Pietro Ubaldi & Nazarius

"S. Vicente, 20 de junho de 1954.

Nazarius,

Recebi sua carta e me comovi pela sua bondade. Que tesouro achei em você, meu verdadeiro amigo.

Aqui estão experimentando crucificar-me, mandar-me embora do apartamento e cortar-me os recursos para viver. É uma tentativa das forças do mal para destruir a Obra, que é de Cristo. Este vai ser um julgamento para todos. Ai de quem não tem a consciência pura!

Aqui tem gente que não sabe: atrás de mim está o Cristo que é bondade e Amor, mas é também poder e justiça. Que vai acontecer quanto este poder desencadear-se para fazer justiça? Vai ser uma tragédia, com expurgo dos piores.

Estou tranquilo, porque Cristo está perto de mim, Ele é o todo poderoso. Não quero estar do outro lado. Você, meu pequenino, na sua inocência, quer e pode ficar ao meu lado, porque tem a força da sinceridade e honestidade. O Cristo vai defendê-lo também, eu o sei. A sua sinceridade e bondade é um descanso para mim. Sua Voz está comigo, dirige-me e vai vencer. A missão deve ser cumprida e ninguém pode pará-la. Os homens não têm esse poder. Você vai ver tudo e aprender muitas coisas. O tempo das teorias acabou. Agora, as forças do bem e do mal estão se enfrentando, uma a outra, e a grande batalha começou. De um lado estão todas as forças inimigas, contra o bem, juntas e armadas. De outro, eu sozinho, só com o Cristo. Ele está presente e trabalha comigo, fala-me e me dirige, sinto-O, percebo-O, ouço-O, consola-me e me tranquiliza. Esta é a minha maior felicidade. Já fez tantos milagres, agora fará mais um e a Obra vai ser salva. Ofereço a minha dor, para ser crucificado em Sua cruz que será minha glória e minha felicidade. Será a grande hora heróica e gloriosa, da minha missão.

Espero-o de braços abertos aqui em casa. Contar-lhe-ei tudo, fique tranquilo, como estou eu. As ajudas serão maiores que os perigos e os assaltos. Lembre-se sempre de que o Cristo é o mais forte e aquele que trabalha ao lado do bem deve vencer. Se não for assim, todo o universo se desmorona. As teorias da Obra vão ser agora aplicadas e bem controladas.

Os bons que estão do meu lado, amanhã triunfarão comigo; os que estão contra, vão perder-se, você verá tudo isso realizar-se.

A batalha é grande contra as forças poderosas daqui. Cristo vai fazer o milagre e mostrar a todos que um homem, sem recursos e desamparado, pode vencer a injustiça, a mentira e a traição dos falsos espiritualistas.

Por tudo isso, não me é possível ir a Porto Ferreira.

Quando vier ficará conosco, aqui todos lhe querem bem. Espero-o, no próximo mês, quando quiser vir.

Saudade a todos e um grande abraço,

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

Nesta carta, o mestre se encontra em outro estado de espírito, mais otimista. Para um ser que vive apoiado em outro referencial, o da Lei de Deus, a luta material pesa e muito. As preocupações com a sobrevivência de todos, a falta de recursos, as dificuldades impostas pelos “amigos”, as promessas não cumpridas deixam-no abatido. Mesmo assim continua confiante no Poder Divino e aproveita para fortalecer ainda mais a sua fé e a confiança em Cristo. Dizia Sempre: “A minha crença é de ferro”.

O homem comum acredita, mas não tem certeza, porque não vive de acordo com a Lei, sua visão é limitada. Crê no Poder Divino, mas não sabe como e quando funciona. No seu imediatismo, só vê as necessidades deste mundo, o seu nível é ainda o do egoísta. Não conhece outro referencial para viver além do espaço-tempo.

