A Tecnica Funcional da Lei de Deus

Os conceitos expostos neste volume correspondem a uma nova forma mental, a do adulto, enquanto a precedente era infantil. O homem hoje está superando esta fase para chegar àquela. Ele atravessa uma crise de desenvolvimento, que o conduzirá a um nível evolutivo mais alto.

No passado, o homem era movido sobretudo pelos instintos e a inteligência era usada para satisfazê-los. No velho estilo, a religião, a fé, a moral, instituições e toda a organização social implicitamente permitiam a obtenção de tal fim, embora isso fosse um inocente produto do inconsciente de um primitivo, que ainda não tem consciência da justiça ou da moralidade de sua conduta. Assim, tudo se explica e justifica, mas se compreende hoje a sua falsidade porque já foi superada aquela fase de evolução; o velho mundo desaba e se procura viver de modo diferente. Ser criança e comportar-se como tal não é culpa enquanto se é criança, porque não pode ser de outro modo. A infância é uma fase necessária na evolução dos indivíduos, dos povos e da humanidade.

Hoje, porém, se começa a entrar na fase da maturidade, pela qual se verifica uma mudança de forma mental e de relativa conduta. Quando essa transformação tiver conquistado a maioria, o homem do velho estilo, que antigamente constituía a normalidade, será julgado um subdesenvolvido e a sua conduta será reprovada. A grande diferença entre os dois estilos de vida consiste no fato de que no novo, a inteligência não é usada a serviço dos instintos, mas com a finalidade de compreensão. A parte melhor, a que está à  frente da evolução, de serva passa a senhora, de dependente dos impulsos do inconsciente a dirigente deles. Quando o homem não tinha ainda conhecimento nem consciência para autodirigir-se, não havia outro sistema para fazê-lo funcionar segundo os fins da Lei, se não que ela o dirigisse por meio de impulsos instintivos como um autômato. Vejamos como ocorre a transformação.

Começar hoje a usar a inteligência para compreender a Lei que tudo dirige, em vez de usá-la para satisfação dos próprios instintos significa entender o pensamento dessa Lei, conhecer as suas diretivas e poder colaborar livre e responsavelmente com elas, em lugar de tolerá-las cegamente. Com este passo adiante, a posição do indivíduo diante da vida muda completamente.

As conseqüências de tal mudança de forma mental e da conduta que se lhe segue são importantes. O homem se torna consciente da presença do pensamento diretivo da existência, compreende a técnica do funcionamento de tudo, pode, portanto, inserir-se nele, harmonicamente, dirigindo-se para os fins aos quais tende, sem os erros e as dores que acompanham o processo. Em lugar de ser dirigido sem saber, o homem pode dirigir a sua vida, sabendo. Em vez de receber inconscientemente a orientação das forças da Lei, ele pode conscientemente funcionar paralelamente com elas, permanecendo de forma espontânea na ordem ao invés de ser a isso obrigado pelas sanções corretivas. Quando se conhece a técnica funcional da Lei, estando-se de acordo com ela, secundando os seus movimento, se pode avançar ajudados pela corrente em que se navega, em vez de ser dificultados pelo impulso contrário. Então a própria vontade não é anti-Lei, mas está de acordo com a Lei; e o próprio eu não é mais isolado, rebelde, repelido, mas se torna um elemento do grande organismo universal dirigido pelo pensamento de Deus. Em vez de evoluir à força, chicoteados pela Lei que quer que se avance, se sobe, levantados por sua corrente ascensional na qual somos inseridos.

Eis as vantagens da nova posição mais avançada de adultos à qual conduz a atual maturação evolutiva. Esta começou com a ciência moderna. As religiões representam, ao contrario, a fase infantil da humanidade. Mas elas são úteis no seu tempo, justificadas pelo fato de constituírem um degrau necessário para chegarem, ela também, à fase adulta, em que fundirão com a ciência. Esta, como movimento de vanguarda, arrastará consigo mesmo as posições mais atrasadas, elevando-as ao seu nível, em que viverá o novo homem adulto.

A ciência exige um desenvolvimento mental que as religiões não exigem e de que até mesmo, podem prescindir. O choque entre a ciência e a fé é devido a distancia que há entre as suas formas psicológicas, situadas nos antípodas como duas posições, uma mais avançada e a outra menos, em relação à fase evolutiva hoje percorrida pelo homem. É por isso que a ciência se fez materialista e atéia, em oposição à religião, e freqüentemente no último século elas se guerrearam mutuamente, sem compreender a razão do seu antagonismo, que é o de distancia e oposição de posições ao longo do caminho da evolução. Prova-o o fato de que a religião está morrendo na sua velha forma e a ciência está triunfando pronta a arrastar consigo para frente a religião, tão logo o permita a maturação mental do homem.

