velou e ainda assinalou, entre os limites que quis, o meu trabalho menor. Tudo é questão de gradação e de medida. Eu só tive um escopo: o de completar a obra e me dei totalmente a ela com a máxima tensão. Era nessa identidade de metas que se processava a unificação entre mim e o centro superior; e aquele eu, que consagre inteiramente à minha obra, foi conduzido por essa atração do Alto a um tal grau de sublimação que nele não mais encontro o meu pequeno eu normal. Em suma: aquela concepção passou, qual novo Pentecostes, como um incêndio através de meu espírito e todas estas palavras demonstram quanto, não obstante meu desejo de discernimento, torna-me difícil reencontrar-me a mim mesmo naquele incêndio.

Durante o desenvolvimento do texto, oscilava eu entre minha consciência humana e a outra, superior, que também sentia minha naqueles momentos, conforme as necessidades da compilação impunham; aterrava e decolava, quando preciso, porquanto o objetivo era produzir e não estabelecer distinções. Recordo-me muitíssimo bem como, ao engolfar-me como de hábito, sem o saber, na angústia de difíceis soluções e sem saída visível, a inspiração me tomava a mão e me guiava, ela só, através do vazio em que sentia perder-me. Uma direção superior, embora inadvertida e latente, devia estar sempre presente, pois era meu hábito arrojar-me, sem preparação, sobre os argumentos mais difíceis, ignorando aonde chegaria; e não obstante isso, atingia um bom porto, sempre guiado por um misterioso senso da verdade. Todas as teorias e desenvolvimentos conceptuais por mim seguidos não foram, na verdade, meditados; não os compreendi inteiramente senão depois de escritos; eu não conheço um problema senão depois de completamente exposto, porque durante o seu desenvolvimento se processa, em minha mente, um contínuo projetar-se de luzes, um multiplicar-se de perspectivas inesperadas, um surpreendente pulular de imprevistos quase sempre, de modo que eu não sei se dito ou escuto, se escrevo ou leio. Só sei que de mim sai esse fio de pensamento contínuo. Indubitavelmente um controle e um consenso superiores se manifestam em cada palavra, porque uma dolorosa dissonância feriria logo minha hipersensibilidade, apenas me afastasse da linha de harmonização. A execução inferior me foi confiada e eu sigo tranquilo enquanto são suficientes os recursos da consciência humana; muitas vezes, porém, numa curva inesperada, numa passagem difícil, sinto-me atemorizado como uma criança perdida e então me uno novamente ao guia. Recordo-me de que no desenvolvimento da teoria da evolução das dimensões, cheguei a um ponto em que me julguei extraviado, não podendo resistir à tensão; rompera-se-me o fio do pensamento; a visão se apagara aos meus olhos; estava desanimado e havia perdido o senso da verdade. A consciência comum nada me sabia dizer, era cega. Foi então que, passeando, numa hora tardia duma noite estival, num terraço, à luz das estrelas, orando e suplicando, vi toda a teoria num lampejo, um esplendor de conceitos sobre o fundo cintilante do firmamento. Foi um átimo, porque a visão conceptual está verdadeiramente além da dimensão tempo.

A intervenção, pois, do fator supranormal é evidente. É preciso somente compreender a complexa estrutura dessa intervenção e evitar o simplismo que reduz tudo à ação de um espírito sobre os centros psíquicos passivos do médium. Isso justifica a qualificação mediúnica dada ao escrito desde o princípio. Assim como a compreensão da transmissão radiofônica, embora simples para comparação, presume o conhecimento da eletrotécnica, igualmente para entender este meu fenômeno é preciso haver assimilado toda a obra que produzi, como interpretação da fenomenologia universal, para poder também situar este caso harmonicamente no seio do funcionamento orgânico do todo. Atrás destas minhas palavras, como explicação e base, exponho aquele quadro totalitário, quando falo de minhas duas consciências e da minha oscilação entre elas, ao longo da dimensão da evolução, referindo-me à teoria da evolução das dimensões conceptuais e à fase humana da evolução espiritual. É racional e científico, científico também no sentido da velha escola materialista, falar de níveis e planos de consciência. Estes não são mais que os graus sucessivos, as fases da evolução afirmada por Darwin no campo orgânico e continuadas, logicamente, no único campo onde continuação pode e tem de existir, isto é, no campo psíquico. Tudo isso corresponde aos conceitos das religiões e aí se encontra traduzido em diversas palavras que exprimem substancialmente o mesmo, como hierarquias angélicas, ou vários céus, ou esferas celestes. É esta unidade fundamental, na profundeza em que tudo se unifica e a que permaneço aderente, que me permite muitas vezes mudar de forma e estilo, passando equivalentemente da ciência à fé e vice-versa, reduzindo assim os grandes inimigos a questões de palavras e não de substância.

O fenômeno apresenta, portanto, duas faces e resulta justamente de sua conjunção: o lado humano, em que se encontra minha preparação cultural, as qualidades de meu temperamento, o meu grau de evolução e a minha capacidade de transferência a um superior plano de consciência; no outro extremo, está o lado super-humano, que desce, se adapta a mim e ao mesmo tempo me adapta a si, guiando-me e atraindo-me para o Alto. Existem, pois, somente dois centros: um, radiante, transmissor, e um registador, receptor; existem também duas atividades, porquanto ambos os centros, laboriosamente, se acham estendidos, um para o outro, a fim de atingir a unificação. Porque a identificação é a fase da comunhão perfeita. Só através da tensão deste trabalho de recíproca aproximação pode estabelecer-se a comunicação; por isso, de minha parte, como centro registrador e receptor, dou todo o meu esforço e conheço toda a minha fadiga para alcançar a altitude evolutiva do transmissor e nela me manter. A estação receptora não é, portanto, necessariamente passiva como um aparelho radiofônico, mas, sim, conscientemente ativa, sabe, investiga, escolhe, lança-se com as suas forças para conseguir a captação das noúres, multiplica suas energias, dá-se completamente, aniquila-se em face da criação nascitura. É nesse sentido que em minha obra se encontra todo o meu eu, toda a minha fé, minha paixão, minha pobre cultura; ali está meu pequeno eu multiplicado pelo infinito, que, com sua atração me arrebatou para o Alto e fecundou meu esforço, centuplicando-lhe o rendimento. Ali está meu pequeno eu, porque aquela concepção, embora muito longínqua, também se encontra na linha de minha evolução, e eu a senti, palpitante, como um sonho, inatingível hoje, de uma perfeição a cujos pés me humilho, porque não me encontro amadurecido e careço de forças.

Essas noúres superiores estão no meu futuro e me atraem. Encontram-se na outra extremidade, no segundo termo da comunicação. Devemos entender-nos, desde agora, a respeito do conceito de noúres, que é muito vasto e complexo e que aprofundaremos no estudo da técnica do fenômeno.

As noúres não são somente correntes psíquicas, uma espécie de pensamento radiante, apenas vestido da onda dinâmica transformada e evolvida, como seu único suporte sensório; são correntes conscientes que conservam, como as inferiores formas dinâmicas, as qualidades típicas, e nesse caso conscientes, do centro genético. Essas correntes não são senão a expansão daquele centro e conservam sua consciência e conhecimento. Conceitos abismais, porque não sabemos imaginar ondas que possuam tais qualidades. Porém, há mais ainda. Do lado transmissor não devemos enxergar apenas os centros superevolvidos mais ou menos individualizáveis como personalidade, no sentido humano, mas devemos ver também, como já mostrei, a alma dos fenômenos, alma que se manifesta a si mesma, isto é, o psiquismo que existe em todos os fenômenos, o princípio e conceito animador que os assinala e dirige o transformismo contínuo, o eterno tornar-se. Ainda aqui é preciso haver compreendido o espírito de meus escritos. Uma pedra também é viva e existe nela um psiquismo animador, concedido pelo conceito divino que, a cada instante, nela se realiza, exteriorizando-se. Por isso, também uma pedra, ou o mais simples fenômeno químico e físico, emana noúres e é perceptível como noúres, no meu mais elevado nível de consciência. Neste plano, todo o universo se transforma em noúres. Desse meu estado psíquico e dimensão conceptual que, na profundeza, sente a essência além das formas das coisas, percebo efetivamente o universo em sua superior dimensão psíquica, que lhe é própria na escala das fases evolutivas. Basta esta minha mutação de consciência para alterar e deslocar toda a gama de minhas ressonâncias interiores, para me fazer perceber o universo qual é em sua fase superior. A evolução, que passa do plano físico ao dinâmico e ao psíquico, transforma todo o universo num psiquismo e em psiquismo ele se torna, como sua real e nova forma de ser, desde que nessa nova dimensão eu saiba apresentar-me conscientemente. Eis o que significa dizer: então todo o universo se transforma em noúres. É que, realmente, então, tudo que existe exala pensamento e assim eu sinto o universo nestes meus estados medianímicos, como um possante organismo conceptual. A verdadeira grande noúre que eu aferro e registo é a emanação harmônica e orgânica do pensamento infinito de Deus.

Cai, então, naturalmente, o véu dos mistérios e tudo expressa a substância de seu ser numa espontânea revelação. Nessas minhas superelevações de dimensão de consciência, tenho a visão, nas profundezas de um abismo infinito, desse centro conceptual. As dimensões gigantescas do fenômeno, a grandiosidade esmagante do segundo termo comunicante, dariam uma sensação de vertigem a quem não houvesse atingido esses estados, como eu, através de longos e lentos exercícios e de maturação biológica não se sabe quantas vezes milenária. É necessário, aqui, um equilíbrio mental não comum porque posto a dura prova; e a objetividade e a minuciosa segurança com que me analiso demonstram quanto estamos, no caso, distanciados da consumação neurótica, tão frequentemente invocada pela ciência como explicação de semelhantes fatos.

Sou, assim, lançado num mundo maravilhoso. Possuo, então, uma nova vista, um feixe de sentidos novos e, sem órgãos físicos, um poder de percepção anímica direta, supersensória. Assim se explica a necessidade daquela espécie de transe que me livra da presença ativa dos sentidos físicos, a fim de que eles não me tornem a chamar à realidade sensória exterior, que não sabe falar-me senão da forma. Devo realizar, antes de mais nada, a tarefa de libertar-me dessa estorvante psique racional de superfície, que para os outros é tão fundamental. Não mais vejo, então, o fenômeno no seu aspecto exterior, mas sinto o princípio que o movimenta; não vejo, por exemplo, a semente em seus caracteres morfológicos, mas a enxergo na íntima estrutura de seu ser, como vontade de desenvolvimento, como presciência do ambiente (instinto) e da meta a atingir; vejo, mais profundamente, o ritmo das infinitas formas do passado e a vontade de desenvolvê-las e, mais longe, sinto o grande princípio da vida que, naquele tipo, palpita e se exprime.

Quando, no silêncio da noite, completo o processo de adormecimento da minha psique sensória, na harmonia e nos tons menores das luzes, no fundo da penumbra, ao ritmo submisso das orquestrações sinfônicas, as coisas perdem seu perfil concreto, o mundo se torna irreal, isto é, ressurge numa realidade diferente e eu sinto o equivalente psíquico e espiritual das formas. Há uma correspondência entre os vários planos de evolução, porque a essência das coisas que destila dos planos mais altos se projeta como uma sombra nos planos inferiores. E isto é lógico porque toda unidade está ligada à superior, na linha da evolução.

Ora, minha ascensão de dimensões conceptuais me permite subir da projeção concreta à substância espiritual. É por essa correspondência entre os diversos planos que se pode falar por parábolas, que o simbolismo pode exprimir os princípios abstratos e as realidades mais dificilmente imagináveis para os incultos, traduzindo-as em sua sombra mais densa ou projeção concreta, que também as ficam possuindo, embora veladamente. Assim se conseguiu dar expressão, sensorialmente acessível, à realidade abstrata do superconcebível, trazendo-a ao nosso mundo com o revesti-la de um invólucro que a torna tangível. Eu destruo essa redução, subindo a corrente em direção oposta: e esse esforço visa a lançar por terra os véus e superar os símbolos para restituir a verdade à luz da compreensão; que neles teve de ocultar-se, por exigência da psicologia humana involvida. Vimos, desse modo, o conteúdo científico do conceito da Trindade.

No mundo dos fenômenos históricos-sociais vejo, atrás dos acontecimentos, a sutil trama em que se tece a causalidade projetada na direção do efeito, vejo o progredir de um conceito até a meta, vejo o fio que sustém como um colar a série dos episódios e o desenvolvimento lógico que guia o curso do fenômeno histórico.

No mundo da matéria inorgânica sinto o redemoinhar interior dos átomos, suas atrações e repulsões, seus amplexos por afinidade, o dinamismo de suas correntes elétricas, o combinar-se e o unir-se de seus movimentos planetários em fusões que originam os diversos tipos das individuações químicas.

Não adquiro conhecimento dos fenômenos por aquisições culturais particulares e numerosas, através do método comum, que repete o saber dos outros; mas, possuo um senso único de orientação que me abre o caminho da compreensão de todos os fenômenos. Não compreendo como a ciência possa imaginar que, por exemplo, contando cuidadosamente o número das folhas, observando-as e descrevendo-as, se possa chegar ao entendimento do princípio da vida das plantas; sinto a absoluta impotência sintética do método da observação. E, no entanto, qualquer fenômeno, sem multiplicação de caso, traz escrita em si mesmo a sua lei; basta escutá-la.

O método experimental me dá a impressão da cegueira, que precisa recorrer ao tato. Na profundeza das coisas existe, indiscutivelmente, um princípio que as governa; não busco esse princípio penosamente, pelos longos e laboriosos caminhos da análise e da hipótese, mas o alcanço por percepção direta, através de um meu sentido da verdade, um novo sentido de orientação conceptual que sintetiza e supera todos os outros. Avanço, assim, por instinto, por contínua registação de totais, sem distrair-me no particular; alcanço o conhecimento por deduções, descendo ao particular, desde os princípios que anteriormente havia percebido e que o contém por inteiro. Jamais tento a longa via que sobe lentamente em direção oposta. Nunca vejo um problema, ainda que mínimo, isolado, mas sempre relacionado com a organização de toda a fenomenologia universal e resolvido em relação a ela. Somente com este método se podia fazer uma síntese e encontrar a unidade.

