A ciência já chegou a admitir que o universo é o produto de uma grande inteligência, que está anteposta ao seu funcionamento. Então deve haver um princípio, uma ordem, uma lei que tudo regula. A ciência admite também que nada se cria e nada se destrói. Isto quer dizer que tudo o que existe, apesar de que vai sempre mudando de forma, fica indestrutível na substância. Disto se segue que a personalidade humana, cuja existência é um fato positivo, não pode ser destruída, devendo sobreviver à morte. A ciência admite a lei da evolução. Ora, evolução, como já explicamos em outros livros, quer dizer subida, o que implica a idéia de alturas ou níveis diferentes ao longo desse processo de ascensão. Então a nossa concepção de planos de vida diferentes e sobrepostos não é arbitrária, mas é a conseqüência direta do conceito de evolução. Esta significa um caminho a percorrer, dirigido para finalidades estabelecidas. E de fato vemos que tudo é imperfeito, mas vai procurando melhorar-se, subindo para a perfeição.

Vemos aparecer claras as linhas fundamentais do fenômeno de nossa vida, regido por estes quatro princípios: ordem, indestrutibilidade, evolução, finalismo. Mais pormenorizadamente chega-se às seguintes conclusões: 1) Existência de Deus e da Sua Lei, que tudo dirige. 2) Sobrevivência à morte. 3) O fato de que o caminho da evolução não pode ser percorrido, senão atravessando níveis de vida diferentes, nos leva ao conceito de uma existência muito mais vasta, em que se juntam, como tantos anéis de uma cadeia, as vidas sucessivas, sem as quais não pode haver evolução. 4) A nossa condição presente é o produto da nossa conduta no passado, como a nossa condição no futuro será o resultado de nossa conduta no presente, tudo sempre em função da última finalidade da evolução. Eis que por esse caminho chegamos até às raízes, que justificam e onde se fundamentam as normas da ética. Agora as linhas gerais do fenômeno podem ser vistas claramente.

Mas neste livro queremo-nos aproximar cada vez mais da realidade prática da vida. Por isso, dos princípios que a regem, temos que descer até ao exame do caso particular, olhando-o de perto, porque é o que mais interessa ao indivíduo. Por outras palavras, para saber qual deve ser na vida a nossa conduta com as suas conseqüências, estabelecendo, assim, as nossas responsabilidades, é necessário conhecer a estrutura de nossa personalidade e qual é a linha de nosso destino dois problemas que não se podem resolver senão em função um do outro Veremos, assim, como os princípios gerais que regem a vida poderão ser aplicados ao caso particular de cada indivíduo, conforme o seu tipo de personalidade e de destino.

Na maioria dos casos o indivíduo vive cegamente, sem saber quem é e sem conhecer as finalidades para as quais ele existe, que explicam e justificam a sua vida. Assim ele se movimenta ao acaso, não orientado pelo conhecimento e dirigido por uma norma certa de conduta, o que somente pode ser atingido vendo claro na própria personalidade e respectivo destino. O indivíduo movimenta-se, assim, obedecendo apenas aos impulsos descontrolados dos instintos, momento por momento, sem consciência de um traçado de vida seu, que se desenvolve em função de um objetivo a atingir; sem a autonomia de direção de quem é sabedor do sentido da sua viagem evolutiva, mas é só mecanicamente arrastado pelas forças da Lei. Tal é a triste posição do involuído, mergulhado nas trevas da sua ignorância.

Aqui está a grande diferença entre o evoluído e o involuído. Este concebe a sua vida isolada no curto trecho que pode perceber com os sentidos, fechados entre o nascimento e a morte, como se este parêntese percorrido no plano físico fosse toda a vida. Além destes dois pontos, para ele tudo é mistério. O evoluído, pelo contrário, tem consciência de uma vida muito mais vasta, que vai para além destes dois limites, uma vida imensa que abrange o seu caminho evolutivo na eternidade. Ele conhece os elementos do duplo problema: personalidade e destino, isto é, sabe quem ele é e qual é o objetivo particular que ele deve atingir na sua atual vida física, em função dos objetivos maiores de toda a sua evolução. Então para os dois biótipos, involuído e evoluído, a vida é concebida e se torna uma coisa completamente diferente. Para o primeiro ela contém posições materiais que ele concebe como uma realidade estável, verdadeira, feita para durar. Para o segundo se trata somente de cenas postiças em contínuo deslocamento, apenas expressão exterior tangível de outra realidade profunda, que é um movimento de forças um amadurecimento de efeito, o desenvolvimento lógico de um destino.

Enfrentemos, então, o problema, procurando em primeiro lugar chegar ao conhecimento da personalidade humana na sua estrutura, observando-a na sua posição estática. Encararemos depois o mesmo problema no seu aspecto dinâmico, observando a personalidade humana na técnica da sua construção. De fato, a consciência que constitui o nosso eu, não representa uma posição estável, mas uma entidade em contínua transformação, devida ao seu deslocamento ao longo do caminho da evolução. Isto corresponde ao conceito agora mencionado, de planos de vida diferentes, a cada um dos quais corresponde uma correlativa forma de consciência e grau de entendimento, conquistado por evolução conforme as experiências realizadas nas vidas sucessivas. A teoria da Reencarnação foi por nós demonstrada no livro: Problemas Atuais.

Há, porém, outro fato. O que chamamos a nossa consciência, dentro dos limites da qual percebemos, pensamos e nos sentimos vivos, não representa todo o nosso eu, mas só uma parte dele. Existe, perto desta, outra parte, cujo conteúdo e limites não conhecemos, e escapam ao nosso controle, mas que é imensa e fica mergulhada no mistério, como se fosse um estrato profundo e escondido, no fundo do mar,do qual se eleva e se patenteia, é o consciente do nosso eu.

Então, o nosso consciente é uma entidade que emerge do inconsciente, isto é, de um mar desconhecido, que está para além de nossa consciência; e esta entidade com a evolução se vai deslocando de um plano de vida ou nível biológico para outro. Mas observemos mais de perto o fenômeno, nos seus pormenores. Procuremos antes de tudo entender qual é o conteúdo desse inconsciente, situado para além dos limites do nosso consciente.

Podemos conceber o consciente como suspenso entre duas zonas de inconsciente: uma, evolutivamente inferior, que chamamos de subconsciente; e outra, evolutivamente superior, que chamamos de superconsciente. Evolutivamente inferior significa que, ao longo do caminho da subida evolutiva, o subconsciente representa o que foi já percorrido, isto é, vivido e assimilado, por outras palavras, o passado. Evolutivamente superior significa que, ao longo do mesmo caminho, o superconsciente representa o que ainda deve ser percorrido, isto é, vivido e assimilado, por outras palavras, o futuro.

Então o nosso eu pode existir em três zonas ou níveis diferentes: 1) subconsciente; 2) consciente; 3) superconsciente. Estas três zonas são como três camadas sobrepostas que correspondem a três fases sucessivas de evolução ou níveis de existência do eu, isto é: 1) eu inferior; 2) eu médio; 3) eu superior. Não podíamos deixar de encarar o estudo do problema de nosso eu, observando-o como transformismo progressivo em função do fenômeno da evolução, porque este é fundamental para tudo o que existe  No biótipo humano comum o eu funciona conscientemente no nível médio, enquanto que as atividades do eu inferior, como as do superior, ficam escondidas, ocultando-se na zona misteriosa do inconsciente.  Podemos assim ver o fenômeno no seu aspecto luz-sombra, o que nos indica quais são os limites do terreno dominado pela nossa consciência, elevando-se como uma ilha que sai do mar do inconsciente. Podemos ver também o fenômeno do eu em três momentos sucessivos ou suas posições diferentes ao longo da sua ascensão evolutiva.