Para o adulto tais antagonismos desaparecem, a religião se torna cientifica e a ciência se torna religião. O antagonismo se encontra só na mente do involuído que não compreendeu o fenômeno. Por sua natureza, a ciência não pode ser atéia. Como poderia sê-lo se a ciência perscruta continuamente o funcionamento de todos os fenômenos? Ninguém mais do que o homem de ciência pode sentir a presença de Deus no material que estuda. O ateísmo da ciência, hoje bem diferente, não é uma negação de Deus , mas é apenas negação do Deus de tipo antropomórfico, que as religiões construíram para uso das massas atrasadas, que exigiam uma tal imagem porque dela necessitavam para seu próprio uso e consumo. É natural que a forma mental da ciência, racional e positiva, repelisse tal imagem. Por isso, quem não a aceitou, foi declarado ateu, já que essa imagem representava o próprio Deus.

A ciência não é contra o espírito e nem contra Deus. Ela só não pode aceitar os produtos de uma forma mental de sonho, e as relativas e instintivas construções fideísticas não fundadas na realidade. Bastará dar tempo à evolução, a fim de que as massas atinjam um nível mais alto e o antagonismo entre a ciência e a fé desaparecerá. A ciência não é contra a religião, mas somente contra a forma mental infantil que ela usava nas suas concepções.

Assim nos explica a atual crise religiosa que, na verdade, é problema de forma mental, e não de religião. Não se aceitavam mais os produtos das formas mentais do passado e a religião está entre elas. A religião está se transformando, morrendo na sua forma antiga para assumir outra nova, mais próxima da ciência. De fato, apenas aparece a cultura, desaparecem o fanatismo e a superstição. Não se trata de uma religião ou de outra, mas da velha forma mental que desaparece em todas as religiões. A atual crise das religiões não é senão um caso particular de uma crise universal de valores. Agora é inútil agarrar-se ao velho. O homem começa a raciocinar de modo diverso em todos os campos, inclusive no religioso. Do mesmo modo que com a chegada dos novos tempos não teremos o fim do mundo mas o fim do velho, para nascer um novo; assim, o fim do velho modo de conceber a religião faz nascer uma nova concepção.

Este fenômeno, que hoje é natural, porque vivemos numa fase ativa de transformismo, era inconcebível quando se vivia em posição estática. Foi assim que se acreditou que a verdade fosse imutável e eterna. Mas depois se via que, não obstante tais afirmações, ela mudava. Até que isso ocorresse, porém, não se podia compreender que a verdade é relativa, e está em evolução, entendimento já alcançado hoje, porque a vida nos mostrou esta posição diferente. Assim é explicável a surpresa de quem agora ainda pensa com a velha forma mental. Trata-se não da clássica luta entre religiões ou contra uma heresia, ficando no mesmo nível mental, mas de uma passagem para outro nível, razão pela qual, sem ataques destrutivos, o velho cai por si, abandonado pela vida às margens do caminho da evolução. Está acabando o espírito anti-religioso de outrora entre grupos guiados pela mesma forma mental. Esta transforma-se em todos, assemelhando-os no mesmo modo de pensar, muito diverso do que foi no passado. Hoje as diferenças e antagonismos percebidos não acontecem entre os diversos métodos e verdades de planos e tempos diversos, isto é, entre aqueles que opunham ciência à religião e aqueles para os quais a religião se torna ciência e a ciência religião.

Somente hoje se compreende que o velho estilo de vida estava errado. Mas para chegar a isso era preciso tornar-se adultos. Não se pode compreender os erros das crianças senão quando nos tornamos diferentes delas, apartando-nos da velha forma mental para adquirir uma outra. Enquanto o homem permanecer criança, ele acha justa a sua conduta infantil. Para dar-se conta de um erro, é preciso experimentar-lhe as conseqüências. Enquanto  isso não ocorre, tudo vai bem, porque os resultados são favoráveis e não perturbam. Antigamente bastava que se tivesse uma boa fachada, sem se importar com o que estava atrás. E por muito tempo esse sistema andou bem e ninguém o acusou de hipocrisia. Se hoje não se houvesse compreendido os danosos efeitos daquele sistema, ninguém pensaria em corrigi-lo, e estaríamos ainda satisfeitos com as velhas posições.

Isso não quer dizer que a fé, sustentáculo da religião, deva acabar. Se existiu, significa que tem uma função, que deve ser reconhecida, porém situada no lugar que lhe cabe. A ciência, com a mente racional e objetiva, desempenha a função de indagar para compreender e depois aplicar com a técnica as suas descobertas, utilizando-as para a vida. A fé, como o sentimento e a intuição, desempenha a função de revelar realidades espirituais inacessíveis à razão, lançando pontes para o futuro da evolução. São pois funções distintas, as da ciência e da fé, mas complementares. O conflito nasce quando uma quer substituir a outra, invadindo o seu campo: isto é, quando a fé quer eliminar o trabalho da razão, impondo mistérios e a ciência procura paralisar o trabalho da fé, suprimindo suas intuições. A função de ambas é, no entanto, a de colaborar, ajudando-se mutuamente para o mesmo fim, o de avançar no mesmo caminho.