O uso deste método, a princípio intuitivo e depois dedutivo, é necessário hoje, como método sintético e unitário, para contrabalançar a dispersão do conhecimento, a que chega logicamente, por sua natureza, o método indutivo. Se, com uma mudança radical de direção intelectual, não se reagir contra essa tendência, acentuar-se-á sempre mais o isolamento do saber humano na especialização e na desorientação, em face das causas primeiras.

Este meu estudo encara os males congênitos da ciência moderna e se propõe saná-los. Já disse que evolução é unificação; e se o tempo é o ritmo de uma evolução necessária, deve ele trazer necessariamente unificação. Não pode haver outra meta nem outro futuro. É natural que, elevando-me eu evolutivamente a superiores dimensões conceptuais, haja súbita e espontaneamente encontrado a unidade. O método da intuição é, portanto, o método unitário e sintético que deve dar um amanhã à ciência e ao pensamento humano. Só assim se pode encontrar a unidade, aprendendo as relações entre os fenômenos aparentemente mais distanciados, mas que, apesar disso, se sentem e se influenciam reciprocamente. O saber moderno se tornou tão gigantesco e confuso, que há necessidade de uma reordenação, de um desfolhamento: a ideia múltipla do particular precisa ser reduzida à ideia simples, central e sintética, que tudo diz mais brevemente; após haver criado tantas disciplinas, urge saber encontrar os liames que as unam, agora que elas tendem a separar-se, a fim de fundi-las em uma verdade, que deve ser simples e única. São perigosas essas especializações, hoje tão em moda, mas que não correspondem à realidade dos fenômenos, que “nunca” existem isolados; são posições falsas essas, em que a mente do estudioso se afasta para uma ramificação última do mundo fenomênico e do saber humano. Esse separatismo, se é utilitário, acaba fazendo desaparecer também a visão exata do campo particular da especialização. É preciso permanecer sempre aderente ao tronco e ver sempre tudo em função das grandes linhas centrais do organismo universal. E pensar que estas linhas centrais, que servem de base ao conhecimento, a ciência ainda as procura e ainda precisa encontrá-las! Em seu monismo, meu método sintético combate esta corrida hodierna para a dispersão conceptual.

De tudo se percebe como racionalmente eu controlo e domino meu transe. O acontecimento novo no mundo mediúnico do presente e do passado, creio que seja justamente este – de haver conduzido o transe a um estado de exatidão científica. No meu estado de imersão nas noúres, minha consciência permanece sempre presente; antes, duplamente presente, como mais profunda consciência, que implica uma capacidade de juízo superior à normal. Estamos, no extremo oposto da comum mediunidade intelectual passiva e inconsciente. No meu caso há uma intensificação de lucidez e potência conceptual, uma dinamização de atividade intelectiva e assim se deve, e só assim se pode, entender minha mediunidade. De outro modo, não poderia nem sequer escrever estas páginas, por quanto normalmente recorro, oscilando entre os dois centros, a esta minha psique superior que me permite atingir maior altura, apenas a dificuldade do problema me faça sentir a necessidade disso.

Disse, de início, que minha mediunidade é progressiva. Sua evolução vai da forma menos consciente, qual era nas primeiras Mensagens, à forma sempre mais consciente qual se manifesta na Síntese que, por sua própria profundeza conceptual, implica um mais severo controle mental.

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Aludi, no início deste capítulo, às ótimas condições habituais de minha registação mediúnica. Isso não me impede de sentir e registar também em outros ambientes além de meu gabinete, embora sua escolha tenha sempre importância capital, porque meu ser recebe as vibrações de tudo o que circunda. As vezes, aquele lampejar de conceitos explode imprevistamente; mas, também, em meio ao estrépito psíquico, tormentoso para mim, oferecido pela presença de pessoas heterogêneas, uma inesperada e inadvertida sensação pode excitar a visão interior. Minha psique já se habituou a essa audição pela qual afloram à minha consciência concepções imprevistas que me pareciam desconhecidas. E mesmo agora, enquanto escrevo, surpreendo-me com conceitos que me nascem inopinadamente, de modo que não conheço completamente determinado argumento senão quando terminado o trabalho.

Em ambientes inadaptados, a audição só pode ser desordenada e fragmentária. Ambientes bem sintonizados são a montanha, o campo tranquilo e, sobretudo, a solidão dos bosques. As grandes árvores têm, no lento fluir de sua vida, algo de tanta sabedoria e de tanto pensamento, que me guiam a uma atmosfera de meditação. A vida vegetal, talvez pela sua natureza complementar da nossa vida animal, oferece uma sensação de repouso e de pureza; a vida humana, principalmente nas grandes e rumorosas aglomerações, traz uma sensação de asfixia. Um ser da minha sensibilidade não pode deixar de sentir todas as emanações de cada ambiente. Cada coisa, cada ser tem uma voz que lhe é própria.

Sendo o fenômeno inspirativo de natureza vibratória, nele a harmonização vibratória do ambiente é fundamental. Já expliquei como preparo o interior da harmonização conceptual, partindo de uma primeira harmonização exterior, ótica e acústica, do ambiente, quando trabalho no meu gabinete.

No campo, tudo já é naturalmente harmônico, as formas, as cores, os sons; as luzes do dia se harmonizam no céu e na vegetação e harmônico é o pensamento da vida que, embora na luta, é equilibrado pela convivência.

Todas essas harmonias são para mim caminhos musicais que me elevam à prece e conduzem à concepção do bem. Por isso, nas igrejas há música e canto. Assim como nos teatros se faz caso das qualidades harmônicas de ressonância acústica, do mesmo modo, nos ambientes de oração, que é fenômeno substancialmente mediúnico, as qualidades de ressonância espiritual deveriam merecer cuidado, como de fundamental importância, se se deseja que o templo satisfaça sua função de elevar as almas. Há igrejas espiritualmente mudas e, do ponto de vista da vibração psíquica, surdas e desarmônicas; e outras que, apesar de humildes e despidas de adornos, têm suas paredes saturadas das vibrações de fé que, durante séculos, as gerações entre elas geraram e projetaram. Minha audição psíquica sente, imediatamente, essas ressonâncias e minha alma responde a essas emanações que as antigas paredes me restituem, que a alma das gerações que junto delas, durante séculos, oraram, nelas infundiram. E nesses ambientes consigo muitíssimo bem minha sintonização mediúnica. Um dia a ciência registará essas absorções vibratórias, essas emanações de estados de ânimo, essas correntes noúricas que as paredes podem restituir e de que alguns ambientes se acham saturados. Então, uma restauração artística mais consciente evitará, embora conforme os critérios do olhar e do estilo, certas demolições irreparáveis, que destruam a atmosfera psíquica dos séculos, que pode ser vivíssima, inclusive em ambiente estilisticamente destoante. Essa atmosfera é a flor mais delicada da fé, a mais evanescente, a beleza mais sutil de um templo, seu maior valor espiritual.

O problema das noúres é fundamental também nessas concepções de arte. E de outro modo não saberia explicar-me a moderna e inconsciente idolatria pelo “300”12, como uma instintiva busca da alma faminta que pede às velhas paredes as vibrações de uma fé outrora poderosa e que hoje parece perdida para sempre. De tudo isso se compreende que vacuidade espiritual representa a mentira de certas modernas reconstruções em estilo.

Em lugar algum, a sinfonia é tão cacofônica como nas grandes cidades modernas. Aqui, de perto ou longe, não pode ajudar-me senão o círculo de simpatias que, à semelhança do mediúnico, estreita em torno de mim o anel da compreensão. No campo, a beleza da natureza representa uma harmonia imensa e espontânea, que guia à sensação direta do pensamento de Deus. Que ambiente mais harmônico que o da natureza, que em tudo está sintonizado com o pensamento divino? Que convite mais doce e poderoso que a vibração em que se organiza o universo? Quando do íntimo dos seres e das coisas se eleva semelhante emanação, a sintonização é fácil. Nas cidades tudo isso é desviado por mil barreiras e a atmosfera espiritual que se desprende das massas humanas é baixa e suja, nela dominando sentimentos de violência, avidez, egoísmo, depressão, sempre desagregantes, que roubam energia e impedem o fenômeno. A psique do sensitivo é, aí, mais intensamente prejudicada, porque se trata de vibrações de tipo humano, mais próximas, por sua natureza, do sujeito, e assim mais tendentes a uma interferência que as outras dissonâncias da natureza, evolutivamente mais distantes e que são, de resto, absorvidas pela potência da ordem universal. Nas cidades, a presença de grosseiríssimas ondas-pensamento é imediata, invasiva; é um assalto de vibrações ofensivas, de caráter ínfimo, equivalentes, quanto aos efeitos da registação, aos distúrbios, aos ruídos parasitas e às distorções da audição radiofônica.

A recepção inspirativa, para resultar pura, exige uma pureza de ambiente, de ânimo, de objetivos. Eis porque é nela fundamental a purificação do médium, problema de que trataremos separadamente mais adiante. Toda vibração que fuja do estado de equilíbrio e de elevação moral age como perturbação, aparece como mancha na registação, provoca distorção das imagens conceptuais. Elevando-se a natureza espiritual do médium, torna-se mais difícil sua ressonância às vibrações baixas, tendentes a inquinar o fenômeno.

A presença de certas pessoas espiritualmente fétidas pode representar para o sensitivo um intenso sofrimento. Quando, por necessidade social, é obrigado a viver em tais ambientes, então sua alma não pode permanecer senão fechada em si mesma, nunca se abrindo, só ocupada em defender-se. Não se pode imaginar que a condenação seja para ele o ser constrangido, às vezes, a viver no seio de certas imundícies espirituais, onde ele sufoca, ao passo que outros respiram a plenos pulmões. Tudo é relativo e é questão de sensibilidade.

No caso de minha mediunidade, a natureza da onda psíquica das noúres que me vêm ao encontro é de tal delicadeza que se ressente de todos os estados psíquicos do ambiente, ou, em outros termos, uma fonte de emanações psíquicas de caráter moralmente baixo tem o poder de deformar a própria onda. É possível obter-se o isolamento, mas à custa de reações, isto é, estabelecendo um estado reativo que representa para o médium um grande dispêndio de energias, com prejuízo para a registação que delas necessita. Qualquer ruído, qualquer desequilíbrio de sintonização, a mínima perturbação de qualquer natureza, sobretudo se imprevista e repentina, faz precipitar a tensão nervosa, às vezes dolorosamente, destruindo a visão com o imediato reaparecimento do mundo sensório.

Estas afirmações têm uma importância mais ampla que a referente ao fenômeno que estudamos, porquanto nos abrem horizontes novos no campo da ética, dando-nos dela não mais somente uma concepção filosófica ou religiosa, mas uma concepção científica, isto é, de quantidades avaliáveis como um estado cinético- vibratório da psique humana, que o médium sente qual centro constantemente irradiante de noúres, de correntes que pode definir; e um dia a ciência as individuará, em suas classificações morais, com registros e medidas exatas.

Em face de tudo isso, pode-se compreender quão tormentosos esforços a sociedade impõe a esses sensitivos, que, no entanto, devem dar gratuitamente, não se tornando suspeitos, o fruto de suas vidas. Têm de permanecer no mundo de todos, onde se deve ganhar com o trabalho o direito de viver; têm de sofrer os choques proporcionados à sensibilidade normal e que são para eles esmagantes. Médium: ser sensibilíssimo, por isso vulnerabilíssimo e desgraçadíssimo. E este é o verdadeiro e lento martírio que deve completar seu apostolado. É natural que a eles, que vivem projetados no futuro e que veem quanto há ainda que progredir, o mundo humano apareça bárbaro, feroz, às vezes pavorosamente inconsciente.

Entretanto, se o dever que nossa época impõe é o de ir ao encontro do povo, este é também o seu primeiro dever, porque eles se encontram mais no alto. É preciso indicar e abrir os caminhos ativos da ascensão ao povo, porque este não sabe e se atira por caminhos que encontra abertos.

Não se pode imaginar que tenacidade de resistência, que massa de inércia represente o homem médio, justamente o que impõe as normas da vida social. É de se quebrar a cabeça a bater contra essa massa bruta de psiquismo humano, tanto mais tenaz quanto mais ignorante. Apesar disso, os tempos impõem um nivelamento, que deve ser não por ascensão dos piores, mas por descida dos melhores. Se essa imissão em massa nos direitos da vida é a grande obra de civilização interna dos tempos, desenvolvida em número, mais que aprofundada em qualidade a favor de uma só classe aristocrática, compreende-se a espécie de holocausto, sobre o altar do número, que ela representa para os tipos de exceção, que lutam sozinhos pela preparação de um distantíssimo futuro. Se a exceção não é levada em conta, pode ter, no entanto, uma função biológica, espiritual, social, fundamental. O sensitivo luta por cumpri-la no seio de uma atmosfera surda, luta por não se banalizar; por não descer, adaptando-se por repouso; por não se mutilar no nivelamento. E no entanto, deve descer para promover a elevação do homem médio, a ascensão das classes espiritualmente mais baixas, embora ricas – porque essa é a sua missão. É lei que o alto se incline para o baixo; a fim de que o inferior se eleve é preciso que o superior desça, pelo mesmo princípio unificador de fraternidade através do qual chegam ao sensitivo luzes e auxílios espirituais do Alto. Heroísmo trágico é esta descida, porque subverte as mais sagradas forças da alma, mas é simultaneamente ascensão, porque envolve o auxílio das forças superiores. Contra essas descidas o espírito se rebela; entretanto, deve ele abaixar-se para dar-se, deve esquecer a grande paixão do céu para fundir-se na paixão humana, feita de lama e de sangue, oferecendo ao homem ignorante e sofredor uma centelha roubada ao céu na visão. Por isso, embora seja julgado misantropo, orgulhoso ou louco, tem o direito à solidão, para encontrar de novo o céu, para dele receber novas forças, para reunir-se às hierarquias dos seres superiores que descem em cooperação.