Observemos agora o conteúdo, isto é, as qualidades dessas três formas de existência de nosso eu, para ver depois como seja possível por evolução deslocar-se de uma para outra. Na sua estrutura a personalidade humana poderia ser comparada ao espectro solar. A parte inferior invisível, a do infravermelho, corresponde ao subconsciente, que está fora da percepção da consciência, como o infravermelho está fora da percepção do olho. Esta é a zona dos instintos, fruto das lições aprendidas no passado, como dos automatismos adquiridos pela longa repetição e que por isso não precisam do controle da consciência para realizar o funcionamento, que se tornou mecânico, do organismo físico. A parte superior, igualmente invisível, a do ultravioleta, corresponde ao superconsciente, e este também está fora da percepção da consciência, como o ultravioleta está fora da percepção do olho. Esta é a zona das qualidades superiores ainda a conquistar no futuro, a zona das antecipações evolutivas onde excepcionalmente se realizam as superiores funções psíquicas e espirituais da intuição do gênio, às quais está confiada a descoberta de verdades cada vez mais vastas e profundas, mais próximas do absoluto.

Ora, a consciência normal está situada entre esses dois extremos, que existem fora dela, um debaixo e outro acima, mas para ela invisíveis, para além dos limites do seu conhecimento. E como acontece com o espectro visível, que está situado entre o infravermelho debaixo e o ultravioleta em cima. Em ambos os casos só quando o ritmo vibratório, seja da luz como da consciência, fica dentro do limite de um dado comprimento de onda, é que aparece o que chamamos de luz ou de consciência.

Então quando falamos de personalidade ela pode ser entendida seja em sentido restrito, só na sua parte visível, isto é, só como consciência, seja em sentido mais vasto, na sua totalidade, que contém também a sua parte invisível, subterrânea, que se estende também no inconsciente. Parte de nós é desconhecida em nosso tempo, mas representa um lado essencial de nosso eu, parte que a moderna psicanálise está procurando penetrar, parte importante, porque é dela que saem, subindo de baixo ou descendo do alto para o terreno da consciência, tantos impulsos que sem tais pesquisas ficariam escondidos no mistério, sem que seja possível conhecer a sua origem e significado. Às vezes a consciência do eu transborda para além dos seus limites costumeiros, restritos, e desperta em zonas de inconsciente, que então se transformam em conscientes. Isto é possível porque o eu existe em todos os três níveis, mas em forma diferente, isto é, acordado, atual e ativo no consciente, adormecido, latente ou automático no inconsciente. Os três níveis não representam três compartimentos estanques, mas o ser pode oscilar de um para o outro conforme o seu estado vibratório e amadurecimento evolutivo. Isto pelo fato de que o eu, apesar de que em forma diferente, consciente ou inconsciente, existe nessas três posições, não importa se ele não tem conhecimento de todas. Nem tudo o que constitui a nossa personalidade está contido na parte consciente, como nem todas as formas de luz estão contidas no espectro visível. O conhecimento de nós mesmos não escapa para fora da nossa consciência normal.

Assim, subconsciente, consciente e superconsciente não são senão três formas de existência do mesmo eu, observado em três de suas dimensões diferentes, sucessivamente conquistadas  por evolução Cada uma é maior do que a precedente e se atinge levantando-se sobre ela, como se passa da dimensão linear à superfície. ao volume, uma perpendicular e na sua direção movimentando a dimensão precedente. Assim a dimensão do consciente domina a do subconsciente, a do superconsciente a do consciente. Assim a razão domina o instinto, a intuição domina a razão.

Quais são então as qualidades de cada uma dessas três dimensões ou estados do eu, e como podemos, observando-as, conhecer o que pertence ao subconsciente, consciente ou superconsciente? No biótipo comum do homem médio o consciente abrange a parte livre e responsável da semeadura das causas a parte acordada e ativa da conquista de novos estados de consciência onde para esta finalidade se realiza o trabalho de experimentação da vida; enquanto o subconsciente representa o trabalho já realizado, cujos resultados ficaram definitivamente adquiridos e fixados nos instintos, o super consciente representa o trabalho ainda a realizar, para fixar na personalidade os seus resultados na forma de novas qualidades adquiridas. Vemos assim como se efetua a obra de ascensão evolutiva.

O subconsciente, consciente e superconsciente representam não somente três níveis de existência do eu, mas também três fases sucessivas do seu desenvolvimento. A primeira constitui a fase atrasada de tipo ainda animal, a segunda a fase atual de tipo humano, a terceira a fase adiantada de tipo super-humano. Temos assim três níveis nos quais pode existir a personalidade humana, que vai evoluindo de um para o outro: 1) o eu inferior ou animal, 2) o eu médio ou humano, 3) o eu superior ou super-humano. Por quem, pouco se interessam os psicólogos, porque ele é excepcional, mas existe e é importante porque representa o futuro da civilização.

Poderemos melhor entender o fenômeno, observando-o nas suas características elétricas. Em A Grande Síntese já vimos as origens elétricas da vida. Então o subconsciente ou eu inferior representa a baixa voltagem da força vital, a forma inicial de consciência, a mais involuída, a mais densa, próxima da matéria, aquela que se poderia chamar de espírito inferior. Isto poderia corresponder à onda longa e baixa freqüência do infravermelho. O consciente ou eu médio representa a média voltagem da força vital, forma mais adiantada e completa da consciência, mais desmaterializada, cerebral. psíquica, que se poderia chamar de espírito médio. Isto poderia corresponder à onda média e média freqüência, do espectro visível. O superconsciente ou eu superior representa a alta voltagem da força vital, forma ainda mais adiantada e completa de consciência. mais do que cerebral e psíquica, mas espiritual, que se poderia chamar de espírito superior. Isto poderia corresponder à onda curta e alta freqüência do ultravioleta.

Assim, no fenômeno da evolução da consciência verifica-se o mesmo processo de aumento de freqüência vibratória e diminuição de comprimento de onda, qual o encontramos no desenvolvimento do espectro solar, na passagem do infravermelho ao ultravioleta. Do primeiro até ao segundo o número das vibrações sobe de 400 a 750 trilhões de vibrações por segundo, enquanto que paralelamente o comprimento de onda diminui de 0,776 mícron no vermelho a 0,4 mícron para o violeta. Assim, resumindo, o subconsciente ou eu inferior representa um estado vibratório de baixo potencial ou voltagem, de onda longa e baixa freqüência; o consciente ou eu médio representa um estado vibratório de médio potencial ou voltagem, de onda média e média freqüência; o superconsciente ou eu superior representa um estado vibratório de alto potencial ou voltagem, de onda curta e alta freqüência. Por outras palavras a quantidade se transforma em qualidade, a massa de uma força vital grosseira se muda numa forma de existência mais sutil e poderosa, o que corresponde à transformação que o processo evolutivo opera nas qualidades do AS para lhes substituir as do S.

Eis nas grandes linhas qual é o conteúdo do fenômeno da personalidade humana, o qual nos mostra como o eu pode existir em vários níveis, manifestando-se em três formas diferentes. O produto do subconsciente ou eu inferior e o princípio funcional que o caracteriza, é o instinto. O produto do consciente ou eu médio e o princípio funcional que o caracteriza, é o raciocínio. O produto do superconsciente ou eu superior e o princípio funcional que o caracteriza, é a intuição. Observaremos agora mais pormenorizadamente estas características.

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Conforme o seu desenvolvimento, o indivíduo pode viver funcionando num ou noutro desses três níveis biológicos. As qualidades que ele possui nos mostram a qual desses três graus de evolução ele pertence. O biótipo que existe só no plano do subconsciente ou eu inferior é elementar, instintivo, emotivo. Ele só possui a sua sensibilidade e com esta vai vibrando ao acaso, porque ainda não se construiu o intelecto para pensar, controlar-se, dirigindo-se com conhecimento. Este é o nível do primitivo, ainda não desenvolvido Ele funciona por reações inconscientes, segue cegamente os impulsos dos sentidos, ainda não sabe raciocinar nem entende o mundo das idéias, só pode ser impressionado e sugestionado.