A passagem da fase infantil à posição de adulto leva a um modo de perceber e comportar-se diferente. O método do passado, de luta entre as religiões rivais, se substitui o da compreensão  e colaboração. A maturação evolutiva leva à criação de uma imagem diferente de Deus. A vida deixa que o homem crie aquilo que mais lhe convém para progredir. Um Deus constituído por um pensamento abstrato, que é lei diretora do funcionamento universal, era um conceito inimaginável para o primitivo do passado, conceito, pois, que não servia à vida. É assim que esta permitiu que se imaginasse para seu uso um Deus antropomórfico  mas acessível, um Deus que satisfizesse à sua forma mental. Mas é assim que hoje, por idênticas razões, já se pode passar a um outro conceito de Deus, aceitável para o homem da ciência moderna. Quando as velhas representações da verdade não convém mais à vida, esta as abandona e as substitui por outras, mesmo se as aceitou no passado, quando lhe convinham. Isso não impede que ainda possam servir aos povos e indivíduo subdesenvolvidos aquelas velhas representações que os mais evoluídos já superaram. Tudo, pois, está certo, porque cumpre a sua função a seu tempo e em seu lugar.

A essa progressão de sucessivas representações se deve o ter-se podido obter uma sempre mais verdadeira concepção da divindade. É preciso também reconhecer que a presença de uma fase inferior precedente é necessária, para poder superá-la. É o que ocorre hoje. Encontramo-nos, de fato, num período de passagem do velho ao novo. O primeiro é feito de fé e sonho (fase mitológica, infantil); o segundo é feito de razão e realização (fase científica, adulta). O primeiro poder-se-ia assemelhar à intuição dos poetas, aos contos de ficção cientifica; o segundo, à técnica realizadora das descobertas dos cientistas. O primeiro é fantasia que antecipa, mas sonhando (Julio Verne descreve a viagem à lua). O segundo é ciência que concretiza o sonho (os primeiros astronautas desceram na lua em 20 de junho de 1969).

Para conhecer qual poderá ser a nova religião do futuro, podemos estabelecer as seguintes proporções:

Os romances de ficção cientifica preludiam  a positiva realização da técnica cientifica, assim como a fé na mitologia religiosa antecipa a positiva religião cientifica do porvir.

Por analogia, da primeira parte da proporção,, isto é, do conhecimento dos dois primeiros termos e suas relações, se pode deduzir o valor da incógnita, que é o quarto termo. Este não contradiz o terceiro, mas confirma-o, uma vez que é constituído pelo seu desenvolvimento. Assim, o novo tipo de religião não destrói o velho, mas continua levando-o mais adiante.

Chegado a esse novo nível, o homem atingirá uma compreensão  que hoje ainda não tem. Deslocar-se-á o plano de seu conhecimento, ele se tornará consciente do funcionamento universal e de sua posição nele. Compreenderá, com forma mental positiva, que a desordem do caos do AS em que está situado, é apenas aparente e de superfície. Ele descobrirá que, na fenomenologia universal, há uma íntima realidade, constituída pela presença do S na profundidade do AS, isto é, da presença de uma ordem perfeita e inviolável à qual a desordem do AS está sujeita, ordem que enquadra e disciplina aquela desordem, dominando-a.

Então o mal que reina no AS constitui apenas uma posição periférica do ser, ao passo que a sua posição central é constituída pelo S, o que significa um núcleo vital que é o oposto do mal, isto é, o bem. Se assim não fosse, o AS, com o seu negativismo, já teria sido destruído há tempo. Eis que, no centro desse negativismo, há o positivismo do S. Isso significa que, dentro desse invólucro de mal, há o positivismo do S. Isso significa que, dentro deste invólucro de mal, dores, ignorância, morte, trevas etc., há um centro feito de bem, felicidade, conhecimento, luz, vida etc. Não fomos separados dos mananciais da existência, eles continuam a irradiar-nos, através da cortina da negatividade do AS e podem alcançar-nos, mas na medida em que permite a transparência de nossa atmosfera, que se faz cada vez mais sutil, quanto mais evoluímos subindo para o centro S.