A delicadeza íntima do fenômeno inspirativo, a presença ativa nele (ambiente e sujeito) de fatores que, como a moral, a ciência sistematicamente ignora, a característica do fenômeno consciente (como médium ou noúres), de fenômeno progressivo, como superior fase de evolução biológica em cuja elaboração colaboraram fatores como espiritualidade e dor, tudo isso define o fenômeno como um tipo a que não são aplicáveis os habituais critérios de observação e experimentação, que podem ser ótimos para outros fenômenos. Não se pode sujeitar aos preconceitos da ciência um fenômeno que, nos seus resultados, a domina. Ele não responde ao comando da vontade humana, que objetive uma experiência. Em face de uma imposição exterior, ele se fecha e se desfaz.

O fenômeno está em relação com impulsos e fatores determinantes completamente diferentes, tais como uma missão de bem ou uma excepcional necessidade do momento histórico, que justifique a intervenção de forças no caminho evolutivo da humanidade, porquanto não se determina à vontade e o tipo que a evolução lança à ribalta da vida. O fenômeno supera, em seus elementos determinantes e em suas finalidades, toda a psicologia da observação e da experimentação, toda a forma mental oferecida pela psicologia científica dos tempos atuais. Nesses fenômenos, a mentalidade da desconfiança, da dúvida preconcebida, que é a base da seriedade científica, pode ter poderes inibitórios sobre o fenômeno e estorvar sua verificação.

O fenômeno baseia-se na sintonização psíquica e a mente do observador, se não afasta com suas emanações um objeto do microscópio, nem influencia um fenômeno físico ou químico, pode paralisar, todavia, o funcionamento de um fenômeno psíquico. O fenômeno tem suas defesas e se retira em face da ameaça à sua vitalidade e, então, a ciência não consegue a observação, e sim, a destruição.

Um mínimo choque pode desagregar esses fenômenos delicados, de um psiquismo que, abandonando os velhos caminhos tradicionais, se aventura, num voo, por rotas supersensórias. E no entanto, devem realizar-se no mundo psíquico humano, que muitas vezes pode ser a mais rebelde e imprópria atmosfera. Basta o estado de ânimo da dúvida para determinar uma corrente negativa demolidora, ao passo que a fé, qualidade antiobjetiva por excelência, tem a máxima força criadora. Donde se conclui que a psicologia de desconfiança, que a ciência emprega por sentido de objetividade, como maior garantia de seriedade, possui, pelo menos sobre os fenômenos que estudamos, poderes destrutivos. O observador se encontra no ambiente e também ele é gerador de noúres. E importa que se encontre num estado de confiança, de fé que atraia, que abra o caminho, aquecendo o ambiente, dando oxigênio ao invés de absorvê- lo. É necessária essa vibração positiva de simpatia, sintonizada, modulada em uníssono, apta a ser fundida e somada, fator de crescimento em aliança com as correntes do fenômeno, e não a vibração dissonante da dúvida, da má-fé, que subtrai energia ao fenômeno e o lança contra uma corrente deformadora.

Importa que o observador faça um severo exame de suas qualidades psíquicas, porque estas pesam sobre o fenômeno. É indispensável, coisa inaudita, que ele limpe moralmente sua alma e a do ambiente, como tem cuidado em manter limpa a mesa das experiências químicas, a fim de que uma substância estranha, entremetida em suas combinações químicas, não lhes altere o desenvolvimento. No campo psíquico, um estado de ânimo presente no ambiente é um elemento que se introduz na combinação que se estuda e por isso tem ele importância. E como uma operação cirúrgica pode representar graves perigos se realizada em ambiente contaminado por micróbios patogênicos, do mesmo modo é necessária, em nosso campo, a esterilização psíquica do ambiente. O mundo psíquico tem seus parasitos, seus micróbios patogênicos, suas correntes de vida ou de morte e às quais está exposto plenamente o sensitivo quando, alijados os invólucros, se abandona à inspiração, com a alma desnuda. Ele é um organismo vivo, vulnerabilíssimo em sua delicadeza e o mínimo choque psíquico, de que o mundo está cheio, constitui para ele uma ameaça e um perigo. Na vida normal sua sensibilidade é protegida por um manto voluntário de indiferença, mas, nesses momentos, a flor para assenhorear-se da luz deve abrir-se até as mais íntimas corolas.

Quem não sabe avaliar esses fatores e manejar com prudência essas realíssimas forças imponderáveis, quem não se encontra provido de adequada sensibilidade e não possui a finura psíquica apropriada, deve abster-se de intervir nesses fenômenos, porquanto não só os deforma ou destrói, como ainda pode vibrar dolorosos e prejudiciais golpes contra a sensibilidade do médium. Trata-se de uma nova e sutilíssima química do futuro, em que se combinarão em novas harmonias ou dissonâncias os elementos de novíssimas e progressivas sinfonias fenomênicas. Se a ciência não souber evolver e transformar-se, em seus métodos, premissas e conceito diretivo, jamais atingirá tais fenômenos. Destruí-los-á, contorcê-los-á, sem compreendê-los. Essa percepção inspirativa deve ser entendida como uma oração, pois implica uma elevação espiritual, que segue a linha das forças boas do universo, isto é, positivas e criativas.

A visão da verdade é uma ascensão do espírito para a unidade. A pesquisa científica, nesse nível, é oração, é religião, é santidade e não pode prosseguir a não ser sintonizando-se com a harmonia do universo; e isso porque, a um certo ponto, a verdade e o bem se identificam e, sem o bem, a verdade se flui pelo conhecimento e se esconde à investigação humana.

Senti e observei em mim a marcha do fenômeno, em seu desenvolvimento interior e exterior. Permanece ele, assim, individuado no seu aspecto dinâmico – da gênese, desenvolvimento, plenitude até o seu produto concreto – o pensamento fixado em escritos, que são o documento, sempre suscetível de observação, último termo do fenômeno, o resultado definitivo do processo terminado.

Relatei esta cronistória pessoal, embora necessária à compreensão do fenômeno, mas não me cabe repe-ti-la aqui. Agora vamos observar o fenômeno, não mais no seu desenvolvimento no tempo, mas em sua profundidade, para pesquisar-lhe e descobrir-lhe a técnica, iso-lando-a num dos momentos culminantes e mais intensos, na recepção da minha última obra.

Minha tarefa e meu método são objetivos, anatomizo por secções diversas, trabalhadas primeiro longitudinalmente, na direção do tempo, e depois verticalmente, em profundidade. O leitor compreende que a recepção durante quatro verões (A Grande Síntese, iniciada no verão de 1932, foi continuada nos de 1933 e 1934 e concluída no verão de 1935) implica necessariamente o repetir de normas constantes, consuetudinárias, a formação de um verdadeiro método receptivo.

É minha tarefa, agora, descrever as condições de ambiente e de espírito exigidas, os estados psíquicos vividos, o comportamento de meu ser físico e psíquico, considerado como meio do fenômeno, precisando todos os fatores que para o mesmo possam ter concorrido.

E isso para individuar as características, definir o tipo e, finalmente, encaminhar-nos ao descobrimento da lei daquele fenômeno. Operarei indutivamente, pelo menos nas primeiras fases da pesquisa, remontando dos efeitos às causas, do particular ao geral, do relativo ao princípio das coisas. Quando este método não mais for suficiente para resolver os problemas, eu me transporei, num vôo, ao método da intuição, de modo que o leitor possa vê-lo, aqui, não só descrito, mas operante na solução das questões mais complexas.

É diferente em mim o tipo de inspiração emotiva do tipo de inspiração intelectiva. Minha mediunidade, verdadeira função de vida, não é fenômeno de tipo imóvel, mas se transforma com a minha evolução. No primeiro caso, são mobilizados os centros nervosos afetivos do coração, no segundo, os centros nervosos intelectivos do cérebro. Atravessando estes dois tipos de inspiração, vivi em dois centros de vida distintos, nos quais se condensavam todas as minhas sensações.

Não insisto no primeiro caso, que é particularmente o dos místicos, porque a produção que dele resulta, embora em lógico desenvolvimento, não é um verdadeiro organismo conceptual. Isso pode deixar duvidosa a ciência, porquanto o eu se expressa nos vagos termos do sentimento, e poderiam os céticos achar facilmente um modo de introduzir, na interpretação, um despertar de estados de subconsciência, com distorção e translação de imagens psíquicas, concluindo, finalmente, com o patológico da neurose. Não me refiro, naturalmente, a quem crê, sente e raciocina. Conheço bem, no entanto, o contrário – a mentalidade preconceituosa de certa ciência catedrática e oficial, e é a esta que aludo.

Agora, quando nos achamos diante de um tratado em que o sentimento é relegado a plano secundário e se enfrentam e resolvem problemas que aquela ciência provou ser incapaz de resolver, por quanto por concepções arbitrárias absurdamente os situou, aquela ciência não poderá refugiar-se muito facilmente na hipótese do patológico e o fenômeno mediúnico inspirativo, revolucionando, como método de pesquisa, o passado, não poderá senão resplandecer em toda a sua beleza. Se me abandono, em certos momentos, ao meu lirismo, no ímpeto das impressões, ele é sempre circunscrito e controlado por uma fria razão que é minha garantia, é sempre refreado por uma subversão de psicologia, que em mim é rápida e instintiva e que me leva a ver de cada idéia o seu contrário, e a demolir o que não é bem firme, com a psicologia destruidora do ceticismo científico. A fusão entre fé e ciência, tão auspiciada, já se completou em meu espírito, visão única na substância e de uma a outra eu passo unicamente por uma mudança de perspectiva visual ou de focalização de meus centros psíquicos.

*

Abaixemos, portanto, as luzes e entremos no Templo do pensamento. Vamos penetrar num mundo de vibrações delicadas, de formas fugidias, que o pensamento cria e destrói, mundo de fenômenos evanescentes e sutis e, no entanto, reais.

A insolubilidade de muitos problemas talvez seja motivada justamente por situá-los de maneira errônea, a solução é muitas vezes impedida pelo próprio preconceito, embora inconsciente, a conclusão já é dada pela primeira posição do problema.

Aproximamo-nos da gênese do pensamento. Talvez todo o fenômeno do pensamento não seja senão um fenômeno mediúnico de ressonância noúrica e possam ambos reduzir-se ao mesmo princípio, e assim, muitas diferenciações preconcebidas, que prejudicam a visão substancial do fenômeno não terão sentido.

Virão à luz expressões audazes e desconcertantes, mas quero levar à superfície da consciência – onde tudo é claro, sensível, racional – estes mistérios evanescentes das profundezas, quero medir este, quase direi – singular pensamento radiofônico, que tão estranhamente emerge dos abismos.

Desçamos às profundezas desse oceano que existe no íntimo de nossa personalidade psíquica.

Começo do exterior, da superfície, da descrição do ambiente. Não posso escrever em qualquer lugar. Num ambiente de desmazelo, desordenado, desarmônico, não asseado, novo para mim, não impregnado de minhas longas pausas do meu estado de ânimo dominante, não harmonizado com a cor psíquica de minha personalidade, não posso escrever senão mal e com esforço. Eis-me, ao contrário, em meu pequeno gabinete, ambiente de paz, onde os objetos expressam minha própria pessoa, onde a atmosfera é ressoante de minhas vibrações e tudo, por comunhão de vida, está sintonizado com meu temperamento. Por aí me deter, longamente, para pensar e escrever, saturei as paredes, a mobília, os objetos, de um particular tipo de vibração, que agora a mim retorna como uma música que harmoniza o meu pensamento.

Este é o primeiro problema: harmonização, que me permite a seleção de correntes e a imersão nelas; esses delicadíssimos estados de consciência não posso atingir senão num oásis de paz, através de um processo inicial de isolamento vibratório do violento ruído do mundo.

Antes de lançar-me à exploração do supranormal, tenho necessidade de encerrar-me, para minha ajuda e proteção, nesse invólucro de vibrações simpáticas, harmônicas, leves, como um veículo que me permita flutuar no oceano das vibrações comuns da vida humana, que são densas, sufocantes, cegas.

É noite, aproximadamente dez horas. É ótima hora, em que minha capacidade receptiva se intensifica, até cerca de 1h da madrugada, em que diminui, então, por cansaço. Existe um antagonismo entre meu pensamento e a forte radiação solar; parece que a luz embaraça minhas funções inspirativas, neutralizando as correntes psíquicas que me circundam. Amo as luzes tênues,difusas, coloridas, que deixam vaguear os objetos nos contornos indefinidos da penumbra.

Li que quando Chopin improvisava, fazia baixar as luzes e procurava a “nota azul”, que devia ser a nota de sintonização entre sua alma e a do público.

No meu caso, o público está materialmente distante, mas espiritualmente está presente e próximo, e eu o sinto, imenso, estrondeando mil vozes: é a alma do mundo.

Minha solidão está cheia dessas vozes; é um oceano sem limites, que sobe em marés, ruge na tempestade, submerge-me e levanta-me em seus vagalhões. Depois, se aquieta e escuta, vencido por essa potência de pensamento que me arrasta.

Em minha sensibilidade, o pensamento adquire o poder do raio, as correntes espirituais do mundo são tangíveis, essas forças sutis são reais; e entre elas vou avançando e com destreza navegando.

A princípio, sinto-me extraviado, sozinho no vácuo, e imploro apoio moral, consentimento, confiança. Peço às menores harmonizações de ambiente o primeiro auxílio para o impulso, peço um encaminhamento a uma cadeia de simpatias humanas, que funcionem como círculo mediúnico, embora espiritual e longínquo: uma espécie de caixa de harmonia das minhas ressonâncias espirituais.