Como resolve ele o problema da sua conduta? A sua ética se baseia nos instintos animais aos quais ele obedece cega e mecanicamente, não entendendo o porquê do que ele faz, não se orientando por autonomia de juízo, mas imitando, isto é, repetindo o que fazem os outros, porque para ele o que faz a maioria representa a verdade. Para ele, que não possui recursos mentais individuais, as soluções oferecidas pelo subconsciente coletivo representam o único guia para encontrar uma norma de conduta.

Eis então como funciona tal biótipo: ele só possui a sua sensibilidade, é movimentado pelo que impressiona os seus sentidos, não pensa com a sua cabeça, mas repete por sugestão, não se autodirige por ter entendido e resolvido os seus problemas, mas funciona por imitação, aceitando a solução dos outros e praticando a sua conduta. Os indivíduos desse nível movimentam-se com o método do rebanho de ovelhas, no qual o que uma faz as outras fazem, sem que cada uma saiba por que o faz. Tal biótipo não conhece nem deseja conhecer. Ele não tem problemas morais e intelectuais, mas só os da sua vida física. A ignorância é o seu estado normal, de modo que ele aceita como coisa justa e natural as trevas do mistério, fato que explica como essa psicologia seja tão difundida nas religiões. Os problemas dos quais ele toma conhecimento são mínimos, apenas os da vida animal, os da fome e o do amor, do esforço necessário para satisfazer tais instintos e necessidades. Ele os resolve da maneira mais simples, cegamente aceitando e repetindo a solução dos outros, funcionando assim em série com eles. No momento ele não vê senão estes que são os problemas mais elementares e urgentes para a continuação da vida, à espera que esta, amanhã, apresente outros mais difíceis a resolver, os do nível médio e do superior. Neste nível inferior estamos ainda na escola primária, na qual se aprende sem entender, repetindo por sugestão, imitando um modelo, até que pela longa repetição mecanicamente se adquirem hábitos, que assim se fixam no subconsciente como novas qualidades. Neste nível o ser é impressionável, receptivo, apelando para a memória que registra e não para a inteligência autônoma que compreende e julga, a qual é qualidade que ainda não foi desenvolvida.

Observemos agora quais são as características e o comportamento do biótipo no nível evolutivo do consciente ou eu médio. Aparece aqui uma forma mental mais complexa, controlada, racional. Acima da sua sensibilidade, tal ser construiu seu intelecto, de modo que agora ele sabe não somente vibrar, mas também pensar, não somente imitar, mas também se orientar, com a sua inteligência controlando os instintos e as emoções. Este é o nível do homem culto, moderno, dos países mais civilizados. Ele possui não somente a sensibilidade, mas igualmente uma mente para orientá-la, dirigindo os impulsos cegos do subconsciente e não se abandonando a eles. Ele percebe não somente o que revela a mecânica dos sentidos. mas também as idéias, entende um processo lógico e o valor dos conceitos e, por meio de provas e demonstração, pode ser levado a uma compreensão e convicção.

A base fundamental da sua conduta são sempre os instintos animais, e a estes as leis religiosas e civis sobrepuseram as normas de uma ética prática ainda primitiva e empírica, que estabelece uma disciplina e uma ordem, pelo menos exterior e formal Aqui também continua vigorando o método da imitação pelo qual o ser age sem saber o porquê, porém ela não é cega repetição do fruto do subconsciente coletivo, mas é obediência a regras ditadas por mentes superiores, que com elas quiseram ensinar ao homem ignorante os princípios de um sábio comportamento. Então esse biótipo possui outros recursos mais adiantados: para a norma de conduta certa, ele tem um guia representado pelas soluções oferecidas pelas éticas teoricamente aceitas, que representam uma sabedoria descida dos planos superiores.

Ora,  tal biótipo funciona não somente pela sua sensibilidade, mas também pelo pensamento da sua mente, com o qual ele procura dirigir-se por si mesmo, entendendo e resolvendo os seus problemas. Ele aceita as normas da ética, não as repetindo, porém, cega e mecanicamente, mas com autonomia de juízo. Tal biótipo não conhece tudo, mas está com vontade de conhecer. Ele sabe que há limites na sua sabedoria, enquanto o biótipo precedente não tem consciência da sua ignorância e acredita saber tudo. Ele não fica quieto e satisfeito num mundo de mistérios, como o ser inferior, ao qual basta satisfazer os seus instintos sem querer  saber mais; pelo contrário, procura sair desse estado de ignorância, penetrando com as pesquisas da ciência as trevas do desconhecido, fato que explica como o homem moderno se rebela contra o método das religiões, o dos mistérios e da fé cega. Os seus problemas não são somente os da vida animal, o da fome e o do amor, mas os do conhecimento, da vida social e da sua evolução. Trata-se de conquistas a realizar, descobrindo caminhos novos para o progresso da humanidade, e não somente de continuar funcionando nas velhas posições biológicas. A vida progrediu e hoje apresenta problemas mais difíceis a resolver do que os dos planos biológicos inferiores. O homem não está mais numa escola primária, na qual basta aprender de cor, mas numa escola mais adiantada, onde se cogita de compreender e julgar com a inteligência, que é a qualidade que agora se vai desenvolvendo.

Observemos por fim quais são as características e o comportamento do biótipo que existe no nível evolutivo do superconsciente ou eu superior. Aparecem aqui novas qualidades, que o fazem mais completo. Não há somente o controle racional dos instintos do subconsciente ou eu inferior, da parte do consciente ou em médio; não somente acima da sensibilidade e emotividade que só sabe vibrar; o eu construiu o intelecto, que sabe pensar; o ser chegou a adquirir uma qualidade nova, o sentido da intuição. Esta permite perceber a verdade por visão, de modo que se pode chegar a entender o pensamento que rege o funcionamento de muitos fenômenos, sobretudo os que são menos atingíveis com o método da observação e experimentação da ciência, diretamente pelo caminho curto da compreensão imediata. Enquanto a ciência vai por seu caminho longo, que a amarra ao contato imediato com os fatos, só depois procurando se erguer acima dela, saindo do terreno concreto e analítico para atingir os princípios gerais, construindo, do particular para o geral, hipóteses e teorias cada vez mais vastas, o superconsciente, no terreno dos princípios abstratos e sintéticos chega ao contato com as causas e logo atinge diretamente por intuição o conteúdo do pensamento que constitui a Lei que tudo rege. Este é o nível do homem mais desenvolvido do futuro. Ele se dirige não somente pela razão, mas pelo conhecimento do sábio. Só então os parciais processos lógicos da ciência ficam orientados por uma visão de conjunto, que pode revelar o plano geral da obra de Deus. Tal biótipo fica espontaneamente convencido, porque tem o sentido da verdade. como o nosso olho tem sentido das cores. Ele não precisa de provas que lhe demonstrem que o vermelho é vermelho, o verde é verde etc. Quem as exige é o cego, que não conhece as cores e que neste caso representaria o biótipo que existe no nível evolutivo do consciente ou eu médio.

Os fundamentos da conduta do evoluído não são mais os instintos do subconsciente animal, nem as normas da ética primitiva e empírica vigorante em forma de prática exterior e formal em nosso mundo. Tal ser não aceita, como o biótipo precedente, sem ter entendido, só por sugestão e imitação, por fé e obediência (princípio de autoridade) as normas de comportamento ditadas por mentes superiores, mas é ele mesmo um ser superior, que as atinge com os seus recursos de intuição. Então, pelo fato de que neste caso o ser pode chegar por si mesmo ao conhecimento, a sua disciplina é espontânea porque iluminada e convencida, representa uma necessidade para a consciência do indivíduo evoluído que, por haver entendido, não pode deixar de se colocar na posição que lhe cabe dentro da ordem. A sua ética está acima das humanas, porque ele a possui na sua própria consciência, uma ética que, se formalmente parece mais livre, substancialmente é mais exigente e rigorosa. Ele possui em si mesmo o guia, porque tem conhecimento. Assim não é a ovelha. que pode transferir aos pastores a sua responsabilidade, mas tem que assumi-la diretamente perante Deus, com todas as conseqüências, que não é lícito ignorar para quem sabe e por isso não tem direito a desculpas.