O homem espiritual vê tudo com os olhos do espírito. Às vezes, deixa o desânimo rondar à sua volta, mas quando se refaz, sua confiança retorna redobrada. Acredita e tem certeza de que o Poder Divino funciona, sabe esperar até que se faça presente. Observa que as necessidades do espírito devem sobrepor-se às da matéria, é altruísta, conhece e vive de acordo com a Lei; por isto, a visão desta vida e da outra é ampla e ilimitada. Assim vivendo, pode louvar ao Senhor, como nos mostra o salmo de Davi: “ainda que eu andasse pelo vale da sombra e da morte, não temeria mal algum, porque Tu estás comigo; a Tua vara e o Teu cajado me consolam.”

Que maravilha: viver no meio da tempestade e saber enfrentá-la com o referencial do espírito! A fé continua inabalável. Foi assim que aconteceu com Pietro Ubaldi. Aproveitou a luta, viveu-a intensamente e mais tarde escreveu dois volumes sobre ela: A Grande Batalha e Evolução e Evangelho. Estes livros ensinam como ascender espiritualmente no meio de uma luta material sem trégua.

Na “Mensagem do Perdão”, Sua Voz lhe disse: “O mundo parece espargir rosas, mas na verdade distribui espinhos; eu vos ofereço espinhos, porém vos ajudarei a colher as rosas.” Assim foi na Itália e no Brasil e Pietro Ubaldi soube enfrentar o mundo com as armas do Evangelho e venceu. Teve aqui o seu calvário e encontrou a sua redenção, porque o Cristo nunca o abandonou, nem abandona aqueles que O seguem e O amam.

 

"S. Vicente, 25 de julho de 1966.

Caro Nazarius,

Respondo as suas duas últimas cartas.

Recebi o seu telegrama de aviso que não pode vir. Agradeço-lhe por tudo.

Tudo bem a respeito do seu concurso. Pode aparecer quando quiser. Não me afastarei até o Natal. Faço votos que você vença e alcance sucesso.

Ótimo que você recebeu do Cônsul as “Notícias de Montevidéu nº 9” e o folheto com a conferência em Espanhol. Assim está a par de tudo e não preciso informar-lhe.

Em anexo, outras edições das palestras em S. Paulo. Estas talvez você ainda não conheça.

Aqui, continuo sempre escrevendo Um Destino Seguindo Cristo, iniciado em Grussaí.

O Consul deixou sua carreira diplomática e agora está livre. Nestes dias está em Brasília. Voltará depois a Montevidéu.

Trabalho e novidades não faltam. Lembra-se dos tempos de Grussaí? Quantas novidades agora!

Neste agosto, entro no meu 81º ano! Mas estou sempre trabalhando!

Comuniquei a Kokoska o seu pedido de dez exemplares de Evolução e Evangelho, para a Livraria Cícero Pereira, em Campos.

A minha conferência de Brasília que saiu no Jornal de Brasília, foi lida na Câmara dos Deputados. Sairá em nossos boletins.

Envio-lhe o Diário do Congresso Nacional com a minha palestra (“A Nossa Oferta Simbólica ao Brasil e aos Povos da América Latina”) e a do Deputado Noronha Filho.

No dia 16 de maio apareci na TV de S. Paulo, canal 2, à noite, e dei uma entrevista.

Se puder, avise-me quando vai chegar. Só depois do Concurso.

Saudades a Leinha, a Clóvis e a Dr. Albano.

Um grande abraço do seu

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

A Mensagem de Pietro Ubaldi, “A Nossa Oferta Simbólica ao Brasil e aos Povos da América Latina”, foi um marco importante para a divulgação da Obra. A partir daquele ano, os Encontros se sucederam, graças à presença do Cônsul naquela capital, onde foi morar com a família.

A Mensagem é longa, por isso transcrevemos, apenas, alguns parágrafos bastante significativos a todos nós:

“A finalidade desta Obra é oferecer um conhecimento que o mundo ainda não possui, necessário para conduzir-se com sabedoria e, portanto, viver de forma menos bárbara do que aquela em que vive o assim chamado homem civilizado moderno. Neste sentido a Obra contém as bases sobre as quais se poderia apoiar uma nova civilização, aquela que, por lei de evolução, o homem deverá, seguramente, realizar no 3º milênio.