Vou subir a uma atmosfera rarefeita e minha humanidade tem necessidade de um invólucro de simpatia que a aqueça e proteja, que a auxilie a lançar-se além da zona humana das tempestades, onde minha alma se encontra exposta ao embate de forças titânicas. Não se pode imaginar o poder de harmonização que emana de um ato de bondade; a bondade é uma música que eu respiro e que docemente me impele à corrente. Esta vibra muito mais pela bondade que pela sabedoria: é perfeição moral.

Para conquistar o conhecimento, devo alcançar um estado de purificação, que é leveza espiritual. Apre-sentam-se, desde agora, as necessárias relações entre evolução e ascensão, de um lado, e mediunidade inspirativa, de outro; esboça-se a afirmação de que a verdadeira ciência não pode ser senão missão e sacerdócio.

Atingido o estado de tensão nervosa indispensável para submergir-me na corrente, esta me arrasta, o próprio estado de tensão me protege do choque das vibrações inferiores e o mundo humano desaparece, dis-tanciando-se de minhas sensações. Basta a imersão das noúres para poder absorver-lhe todo o alimento energético e atingir o isolamento das correntes inferiores. Isso constitui felicidade, êxtase, esquecimento de tudo, até o momento de despertar na consciência normal, em que há uma espécie de penosa turvação de potência perceptiva.

Antes, porém, de estabilizar-me nessa como estratosfera de evolução, enquanto atravesso as camadas inferiores, permaneço vacilante na minha hipersensibilidade, desproporcionada à violência do assalto, muito vulneravelmente exposto ao choque de forças misteriosas. Sinto essas forças vagarem em torno de mim. Sinto, como sentem todas as formas da vida, o terror, a ameaça de um perigo desconhecido nas sombras.

Se, no alto, sou forte, porque sustentado pela corrente, sou humanamente débil cá em baixo, e devo, timidamente e sozinho, dar os primeiros passos dessa grande viagem, que implica numa transformação de consciência. Procuro conseguir isso, auxiliando-me com um processo de progressiva harmonização, que se opera do exterior para o interior. É com a harmonia, começando no campo acústico musical, que consigo vencer as dissonâncias dilacerantes das correntes barônticas2 do mal, utilizo a música como primeiro degrau no caminho do bem e da ascensão do espírito. Isso estabelece relações, ainda não suspeitadas, entre música, prece e evolução da alma para o bem.

Harmonizar-me é o meu problema, porque subir significa encontrar a unificação, porque, ascendendo, minha sensibilidade aumenta e mais sofro por qualquer dissonância.

Um dos tormentos de minha vida é a convivência no torturante estrépito psíquico humano, que só a insensibilidade dos involvidos pode suportar. Assim, uso a música como outro meio inicial de sintonização de ambiente, a fim de que me ajude a saltar da harmonização nesse primeiro plano sensório exterior, para minha harmonização nos mais altos planos supersensórios; essa música obtenho através do rádio e do disco, especialmente a melhor música sinfônica, tipo Wagner, Beethoven, Bach, Chopin e outros.

Então, lentamente, a percepção sensória do mundo é substituída por uma diferente, interior, anímica, que tudo sente diversamente.

As harmonias musicais da audição se transformam nas mais profundas harmonias dos conceitos. Música suave, e em torno, silêncio completo. Luzes moderadas, em tom menor, em torno, tudo escuro. Minha alma é uma chama que arde na noite.

Percebo sua luz e seu cântico, solitários, e eles surgem assim, logo que adormece a consciência do dia. Lentamente, as coisas perdem o seu perfil sensório, então vejo vibrar seu espírito. E ouço a voz das coisas, que cantam. Minha consciência adormece para o exterior, o meu eu morre para as coisas do dia, mas ressuscita numa realidade mais profunda.

É noite avançada. A vida humana repousa, em silêncio. São antagônicas as duas vidas: a do pensamento desperta, enquanto a outra adormece.

E quanto mais adormecido, mais me torno inconsciente da realidade exterior, volitivamente consumido, ausente do mundo de todos, e mais a visão se faz nítida e profunda e mais consciente ressurjo nessa lucidez interior.

A sonolência é, portanto, superficial e condiciona o despertar num outro estado de consciência, diferente, mais profunda, mas sempre minha, ativa, lúcida. Processa-se uma como contraversão no funcionamento psíquico humano, à medida em que se distanciam os estados de atenção volitiva que o caracterizam, dá-se uma inversão de consciência, uma conquista de potência na passividade, tanto que desaparece toda sensação de trabalho e esforço e se produz num estado de abandono.

A vontade, no comum sentido humano, encerrada num círculo de conquistas terrenas, é verdadeiramente para mim um estado de vibração involvido e violento, que perturba os mais sutis estados vibratórios do pensamento. Os volitivos comuns, se são aptos para dominar, são impotentes em face dessas delicadas percepções.

Lentamente, então, vou perdendo a sensação física do corpo, embalado por complexos ritmos sinfônicos de uma vasta orquestração, e adormeço num estado de tranquilidade confiante.

Atravessada essa primeira fase de negação sensória, desperto além da vida normal numa outra consciência. Adormentados os sentidos, desaparecido de minha percepção o mundo concreto que me circunda, posso abismar-me na vertigem da abstração. Não estou morto, nem passivo, nem inconsciente, porque todas as sensações da vida retornam, mas com uma potencialização nova e maravilhosa de todas as faculdades de minha personalidade, com um vigor e uma profundeza de percepção e ainda com um lirismo de afetividade que antes desconhecia; parece que somente agora, despida a alma de sua veste corpórea, ela poderia revelar-se inteiramente.

O pensamento regressa, mas com uma sensação de potência titânica, com uma profunda lucidez de visão, com uma rapidez vertiginosa de concepção; per-cebo-o despojado de palavras, em sua essência. Sou pos-suído de uma sensação de leveza e de libertação de véus e limitações; sinto dotada minha consciência do poder da intuição e do domínio de uma nova dimensão conceptual. Despertou-se-me um olhar mais penetrante, que vê o interior e não mais somente a superfície, que regista nas coisas não só reflexos óticos, mas também psíquicos; esse novo olhar já não é interceptado pela forma, mas penetra diretamente na substância, buscando o conceito genético, o princípio que anima e governa as coisas. Vejo, então, o que se encontra além da realidade sensória do mundo exterior, isto é, as forças que o movimentam e lhe mantêm o funcionamento orgânico. Essas forças tornam-se vivas, os fenômenos me aparecem com uma vontade própria de existência, uma potência de individualidade que investe sobre mim e grita: eu sou.

Cada forma se reveste de um hálito divino de conceito que eu respiro; é então que sinto, verdadeiramente, que o universo é um grande organismo dirigido pelo pensamento de Deus. Tudo possui, então, uma voz e me fala; todas as forças, todos os fenômenos, toda a vida, desde o mineral, todas as criaturas de Deus irradiam um cântico que eu escuto e percebo harmonizar-se na sinfonia imensa da criação. Desenvolve-se um colóquio íntimo que registo; despertaram todas as criaturas irmãs e me olham dizendo: “Quem és tu que ouves? Es-cuta-nos, nós te falamos”.

O colóquio torna-se, então, um imenso amplexo, um perder-se de aniquilamento no seio de uma luz resplandecente. A ciência é um cântico e uma oração. Abre-se o abismo do mistério e contemplo: é uma visão, um êxtase. Mais não sei dizer.

Não há palavra que possa descrever a vertigem desses estados de consciência, a potencialidade desses clarões interiores, o júbilo dessa paixão maior que a vida e a morte, a festa dessa liberação do corpo e dessa fuga da Terra, a sensação de força e de eterna juventude que emana desses triunfos do espírito. Assim, imagino o meu paraíso.

Relato essas coisas para inflamar os ânimos, in-duzindo-os a essas altas paixões, porque desejo que todos encontrem essa vida de perene mocidade e o dinamismo incansável que existe na substância vibrante do espírito. Esse vórtice de sensações faz perceber, do mo-do mais palpável, que o espírito existe e que sua potência suprema não pode morrer.

Terminada a visão e a registação, o processo se inverte numa descida: é o retorno à consciência humana. Assim como o “trans lúcido” e consciente é preparado por uma fase de adormecimento, do mesmo modo termina por uma fase de despertar; essa sonolência e esse acordar referem-se à minha consciência normal, porquanto em face da minha outra consciência os termos simplesmente se invertem. Para que uma possa despertar, é necessário que a outra adormeça. Evidentemente, a volta ao estado normal dá-me vivíssima sensação de enfraquecimento intelectivo, de redução da personalidade, de queda em dimensões mais involutivas, em que tudo está comprimido entre barreiras e encerrado em limitações: há uma sensação de gigante abatido.

Torno a cair, então, na realidade cotidiana, onde os outros têm razão e não eu. A visão desfaz-se, o céu se fecha. Estou sozinho. Novamente encontro o trabalho e o cansaço da vida e retomo o peso da minha luta de cada dia.

Tenho, pois, a sensação de que existem em mim duas consciências, colocadas e operantes em planos visuais distintos. Elas se excluem mutuamente e me disputam o campo da personalidade, que não podem possuir plenamente, senão cada uma por sua vez. É necessário, antes, que eu adormeça, como num sonho, e é nesse so-nho que o meu eu pode transferir-se à consciência mais profunda.

Estudaremos melhor, a seguir, o significado dessas diferentes focalizações e deslocamentos de centro de consciência, porque aí se encontra a chave de minha técnica receptiva.

*

A rápida descrição dessas minhas sensações, esta narrativa do meu caso interior, que anteponho para enquadrar o fenômeno, já basta para fazer nascer na mente do leitor um bom número de interrogações. A elas daremos gradualmente resposta.

Tive que descrever o fenômeno no seu lirismo, na intensidade com que o senti e vivi – isso para ser verdadeiro e objetivo –, tendo por fim apresentar fotograficamente o fato interior. Agora, vou deixar de lado meus entusiasmos e encará-lo com diferente psicologia analítica.

Embora esses meus estados de ânimo, mobilíssimos, porque incontroláveis pela observação exterior (embora me sejam necessários), possam reduzir-se a um acontecimento pessoal de relativa importância, e também ser discutidos e negados, todavia resta sempre, tangível e indestrutível, o seu produto: o volume que foi escrito, com seu conteúdo filosófico e científico, com a solução dos problemas defrontados, com sua técnica de pensamento, elementos largamente suscetíveis de observação.

O fenômeno completo, embora encerrado em sua imobilidade, é uma afirmação realizada, que aí está como testemunho; e os sutis processos de combinações psíquicas que lhe deram origem podem ser reconstituídos.

Os estados psicológicos acima descritos não foram inúteis, porquanto geraram um efeito, que deve ter uma causa; embora possam parecer de exaltação, produziram um organismo conceptual lógico e profundo. Se o efeito revela a natureza da causa, se ele é uma construção racional, precisa, completa, não é justo atribuir sua origem ao acaso ou a uma anormalidade psicológica ou patológica; se o escrito supera a potência cultural e intelectiva do escritor, deve existir em algum lugar uma fonte que a tudo isso deu origem.

Conservar-se cético, negar uma causa ao efeito, não perceber um liame de proporções entre os dois termos, não é racional, nem científico.

Esses meus estados psicológicos ainda representam mais: significam uma nova técnica de pensamento que pode revolucionar os processos psicológicos até agora habitualmente usados.

Este exame que aqui estou fazendo não tem somente a importância de um estudo sobre um particular tipo de mediunidade, mas é o estudo do grande problema da gênese do pensamento, de uma sua novíssima técnica, de um novo método de pesquisa filosófica e científica. Essa técnica e esse método eu os usei largamente e aqui apresento seu primeiro resultado. Denomi-no-o método da intuição e, como já o tenho adotado, proponho-o, por ser mais poderoso que o método indu-tivo-experimental. Este último, creio, já deu seu máximo rendimento; também creio necessário mudar de sistema, se a ciência deseja progredir em profundidade, se quer encontrar sua unidade, agora que está em perigo de pul-verizar-se no particular e na especialização, se quer descobrir os princípios centrais e obter uma conclusão, após tantos anos de inúteis tentativas. Urge devolver à ciência, que descambou em utilitarismo, a dignidade que lhe é própria, levando-a a descobrir no campo do espírito, guiando-a ao caminho justo da verdade, que o mundo espera e pede há tanto tempo, em vão. Urge elevar a ci-ência ao nível da fé, para que se funda com esta e se uni-fique o pensamento humano. Também esse é o objetivo da obra que recentemente concluí.

Abstraindo embora seu conteúdo, que pode ser considerado como revelação, o referido escrito permanece íntegro, no campo científico, como realização completa do novo método de pesquisa. Com este método, sem profunda e especializada preparação cultural, com rapidez e trabalho relativamente mínimo, pude resolver problemas que os outros métodos não conseguiram solucionar.

O método da intuição é o método da síntese, dos princípios, do absoluto, é o método interior da visão e da revelação; o método indutivo-experimental é o método da análise, do relativo, é o método exterior da observação. O segundo é prático, utilitário, mas desperdiça o conhecimento; o primeiro é abstrato, teórico, mas toca a verdade absoluta, atinge os princípios universais diretivos dos desenvolvimentos fenomênicos.

Há a considerar também a questão da Entidade, ou seja, do transmissor, questão árdua, para cuja solução teremos, mais adiante, melhores elementos de juízo. Por enquanto, devo observar que, conforme suas próprias declarações, a fonte afirma não ser uma personalidade no sentido humano. Em sua primeira comunicação, Sua Voz, enuncia, realmente, como primeiro fato, estas já citadas palavras: “Não perguntes meu nome, não procures individuar-me. Não poderias, ninguém o poderia; não tentes inúteis hipóteses”. Além disso, tenho lido, repetidamente, na imprensa espírita, que é mais séria e mais verdadeira essa impessoalidade do centro transmissor do que seu exato definir-se numa assinatura, embora esse nome seja dos grandes da História. E é intuitivo que embora sobrevivendo, a personalidade humana deva experimentar mutações que lhe fazem perder seus atributos humanos, seus sinais de identificação psíquica e as características que lhe eram próprias no ambiente terrestre. E isso deve ser mais intensamente positivo quando se trata de Entidades que jamais viveram na Terra, ou também que sejam tão elevadas que vivam normalmente em dimensões conceptuais e planos de consciência superiores.