O Terceiro biótipo funciona de modo diverso dos outros dois. Ele não somente vibra pela sua sensibilidade, não somente pensa, com a sua mente racionalmente dirigindo os impulsos instintivos do seu subconsciente, mas também a ilumina com o conhecimento, orientando-a e dirigindo-a pelo caminho de uma conduta certa. Se o biótipo que existe no plano do subconsciente ou eu inferior não conhece nem deseja conhecer, se o biótipo que existe no plano do consciente ou eu médio não conhece tudo, mas está com vontade de conhecer, o biótipo que pertence ao plano do superconsciente ou eu superior chegou a satisfazer esse seu desejo de conhecimento e possui a sua verdade relativa, com a qual ele se pode dirigir em plena consciência e autonomia. Ele, então, fica satisfeito, não no estado de ignorância que satisfaz o primitivo, mas por se encontrar agora num estado de sabedoria. A sua posição não é mais a dos mistérios das religiões aceitas por fé cega, nem a posição de  quem se rebela contra tal método e procura  penetrá-los e explicá-los com as pesquisas da ciência, mas é a posição de quem resolveu o seu conteúdo, saindo do estado de ignorância.

É lógico que estas palavras possam soar estranhas em nosso mundo, que se acha no nível evolutivo do consciente ou eu médio, onde a autonomia de juízo, porque tudo está feito para funcionar em série, é olhada com suspeita e condenada como uma forma de revolta. Nesse mundo é lógico que seja repelida como rebelde a ovelha que não permanece no rebanho, trazendo desordem porque não obedece com disciplina. Mas é verdade também que, apesar de tudo isto, a evolução da humanidade está confiada a esses tipos excepcionais que pertencem ao plano biológico do superconsciente ou eu superior.

No nível do eu inferior o ser não faz perguntas. No segundo nível, o do eu médio, o ser as faz, mas sem obter resposta bastante. No terceiro nível, o do eu superior; a obteve e a sua aspiração foi saciada. É lógico que os seres dos planos inferiores devam repelir as verdades superiores, que não podem entender porque ainda não estão biologicamente bastante amadurecidos. A evolução vai colocando perante cada ser, a cada passo, novos problemas, cada vez mais difíceis, para ele os resolver com os seus recursos, conforme os poderes que conquistou. O tipo que só funciona como eu inferior fica satisfeito quando resolveu os problemas impostos pelos instintos da fome e do amor, no plano físico, onde se esgota toda a sua sabedoria. O tipo que funciona como eu médio resolve problemas e satisfaz desejos mais complexos, no plano mental e da organização social, com maior sabedoria, mas sempre cercado pelas trevas do mistério. O tipo que funciona como eu superior resolve o problema do conhecimento, atingindo a sabedoria, libertando-se das trevas do mistério. Como o aluno passa da escola primária ao ginásio e por fim à faculdade, assim a vida proporciona as suas aulas à inteligência e conhecimento adquiridos pelo indivíduo.

Podemos, então, pelas suas qualidades conhecer a que nível de evolução um homem pertença, se ao do subconsciente, ou do consciente, ou do superconsciente. É lógico que a posição de quem chegou a um nível superior domina a do inferior. O superior entende o inferior, o inferior não entende o superior. Assim, é inútil raciocinar com o homem do primeiro nível. Ele não se convence, mas fica impressionado por sugestão no seu subconsciente. Assim, o indivíduo do terceiro nível, se quer ser entendido pelo homem do segundo nível, tem que traduzir a sua linguagem intuitivo-sintética na analítico-racional deste. Por outras palavras, para ser entendido ele tem que demonstrar a verdade com a lógica e as provas dos fatos, apoiando-se em argumentos racionais e experimentais.

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Temos até aqui estudado a personalidade humana na sua estrutura, observando-a nas suas qualidades e funcionamento nos seus três níveis. Chegamos assim ao conhecimento do problema de nosso eu examinado na sua posição estática. Tal fenômeno, porém, não se nos apresenta só neste seu aspecto, porque ele é também um processo de contínuo desenvolvimento.  O eu não fica estacionário num dos mencionados três níveis, mas na sua evolução vai se movendo de um para outro, mudando com isso as suas qualidades e funcionamento. Estudaremos agora, como já prometemos no início deste capítulo, o fenômeno da personalidade humana no seu aspecto dinâmico, isto é, como transformismo evolutivo. Veremos assim qual é o trabalho que o ser tem que realizar em cada fase para alcançar a sua evolução, progredindo, desse modo, de um nível para outro superior. Assim, depois de ter estudado a personalidade humana na sua estrutura, a estudaremos agora na técnica da sua construção.

Como já frisamos no início deste capítulo, que agora completamos e desenvolvemos, o subconsciente representa o que foi vivido. o trabalho de experimentação realizado, as qualidades que já foram assimiladas, fixadas no nível que agora representa a parte mais baixa, primitiva, menos evoluída da personalidade humana. Assim, o subconsciente abrange tudo o que foi aprendido no passado, gravado na alma por longa repetição e que agora volta e continua funcionando em forma de automatismos ou hábitos adquiridos. Acontece como um projétil interplanetário que requer o esforço do primeiro impulso na fase de lançamento, mas que depois continua viajando no espaço automaticamente, obedecendo ao impulso recebido. A este princípio obedecem também os nossos automatismos fisiológicos. Na atual fase de evolução esta parte de nossa personalidade fica imersa fora da consciência, pelo fato de que o centro ativo da vida do homem atual não trabalha mais desperto no nível do subconsciente, onde trabalha e se vai construindo o animal e, mais atrás, antes dele, se construiu a planta. Para o homem tudo isto não é o presente, mas constitui a história passada representada pela zona da personalidade que contém os automatismos assimilados, que chamamos instintos. Zona importante, porém, também para o homem, porque nela está escrita e pode ser lida a história do seu passado. Trata-se de um livro impresso, acabado e fechado, depois do qual se poderá escrever outro que continuará o precedente, que poderá até modificá?lo e corrigi-lo, mas que nunca poderá destruir o que foi escrito na longa história da evolução. Esta é a parte que mais interessa à personalidade e aos seus métodos de tratamento psicológico, porque no nível humano atual o subconsciente representa a base da personalidade, as camadas mais velhas e solidificadas que constituem os seus alicerces, a parte construída pelo eu no seu passado até às camadas mais próximas ao estado atual, do qual ela representa a chave, sem a qual o presente não pode ser entendido nem explicado.

O consciente abrange a zona desperta e ativa das novas construções, o terreno virgem onde ferve a experimentação da vida, semeando novas causas que geram novos efeitos, prontos a realizarem-se depois, quando esse trabalho do consciente atual pertencer ao passado, tornando-se automatismo assimilado, qualidade adquirida, instinto do subconsciente. No desenvolvimento desse fenômeno ao longo do caminho evolutivo o correr do tempo coloca o presente no passado, transforma o futuro em presente e depois em passado. Isto quer dizer que o terreno, uma vez dominado pelo consciente, se torna depois o terreno dos automatismos ou instintos, dominado pelo subconsciente e, semelhantemente, o que pertencia ao superconsciente entra no nível do consciente e, depois, do subconsciente. A semeadura das causas se encontra sempre na fase precedente, que no processo da construção do eu representa a fase ativa. livre, a do lançamento dos impulsos, enquanto os resultados aparecem e a colheita dos efeitos se encontra na fase seguinte, que é obrigatória, imposta pela Lei que se apodera daqueles impulsos, levando-os fatalmente até às suas conseqüências. É assim que no consciente atual vemos emergir, em forma de qualidades nossas, impulsos instintivos e idéias inatas axiomaticamente aceitas, os resultados de nossas vidas passadas, o que nela aprendemos com a nossa experiências.