Este atrai e tudo o que existe movimenta-se em sua direção. A atração determina o movimento evolutivo de retorno e o canaliza para o centro S. Em outras palavras, a grande esperança é esta via de salvação, dada pela presença do Deus imanente que realiza esse prodígio, que é o fenômeno da evolução, com funções universais curadoras de todo o mal e negatividade que existe no AS. Eis que neste subsiste a presença de um fundamental impulso sadio, que irradia vida e saúde no organismo enfermo para curá-lo. A grande descoberta do homem já adulto consistirá em adquirir consciência da presença do S no fundo do AS, isto é, da primeira fonte do existir. Então a ciência compreenderá a Lei e terá encontrado Deus.

Os astronautas russos se gabaram de não ter encontrado Deus no céu, onde se diz que Ele está. Pensavam talvez em encontrar um Deus com imagem humana? Mas eles encontraram leis, leis e leis, que revelam a presença de um pensamento sábio e expressas por uma vontade de ferro, às quais prestaram obediência. Isto é Deus. Eles O tocaram e não O viram.

É que Deus não pode ser procurado no exterior, fora do ser, mas no seu íntimo, no interior das coisas, dos fenômenos, da ciência, de nós mesmos. Esta afirmação é confirmada pela existência destes fatos concomitantes e já explicados por nós: a evolução vai do AS ao S; o sistema está no interior do AS; então a evolução procede para o interior, onde está o S; este é de natureza espiritual; a evolução leva à espiritualidade. Assim se explica por que a evolução consiste num desenvolvimento nervoso, cerebral, mental. Deus que é pensamento, está e deve ser procurado no íntimo do ser.

A evolução é um despertar de qualidades espirituais, é uma reconstrução da parte interior do ser, a decaída e pertencente ao S. A evolução consiste, antes de tudo, naquele despertar e naquela reconstrução, isto é, no desenvolvimento psíquico da personalidade.  Só como conseqüência do desenvolvimento psíquico a evolução cuidará do desenvolvimento do organismo, que é apenas um instrumento de manifestação e experimentação dessa personalidade. É assim que, em substância a evolução consiste numa espiritualização do ser, entendido como desenvolvimento psíquico. Conceituemos aqui a espiritualidade “latu sensu”, como faculdade de pensar e compreender pela aquisição de conhecimento e é neste sentido que a ciência conquista seu espaço.

Assim se explica por que o homem deva procurar Deus dentro de si mesmo, mas se explica também por que ele O procura fora. Trata-se de um comportamento próprio do AS; é, pois, natural que isso seja feito de modo invertido, centrífugo e enfermo. Justamente porque o não invertido, são e centrípeto, está dirigido para o S do qual não procura fugir. Por essa razão sabemos agora qual a postura correta que se deveria assumir. Mas é natural que o homem comporte-se justamente de modo contrário, porque ele está mergulhado no AS e não pode senão seguir-lhe os métodos.

Tal posição dos elementos do fenômeno leva também a uma outra conseqüência. Da presença do S no centro do AS, isto é, do Deus imanente em nosso universo, conclui-se que tudo, no seu íntimo profundo, isto é, nas suas raízes que estão no nível do S, é perfeito, ainda que essa perfeição  fique escondida por uma crosta de imperfeição , tanto maior quanto mais o ser está envolvido no AS, isto é, longe do S. Isso significa que, mesmo se na superfície ocorre o contrário, e na aparência é diferente, tudo, em substância, funciona para o maior bem do ser e para o melhor rendimento para o seu progresso.

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Observemos agora as conseqüências práticas a que levam tais conceitos. Deles deriva uma nova visão da vida, que leva a assumir uma nova posição diante dela, trazendo por conseguinte resultados diversos. Conhecer a técnica de tal fenômeno pode ser útil na procura do sucesso, problema hoje considerado de maior importância. O homem em geral segue o método egocêntrico, separatista, próprio do AS, isto é, se faz centro e luta contra todos para superá-los e sujeitá-los. Ele se sente elemento isolado no caos, em que busca impor a própria ordem, impondo-se como centro dessa ordem, tentando dobrar tudo à sua vontade. Ora, um tal comportamento, num mundo regulado por leis que não admitem ser violadas, isso é absurdo e desastroso, porque o homem se choca, continuamente, com a vontade das leis, também decididas a impor a sua ordem. E quem paga é o mais fraco. A vida é sabia, maltrata quem ela  desobedece, mas ajuda quem a segue.

O rendimento do próprio trabalho é completamente diverso, quando se realiza indo contra a Lei, ou quando se realiza seguindo a sua corrente. Enquanto no primeiro caso este se consome em atritos contra ela, no segundo caso evitando o desgaste, o rendimento é maior. Viver no AS não quer dizer que não se possa viver, desde que se seja evoluído, em profundidade, na ordem do S, seguindo-lhe os métodos. Mas é preciso ter compreendido que há uma Lei e saber viver em função dela em lugar do próprio eu. O ponto de referencia da vida nos dois casos é completamente diverso. Num caso esta referencia é a Lei; no outro, o eu. Resultam dois tipos de vida diversamente orientados, com as relativas conseqüências.