E se a virtude destes meus estados psíquicos par-ticulares é de fazer-me atingir, conscientemente, esses planos, deverei achar suficiente falar não de Espíritos no sentido comum, mas somente de centros emanantes de correntes psíquicas, as noúres, em que justamente se processa minha imersão, correntes que eu percebo, vibrações que registro em minha hiperestesia psíquica. Re-conhecer-se-á lógica a necessidade de alteração de perspectivas, quando se pensar que longa e estranha viagem seja necessário realizar até atingir o outro limite da comunicação.

Por isso, meu caso é bem diferente dos tipos comuns de mediunidade. Não é mediunidade física, de efeitos materiais, que lança mão de centros humanos e subumanos, de caráter barôntico. Não é mediunidade inte-lectual inconsciente, em que o médium funciona como simples instrumento e cuja consciência se afasta no momento da recepção. É, porém, mediunidade intelectual consciente no plano superior em que trabalha e para o qual se desloca, na plenitude de suas forças. É, portanto, mediunidade do tipo mais elevado e chego quase a duvidar que em tais níveis possa ainda subsistir toda a estrutura da concepção espírita comum, e se a tudo isso se possa chamar ainda mediunidade, porquanto ela coincide e se confunde com o fenômeno da inspiração artística, do êxtase místico, da concepção heróica, da abstração filosófica e científica, fenômenos todos que possuem um fundo comum e que se reduzem, não obstante as diferenças particulares, ao mesmo fenômeno de visão da verdade no absoluto divino. “Nesses momentos, que são chamados, justamente, de inspiração” – diz Allan Kardec no seu Livro dos Médiuns: “as idéias abundam, se seguem e se encadeiam por si mesmas, sob um impulso involuntário e quase febril; parece-nos que uma inteligência superior vem ajudar-nos e que nosso espírito se haja desembaraçado de um fardo. Os homens de gênio, de todas as classes, artistas, cientistas, literatos, são indubitavelmente espíritos adiantados, capazes de compreender e conceber, por si mesmos, grandes coisas; ora, é precisamente porque os julgam capazes que os espíritos, quando desejam executar determinados trabalhos, lhes sugerem as idéias necessárias e assim, na maioria dos casos, eles são médiuns sem o saberem”.

Concebo, desse modo, estes estados e qualidades como uma sublimação normal de todo o meu ser psíquico, atingida por minha natural maturação biológica, que figuro como uma continuação, no campo psíquico, da evolução orgânica darwiniana. Foi desse ponto de observação, a mim oferecido por estados de consciência, supranormais em face da mediana evolução biológica, mas normais para a fase por mim atingida, foi desse ponto de observação que eu pude contemplar a síntese do cosmos. E é por isso que, desse nível biológico, me inspira o maior desagrado a mediunidade física, que percebo como algo de violento, sufocante, involvido. Deixo a esse mais áspero trabalho do espiritismo o valor probatório para a hodierna ciência da matéria, para os cegos do espírito, mas permaneço em minha sensação de aversão e de desagrado.

A minha paixão é, ao contrário, subir, sutilizar-me espiritualmente, aperfeiçoar-me sempre como percepção. E esta é a condição de minha mediunidade. Fujo, por isso, do que é terreno, das formas de vida humana, de todas as manifestações barônticas que arrastem meu espírito para baixo e, ao invés de abri-lo para a compreensão e a luz, o sufocam num cárcere de trevas.

Minha paixão é evadir das baixas camadas da animalidade humana e essa é minha meta e o significado de minha mediunidade. Quando esta, embora vagando no além, permanece em nível humano ou subumano, não tem mais razão de existir para mim, porquanto não mais significa evasão e libertação. Observar o mundo dos vivos ou mundo dos mortos é para mim problema secundário em face do de minha evolução. Sou um exilado na Terra e busco desesperadamente a minha gente e a minha pátria distante. Meu esforço objetiva reencontrar algo de grande que já senti ou vivi, um conhecimento, uma bondade, um poder que ruiu, não sei como, neste mundo. Meu esforço é para subir, subir moralmente sempre mais, para aprender sempre melhor a manter-me em equilíbrio estável ao nível de consciência representado por essas noúres que eu capto e registo. Procuro, simplesmente, tornar normal para meus pulmões a respiração, que é difícil para um ser humano, naquela atmosfera rarefeita, mas puríssima e esplêndida.

Toquei de leve, neste momento, uma corrente que me delineia uma interpretação do fenômeno. Sinto, desse modo, muitas vezes, nascerem em mim os mais inopinados conceitos. Minhas capacidades consistem, portanto, no saber eu mover-me, em plena consciência, de um plano conceptual humano a um plano conceptual su-per-humano; no saber efetuar, com a sonda de minha superconsciência, reconhecimentos nas profundezas do plano superior e trazer os resultados da investigação à consciência normal, para poder, através desta e em terminologia desta consciência, fazer a comunicação dos mesmos, isto é, pô-los em forma racional, compreensível aos meus semelhantes. Eis o conceito de que falei: a linha que percorro e ao longo da qual me elevo e desço é a dimensão “evolução” (A Grande Síntese, cap. “Teoria da Evolução das Dimensões”). Tudo isso pode acontecer porque me encontro numa fase de transição e transformação entre consciência e superconsciência, que ainda me permite oscilar entre as duas fases contíguas de evolução psíquica.

Em face de tudo isso, pode-se ver como se deve abandonar, caso se queira compreender a fundo o problema, o simplismo da idéia de uma Entidade que fala mais ou menos materialmente aos ouvidos do médium. E daí também se compreende a extraordinária importância que tem esta minha qualidade de recepção inspirativa, para completá-la, mantê-la e aperfeiçoá-la, o fator moral; compreende-se que importantíssima função possui, em face dessa minha mediunidade, o fator dor, que refina, educa, purifica; compreende-se como fazem parte integrante do fenômeno e como é necessário dar-lhes um verdadeiro peso científico, fatores de caráter religioso, ético, espiritual, que a ciência acreditou até agora poder ignorar como não-valores.

No meu caso, por isso, a recepção se realiza por sintonização, isto é, capacidade de vibrar em uníssono, que se pode chamar simpatia, envolvendo o conceito de afinidade de natureza. Devo, então, submeter minha natureza humana ao martírio de viver num nível que não é o seu, entregando-se em holocausto de uma lenta morte; devo saber continuamente realizar entre as cargas de minha vida humana diária, o esforço de erguer-me, como consciência, um nível sobre-humano e nele manter-me, através de uma tensão nervosa esgotante, em que muitas vezes me abato, caindo humanamente desfalecido. É através de um sofrimento contínuo que posso declarar-me uma antena lançada no céu dos antecipadores da evolução. Só a dor pode permitir e perdoar a audácia destas afirmações.

Referi-me, assim, às notas fundamentais do fenômeno total como eu o vivo. Pode definir-se como um estado de acentuada hiperestesia psíquica que me permite a captação consciente de correntes conceptuais ema-nantes de centros psíquicos que existem em formas biologicamente superiores e dificilmente individualizáveis para o homem, em face de suas limitações sensórias e conceptuais. Esses estados podem ser chamados medianímicos e são no meu caso conscientes, lúcidos, utilizáveis pela minha possibilidade de retroceder biologicamente aos estados de consciência normal e traduzi-los em forma humana de pensamento; possibilidade, para mim, de oscilar entre essas duas consciências, que são duas fases de evolução biológica, no nível psíquico. São capacidades supranormais em face do nível médio, mas normais para mim, porque atingidas por normal processo evolutivo: capacidades abertas a todos e às quais a humanidade chegará por via normal de evolução no tempo. Fenômeno de sintonização entre os dois centros comunicantes, o que implica afinidade e, de minha parte, a tensão para manter-me num alto nível biológico, expresso neste campo psíquico por leis morais. Tudo isso eu adoto praticamente como um novo método sintético por intuição, de pesquisa filosófico-científica; tenho-o utilizado, ofereço-o e também seus resultados à ciência, para seus objetivos. No fundo, não é senão o antiquíssimo método dedutivo, da revelação, que a ciência, atualmente, trocou pelo método indutivo: é o retorno às fontes da verdade, ao outro extremo visual do conhecimento.

Com este método, introduzem-se na pesquisa científica fatores delicadíssimos. Considero absurdo falar, no presente caso, de gabinetes e experimentações num sentido materialista, porque a primeira coisa a fazer não é tanto induzir o cientista a estudar o fenômeno com sua psicologia, mas reconstruir, desde os fundamentos, a psicologia do cientista. Meu fenômeno não pode ser apenas objeto de observação, mas é um método científico “para a observação”, em que não se procede por verificações exteriores e superficiais com meios sensórios e instrumentos apenas, mas se usa a consciência do observador, que é elevada a instrumento de pesquisa. Procede-se, aqui, por sintonização entre o psiquismo do observador e o psiquismo diretivo do fenômeno; é necessário, em outros termos, que a alma do observador se dilate e expanda do interior para o interior e entre em contato com a substância, o princípio animador do fenômeno e não somente com sua forma externa e com o aspecto exterior de seu desenvolvimento. É o estado de espírito do poeta e do místico, de simpatia por todas as criaturas, de paixão de conhecimento para o bem, de visão estética do artista, não mais vagas, mas dirigidas com exatidão científica no campo das concepções abstratas.

Nestas formas de pensamento, sinto que se dilatam os horizontes novíssimos da ciência do futuro, sinto que nestes conceitos que aqui estou expondo está a semente de uma profunda revolução na orientação do pensamento humano, sinto que este assunto é o problema fundamental, o mais importante a que possa dirigir-se hoje a mente humana. Aquém deste estudo, que parece apenas de um caso pessoal, se agita o grave problema do conhecimento humano e dos novos métodos para atingi-lo. Tudo isso demonstra que a verdadeira ciência, a profunda ciência que toca a verdade, só é atingida pelas vias interiores, através de um processo de harmonização da consciência com as leis da vida e com o divino princípio que tudo rege; demonstra que os caminhos do conhecimento não podem ser senão os caminhos do bem, que o saber é um equilíbrio de espírito, que a revelação do mistério não se verifica senão quando se alcança a fase de perfeição moral; demonstra que a ciência agnóstica, amoral, é a ciência do mal, que se destrói a si mesma, e que é absurdo, portanto, ignorar certos imponderáveis substanciais e prescindir do fator ético na pesquisa; demonstra, finalmente, que a ciência não deve ser senão uma ascensão cultural e espiritual tendente à unificação de tudo – arte, filosofia, religião, saber – em Deus. Porque a lei de evolução é também lei de unificação.

Com este método, escrevi uma obra que foi publicada como ditado mediúnico e isso, se corresponde à verdade, não basta para fazer compreender todo o fenômeno. Vê-se agora como esse escrito foi gerado num plano de consciência supranormal e que eu tinha que possuir as qualidades necessárias para saber transferir-me àquele plano e, assim, poder perceber aqueles conceitos. Meu esforço não foi, na verdade, o esforço cultural do estudioso, mas um trabalho completamente diverso. Nada de livros, de resto inexistentes em tais campos inexplorados e sobre tais novíssimas concepções; nenhuma preparação cultural particular, nenhuma coleta de materiais, nenhuma pesquisa, no passado, do pensamento alheio, mas um contato imediato com o problema e com o fenômeno, com uma nova e diferente focalização de consciência. A libertação do estorvo cultural foi, pelo contrário, a primeira condição, que me permitiu a leveza necessária ao vôo e uma espécie de virgindade de espírito, livre de todos os preconceitos de precedentes interpretações alheias. A dificuldade da composição não se assentou no estudo de livros, mas na busca do estado de espírito. O fenômeno e sua lei me falaram diretamente, sem véus; a verdade me tocou como um lampejo de concepção instantânea; nenhuma incerteza, jamais a tentativa da hipótese: Prendia, num vôo, o princípio, sem perder-me nunca no dédalo do particular e da análise. Jamais oscilei na dúvida em que a ciência se debate. Nenhum registo necessário, multiplicado pela observação prolixa e paciente; não mais o comportamento lento e incerto do cego que, para certificar-se da segurança, deve tocar tudo de todos os lados, mas um senso da verdade, uma registação rápida de totais, uma potência de síntese que imediatamente conclui. Não mais um mesquinho contato com o fenômeno, apenas pela estreita via dos sentidos, mas uma comunhão aberta de par em par, uma transposição completa do meu centro consciente ao centro do fenômeno, seja ele o menor ou o máximo do universo. Os dois termos, que devem compreender-se, observador e fenômeno, eu os ponho à mesma altura; não me canso em mudar os casos e as condições do fenômeno, mas mudo o observador e suas qualidades perceptivas; restituo sua alma ao fenômeno e a compreendo. Na transmutação da consciência, sintonizo os íntimos movimentos vorticosos do meu psiquismo com aqueles que constituem a essência do fenômeno; reduzimo-nos ambos (eu e o fenômeno, elementos que devem tocar-se) à última e mais simples expressão cinética. Reduzidos, assim, ao mesmo denominador, as duas expressões podem comunicar-se, minha consciência pode sobrepor-se e coincidir com a consciência do fenômeno. Este método de pesquisa por sintonização fenomênica atinge também fenômenos longínquos ou não mais reproduzíveis, não suscetíveis, portanto, de observação, como, por exemplo, as origens da vida, as dimensões conceptuais etc, fenômenos que não podem ser arrastados senão com esses meios de pesquisa, pois a ciência não os possui.