Então, para entender o fenômeno da personalidade humana não basta conhecê-lo no seu aspecto estático, qual estrutura, mas também no seu aspecto dinâmico, qual vir-a-ser, ou seja trabalho de construção da personalidade. É necessário entender que o eu é um edifício que o esforço evolutivo do ser aos poucos vai levantando, um andar depois do outro. trabalho longo que se realiza através de imensos períodos de tempo, mudando de uma para outra, a forma de existência e gênero de experiências, sempre subindo e se aperfeiçoando, até conquistar de novo as qualidades perdidas pela queda e necessárias para se tornar de novo cidadão do S. Enquanto não possuirmos tal orientação universal, nela colocando o fenômeno da personalidade humana no seu devido lugar, pouca coisa poderemos entender.

O superconsciente representa para o atual biótipo humano uma fase de evolução ou nível biológico ainda a explorar e conquistar. que hoje somente alguns atingem, pioneiros do porvir, como são os heróis, os gênios, os santos, isolados, fora da série. Fase, porém, que a humanidade terá de atingir, porque ela representa o seu futuro, para a qual fatalmente a levará a evolução. Tudo depende em qual desses três níveis está colocado o ser, trabalhando na sua fase ativa e consciente de assimilação das experimentações da vida. Chamamos de subconsciente o nível biológico em que está situado o primitivo, funcionando como centro vivo e ativo. Chamamos de consciente o nível em que está o homem atual. Chamamos de superconsciente o nível em que estará o super-homem. Cada um vive e trabalha para a construção do próprio eu num plano ou altura evolutiva diferente, que é o seu, que lhe pertence conforme sua natureza. Assim, cada um vai aprendendo a sua lição, diferente das que estão aprendendo os outros, mas cada um experimentando o que lhe é mais útil e adaptado.

Com o progredir desse fenômeno verifica-se este fato: a posição ou estado de consciente, isto é, o ponto onde, ao longo da escada da evolução, o ser está vivo e ativo, trabalhando na construção do seu eu, sobe de nível: do subconsciente ao do consciente, e deste ao do superconsciente; assim, o que para ele uma vez era superconsciente se torna depois consciente, e por fim subconsciente. Por outras palavras, o ser vai despertando num plano evolutivo cada vez mais adiantado, nele se tornando vivo, consciente e ativo, ao mesmo tempo armazenando na sua personalidade, em forma  de qualidades adquiridas, o fruto do seu trabalho. E nesse processo de experimentação e fixação dos seus resultados que consiste a técnica da construção da personalidade.

Mais exatamente o eu pode ser representado, não como um ponto que sobe ao  longo da linha da evolução, mas como uma linha cuja parte mais adiantada ou cabeça, a que espera e antecipa o trabalho futuro, é constituída pelo superconsciente; a parte mediana ou corpo, a que está realizando o trabalho presente da construção, é constituída pelo consciente; a parte mais atrasada ou cauda, na qual o trabalho da construção já foi realizado e acabou, é constituída pelo subconsciente. A parte na qual o ser vai explorando o futuro, por tentativas experimentando o novo, é a da cabeça ou superconsciente. A parte na qual o ser vai se apoderando dessas experiências, fixando-as no próprio eu, é o corpo ou consciente. A parte que conserva o que foi adquirido e que agora está fora da zona do trabalho, abandonado pelo consciente que sobe, no passado ou caminho evolutivo já percorrido, é a cauda ou subconsciente.

Segue-se que, relativamente a um dado nível de evolução, o ser pode se encontrar em três posições diferentes: a do superconsciente, do consciente e do subconsciente. Isto quer dizer que a respeito do ser, o conteúdo de um dado nível de evolução pode se apresentar: 1) Como antecipação intuitiva e primeira tentativa de atuação; 2) Como trabalho de aquisição de novas qualidades; 3) Como qualidades adquiridas. No 1.º caso, o nível a respeito do ser está situado na posição de superconsciente, representando o futuro, de cuja realização o ser procura cada vez mais aproximar-se. No 2.º caso, o nível não representa mais o futuro, mas o presente, para cuja realização o ser está trabalhando na posição de consciente, porque, por evolução, subiu até lá. Assim o ser se torna ativo e consciente no nível que, anteriormente, estava acima do seu entendimento, agora, então, ele realiza um trabalho de assimilação do conteúdo daquele mundo superior que antes representava o superconsciente.  No 3.º caso, o nível que tomamos como ponto de referência deste processo evolutivo, depois de ter constituído o futuro, e em seguida o presente, agora representa o passado, fixado na personalidade como qualidade adquirida, porque assimilada pela experimentação da vida, de modo que o conteúdo daquele nível, que uma vez foi o superconsciente e depois se tornou consciente, agora existe gravado no subconsciente, manifestando-se na forma automática de instinto.

Assim, a evolução realiza uma contínua conquista do superconsciente, efetuada através do trabalho de aquisição que se opera na fase ativa do consciente. Isto nos mostra qual é a finalidade da vida e a importância da experimentação que ela nos constrange a realizar. O ser existe para evoluir, assim se colocando em planos de existência cada vez mais adiantados e deste modo progredindo do AS para o S. Este é o processo pelo qual se realiza a subida do ser ao longo do caminho da evolução. Parece um processo de descida do superconsciente até ao subconsciente mas de fato é o ser que, transformando-se através da vida, se desloca para níveis evolutivos já marcados, subindo do inferior para o superior. É tarefa das religiões e da ordem social a de educar o indivíduo, para que ele adquira, como hábitos seus, as qualidades de um nível superior, até que elas pela longa repetição fiquem gravadas na personalidade, na forma de instinto do subconsciente.

Esta é a técnica da construção do eu e representa uma lei geral que funciona em todos os níveis da evolução para todos os seres. A posição de cada um é relativa aos níveis que são superiores ou inferiores. Assim o que para um ser inferior representa o superconsciente ainda a atingir no futuro, para um ser superior pode constituir o subconsciente instintivo, porque já assimilado no seu passado caminho evolutivo.

Quando um ser nasce - planta, animal ou homem, demonstra que conhece quanto é necessário para defender sua vida, porque qualquer que seja seu nível, ele possui armazenado em si o fruto das experiências das suas vidas precedentes. Mas sempre continuando a viver, o ser vai cada vez mais completando o seu conhecimento, transformando a sua ignorância em sabedoria, encontrando condições de vida diferentes, que apresentam todas as oportunidades de desenvolvimento. As exigências das novas formas de vida em níveis sempre mais adiantados continuam sempre ensinando longa evolução a aprendizagem nunca pode parar. E o ser, cada vez nascendo de novo, leva consigo a síntese destilada das suas experiências passadas, lição inesquecível porque aprendida à sua custa com o seu sofrimento, gravada na sua própria alma.

Explica-se assim como é que o indivíduo nascendo, traz consigo uma personalidade já feita. Os psicólogos e psicanalistas não se perguntam de onde ela vem, quem a construiu e como foi que ela agora está feita desta maneira e não de outra. Mas também no plano fisiológico vemos que a vida na sua forma atual repete e resume as suas fases evolutivas já percorridas, das quais esta é a conseqüência (a ontogênese repete e resume a filogênese). O processo da formação da personalidade não está situado fora da vida, por isso não pode ser diferente, regido por outras leis. E vimos que ele se realiza pela técnica da descida das experiências, do consciente no subconsciente. A evolução psíquica e a evolução orgânica morfológica estão ligadas, porque constituem o mesmo processo evolutivo Uma. não pode de ser isolada da outra, porque a evolução morfológica não representa senão a expressão exterior da evolução do princípio espiritual, que constrói para si mesmo; regendo-o, o seu organismo no plano físico.