Em nosso mundo, o melhor é o mais forte, aquele que, com a sua potência, sabe vencer a todos num regime de caos. Segundo o outro tipo de vida, o melhor é quem tem mais méritos por ter conquistado valores pessoais, que põe a serviço de todos num regime de ordem. Tal indivíduo sabe que tudo é controlado pela sabedoria da Lei, que não admite violações e os castiga. Muitas vezes o homem acredita vencer porque é inteligência e forte e não se dá conta que é a vida que o lança para o alto, porque, põe suas qualidades, é usado como instrumento para fazer um trabalho útil à vida e para o qual ele é adequado. O problema não é mais o de saber vencer sozinho, mas de conhecer a Lei, a sua vontade, a própria posição em consonância com a realização de seus fins, as razões pelas quais cumpre tais lances, o impulso e a estrutura da onda pela qual se deve ser ou não ser, porque e como, levados ao alto.

Então, o sucesso na vida e em todo campo depende de um cálculo mais complexo, que não leva em conta somente as próprias forças e as resistências do ambiente contra o qual deve lutar, mas calcula também a estrutura, direção e impulso propulsivo das correntes da vida às quais deve juntar-se para subir. No futuro, diante de uma empresa de qualquer gênero, bélica, comercial, política, religiosa etc., se levará em conta, com uma exata técnica das previsões, também estes fatores, hoje confusamente relegados ao imponderável. Se Napoleão e Hitler tivessem feito este cálculo, não teriam falido, porque a vida não os teria abandonado, quando tentaram impor-lhe o próprio egocentrismo para seguir os seus egoísticos fins, sobrepondo-os à finalidade da vida. Eles ciaram porque faltou a razão do impulso que os tinha lançado para o alto. Se eles se houvessem retirado a tempo, logo que tivessem terminado o trabalho para o qual a vida os protegia, não teriam falido como ocorreu, desde que subverteram a própria missão para tornar-se o centro do próprio desejo de grandeza.

Entretanto alguns indivíduos, mesmo que sejam personagens históricos considerados de pouco valor, fizeram sucesso pelo fato de terem sido elevados pela onda da vida, porque servia à sua finalidade. Assim se explica também que homens de grande valor não tenham sido reconhecidos porque, vivendo fora do tempo, encontraram-se na descida da onda.

Há uma outra diferença entre os dois métodos. O do mundo, de tipo AS, produz resultados transitórios, tanto mais instáveis quanto mais baixo o nível biológico em que se opera; pelo menos, aparentemente, é mais forte o AS, o seu transformismo, o estado de caos e de luta. De fato o mundo está cheio de falências e desilusões e não se sabe o que valem as suas conquistas já que estas não duram. Ao contrario, o método de quem se ajusta à Lei, pelo fato de que se projeta na direção do S, produz resultados duradouros, definitivamente nossos, de que ninguém, sequer a morte, poderá privar-nos. Eles não são como os do mundo, anexados ao exterior, mas assimilados como qualidades nossas, constituindo valores espirituais definitivamente adquiridos.

Tentemos aplicar estes conceitos de forma ainda mais particular. Estas observações não são para aqueles que, embriagados pelas fáceis vitorias, crêem numa vida terrena de triunfo, mas para aquele que mais experimentaram a dureza da realidade. À luz das precedentes considerações, vejamos se é virtude ou defeito o desprendimento do fruto do próprio trabalho. Num mundo em que tudo é aleatório, o problema da durabilidade é fundamental. A primeira mais espontânea resposta a esse quesito é que tal separação não é uma virtude, como os moralistas podem sustentar. Cada trabalho deve prefigurar um fruto, como resultado que o justifique. A própria vida é utilitária e não gasta suas energias para não produzir coisa alguma. É a ligação a esse fruto que nos sustém no esforço de cumprir aquele trabalho. Sem isso, aquela distancia passa a ser um mal, porque elimina até mesmo a nossa vontade de trabalhar e nos leva a inércia.

É inegável, porém, que vivemos num mundo de tentativas, onde não há garantia de se conseguir a posse do fruto do próprio trabalho. É fácil então ficar desiludidos, de mãos vazias, depois de ter feito tanto esforço. Encarado sem egoísmo, desprender-se pode até ser-nos útil. Mas se ele nos retirar a vontade de trabalhar, e, para evitar desilusões, não se fizer mais nada, caímos no pior dos sistemas. Como se resolverá o problema?