Nestes estados, não sou apenas consciente, mas também ativo centro investigador e não me limito à percepção de noúres ou correntes de pensamento emanantes de centros psíquicos de mim distintos, mas sinto di-retamente a grande voz das coisas, vejo o princípio que as anima, percebo as correntes que delas emanam. É natural que, transferindo-me a um plano de consciência mais avançado em evolução, tudo naquele nível se manifeste em forma de vibração psíquica, porquanto nas fases superiores todo o universo se torna espírito. E tudo abarco porque, se na consciência normal adormeço, numa outra desperto, e esta é muito mais elevada e potente; nesta, adquiro uma nova amplitude de visão e de discernimento, visão minha, livre e autônoma. Também na percepção e captação de noúres permaneço consciente, examino, exercito um poder de juízo e de escolha. Daí se pode compreender a que grau de consciência atinge minha mediunidade e como eu domino completamente o fenômeno em toda a sua extensão, permanecendo senhor de suas possibilidades.

Apresenta-se agora uma delicada questão: saber se o seu produto é absolutamente meu; em outros termos, a quem cabe a paternidade da minha produção, chamada mediúnica. A questão é sutil, justamente porque em tais níveis de consciência não só conquisto um particular poder de visão no absoluto, não só percebo o pensamento de outros centros, como também naquele nível a distinção individualista humana, própria do separatismo imperante nos planos mais baixos de evolução, anula-se na unificação, própria dos planos superiores. Já afirmei que a lei de evolução é também lei de unificação. Subindo a superiores dimensões conceptuais é natural, portanto, que a individualidade se reabsorva na unidade. Atingindo aqueles planos, eu sinto, na verdade, apagar-se a distinção entre o eu e o não-eu, sinto-me anulado, fun-dindo-me e ressurgindo numa unidade mais alta e poderosa, sinto atuar-se a unificação entre mim e o princípio animador dos fenômenos, não apenas entre mim e as noúres, mas ainda, entre mim e os centros de pensamento que as emitem. Ascendendo-se, atinge-se a unificação com o princípio universal em que a individualidade se aniquila. Meu ser se harmoniza, então, de tal modo com o funcionamento orgânico do universo que dele não se sente mais separado, unificando-se, fundindo-se e per-dendo-se no grande incêndio de luz da Divindade.

É para mim difícil reduzir a grandiosidade de sensações deste fenômeno aos termos do vocabulário mediúnico. Muito mais difícil porque devo ainda, por amor à verdade, acrescentar que também nos estratos inferiores de minha consciência, quando o trabalho lhes era apropriado, este lhes era confiado em colaboração harmônica pela lei do meio mínimo. Alguns, ao julgar-me, procuraram a evidência do fenômeno mediúnico na ausência, em mim, de uma adequada preparação cultural e viram a prova disso no contraste entre minha cultura, amplamente inferior ao escrito produzido, até ao ponto de considerar que, quando falta esse contraste, o fenômeno deve ser julgado suspeito. E se escandalizam por eu abolir, abertamente, no meu caso, essa presunção de completa ignorância como elemento probatório e por diminuir essa distância entre as capacidades culturais do médium e o produto intelectual. Já falei, porém, sobre sintonização. É evidente, pois, que o centro receptor, para poder entrar em ressonância deve saber elevar-se até atingir um estado de afinidade qualitativa com o centro transmissor, que tanto pode ser uma noúre, como a alma do fenômeno em sua própria expressão. E nos assuntos mais modestos, como a compilação de um quadro, de um diagrama, a execução de um desenho, o controle de um cálculo ou de uma fórmula, o desenvolvimento de conceitos mais simples, o próprio, mas raro retoque da forma etc., é natural, é justo que esse trabalho menor de contorno, esses serviços secundários sejam confiados à psique menor, para deixar, evitando inútil desgaste de energias, o trabalho central de direção à psique superior, que se reserva a função mais elevada de lançar os planos da obra e iluminar a essência dos fenômenos. Tudo isso corresponde a um plano lógico de divisão de trabalho.

Ouçamos o que, sobre o assunto, diz Allan Kardec no seu O Livro dos Médiuns: “É possível reco-nhecer-se o pensamento sugerido, por não ser jamais preconcebido; nasce à medida que se escreve e é frequentemente contrário à idéia que anteriormente se formara (exatíssimo); pode, além disso, ser superior aos conhecimentos e capacidades do médium (...). Este último, para transmitir o pensamento, deve compreendê-lo e, de certo modo, apropriar-se dele a fim de traduzi-lo fielmente e, no entanto, esse pensamento não é seu (...). Todo aquele que, seja no estado normal, seja no de êxtase, receba, pelo pensamento, comunicações estranhas às suas idéias preconcebidas, pode ser colocado na categoria dos médiuns inspirados. Esta é uma variedade de mediunidade intuitiva, com a diferença que a intervenção dum poder oculto é aí muito menos sensível, tornando-se ao inspirado muito mais difícil distinguir o pensamento próprio daquele que lhe é sugerido. O que caracteriza este último, é, sobretudo, a espontaneidade”.

Leio mais adiante, no mesmo volume, uma comunicação de um Espírito que diz: “Quando encontramos em um médium o cérebro dotado de conhecimentos adquiridos em sua vida atual e o seu espírito rico de conhecimentos anteriores, latentes, próprios a facilitar-nos as comunicações, dele nos servimos de preferência, porquanto com ele o fenômeno da comunicação é muito mais fácil do que com um médium de inteligência limitada e cujos conhecimentos anteriores sejam insuficientes (...). Nossos pensamentos não necessitam da vestimenta das palavras (...). Um determinado pensamento pode ser compreendido por tais ou quais espíritos segundo seu adiantamento, ao passo que, para outros, esse pensamento, não despertando nenhuma lembrança, nenhum conhecimento que se abrigue em seu coração ou em seu cérebro, não lhes é perceptível (...). Com um médium, cuja inteligência atual ou anterior se ache desenvolvida, nosso pensamento se comunica instantaneamente, de espírito a espírito. Neste caso, encontramos no cérebro do médium os elementos apropriados a vestir nosso pensamento com a palavra correspondente ao mesmo. Eis porque os ensinamentos assim obtidos conservam um cunho de forma e colorido pessoais ao médium. Se bem que os ensinamentos não provenham de modo algum deste, ele influi sempre em sua forma, tanto pelas qualidades quanto pelas propriedades inerentes à sua pessoa (...). Quando somos obrigados a servir-nos de médiuns pouco adiantados, nosso trabalho se torna muito mais longo e penoso, porque somos coagidos a recorrer a formas incompletas, o que é para nós uma complicação. Sentimo-nos felizes, por isso, quando podemos encontrar médiuns aptos, bem aparelhados, munidos de materiais prontos a serem utilizados (...). É por essas razões que nos dirigimos de preferência às classes cultas e instruídas (...) e deixamos aos espíritos galhofeiros e pouco adiantados o exercício das comunicações tangíveis, de pancadas e transportes”(...). Uma importante “Observação” encerra, no citado volume, essa comunicação: “Disso deriva, como princípio, que espírito colhe, não às suas idéias, porém, os materiais necessários para ex-primi-las, no cérebro do médium e que, quanto mais rico é esse cérebro em materiais, mais fácil se torna a comunicação (...). Compreende-se que os Espíritos devem preferir os instrumentos de uso mais fácil ou, é como dizem, os médiuns bem aparelhados, do ponto de vista deles.”

No meu caso, portanto, a cultura não somente não deve ser excluída, mas é um instrumento precioso fornecido ao centro transmissor, como igualmente podem ser a elevação de sentimentos e a afinidade moral, que são condições de unificação. Minha mediunidade é, portanto, um caso de verdadeira colaboração consciente e ativa; não é, assim, absurdo que sejam chamados a cooperar e a dar todo o seu rendimento os melhores recursos que minha personalidade pode oferecer. Certamente é difícil precisar a distinção entre o meu e o não- meu, como também já não sinto o que existe entre o eu e o não-eu. Se eu sou o pedreiro, terei ofertado algum tijolo, foi-me confiada também a construção de alguma parede e o mecânico trabalho cultural que preenche os interstícios, mas não poderei jamais igualar-me ao arquiteto que concebeu o plano da obra, que lhe traçou as linhas, que por ele sempre velou e ainda assinalou, entre os limites que quis, o meu trabalho menor. Tudo é questão de gradação e de medida. Eu só tive um escopo: o de completar a obra e me dei totalmente a ela com a máxima tensão. Era nessa identidade de metas que se processava a unificação entre mim e o centro superior; e aquele eu, que consagre inteiramente à minha obra, foi conduzido por essa atração do Alto a um tal grau de sublimação que nele não mais encontro o meu pequeno eu normal. Em suma: aquela concepção passou, qual novo Pentecostes, como um incêndio através de meu espírito e todas estas palavras demonstram quanto, não obstante meu desejo de discernimento, torna-me difícil reencon-trar-me a mim mesmo naquele incêndio.

Durante o desenvolvimento do texto, oscilava eu entre minha consciência humana e a outra, superior, que também sentia minha naqueles momentos, conforme as necessidades da compilação impunham; aterrava e decolava, quando preciso, porquanto o objetivo era produzir e não estabelecer distinções. Recordo-me muitíssimo bem como, ao engolfar-me como de hábito, sem o saber, na angústia de difíceis soluções e sem saída visível, a inspiração me tomava a mão e me guiava, ela só, através do vazio em que sentia perder-me. Uma direção superior, embora inadvertida e latente, devia estar sempre presente, pois era meu hábito arrojar-me, sem preparação, sobre os argumentos mais difíceis, ignorando aonde chegaria; e não obstante isso, atingia um bom porto, sempre guiado por um misterioso senso da verdade. Todas as teorias e desenvolvimentos conceptuais por mim seguidos não foram, na verdade, meditados; não os compreendi inteiramente senão depois de escritos; eu não conheço um problema senão depois de completamente exposto, porque durante o seu desenvolvimento se processa, em minha mente, um contínuo projetar-se de luzes, um multiplicar-se de perspectivas inesperadas, um surpreendente pulular de imprevistos quase sempre, de modo que eu não sei se dito ou escuto, se escrevo ou leio. Só sei que de mim sai esse fio de pensamento contínuo. Indubitavelmente um controle e um consenso superiores se manifestam em cada palavra, porque uma dolorosa dissonância feriria logo minha hipersensibilidade, apenas me afastasse da linha de harmonização. A execução inferior me foi confiada e eu sigo tranquilo enquanto são suficientes os recursos da consciência humana; muitas vezes, porém, numa curva inesperada, numa passagem difícil, sinto-me atemorizado como uma criança perdida e então me uno novamente ao guia. Recor-do-me de que no desenvolvimento da teoria da evolução das dimensões, cheguei a um ponto em que me julguei extraviado, não podendo resistir à tensão; rompera-se-me o fio do pensamento; a visão se apagara aos meus olhos; estava desanimado e havia perdido o senso da verdade. A consciência comum nada me sabia dizer, era cega. Foi então que, passeando, numa hora tardia duma noite estival, num terraço, à luz das estrelas, orando e suplicando, vi toda a teoria num lampejo, um esplendor de conceitos sobre o fundo cintilante do firmamento. Foi um átimo, porque a visão conceptual está verdadeiramente além da dimensão tempo.

A intervenção, pois, do fator supranormal é evidente. É preciso somente compreender a complexa estrutura dessa intervenção e evitar o simplismo que reduz tudo à ação de um espírito sobre os centros psíquicos passivos do médium. Isso justifica a qualificação mediúnica dada ao escrito desde o princípio. Assim como a compreensão da transmissão radiofônica, embora simples para comparação, presume o conhecimento da eletrotécnica, igualmente para entender este meu fenômeno é preciso haver assimilado toda a obra que produzi, como interpretação da fenomenologia universal, para poder também situar este caso harmonicamente no seio do funcionamento orgânico do todo. Atrás destas minhas palavras, como explicação e base, exponho aquele quadro totalitário, quando falo de minhas duas consciências e da minha oscilação entre elas, ao longo da dimensão da evolução, referindo-me à teoria da evolução das dimensões conceptuais e à fase humana da evolução espiritual. É racional e científico, científico também no sentido da velha escola materialista, falar de níveis e planos de consciência. Estes não são mais que os graus sucessivos, as fases da evolução afirmada por Darwin no campo orgânico e continuadas, logicamente, no único campo onde continuação pode e tem de existir, isto é, no campo psíquico. Tudo isso corresponde aos conceitos das religiões e aí se encontra traduzido em diversas palavras que exprimem substancialmente o mesmo, como hierarquias angélicas, ou vários céus, ou esferas celestes. É esta unidade fundamental, na profundeza em que tudo se unifica e a que permaneço aderente, que me permite muitas vezes mudar de forma e estilo, passando equivalentemente da ciência à fé e vice-versa, reduzindo assim os grandes inimigos a questões de palavras e não de substância.

O fenômeno apresenta, portanto, duas faces e resulta justamente de sua conjunção: o lado humano, em que se encontra minha preparação cultural, as qualidades de meu temperamento, o meu grau de evolução e a minha capacidade de transferência a um superior plano de consciência; no outro extremo, está o lado super- humano, que desce, se adapta a mim e ao mesmo tempo me adapta a si, guiando-me e atraindo-me para o Alto. Existem, pois, somente dois centros: um, radiante, transmissor, e um registador, receptor; existem também duas atividades, porquanto ambos os centros, laboriosamente, se acham estendidos, um para o outro, a fim de atingir a unificação. Porque a identificação é a fase da comunhão perfeita. Só através da tensão deste trabalho de recíproca aproximação pode estabelecer-se a comunicação; por isso, de minha parte, como centro registrador e receptor, dou todo o meu esforço e conheço toda a minha fadiga para alcançar a altitude evolutiva do transmissor e nela me manter. A estação receptora não é, portanto, necessariamente passiva como um aparelho radiofônico, mas, sim, conscientemente ativa, sabe, investiga, escolhe, lança-se com as suas forças para conseguir a captação das noúres, multiplica suas energias, dá-se completamente, aniquila-se em face da criação nascitura. É nesse sentido que em minha obra se encontra todo o meu eu, toda a minha fé, minha paixão, minha pobre cultura; ali está meu pequeno eu multiplicado pelo infinito, que, com sua atração me arrebatou para o Alto e fecundou meu esforço, centuplicando-lhe o rendimento. Ali está meu pequeno eu, porque aquela concepção, embora muito longínqua, também se encontra na linha de minha evolução, e eu a senti, palpitante, como um sonho, inatingível hoje, de uma perfeição a cujos pés me humilho, porque não me encontro amadurecido e careço de forças.