A lógica de todo esse processo evolutivo psico-físico nos constrange a admitir, paralela à série das formas sucessivas, uma série de existências sucessivas, nas quais se elabora o princípio espiritual daquelas formas, de modo que lhe seja possível construí-las de tipo cada vez mais adiantado. Por isso, quando dizemos evolução orgânica temos de dizer também evolução do princípio espiritual que a gera, o que implica a necessidade de existências sucessivas, ou seja as reencarnações.

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Como já foi aqui mencionado, falamos bastante da teoria da reencarnação no fim de nosso livro: Problemas Atuais, e aqui a ela temos de voltar, porque sem ela não pode ser entendido o fenômeno da personalidade humana e sobretudo a técnica da sua construção. Quem não compreendeu que essa teoria faz parte da técnica da evolução, que é fundamental no universo, não pode praticar uma verdadeira psicanálise, que seja completa; será uma psicanálise incompleta, porque limitada apenas à vida atual e mutilada sem seu passado, somente no qual é possível encontrar as causas do estado presente.

O que mais nos desvia da compreensão do fenômeno é a afirmação não provada que o espírito seja gerado quando do nascimento físico do corpo por uma criação tirada do nada. Ora, tal afirmação é completamente antropomórfica, derivada do relativo e do transformismo em que existe o ser, mas não de Deus. Pela sua forma mental, filha do seu estado e experiência, o homem sabe que. para criar o novo, deve tirá-lo de um estado precedente em que este não existia, não-existência que ele chama de nada. Mas é um nada relativo, isto é, feito da mesma substância, que tinha outra forma, antes de ser mudada pela criação do homem.

Mas em Deus, que está fora do relativo e desse vir-a-ser que muda uma forma na outra, não pode existir um nada assim concebido. Em Deus o nada não pode ser entendido como não-existência da nova forma, por transformação tirada da velha, como acontece com o homem. Deus existe e opera no absoluto e não no relativo. Então, quando falamos de nada a respeito de Deus, temos de o entender em sentido absoluto e não relativo.

   Neste caso, falar em criação tirada do nada quer dizer contrapor um estado positivo de existência a um oposto estado negativo de não-existência da substância, e não contrapor só duas formas diferentes da mesma substância. Admitir tal criação originada do nada significa admitir em Deus a coexistência de dois estados opostos, isto é, a cisão da unidade, um dualismo, que é somente o estado da criatura rebelde e decaída, e que não pode existir em Deus, que deste modo estaria dividido contra si mesmo. Não há coisa mais absurda do que esta: pensar que a unidade de Deus possa ficar despedaçada. Aceitar o dualismo fora do terreno gerado pela queda da criatura e só a esta reservado, é politeísmo.

Deus é uno, existe no positivo. O negativo não pode existir Nele, mas só no universo corrupto e decaído, que contra Ele se rebelou, assim se emborcando negativamente. Se Deus é o existir, e o nada é a negação do existir, isto é, de Deus, em Deus não pode existir a negação Dele mesmo. Ora Deus, criando tudo do nada, teria tirado tudo de uma negação Dele mesmo, a qual por isso não pode existir. Como pode Deus ter derivado tudo de uma coisa que Nele não podia existir, de uma coisa que não podemos conceber senão em função do que apareceu porque foi conseqüência da revolta e queda da criatura.

Nem é possível pensar que esse nada fosse existindo além de Deus, fora Dele, pelo fato de que Deus é tudo o que existe, nem pode existir coisa alguma além ou fora Dele, porque se assim fosse haveria alguma coisa que não é Deus, e Deus então não seria mais Deus. Ele é um infinito que abrange tudo, ao qual nada se pode acrescentar, nem tirar. Não é possível conceber existência alguma além e fora desse infinito. Não. A primeira origem de tudo, quem é tudo o que existe, não a pode encontrar senão dentro de si próprio, o que neste caso quer dizer um estado de positividade dentro do qual não há lugar para nenhum conceito de negatividade. Mas como pode entender isto o homem se, pela sua forma mental, filha do seu mundo relativo, ele não pode conceber a criação senão como uma transformação de um estado em outro?

Como pode o nada ter constituído a primeira fonte de onde foi derivada a criação, se ele representa a não-existência? A sombra pode ser um efeito ou uma conseqüência da luz, mas não a luz um efeito ou uma conseqüência da sombra.    O que existe primeiro é a luz da qual depende a existência da sombra. e não a sombra. da qual depende a existência da luz. No plano das primeiras causas, quando não há outro positivo anterior, o negativo não pode ser o antecedente do positivo Do conceito de nada não pode ser derivado o conceito do existir Não pode de um pai que não existe nascer um filho que existe. No terreno do absoluto, onde se trata de substância e não de mudança de forma, o não-existir não pode gerar o existir.

A primeira fonte de tudo o que existe não pode ser senão Deus, que é o existir. Só depois deste conceito pode nascer a sua posição invertida, que é o nada, como o S pode nascer o AS, mas não o S nascer do AS, senão no sentido de reconstrução de um S desmoronado, que já existia com antecedência. Ora, o homem pensa que seja possível uma criação derivada do nada, exatamente pelo fato de que ele possui a forma mental de quem está situado no AS. É lógico que o cidadão do AS conceba tudo ao contrário. Esta é a razão pela qual o homem, antropomorficamente, atribuindo a Deus as suas qualidades, concebe a criação às avessas, o que seria como dizer: não é a sombra conseqüência da falta de luz, mas é a ausência da sombra que gera a luz. Isto representa a concepção emborcada do rebelde, pelo qual o centro e a gênese foram deslocados da positividade na negatividade, da luz nas trevas, concepção luciferiana que está nos antípodas da originária divina. Então não é Deus que tira tudo da sua positividade, mas é o ser rebelde que tira tudo da sua negatividade. E o egocentrismo do ser que prevalece sobre o do Deus, procurando-se substituir a Ele. Eis de onde sai tal concepção da criação derivada do nada, pela qual a obra de Deus se torna um absurdo. Tudo isto não pode ser senão o produto do AS.

O conceito negativo do nada e de criação tirada dele, não podia existir dentro do infinito de Deus, que na hora da criação era todo positividade, mas nele pôde aparecer só depois como AS, isto e, na parte do infinito positivo de Deus, que com a revolta se tornou corrupta, emborcando-se ao negativo no AS. Ora, com a ideia da criação do nada, o homem, pelo fato de pertencer ao AS, quereria atribuir a Deus, na obra maior, que é a da criação, uma idéea negativa, que só pode existir no AS, como produto da revolta do ser contra Deus. O homem, na sua ignorância de decaído e na sua posição de rebelde, só possuindo tal ideia negativa, a atribui a Deus, fazendo dela, que representa a destruição, a base da criação. Não importa se tal ideia é absurda. O conceito de criação tirada do nada continua dominando no mundo, porque é uma ideia que faz parte da forma mental do homem, que assim pode ter uma resposta ao problema da criação de uma maneira para ele facilmente concebível e por isso aceito.