Trata-se de viver melhor, o que só é possível usando maior inteligência e bondade. A finalidade maior da Obra é fazer o bem, mostrando como se pode viver uma forma de existência menos feroz, mais civilizada e, portanto, mais feliz.

A Obra oferecida se funde, totalmente, no fenômeno evolutivo e no momento histórico em que se realiza e deverá alcançá-los, com pleno conhecimento de seus objetivos. O nosso princípio é uma unificação, mas não a de grupo, baseada em sectarismo e proselitismo para lutar, para dividir e vencer alguém, e sim uma unificação com a Lei de Deus, com a Sua harmonia universal e ordem suprema.

Ela não pode deixar de ser, como a ciência, imparcial e universal. O seu objetivo não é constituir um grupo e com ele lutar contra os outros para vencê-los, como é hábito em nosso mundo. O seu método não é impor para dominar, produzindo rivalidade e cisão, mas demonstrar para convencer, gerando concórdia e unificação. Por isto, hoje, não está sendo oferecida a um grupo particular. Não pode ficar fechada em nenhuma divisão humana, em nenhum setor particular ou partido, seja político, seja religioso, como não o podem as leis da vida e as verdades universais da ciência.

Os senhores, a quem hoje falo, são os operários, aos quais a Obra está confiada. Por isso, estamos aqui reunidos. Este Encontro tem um importante significado, exatamente pelo fato de que nele se realiza esta nossa oferta, neste lugar e momento. Trata-se de passar das mãos do compilador às dos seus herdeiros espirituais.”

Nós somos os seus herdeiros espirituais, regozi-jemo-nos com isto e mãos à Obra, vamos trabalhar, divulgando-a e seguindo as pegadas do seu Autor.

 

"S. Vicente, 6 de outubro de 1965.

Nazarius,

Obrigado pela carta de 26 de setembro. Vou agradecer, também, ao Cônsul pela remessa de A Grande Síntese, em espanhol, assim ela será conhecida em Campos.

Kokoska recebeu o cheque correspondente aos dez exemplares de Princípios de uma Nova Ética.

Daqui a pouco sairá Evolução e Evangelho. Já entreguei A Lei de Deus. Estou acabando A Descida dos Ideais. É um livro grande, de 450 páginas.

Como pode ver na folha anexa, nos dias 12 e 13 de março do próximo ano, teremos uma reunião em Brasilia para o lançamento da Obra na América do Sul. Acho que o Cônsul já lhe enviou bastantes impressos a respeito.

Você me pede um programa para as próximas férias. Se estiver livre será melhor nos encontrarmos aqui, em S. Vicente, antes do Natal, porque no período de férias (janeiro e fevereiro), os paulistas descem e a cidade fica cheia. Nesse período devo ficar livre e ausentar-me para Cotia, fugindo do calor e da confusão de tanta gente. Os dois meses, janeiro e fevereiro, aqui são muito quentes.

Infelizmente, em Cotia não há possibilidades de instalação, faltam hotéis e restaurantes. É um lugar deserto como Grussaí, para onde vou fugir e trabalhar, como fiz em Grussaí, no ano passado.

Esta é a semana da correspondência. Tenho uma centena de cartas a responder, logo após voltarei ao livro.

Foi publicado na Itália “Encontro com Teilhard de Chardin”. Tenho bastante exemplares, se você precisar. Recebeu do Cônsul “El Descendo de los Ideales” em espanhol?

Um grande abraço agradecido do seu

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

Pietro Ubaldi já entrou no 80° ano de existência terrena e trabalha intensamente para completar a sua missão. A Obra é profunda e só um mergulho nas correntes noúricas lhe dá segurança para escrever e afirmar verdades ainda desconhecidas dos homens.

Afastar-se do barulho, das vãs complicações com as coisas deste mundo era fundamental para ele. As visitas eram muitas, sobretudo no período de férias. Atendia, cavalheirescamente, a todos, mas sentia que o seu tempo devia ser melhor aproveitado, para concluir a Obra, sem atropelos de última hora, para não deixá-la incompleta.