Essas noúres superiores estão no meu futuro e me atraem. Encontram-se na outra extremidade, no segundo termo da comunicação. Devemos entender-nos, desde agora, a respeito do conceito de noúres, que é muito vasto e complexo e que aprofundaremos no estudo da técnica do fenômeno.

As noúres não são somente correntes psíquicas, uma espécie de pensamento radiante, apenas vestido da onda dinâmica transformada e evolvida, como seu único suporte sensório; são correntes conscientes que conservam, como as inferiores formas dinâmicas, as qualidades típicas, e nesse caso conscientes, do centro genético. Essas correntes não são senão a expansão daquele centro e conservam sua consciência e conhecimento. Con-ceitos abismais, porque não sabemos imaginar ondas que possuam tais qualidades. Porém, há mais ainda. Do lado transmissor não devemos enxergar apenas os centros superevolvidos mais ou menos individualizáveis como personalidade, no sentido humano, mas devemos ver também, como já mostrei, a alma dos fenômenos, alma que se manifesta a si mesma, isto é, o psiquismo que existe em todos os fenômenos, o princípio e conceito animador que os assinala e dirige o transformismo contínuo, o eterno tornar-se. Ainda aqui é preciso haver compreendido o espírito de meus escritos. Uma pedra também é viva e existe nela um psiquismo animador, concedido pelo conceito divino que, a cada instante, nela se realiza, exteriorizando-se. Por isso, também uma pedra, ou o mais simples fenômeno químico e físico, emana noúres e é perceptível como noúres, no meu mais elevado nível de consciência. Neste plano, todo o universo se transforma em noúres. Desse meu estado psíquico e dimensão conceptual que, na profundeza, sente a essência além das formas das coisas, percebo efetivamente o universo em sua superior dimensão psíquica, que lhe é própria na escala das fases evolutivas. Basta esta minha mutação de consciência para alterar e deslocar toda a gama de minhas ressonâncias interiores, para me fazer perceber o universo qual é em sua fase superior. A evolução, que passa do plano físico ao dinâmico e ao psíquico, transforma todo o universo num psiquismo e em psiquismo ele se torna, como sua real e nova forma de ser, desde que nessa nova dimensão eu saiba apresentar-me conscientemente. Eis o que significa dizer: então todo o universo se transforma em noúres. É que, realmente, então, tudo que existe exala pensamento e assim eu sinto o universo nestes meus estados medianímicos, como um possante organismo conceptual. A verdadeira grande noú-re que eu aferro e registo é a emanação harmônica e orgânica do pensamento infinito de Deus.

Cai, então, naturalmente, o véu dos mistérios e tudo expressa a substância de seu ser numa espontânea revelação. Nessas minhas superelevações de dimensão de consciência, tenho a visão, nas profundezas de um abismo infinito, desse centro conceptual. As dimensões gigantescas do fenômeno, a grandiosidade esmagante do segundo termo comunicante, dariam uma sensação de vertigem a quem não houvesse atingido esses estados, como eu, através de longos e lentos exercícios e de maturação biológica não se sabe quantas vezes milenária. É necessário, aqui, um equilíbrio mental não comum porque posto a dura prova; e a objetividade e a minuciosa segurança com que me analiso demonstram quanto estamos, no caso, distanciados da consumação neurótica, tão frequentemente invocada pela ciência como explicação de semelhantes fatos.

Sou, assim, lançado num mundo maravilhoso. Possuo, então, uma nova vista, um feixe de sentidos novos e, sem órgãos físicos, um poder de percepção anímica direta, supersensória. Assim se explica a necessidade daquela espécie de transe que me livra da presença ativa dos sentidos físicos, a fim de que eles não me tornem a chamar à realidade sensória exterior, que não sabe falar-me senão da forma. Devo realizar, antes de mais nada, a tarefa de libertar-me dessa estorvante psique racional de superfície, que para os outros é tão fundamental. Não mais vejo, então, o fenômeno no seu aspecto exterior, mas sinto o princípio que o movimenta; não vejo, por exemplo, a semente em seus caracteres morfológicos, mas a enxergo na íntima estrutura de seu ser, como vontade de desenvolvimento, como presciência do ambiente (instinto) e da meta a atingir; vejo, mais profundamente, o ritmo das infinitas formas do passado e a vontade de desenvolvê-las e, mais longe, sinto o grande princípio da vida que, naquele tipo, palpita e se exprime.

Quando, no silêncio da noite, completo o processo de adormecimento da minha psique sensória, na harmonia e nos tons menores das luzes, no fundo da penumbra, ao ritmo submisso das orquestrações sinfônicas, as coisas perdem seu perfil concreto, o mundo se torna irreal, isto é, ressurge numa realidade diferente e eu sinto o equivalente psíquico e espiritual das formas. Há uma correspondência entre os vários planos de evolução, porque a essência das coisas que destila dos planos mais altos se projeta como uma sombra nos planos inferiores. E isto é lógico porque toda unidade está ligada à superior, na linha da evolução.

Ora, minha ascensão de dimensões conceptuais me permite subir da projeção concreta à substância espiritual. É por essa correspondência entre os diversos planos que se pode falar por parábolas, que o simbolismo pode exprimir os princípios abstratos e as realidades mais dificilmente imagináveis para os incultos, traduzindo-as em sua sombra mais densa ou projeção concreta, que também as ficam possuindo, embora veladamente. Assim se conseguiu dar expressão, sensorialmente acessível, à realidade abstrata do superconcebível, trazendo-a ao nosso mundo com o revesti-la de um invólucro que a torna tangível. Eu destruo essa redução, subindo a corrente em direção oposta: e esse esforço visa a lançar por terra os véus e superar os símbolos para restituir a verdade à luz da compreensão; que neles teve de ocultar-se, por exigência da psicologia humana involvida. Vimos, desse modo, o conteúdo científico do conceito da Trindade.

No mundo dos fenômenos históricos-sociais vejo, atrás dos acontecimentos, a sutil trama em que se tece a causalidade projetada na direção do efeito, vejo o progredir de um conceito até a meta, vejo o fio que sustém como um colar a série dos episódios e o desenvolvimento lógico que guia o curso do fenômeno histórico.

No mundo da matéria inorgânica sinto o redemoinhar interior dos átomos, suas atrações e repulsões, seus amplexos por afinidade, o dinamismo de suas correntes elétricas, o combinar-se e o unir-se de seus movimentos planetários em fusões que originam os diversos tipos das individuações químicas.

Não adquiro conhecimento dos fenômenos por aquisições culturais particulares e numerosas, através do método comum, que repete o saber dos outros; mas, possuo um senso único de orientação que me abre o caminho da compreensão de todos os fenômenos. Não compreendo como a ciência possa imaginar que, por exemplo, contando cuidadosamente o número das folhas, observando-as e descrevendo-as, se possa chegar ao entendimento do princípio da vida das plantas; sinto a absoluta impotência sintética do método da observação. E, no entanto, qualquer fenômeno, sem multiplicação de caso, traz escrita em si mesmo a sua lei; basta escutá-la.

O método experimental me dá a impressão da cegueira, que precisa recorrer ao tato. Na profundeza das coisas existe, indiscutivelmente, um princípio que as governa; não busco esse princípio penosamente, pelos longos e laboriosos caminhos da análise e da hipótese, mas o alcanço por percepção direta, através de um meu sentido da verdade, um novo sentido de orientação conceptual que sintetiza e supera todos os outros. Avanço, assim, por instinto, por contínua registação de totais, sem distrair-me no particular; alcanço o conhecimento por deduções, descendo ao particular, desde os princípios que anteriormente havia percebido e que o contém por inteiro. Jamais tento a longa via que sobe lentamente em direção oposta. Nunca vejo um problema, ainda que mínimo, isolado, mas sempre relacionado com a organização de toda a fenomenologia universal e resolvido em relação a ela. Somente com este método se podia fazer uma síntese e encontrar a unidade.

O uso deste método, a princípio intuitivo e depois dedutivo, é necessário hoje, como método sintético e unitário, para contrabalançar a dispersão do conhecimento, a que chega logicamente, por sua natureza, o método indutivo. Se, com uma mudança radical de direção intelectual, não se reagir contra essa tendência, acen-tuar-se-á sempre mais o isolamento do saber humano na especialização e na desorientação, em face das causas primeiras.

Este meu estudo encara os males congênitos da ciência moderna e se propõe saná-los. Já disse que evolução é unificação; e se o tempo é o ritmo de uma evolução necessária, deve ele trazer necessariamente unificação. Não pode haver outra meta nem outro futuro. É natural que, elevando-me eu evolutivamente a superiores dimensões conceptuais, haja súbita e espontaneamente encontrado a unidade. O método da intuição é, portanto, o método unitário e sintético que deve dar um amanhã à ciência e ao pensamento humano. Só assim se pode encontrar a unidade, aprendendo as relações entre os fenômenos aparentemente mais distanciados, mas que, apesar disso, se sentem e se influenciam reciprocamente. O saber moderno se tornou tão gigantesco e confuso, que há necessidade de uma reordenação, de um desfolhamento: a idéia múltipla do particular precisa ser reduzida à idéia simples, central e sintética, que tudo diz mais brevemente; após haver criado tantas disciplinas, urge saber encontrar os liames que as unam, agora que elas tendem a separar-se, a fim de fundi-las em uma verdade, que deve ser simples e única. São perigosas essas especializações, hoje tão em moda, mas que não correspondem à realidade dos fenômenos, que “nunca” existem isolados; são posições falsas essas, em que a mente do estudioso se afasta para uma ramificação última do mundo fenomênico e do saber humano. Esse separatismo, se é utilitário, acaba fazendo desaparecer também a visão exata do campo particular da especialização. É preciso permanecer sempre aderente ao tronco e ver sempre tudo em função das grandes linhas centrais do organismo universal. E pensar que estas linhas centrais, que servem de base ao conhecimento, a ciência ainda as procura e ainda precisa encontrá-las! Em seu monismo, meu método sintético combate esta corrida hodierna para a dispersão conceptual.

De tudo se percebe como racionalmente eu controlo e domino meu transe. O acontecimento novo no mundo mediúnico do presente e do passado, creio que seja justamente este – de haver conduzido o transe a um estado de exatidão científica. No meu estado de imersão nas noúres, minha consciência permanece sempre presente; antes, duplamente presente, como mais profunda consciência, que implica uma capacidade de juízo superior à normal. Estamos, no extremo oposto da comum mediunidade intelectual passiva e inconsciente. No meu caso há uma intensificação de lucidez e potência conceptual, uma dinamização de atividade intelectiva e assim se deve, e só assim se pode, entender minha mediunidade. De outro modo, não poderia nem sequer escrever estas páginas, por quanto normalmente recorro, oscilando entre os dois centros, a esta minha psique superior que me permite atingir maior altura, apenas a dificuldade do problema me faça sentir a necessidade disso.

Disse, de início, que minha mediunidade é progressiva. Sua evolução vai da forma menos consciente, qual era nas primeiras Mensagens, à forma sempre mais consciente qual se manifesta na Síntese que, por sua própria profundeza conceptual, implica um mais severo controle mental.

*

Aludi, no início deste capítulo, às ótimas condições habituais de minha registação mediúnica. Isso não me impede de sentir e registar também em outros ambientes além de meu gabinete, embora sua escolha tenha sempre importância capital, porque meu ser recebe as vibrações de tudo o que circunda. As vezes, aquele lampejar de conceitos explode imprevistamente; mas, também, em meio ao estrépito psíquico, tormentoso para mim, oferecido pela presença de pessoas heterogêneas, uma inesperada e inadvertida sensação pode excitar a visão interior. Minha psique já se habituou a essa audição pela qual afloram à minha consciência concepções imprevistas que me pareciam desconhecidas. E mesmo agora, enquanto escrevo, surpreendo-me com conceitos que me nascem inopinadamente, de modo que não conheço completamente determinado argumento senão quando terminado o trabalho.

Em ambientes inadaptados, a audição só pode ser desordenada e fragmentária. Ambientes bem sintonizados são a montanha, o campo tranquilo e, sobretudo, a solidão dos bosques. As grandes árvores têm, no lento fluir de sua vida, algo de tanta sabedoria e de tanto pensamento, que me guiam a uma atmosfera de meditação. A vida vegetal, talvez pela sua natureza complementar da nossa vida animal, oferece uma sensação de repouso e de pureza; a vida humana, principalmente nas grandes e rumorosas aglomerações, traz uma sensação de asfixia. Um ser da minha sensibilidade não pode deixar de sentir todas as emanações de cada ambiente. Cada coisa, cada ser tem uma voz que lhe é própria.

Sendo o fenômeno inspirativo de natureza vibratória, nele a harmonização vibratória do ambiente é fundamental. Já expliquei como preparo o interior da harmonização conceptual, partindo de uma primeira harmonização exterior, ótica e acústica, do ambiente, quando trabalho no meu gabinete.

No campo, tudo já é naturalmente harmônico, as formas, as cores, os sons; as luzes do dia se harmonizam no céu e na vegetação e harmônico é o pensamento da vida que, embora na luta, é equilibrado pela convivência.