Tivemos de esclarecer esse conceito da criação tirada do nada, porque dele deriva um outro: a criação da alma no momento do nascimento do corpo, por uma gênese tirada do nada. Isto quer dizer que neste momento Deus tira a alma de um precedente estado de não-existência, que já vimos: não se pode encontrar Nele, que é todo o existir, nem além ou fora Dele, que é tudo o que existe. Assim, criação e nada representam duas idéias que não podem ficar juntas, porque a segunda aniquila a primeira. Se quiséssemos entender tal nada não em sentido absoluto, mas só relativo à alma, isto é, como um seu estado de não-existência como individuação separada, enquanto ela já existia no seio de Deus, do qual se destacaria no momento do nascimento do corpo, então chegamos a outro absurdo Tratar-se-ia na criação só de uma mudança de forma, de um estado não individualizado a um individualizado da mesma substância de Deus. Ora, tratando-se da mesma substância, cada alma deveria possuir as mesmas qualidades de Deus, e isso não acontece quando observamos a forma pela qual a alma aparece no mundo — ela possui as qualidades opostas, não as de Deus, mas do anti-Deus, que nos revelam um precedente bem diferente, uma longa experiência no relativo e uma imensa ignorância no absoluto. Em conclusão, se não nos quisermos perder no absurdo, qualquer que seja o lado do qual olhamos o problema, teremos de aceitar a teoria da reencarnação.

Provas que confirmam essa teoria nos chegam também de outras partes. Para qual objetivo uma alma assim imperfeita e mal feita, nascida da perfeição de Deus, destinada a voltar a Ele, deve atravessar uma só e assim breve experiência terrestre, que quase nada ensina, cheia de perigos, com uma grande probabilidade de acabar nos antípodas do ponto que deve atingir? Não há dúvida que vivemos num mundo que é a negação de Deus, onde não é o bem, mas o mal que triunfa. Não é esta uma experiência feita mais para nos afastar de Deus, do que para voltar a Ele? E tal mundo infernal do seio de quem teria saído?

Outra prova da reencarnação a encontramos com a vida e a morte — dois elementos fundamentais do processo evolutivo  A vida representa o S, a morte o AS Eles são indispensáveis, insupríveis como dois pólos entre os quais oscila a existência do ser no seu estado de decaído. Toda a técnica da evolução, que é destruição do universo do AS e reconstrução do universo do S, se baseia nesta contínua oscilação vida-morte. O existir, na forma que hoje encontramos em nosso universo, não é puro e íntegro como no S, mas fica manchado pelo princípio oposto, o da morte, negação da vida Temos, então, não mais somente vida, mas uma mistura de vida e morte, isto é, um estado de dualismo e contradição entre dois elementos opostos. Essa contínua mudança de posição constitui a base do transformismo evolutivo, que se realiza oscilando do pólo positivo ao negativo do existir, para transformar as qualidades negativas do AS nas positivas do S. Como o processo involutivo gerou a morte, assim a tarefa do processo evolutivo é a de construir de novo a vida. Eis que a cada passo encontramos estes dois termos; que fundamentam a reencarnação.

Se em nosso universo o existir toma forma de alternada mudança vida-morte, sempre oscilando de um para outro destes dois pólos, eis que o conceito de reencarnação está no centro do plano e da técnica funcional do fenômeno do universo. A cada passo, morte e reencarnação. Não há outra maneira para realizar o transformismo evolutivo. A morte representa o emborcamento da vida, devido à revolta. A vida representa o S, que com a evolução se vai reconstruindo. A positividade do S ou vida, que se emborcou no negativo, no AS gerando a morte, com a evolução vai-se endireitando no positivo, no S, reconstruindo a vida. Eis que a técnica da reencarnação se enxerta em cheio no processo evolutivo, base do transformismo que representa a condição de renovação, de salvação, sem a qual não se pode voltar a Deus.

Tudo isto é evidente. No quadro do plano do universo a reencarnação representa a única idéia que pode completar o desenho. Voltamos a este assunto da reencarnação, porque agora, por ter desenvolvido outros problemas, podemos resolver este em mais profundidade, como nos permite o novo amadurecimento hoje atingido (v. o nosso livro: O Sistema).

Se não existisse uma vida precedente, onde cada um semeia para si as causas da vida atual, quão grande seria a injustiça de Deus criando seres que, sem sua culpa precedente, ficam condenados a uma vida de sofrimento! Quando precisamos do máximo de experiência adquirida para enfrentar o futuro, não a temos porque ainda somos jovens, e a possuímos, ao máximo na velhice, quando não precisamos mais dela porque chega a morte. Qual a lógica para essa justificativa? Só se pode explicar com a reencarnação, admitindo que o fruto da lição, resultado da aprendizagem, seja utilizado na vida seguinte, desde que não o pode na atual. E de fato a juventude é dirigida mais pelo produto instintivo do subconsciente do que pelo raciocínio que aparece na maturidade.

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Encerrada esta breve digressão sobre a reencarnação, voltemos ao assunto precedente. Os conceitos que até aqui fomos desenvolvendo nos permitem entender muitos fatos que, de outro modo, ficam sem explicação. Vemos que os indivíduos nascem com uma sua personalidade já feita.  Quem a fez? Há quem nasce mau, quem nasce bom, quem nasce pacífico, quem nasce agressivo, quem nasce estúpido, quem nasce inteligente; outros nascem ladrões, assassinos, artistas, cientistas, heróis ou santos. Por que isso? O ambiente e a educação não mudam o tipo fundamental da personalidade que, apesar de ser no aspecto exterior filha dos seus antepassados, contém sempre qualidades suas que a diferenciam dos outros. O fato de que de tudo isto depende o destino do indivíduo, o que quer dizer uma vida de satisfação ou de desespero, com todas as suas conseqüências na vida futura, não pode ficar sem solução, permanecendo no poder do mistério e dos impenetráveis desígnios de Deus, porque as conseqüências nos queimam e são nossas. Para sermos julgados responsáveis pela nossa conduta, temos de saber o que nos pertence tão de perto. Com as suas qualidades a personalidade revela o seu passado.

Vivemos para construir o nosso eu e cada um o constrói como quer, mas depois fica cristalizado naquela forma, como uma estátua até realizar outro trabalho para a modificar. A estátua feita é o subconsciente, o novo trabalho de construção se realiza no plano do consciente, a nova estátua que poderá ser produzida por esse trabalho representa o superconsciente. Assim, tudo é lógico e compreensível. Os psicanalistas que falam tanto de subconsciente não se preocupam em explicar como ele nasceu e se construiu, o que foi que o fixou na sua forma atual, nem de enquadrar tal fenômeno numa visão filosófica que o explique e justifique em função da fenomenologia universal.

O    nosso sistema orienta perfeitamente esse fenômeno dentro do plano geral da existência, que é o da evolução e reconstrução do eu que, depois de ter descido, no período involutivo, sobe do AS para o S, voltando assim ao ponto de partida, Deus. Assim, subconsciente, consciente e superconsciente não são senão três posições mais ou menos adiantadas ao longo do caminho da evolução do eu, que vai do AS para o S. Trata-se, então, de três estados sucessivos de desenvolvimento Podemos, assim, entender o que eles representam: três níveis — o emotivo, o racional, o intuitivo, situados um acima do outro, cujo significado se explica, bem como a função em relação ao plano universal da existência.

É verdade que cada ser, nascendo, possui uma sabedoria já pronta, apta a satisfazer as exigências de sua vida. Cada organismo físico possui um proporcionado organismo psíquico para o dirigir. Isto em todos os níveis, inclusive nas plantas. Como foi construída esta sabedoria adaptada à vida terrestre do indivíduo? Diz-se que essa sabedoria é fruto do instinto. Mas, o instinto como nasceu? E trata-se de uma sabedoria particular, específica, proporcionada ao ambiente onde o indivíduo, seja planta, animal ou homem, tem que viver. Então esse instinto deve-se ter formado no mesmo ambiente, porque hoje se apresenta como resultado de experiências do mesmo tipo das atuais, que o ser demonstra conhecer desde o nascimento, quando ainda não conhecia a vida presente. Quem ensinou aos animais a andar e voar, às feras as regras da luta, a cada um uma técnica sua particular proporcionada ao ambiente e meios de defesa, aos fracos a estratégia da fuga ou da astúcia, às fêmeas as providências da maternidade e da criação, tudo para que o indivíduo, como a  espécie possa sobreviver? Tudo isto não pode ter sido; aprendido senão em semelhantes vidas precedentes.