Não era um escritor que só tivesse uma preocupação: escrever, o que mais lhe importava era o conteúdo do que estava escrevendo. Ainda fazia parte de sua vida-missão: conservar a sua correspondência em dia (acumulava-a apenas por algum tempo), acompanhar a publicação dos seus livros, fazer as revisões dos que estivessem no prelo, administrar os recursos para que nada lhe faltasse e à sua família, escrever artigos para jornais etc.

O calor de S. Vicente lhe era sufocante, devido a sua idade. Cotia surgiu como uma bênção do céu e na hora certa. A paz e a tranquilidade do lugar facilitavam a sua inspiração. Já foi dito que o ambiente lhe era fundamental na hora de escrever. Como exemplo, basta recordar “Libertação” escrita em Grussaí. No livro As Noúres ele mostra que o ambiente deve estar saturado de boas vibrações para que haja comunicação fácil com as correntes noúricas.

Os amigos compreendiam o motivo de seu recolhimento para a casa de campo e não o importunavam. O próprio Nazarius, somente ficou conhecendo Cotia e aquela modesta casa de campo após a sua morte, no dia 2 de março de 1972, em companhia de sua filha Agnese. Como lembrança trouxe uma planta, trepadeira, da família do jasmim, bastante perfumada, que se encontra na Fraternidade Francisco de Assis, junto do Museu Pietro Ubaldi.

O missionário de Cristo tinha razão quando se afastava da multidão e se recolhia no silêncio de si mesmo, para entrar em contato corn o seu maior Amigo, Cristo, e ouvir a “Sua Voz”: “o movimento se deslocava do plano físico para o espiritual”.

 

"S. Vicente, 10 de junho de 1954.

Nazarius,

Voltei dia 5 para casa, onde ficarei alguns dias. Depois irei a Porto Ferreira, durante uma semana.

A luta para viver, como sempre, é cada dia pior. Não tenho outro consolo senão o de Cristo que vai providenciar tudo para não morrer todo o trabalho de tantos anos. Não quero cansar você contando essa história. Tenho certeza de que Cristo vai solucionar os problemas e proteger o seu instrumento.

A vida é bem dura, tenho outro grande consolo, estou no fim. No passado, sempre escrevi no meu diário, no dia do aniversário: “Coragem, tem um ano a menos a viver!” A maior festa de cada aniversário é saber disto: tenho um ano a menos para viver. Na minha vida sempre falei que só tem uma coisa bonita: a morte e o dia mais feliz será quando ela chegar. Este dia feliz está se aproximando, embora, infelizmente esteja ainda longe. Para mim, o tempo vai chegar e este inferno vai acabar, por que a maldade e a mentira não podem permanecer, Deus vai destruí-las, Sua Lei é de bondade e é mister que Ela se cumpra.

Depois que estivemos na montanha, não escrevi mais. A Obra está parada. Todas as minhas energias estão tomadas nesta luta. Estou esperando um milagre do Cristo, só Ele pode salvar-me. Pobre meu amigo pequenino! Com esta amizade, você chega perto da minha paixão. Não quero vê-lo sofrer por isso. O meu caminho é duro e só confio meus sofrimentos aos mais íntimos. Aos outros nunca me queixo, de modo que ninguém sabe e fica tranquilo, continua acreditando que se possa ir para o céu sem lutar, ficar perto de Cristo e ser Seu instrumento vivendo uma vida sem dificuldades. Não. Viver perto do Cristo quer dizer sofrer a Sua Paixão e morrer crucificado como Ele.

Não fique triste com esta carta. Tudo vai modificar-se com o tempo. Sei que o Cristo está comigo, Ele é o mais forte. Na luta entre o bem e o mal, o primeiro é o mais forte e vai vencer.

Deus o abençoe pela sua bondade.

Saudades e abraços a todos os amigos.