A maior parte dos resultados que se propõe conseguir na Terra pertence a esse plano de evolução e são de natureza caduca e ilusória. Acabam freqüentemente, num engano: ou porque se trabalha mas não se chega ao resultado e com isso a satisfação sonhada, ou porque eles não são por natureza duradouros. O melhor seria dirigir-se à conquista de valores superiores, não exteriores, mas íntimos, fazendo parte da própria personalidade, porque consistentes nas suas qualidades adquiridas e permanentes. Isso porém não impede que mesmo o trabalho para resultados falhos ou fictícios não deixa de ter  sua utilidade, porque serve como experimentação e vale como frutos de experiências que fixam na personalidade do indivíduo. É neste sentido que até mesmo a corrida atrás de glórias, riqueza, poder, prazeres, pode ter sua utilidade, se bem que tais coisas redundem sempre em ilusão.

Devemos condenar quem trabalha nesse nível? Não, porque este é o seu plano evolutivo e ele não saberia fazê-lo de outra maneira. Não se pode culpar uma criança de ser inexperiente e de não saber trabalhar de outro modo. Além do mais, este ser está sujeito a sofrer provas, erros e sanções que lhe são úteis porque lhe servem para experimentar e evoluir, em proporção ao seu nível, ignorância e sensibilidade. Assim também ele se realiza  tal como é, pois, mesmo enganando-se, atinge os fins que a vida deseja.

Vejamos agora como funciona o indivíduo do outro tipo. Antes de tudo, os resultados que ele consegue são independentes do juízo, aprovação ou condenação, por parte do mundo, atitude rara, já que a maior parte teme este juízo e, para evitar o contrário, se obriga ao conformismo, impondo-se limitações. Mesmo esse tipo de homem, como todos os demais, está ansioso de sucesso. Mas sucesso em que? Ele está preso ao fruto do próprio trabalho, mas que fruto? Este outro tipo de homem está livre da opinião alheia, porque tem consciência dos próprios deveres, e do que faz, presta contas, diretamente ao tribunal de Deus, o que diante do mundo o torna autosuficiente. O seu sucesso, o fruto pelo qual trabalha é superior, espiritual e mais íntimo, consiste em valores imperecíveis, que não se podem perder. É certo que o crescimento é fundamental instinto da evolução. Crescer é desenvolver-se e subir. Mas cresce de verdade aquele que cresce nos valores espirituais, e não quem cresce apenas nos valores materiais. Concentrar-se em si e para si é anti-social, o é contra as leis da vida, porque queira ou não, vivemos coletivamente num organismo, cada um como uma roda num relógio, que não se pode tornar egoisticamente maior sem turbar o funcionamento e a ordem, sendo, pois, obrigado por essa ordem a reentrar nas suas justas dimensões. Uma tal roda desajustada acaba sendo jogada fora do relógio. Será vantagem, no entanto, aperfeiçoar-se dentro dos seus limites, tornando-se assim sempre mais valorizada porque apta a melhor cumprir a sua função.

Devemos esclarecer que crescer como  valor espiritual não é entendido aqui no sentido de isolar-se do mundo, a exemplo do místico ou anacoreta, que se ausentam da realidade da vida. Por valor espiritual, entendemos também o fruto da atividade mental do cientista e do pensador, do dirigente industrial ou de qualquer outra organização social. Como valor espiritual entendemos o fruto de toda a atividade que desenvolve a inteligência. É indiscutível que a nossa vida atual se pode ter verdadeiro valor se vivida em função de uma a meta a atingir, sem o que a vida fica sem sentido. Cuidemos, portanto, de vivê-la com inteligência, percorrendo orientadamente e não de forma cega, o caminho evolutivo que a constitui. Mas estamos longe de negar a vida terrena, fazendo dela um exílio, enfrentando-a somente de forma negativa, para fugir ao trabalho criativo que ela, com a sua experimentação, representa. Se a vida terrena existe, é porque tem os seus fins. É preciso evitar o excesso de quem a apresenta como fim em si mesma, usufruindo dela todo o prazer, com o argumento de que tudo acaba com a morte. Mas é preciso não cair também no excesso oposto, que apresenta a vida como a suportação de um mal, que é necessário sofrer para subir aos céus. Na Idade Média se pecou no segundo sentido. Hoje se peca pelo oposto. A Lei, no entanto, engloba tudo e funciona na Terra como no céu.