 Vemos que os seres do mesmo tipo repetem as mesmas coisas. em série, com o mesmo método e estilo. Isto porque ao nascer eles não têm que aprender uma sabedoria nova, só se lembrando do seu passado, continuando a ser dirigidos pelo que já sabem, ao mesmo tempo aperfeiçoando esse conhecimento e levando ao longo do caminho da evolução. Se tantas vidas diferentes, espalhadas no tempo, vão repetindo as mesmas coisas, isto mostra que se trata da mesma lição que se vai repetindo na mesma escola. Se houvesse só uma vida, cada uma deveria ser independente da outra.

Tudo isto está confirmado também porque o método da natureza é o de derivar tudo de um seu precedente, aperfeiçoando-o por meio da repetição. Diz-se que a natureza não dá saltos, e, de fato, ela realiza a evolução por meio do transformismo lento e gradual. Tudo o que foi aprendido fica armazenado no subconsciente, que representa a base de conhecimento sobre o qual se constrói o novo. Os alicerces da personalidade estão nesse subconsciente e deles depende o novo edifício, que com a evolução sobre eles temos de levantar. Daí a grande importância do subconsciente no estudo da personalidade humana.

E assim que cada um traz consigo o seu passado e, por isso. nascem personalidades diferentes, cada uma com os seus impulsos e qualidades próprias, conforme o que foi experimentado e aprendido. Assim, um nasce com um destino, e outro com outro destino, conforme o que semeou no seu passado. Desse fato derivam os choques entre os biótipos que não são iguais, porque cada um é filho de uma dada experimentação. Conhecer tudo isto é importante para saber quem somos e o que nos espera na vida. Mas filosofia, ciência e religiões ignoram tudo isto, embora seja fundamental para viver com inteligência, sem desperdiçar as energias em tentativas, erros e correlativos sofrimentos, como em geral acontece.

Em resumo, o homem na sua vida terrena possui três fontes de conhecimento e de impulsos, que o dirigem, conforme a sua natureza: 1) O subconsciente que oferece em síntese o resultado final das operações já realizadas nas vidas passadas, sem nos mostrar analiticamente o seu conteúdo. O subconsciente não raciocina, não procura saber ou explicar, mas repetindo a lição aprendida, conforme as qualidades adquiridas, inconscientemente, envia de volta os impulsos com os quais o eu foi formado no passado. 2) O consciente que pensa, observa, quer entender o que se está fazendo e porquê. Acima da precedente, que representa a fase instintiva, a do animal, se levanta essa que representa a fase racional, a da inteligência do homem. Aparece, então, a filosofia e a ciência. 3) O superconsciente que revela ao homem, em lampejos de intuição, fases de evolução superiores, que para ele pertencem ao futuro. Essa é a zona das revelações das religiões, como das novas descobertas da ciência.

Então, subconsciente, consciente e superconsciente não são somente três níveis do desenvolvimento do eu, mas cada um deles representa uma fonte diferente de conhecimento e de impulsos para se dirigir na vida. Assim o homem é movido pelos instintos do animal (a conquista já realizada, base da vida); pelo raciocínio e inteligência do homem (o trabalho de conquista atual, para progredir); pelas revelações das religiões (verdades percebidas por inspiração por homens excepcionais, mais evoluídos, as quais representam o trabalho de conquista a realizar no futuro).

Cada indivíduo funciona vivo e ativo num ou noutro desses níveis, conforme o seu grau de evolução. Entre indivíduos do mesmo nível não ocorre choque de sistema, e a compreensão é fácil: mas o choque é vivo entre indivíduos de níveis evolutivos diferentes, que praticam sistemas e falam linguagens diferentes. Então cada um, não entendendo nada do outro, o condena. Mas na realidade a imensa maioria se encontra no mesmo nível animal e, por isso, Os indivíduos se entendem até chegar a um pensamento comum, que é o que se chama subconsciente coletivo, pelo qual é possível realizar uma concordância, como acontece nos hábitos sociais, nas eleições do sistema representativo, na aceitação e aplicação das leis civis e religiosas, etc.

Disto se segue que a vida coletiva se baseia mais no subconsciente do que no consciente, isto é, obedece mais a uma ética empírica-instintiva do  que a  princípios racionais,  produto da inteligência. E isto a maioria faz com pleno convencimento, conforme o que chama a sua consciência, porque não há verdade mais axiomática e indiscutível do que aquela afirmada pelos instintos, que representam o produto das experiências mais antigas e mais profundamente assimiladas. Mas, que verdades pode conter o subconsciente, senão as elementares da vida, as necessárias para vencer na luta para a sobrevivência? Trata-se, então, somente da sabedoria da força ou da astúcia, que, na verdade, sempre se encontra em nosso mundo, Nem se pode exigir que o homem pratique uma lei superior à do seu plano biológico, e que ele não esteja convencido com toda a sinceridade, que tal método de vida é o melhor, represente o ideal maior, porque a experiência passada e presente lhe confirmam a cada passo que esse é o mais rendoso na prática, como defesa e vantagens. Prova-o o fato de que em nosso mundo quem segue um superior ideal espiritual é julgado um ingênuo que não conhece a realidade da vida. Não é esta a lição que, sob pena da própria vida, o homem teve de aprender à sua custa? E à sua custa terá ainda de aprender o idealista que desceu ao nosso mundo. Como se pode, então, exigir que o biótipo que nele tem de viver, possua outra forma mental, se esta é aquela da qual ele precisa para sobreviver no seu nível animal? O sistema representativo chega até ao ponto de confiar a escolha dos melhores que devem dirigir a nação à maioria constituída por tal tipo de homem, que é exatamente o menos competente para tal escolha, e que, pelo contrário, deveria ser dirigido por uma classe de indivíduos mais adiantados, que ele não pode entender. Este seria o caminho mais lógico e curto, para evoluir. Mas quem admite tais princípios e está preparado para aplicá-los?

O que a massa humana aprendeu nas suas vidas precedentes não é senão o que a história nos conta que fizeram os homens do passado. Esta é a lição aprendida, que agora volta para dirigir a conduta atual. Eis a tremenda realidade da vida, escondida atrás das aparências das leis civis e religiosas, pelas quais o homem pretenderia ser civilizado. Mas bem diferente é a verdade que ficou gravada no fundo da alma, verdade que outra dura experiência bem diferente lhe ensinou. Ela aprendeu a mentir e a desconfiar, o que constitui boa parte da vida social. Ela aprendeu a temer o próximo, que representa um natural inimigo. Eis que o estudo psicológico da primeira origem das nossas idéias nos dá a chave para entender a nossa vida social.

É lógico que neste mundo a ordem não possa ser senão o resultado de uma disciplina sustentada pela força. Tão logo o controle fica impedido e suspenso, aparece a ferocidade do guerreiro pronto à revolta. Por isso, o mundo precisa de leis, tribunais e cadeias, para aprender à força, com os velhos métodos, hábitos novos. Ao menor sinal de fraqueza das classes dirigentes, estão sempre prontas a se rebelar as camadas inferiores, mais involuídas, mostrando o que são. A lição aprendida no passado lhes ensinou que é mais seguro desconfiar do que acreditar de boa fé, porque atrás das pregações das várias filosofias, religiões e poderes políticos, o elemento dominante que constantemente se encontrava no fundo delas, apesar das teorias, era na prá- tica, a má fé, a tentativa de engano, a exploração da ingenuidade. Eis a realidade que aparece quando olhamos o nosso mundo, não por fora, mas por dentro, eis a verdade que um exame psicológico dos fatos nos descortina.