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

Quem não deseja estar na glória do Senhor? Todos nós. Mas, queremos ir para o céu com a vida que levamos e sem fazer força. O Santo sabe, tem conhecimento de como é penoso abraçar a santidade. Viver com Cristo não é só conviver com os homens. A vida do Santo é difícil, trabalhosa, disciplinada; é um caminhar, dia a dia, mesmo com os pés sangrando, na estrada poeirenta do mundo; é viver com a alma dilacerada pela incompreensão humana. Quando Ubaldi escreveu esta carta, estava no auge da luta e este era o seu estado de espírito; tinha certeza de que o Cristo estava a seu lado, mas o veículo de seu espírito era de carne e osso. Ele precisava dos recursos necessários para sua subsistência. Precisava de um apartamento para morar e estava sendo despejado.

Sozinho, Ubaldi podia renunciar a todos os direitos autorais e bens materiais. Já havia feito isso na Itália, quando seu patrimônio era valiosíssimo. Aqui no Brasil era diferente, tinha sobre si a responsabilidade de uma família e não poderia abandoná-la nunca, era sua e bem sua. Assim cumpria o seu dever, defendendo a sobrevivência de todos.

Aqui o leitor pode acompanhar a dura e estafante vida de quem não fugiu à luta, mesmo material.

Confia no Cristo, mas por dentro está magoado pela maldade dos homens. Sugeriram-lhe que retornasse para a Itália. Esqueceram-se da promessa de Cristo, das Mensagens de Sua Voz e de S. Francisco de Assis dirigidas a ele, em Pedro Leopoldo, em 17 de agosto de 1951, dizendo-lhe que sua missão era entre nós, depois dos 20 anos em sua pátria. Esqueceram-se ou não acreditaram? Quando se crê de verdade, não se esquece, porque é um conhecimento que se fixa em nosso subconsciente.

 

"Cotia, Páscoa de 1967.

Nazarius,

Recebi as duas últimas cartas suas, que me trouxeram para Cotia, planalto de S. Paulo. Voltarei para S. Vicente depois de mais de dois meses de ausência.

Li os números 3 e 4 de Avancemos. Tudo bem, ótimo. Parabéns!

Em Cotia acabei o livro Um Destino Seguindo Cristo. Falta bater à máquina os últimos dois capítulos.

Logo depois iniciarei Pensamentos. Estou caminhando para o encerramento da Obra.

Você se lembra de que iniciei em Grussaí Um Destino Seguindo Cristo e A Descida dos Ideais? Foi em Janeiro de 1964. Agora, no início de 1967, estão ambos acabados. Em 3 anos escrevi 2 livros, quase 900 páginas impressas.

Aqui, um dia tomando banho de chuveiro, toquei na ligação e tomei um belo choque, com os pés descalços e molhados, escorreguei, caí no chão, bati com a costela esquerda no degrau e cortei um pouco os dedos da mão. O choque elétrico poderia ter-me matado, a batida, quebrado a costela, o corte, infeccionado. Trata-se de um velho de 81 anos. Milagrosamente, nada aconteceu. Continuei trabalhando e já me recuperei bastante. Para Agnese foi um grande susto.

Estou lhe escrevendo de Cotia, mas vou colocar a carta em S. Vicente, quando voltar. Lá encontrarei os pacotes dos seus Boletins. Aqui não há correios, estou fora do mundo e com muita paz. Recebo de S. Vicente as cartas leves.

No dia 13 de março será comemorado, em Brasilia, o 1º aniversário de nosso encontro no ano passado, com a oferta da Obra. Alguns de S. Paulo vão, em comitiva, à comemoração.

Na Sexta-Feira Santa, o Cônsul com os amigos de Brasília chegarão ao aeroporto de Santos em um avião especial, para a nossa reunião do Núcleo.

Votos por Boa Páscoa.

Saudades a todos os amigos de Campos: a Leinha, Clóvis, Dr. Albano etc.

Um abraço agradecido do seu

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

No Natal de 1941, Pietro Ubaldi terminou de escrever a sua história, História de um Homem, um livro pleno de ensinamentos sublimes. Na Páscoa de 1967 concluiu Um Destino Seguindo Cristo. Não são obras romanceadas mas falam muito da vida de seu Autor, sobretudo em relação à Lei de Deus. Este último começa narrando o aparecimento de Cristo e S. Francisco de Assis, na estrada de Colle Umberto (Perúgia), onde fica a Tenuta Santo Antonio. Diz o Autor:

“Numa tranquila paisagem campestre da Úmbria franciscana, nas proximidades de Perúgia, que está a um passo de Assis, na ltália, no suave calor matutino do sol de setembro, um homem de 45 anos de idade subia sozinho a doce inclinação de uma colina. Estava perto de 14 de setembro, dia em que S. Francisco, em 1224, recebera os estigmas no Monte Alverne. (...)