Então continua-se a trabalhar no mundo como quem é do mundo, mas com outro ânimo, com uma outra visão da vida e seus fins. Funciona-se aparentemente como os outros, mas evitando a fazer-se centro de tudo, mantendo-se, ao contrário, em posição subordinada à Lei e aos fins da vida. Faz-se isso não por princípios ideais ou morais, em que se pode crer, mas porque este é o caminho mais seguro, e portanto  é útil segui-lo, argumento que todos compreendem. A posição de quem está orientado é completamente diferente de quem está sem orientação. Sucede então que, se um indivíduo chega a defrontar-se com o insucesso, no plano material, ele não se sente atingido por isso, porque o que ora perde não é o fruto que queria conseguir. Tendo em mira outra realização, em outro plano, ele atinge o seu fim, mesmo que no mundo tenha falido. Isto lhe confere uma força e uma superioridade, que o outro tipo não possui. Quando se cumpriu fielmente o próprio dever diante de Deus  e se sente que Ele, no mais fundo de nossa consciência, o aprova, a finalidade maior já foi alcançada e o fruto melhor fica conosco. O que ficou perdido é o resultado do exterior, o transitório, destinado a passar e que mais cedo ou mais tarde fatalmente passará. A perda é, pois, leve e fácil de ser consolada, porque o ganho maior fica conosco, intacto e definitivo.

O fruto espiritual obtido com o trabalho realizado consiste em: 1º) ter sido feito honestamente e com convicção para um fim superior;  2o ) ser para o bem do próximo; 3o ) haver cumprido o dever, sem qualquer interesse ou recompensa material; 4o ) fazê-lo bem feito e com zelo; 5o ) ter aprendido, levando consigo, através de novas atitudes, o conhecimento adquirido. Tudo isso permanece como nosso patrimônio, constituído pelo mérito adquirido diante da justiça da Lei, valor que fica como propriedade, permanente, em benefício de quem o ganhou.

O fruto do trabalho consiste também nas boas qualidades assimiladas pela personalidade, que constituirão muito futuros instrumentos da sua potência. É assim que se constrói o homem superior dotado de inteligência, boa vontade,  honestidade, espiritualidade, altruísmo, senso de dever, capacidade construtiva etc. A aquisição de tais qualidades significa evolução para um plano mais alto, em que a vida é menos dura. O homem se torna mais livre, autônomo, senhor do seu destino, consciente dos seus movimento, dirigidos para o bem. Assim se alcança o maior resultado possível em uma vida: o de ter subido um degrau na escala da evolução. Trata-se indiscutivelmente de grandes vantagens. Mas para poder usufruir disso, é preciso ter  alcançado o grau de inteligência necessário para compreender a utilidade de adotar esta nova técnica de vida.

Os outros resultados terrenos não perdem o valor por isso, mas ficam subordinados àqueles outros, o que nos livra de toda a amargura e desilusão quando se revela a sua caducidade. Eles não são desprezados nem negligenciados. Mas esclarecidos os equívocos, eles não são supervalorizados, mas simplesmente colocados no seu justo lugar, reconhecendo e apreciando a sua função. Assim, cada tipo de atividade é introduzido, em todo o nível, na grande corrente de forças animadoras do organismo da vida e, segundo sua natureza e qualidades, dá os seus frutos na mesma proporção. Tudo isso sabe o homem que se põe diante de Deus e vive consciente diante da Lei.

 

Do ato de Deus na criação, o homem só poderia fazer para seu próprio entendimento um conceito dualista e separativista, sobre o qual se baseia a estrutura do AS, já que sobre ela o homem construiu a sua forma mental e o seu modo de conceber. Ele concebeu, à sua imagem e semelhança, um Deus que cria fora de si. Ora, enquanto o homem não pode criar senão tomando do exterior a substância e imprimindo-lhe uma forma, para Deus o ato de criar só pode consistir em dispor da própria substância de que é constituído, num estado diverso da criação humana. A criação que o homem faz é exterior, a de Deus é interior. Nos dois casos a posição do criador apresenta fundamental diferença. O homem é uma parte do todo, pode, portanto, tomar de fora o material para criar. Deus é o todo. Se houvesse alguma coisa fora Dele, não seria mais Deus. Assim, Ele não pode tomar coisa alguma fora de Si, mas apenas dentro de Si mesmo, da sua própria substância. Já o homem não podia sair dos esquemas que o seu mundo lhe oferecia e que constituem tudo o que pode conceber.

Deus está situado no S, o homem no AS. Isso modifica tudo, porque quem está no AS se encontra em posição invertida diante daquele que se encontra no S. O divisionismo dualista que existe no AS, não existe no S, que é regido pela unidade. No S não existe cisão entre criador e criatura, nem separação, nem oposição. O homem, seguindo sua própria natureza de tipo AS, concebe um Deus que cria fora de si mesmo o seu universo e depois se ausenta dele, destacando-se da Sua obra, isolando-se dela no próprio egocentrismo. Mas na realidade Deus criou segundo os princípios do S, quando o AS não existia. Segundo estes princípios Deus criou do único modo que Lhe era possível, isto é, criando dentro de si, um universo que, na sua substância, continuou sendo Deus no estado de S, representando-lhe a estrutura orgânica conseguida depois da criação. Este “dentro de si” significa o infinito que é o todo e não pode, portanto, ter limites ou alguma coisa fora ou além de si que se lhe possa acrescentar.