Todas essas harmonias são para mim caminhos musicais que me elevam à prece e conduzem à concepção do bem. Por isso, nas igrejas há música e canto. As-sim como nos teatros se faz caso das qualidades harmônicas de ressonância acústica, do mesmo modo, nos ambientes de oração, que é fenômeno substancialmente mediúnico, as qualidades de ressonância espiritual deveriam merecer cuidado, como de fundamental importância, se se deseja que o templo satisfaça sua função de elevar as almas. Há igrejas espiritualmente mudas e, do ponto de vista da vibração psíquica, surdas e desarmônicas; e outras que, apesar de humildes e despidas de adornos, têm suas paredes saturadas das vibrações de fé que, durante séculos, as gerações entre elas geraram e projetaram. Minha audição psíquica sente, imediatamente, essas ressonâncias e minha alma responde a essas emanações que as antigas paredes me restituem, que a alma das gerações que junto delas, durante séculos, oraram, nelas infundiram. E nesses ambientes consigo muitíssimo bem minha sintonização mediúnica. Um dia a ciência registará essas absorções vibratórias, essas emanações de estados de ânimo, essas correntes noúricas que as paredes podem restituir e de que alguns ambientes se acham saturados. Então, uma restauração artística mais consciente evitará, embora conforme os critérios do olhar e do estilo, certas demolições irreparáveis, que destruam a atmosfera psíquica dos séculos, que pode ser vivíssima, inclusive em ambiente estilisticamente destoante. Essa atmosfera é a flor mais delicada da fé, a mais evanescente, a beleza mais sutil de um templo, seu maior valor espiritual.

O problema das noúres é fundamental também nessas concepções de arte. E de outro modo não saberia explicar-me a moderna e inconsciente idolatria pelo “300” (Trecentos)3, como uma instintiva busca da alma faminta que pede às velhas paredes as vibrações de uma fé outrora poderosa e que hoje parece perdida para sempre. De tudo isso se compreende que vacuidade espiritual representa a mentira de certas modernas reconstruções em estilo.

Em lugar algum, a sinfonia é tão cacofônica como nas grandes cidades modernas. Aqui, de perto ou longe, não pode ajudar-me senão o círculo de simpatias que, à semelhança do mediúnico, estreita em torno de mim o anel da compreensão. No campo, a beleza da natureza representa uma harmonia imensa e espontânea, que guia à sensação direta do pensamento de Deus. Que ambiente mais harmônico que o da natureza, que em tudo está sintonizado com o pensamento divino? Que convite mais doce e poderoso que a vibração em que se organiza o universo? Quando do íntimo dos seres e das coisas se eleva semelhante emanação, a sintonização é fácil. Nas cidades tudo isso é desviado por mil barreiras e a atmosfera espiritual que se desprende das massas humanas é baixa e suja, nela dominando sentimentos de violência, avidez, egoísmo, depressão, sempre desagregantes, que roubam energia e impedem o fenômeno. A psique do sensitivo é, aí, mais intensamente prejudicada, porque se trata de vibrações de tipo humano, mais próximas, por sua natureza, do sujeito, e assim mais tendentes a uma interferência que as outras dissonâncias da natureza, evolutivamente mais distantes e que são, de resto, absorvidas pela potência da ordem universal. Nas cidades, a presença de grosseiríssimas ondas-pensamento é imediata, invasiva; é um assalto de vibrações ofensivas, de caráter ínfimo, equivalentes, quanto aos efeitos da registação, aos distúrbios, aos ruídos parasitas e às distorções da audição radiofônica.

A recepção inspirativa, para resultar pura, exige uma pureza de ambiente, de ânimo, de objetivos. Eis porque é nela fundamental a purificação do médium, problema de que trataremos separadamente mais adiante. Toda vibração que fuja do estado de equilíbrio e de elevação moral age como perturbação, aparece como mancha na registação, provoca distorção das imagens conceptuais. Elevando-se a natureza espiritual do médium, torna-se mais difícil sua ressonância às vibrações baixas, tendentes a inquinar o fenômeno.

A presença de certas pessoas espiritualmente fétidas pode representar para o sensitivo um intenso sofrimento. Quando, por necessidade social, é obrigado a viver em tais ambientes, então sua alma não pode permanecer senão fechada em si mesma, nunca se abrindo, só ocupada em defender-se. Não se pode imaginar que a condenação seja para ele o ser constrangido, às vezes, a viver no seio de certas imundíceis espirituais, onde ele sufoca, ao passo que outros respiram a plenos pulmões. Tudo é relativo e é questão de sensibilidade.

No caso de minha mediunidade, a natureza da onda psíquica das noúres que me vêm ao encontro é de tal delicadeza que se ressente de todos os estados psíquicos do ambiente, ou, em outros termos, uma fonte de emanações psíquicas de caráter moralmente baixo tem o poder de deformar a própria onda. É possível obter-se o isolamento, mas à custa de reações, isto é, estabelecendo um estado reativo que representa para o médium um grande dispêndio de energias, com prejuízo para a registação que delas necessita. Qualquer ruído, qualquer desequilíbrio de sintonização, a mínima perturbação de qualquer natureza, sobretudo se imprevista e repentina, faz precipitar a tensão nervosa, às vezes dolorosamente, destruindo a visão com o imediato reaparecimento do mundo sensório.

Estas afirmações têm uma importância mais ampla que a referente ao fenômeno que estudamos, porquanto nos abrem horizontes novos no campo da ética, dando-nos dela não mais somente uma concepção filosófica ou religiosa, mas uma concepção científica, isto é, de quantidades avaliáveis como um estado cinético- vibratório da psique humana, que o médium sente qual centro constantemente irradiante de noúres, de correntes que pode definir; e um dia a ciência as individuará, em suas classificações morais, com registros e medidas exatas.

Em face de tudo isso, pode-se compreender quão tormentosos esforços a sociedade impõe a esses sensitivos, que, no entanto, devem dar gratuitamente, não se tornando suspeitos, o fruto de suas vidas. Têm de permanecer no mundo de todos, onde se deve ganhar com o trabalho o direito de viver; têm de sofrer os choques proporcionados à sensibilidade normal e que são para eles esmagantes. Médium: ser sensibilíssimo, por isso vulnerabilíssimo e desgraçadíssimo. E este é o verdadeiro e lento martírio que deve completar seu apostolado. É natural que a eles, que vivem projetados no futuro e que vêem quanto há ainda que progredir, o mundo humano apareça bárbaro, feroz, às vezes pavorosamente inconsciente.

Entretanto, se o dever que nossa época impõe é o de ir ao encontro do povo, este é também o seu primeiro dever, porque eles se encontram mais no alto. É preciso indicar e abrir os caminhos ativos da ascensão ao povo, porque este não sabe e se atira por caminhos que encontra abertos.

Não se pode imaginar que tenacidade de resistência, que massa de inércia represente o homem médio, justamente o que impõe as normas da vida social. É de se quebrar a cabeça a bater contra essa massa bruta de psiquismo humano, tanto mais tenaz quanto mais ignorante. Apesar disso, os tempos impõem um nivelamento, que deve ser não por ascensão dos piores, mas por descida dos melhores. Se essa imissão em massa nos direitos da vida é a grande obra de civilização interna dos tempos, desenvolvida em número, mais que aprofundada em qualidade a favor de uma só classe aristocrática, compreende-se a espécie de holocausto, sobre o altar do número, que ela representa para os tipos de exceção, que lutam sozinhos pela preparação de um distantíssimo futuro. Se a exceção não é levada em conta, pode ter, no entanto, uma função biológica, espiritual, social, fundamental. O sensitivo luta por cumpri-la no seio de uma atmosfera surda, luta por não se banalizar; por não descer, adaptando-se por repouso; por não se mutilar no nivelamento. E no entanto, deve descer para promover a elevação do homem médio, a ascensão das classes espiritualmente mais baixas, embora ricas – porque essa é a sua missão. É lei que o alto se incline para o baixo; a fim de que o inferior se eleve é preciso que o superior desça, pelo mesmo princípio unificador de fraternidade através do qual chegam ao sensitivo luzes e auxílios espirituais do Alto. Heroísmo trágico é esta descida, porque subverte as mais sagradas forças da alma, mas é simultaneamente ascensão, porque envolve o auxílio das forças superiores. Contra essas descidas o espírito se rebela; entretanto, deve ele abaixar-se para dar-se, deve esquecer a grande paixão do céu para fundir-se na paixão humana, feita de lama e de sangue, oferecendo ao homem ignorante e sofredor uma centelha roubada ao céu na visão. Por isso, embora seja julgado misantropo, orgulhoso ou louco, tem o direito à solidão, para encontrar de novo o céu, para dele receber novas forças, para reunir-se às hierarquias dos seres superiores que descem em cooperação.

A delicadeza íntima do fenômeno inspirativo, a presença ativa nele (ambiente e sujeito) de fatores que, como a moral, a ciência sistematicamente ignora, a característica do fenômeno consciente (como médium ou noúres), de fenômeno progressivo, como superior fase de evolução biológica em cuja elaboração colaboraram fatores como espiritualidade e dor, tudo isso define o fenômeno como um tipo a que não são aplicáveis os habituais critérios de observação e experimentação, que podem ser ótimos para outros fenômenos. Não se pode sujeitar aos preconceitos da ciência um fenômeno que, nos seus resultados, a domina. Ele não responde ao comando da vontade humana, que objetive uma experiência. Em face de uma imposição exterior, ele se fecha e se desfaz.

O fenômeno está em relação com impulsos e fatores determinantes completamente diferentes, tais como uma missão de bem ou uma excepcional necessidade do momento histórico, que justifique a intervenção de forças no caminho evolutivo da humanidade, porquanto não se determina à vontade e o tipo que a evolução lança à ribalta da vida. O fenômeno supera, em seus elementos determinantes e em suas finalidades, toda a psicologia da observação e da experimentação, toda a forma mental oferecida pela psicologia científica dos tempos atuais. Nesses fenômenos, a mentalidade da desconfiança, da dúvida preconcebida, que é a base da seriedade científica, pode ter poderes inibitórios sobre o fenômeno e estorvar sua verificação.

O fenômeno baseia-se na sintonização psíquica e a mente do observador, se não afasta com suas emanações um objeto do microscópio, nem influencia um fenômeno físico ou químico, pode paralisar, todavia, o funcionamento de um fenômeno psíquico. O fenômeno tem suas defesas e se retira em face da ameaça à sua vitalidade e, então, a ciência não consegue a observação, e sim, a destruição.

Um mínimo choque pode desagregar esses fenômenos delicados, de um psiquismo que, abandonando os velhos caminhos tradicionais, se aventura, num vôo, por rotas supersensórias. E no entanto, devem rea-lizar-se no mundo psíquico humano, que muitas vezes pode ser a mais rebelde e imprópria atmosfera. Basta o estado de ânimo da dúvida para determinar uma corrente negativa demolidora, ao passo que a fé, qualidade antiobjetiva por excelência, tem a máxima força criadora. Donde se conclui que a psicologia de desconfiança, que a ciência emprega por sentido de objetividade, como maior garantia de seriedade, possui, pelo menos sobre os fenômenos que estudamos, poderes destrutivos. O observador se encontra no ambiente e também ele é gerador de noúres. E importa que se encontre num estado de confiança, de fé que atraia, que abra o caminho, aquecendo o ambiente, dando oxigênio ao invés de absorvê- lo. É necessária essa vibração positiva de simpatia, sintonizada, modulada em uníssono, apta a ser fundida e somada, fator de crescimento em aliança com as correntes do fenômeno, e não a vibração dissonante da dúvida, da má-fé, que subtrai energia ao fenômeno e o lança contra uma corrente deformadora.

Importa que o observador faça um severo exame de suas qualidades psíquicas, porque estas pesam sobre o fenômeno. É indispensável, coisa inaudita, que ele limpe moralmente sua alma e a do ambiente, como tem cuidado em manter limpa a mesa das experiências químicas, a fim de que uma substância estranha, entremetida em suas combinações químicas, não lhes altere o desenvolvimento. No campo psíquico, um estado de ânimo presente no ambiente é um elemento que se introduz na combinação que se estuda e por isso tem ele importância. E como uma operação cirúrgica pode representar graves perigos se realizada em ambiente contaminado por micróbios patogênicos, do mesmo modo é necessária, em nosso campo, a esterilização psíquica do ambiente. O mundo psíquico tem seus parasitos, seus micróbios patogênicos, suas correntes de vida ou de morte e às quais está exposto plenamente o sensitivo quando, alijados os invólucros, se abandona à inspiração, com a alma desnuda. Ele é um organismo vivo, vulnerabilíssimo em sua delicadeza e o mínimo choque psíquico, de que o mundo está cheio, constitui para ele uma ameaça e um perigo. Na vida normal sua sensibilidade é protegida por um manto voluntário de indiferença, mas, nesses momentos, a flor para assenhorear-se da luz deve abrir-se até as mais íntimas corolas.

Quem não sabe avaliar esses fatores e manejar com prudência essas realíssimas forças imponderáveis, quem não se encontra provido de adequada sensibilidade e não possui a finura psíquica apropriada, deve abs-ter-se de intervir nesses fenômenos, porquanto não só os deforma ou destrói, como ainda pode vibrar dolorosos e prejudiciais golpes contra a sensibilidade do médium. Trata-se de uma nova e sutilíssima química do futuro, em que se combinarão em novas harmonias ou dissonâncias os elementos de novíssimas e progressivas sinfonias fenomênicas. Se a ciência não souber evolver e transformar-se, em seus métodos, premissas e conceito diretivo, jamais atingirá tais fenômenos. Destruí-los-á, contorcê-los-á, sem compreendê-los. Essa percepção ins-pirativa deve ser entendida como uma oração, pois implica uma elevação espiritual, que segue a linha das forças boas do universo, isto é, positivas e criativas.

A visão da verdade é uma ascensão do espírito para a unidade. A pesquisa científica, nesse nível, é oração, é religião, é santidade e não pode prosseguir a não ser sintonizando-se com a harmonia do universo; e isso porque, a um certo ponto, a verdade e o bem se identificam e, sem o bem, a verdade se flui pelo conhecimento e se esconde à investigação humana.