Aquele homem subia a colina com o coração leve, envolvido na euforia de um grande triunfo espiritual. Uma espécie de potente vibração em alta tensão se estava concentrando e acumulando dentro dele. Ao mesmo tempo sentia, confusamente, que alguma coisa, ainda não perceptível, estava se condensando á sua volta, sem forma ainda definida. (...)

Continuou a subir até que desembocou numa larga vereda, no cume da colina que era um plano com algumas oliveiras espalhadas pela amplitude. Solidão silenciosa. Aqui diminuiu o passo. Eram quase 11 horas da manhã. (...)

Sentia como se sua alma saísse da prisão do corpo, quebrasse a barreira do limite que divide as duas formas de vida: material e espiritual e, superado o plano físico e arrebentadas as portas, entrasse em outro mundo, mais alto e longínquo, feito de outra realidade, em que agora se movimentava e vivia. Ele percebia, então, que passava para segundo plano a comum percepção sensorial, prevalescendo em seu lugar diferente tipo de percepção, realizada com outros sentidos, agora interiores, mas capazes de sentir com a mesma potência e segurança, se bem que em forma diversa. Experiência imensa, arrebatadora, que não se pode descrever, porque só quem a viveu pode conhecê-la, verdadeiramente. (...)

Continuou o caminho, com ele avançando duas formas paralelas. Isto durou cerca de 20 minutos, pelo que teve tempo de controlar tudo e de fixá-lo em sua memória, para depois analisar o fenômeno com a psicologia racional, positiva, independente de estados emotivos. (...)

Continuou a observar. As duas formas não constituiam só uma indefinida manifestação de presença. Cada uma delas transmitia à sua percepção interior uma típica e individual vibração que a definia como pessoa. Foi assim que pôde logo sentir com clareza inequívoca que à sua esquerda estava a figura de S. Francisco e à sua direita a de Cristo. Eles se deslocavam com ele, caminhando, mas não havia colóquio, nem transmissão de pensamentos particulares. A presença de cada um se concentrava, acima de tudo, numa solene afirmação da própria identidade individual.

Não houve testemunhas humanas. Será que, se tivesse havido, elas teriam percebido? Ou fora bom que não tivessem existido, pois, assim poderiam ter paralisado o fenomeno? No entanto, a observação foi exata até ao ponto de se notar: houve uma pequena testemunha e ela demonstrou ter sentido que alguma coisa estava acontecendo. Aquele homem estava acompanhado de seu cachorrinho, acostumado a andar a sua volta. Pois bem, naqueles poucos minutos, ele se comportou diversamente do habitual. Manteve-se à sua volta, ladrando para alguém ou alguma coisa que devia estar percebendo perto do dono. Sem este fato não se explica tal comportamento excepcional, que não tinha outra causa aparente naquela solidão. Aquele cachorro não podia falar e dizer o que havia percebido. Mas era certo que demonstrava haver sentido qualquer coisa.

Percorrido aquele trecho do caminho e aquele breve período de tempo, a alta tensão não pôde ser mais suportada e a visão se desfez lentamente. (...) A visão, no entanto, ficou indelével, gravada a fogo naquela alma, como uma queimadura de luz, uma ferida de amor que jamais o tempo poderá cancelar, feita de saudade, de uma contínua e angustiante espera para com ela reencontrar-se. A visão passou como uma arrebatadora paixão que queima, mas fecunda, deixando uma semente n’alma. Ficou escondida, depois germinou durante sua existência terrena; cresceu, frutificou, produziu novas sementes, para depois brotar, crescer, frutificar novamente noutro lugar, noutras almas, operando o milagre da multiplicação da vida em mais alto nível, no plano espiritual.”