Podemos então compreender por que o homem foi levado à concepção de um Deus transcendente, antropomórfico, comumente personalizado, separado da criação que Ele dirige como um acessório, como emanação de Si mesmo. Em realidade, no S, ainda no estado espiritual antes da queda, Deus que é próprio universo, foi transformado, pela criação, de um todo homogêneo, num organismo de elementos que funcionam segundo o divino princípio de ordem, codificado numa Lei que lhe exprime o divino pensamento e vontade. E no mesmo AS, depois da separação do S, Deus ali permaneceu e constitui ainda a alma que o mantém em vida, sem o que, em vez de salvar-se com a evolução, o AS seria destinado a morrer. Eis então que Deus não está presente apenas no S, mas também em nosso universo ou AS, no qual ele se mantém plenamente ativo. Apesar da tentativa de inversão, mesmo aqui a Lei de Deus funciona plenamente.

Esta imanência não é concebível com a forma mental comum que, à própria imagem, pensa num Deus pessoal transcendente, que só dirige do alto, de fora, ausente do seu universo. Tal presença se faz viva e atual quando concebemos Deus como supremo pensamento formulado em uma Lei, que estabelece os fins e as trajetórias de desenvolvimento do transformismo de tudo o que existe. Esta Lei é um pensamento que está dentro de todos os fenômenos e dirige do íntimo o incessante movimento. Tal presença é, pois, atual, real, experimentalmente controlável, o que permite entrar em contato com Deus em forma positiva. Se não podemos conhecê-Lo diretamente na sua essência, podemos ao menos conhecê-Lo no seu pensamento e vontade expressos pela Lei.

Assim o AS, embora decaído e corrompido, fica como o S, criação de Deus, da qual Ele nunca se separou. O ser, por mais que esteja afundado no AS, e por isso em oposição a Deus, continua a ser substancialmente, como os elementos do S, uma criação de Deus. Por mais que estejam situados nos antípodas, a separação não conseguiu fazer de criador e criatura coisas diversas, tão mais verdadeiro quanto se sabe que se destinam a reencontrar-se e a reunir-se finalmente.

É verdade que o ser do AS, pela própria rebeldia, se acredita um anti-Deus, destacado Dele e capaz de construir em oposição a Deus um AS, regido por uma anti-Lei, tão poderosa quanto a Lei de Deus, a ponto de vencê-la e subjugá-la, substituindo-se a ela. Acontece, no entanto, que é a Lei de Deus que continua a comandar no AS, porque aquela tentativa de substituição é um ato absurdo e louco, que só pode realizar quem está de todo cego. É ato absurdo, porque o menos forte não pode dominar o mais forte; o que está invertido não pode valer mais do que o direito, colocado no seu devido lugar; um universo criado sobre o princípio da ordem e da unidade não pode acabar pulverizado pelo princípio do caos e do separativismo. É ato de loucura querer construir imitando, ao contrário, o trabalho do construtor. Disso nasceu o AS, com a pretensão de ser um outro S de outro tipo, ao passo que na verdade não é uma criação nova, mas uma repetição: é o mesmo princípio aplicado ao contrário, pura paródia do S. É como uma casa tendo o teto como base e as fundações no alto, isto é, uma subversão de todas as normas da lógica e do equilíbrio, o método com o qual se pretendeu construir.

Observamos então o que ocorre quando alguns princípios próprios do S  são aplicados segundo os critérios do AS. vejamos, por exemplo, o que se torna o princípio de ordem e hierarquia; ao invés de constituir uma força coesa e unificadora, transforma-se numa força que desagrega e separa. Ordem e hierarquia no S se apoiam na adesão espontânea, convicta, a fim de colaborar. No AS só podem ser fruto de imposição forçada contra rebeldes, para arrasar e tirar proveito. É que o princípio aplicado é o mesmo: apenas neste último aparece invertido, produzindo, portanto, resultados opostos. Os dependentes são escravos dele, o poder não serve para ajudá-los, mas para dominá-los e oprimi-los. Estes, por sua vez, são inimigos do chefe, ansiosos por rebelar-se e destrui-lo. No AS o poder se fundamenta na força; e no S, na justiça. Desse sistema implantado de forma invertida é que nascem as revoluções. É por isso que as construções humanas terminam por desabar, corroídas interiormente pela inversão de sua estrutura. Outro resultado não se poderia obter com elementos que não querem estar unidos, com iguais direitos e deveres, mas vivem tentando cada um subjugar o outro, arrogando-se todos os direitos e deixando os deveres para outros. Um organismo não se pode construir senão sobre a coesão, entre termos que se atraem, nunca sobre a guerra, entre termos que se repelem.

Como o conceito de ordem é no S completamente diferente do vigente no AS, o mesmo ocorre com o conceito de autoridade. No S, a autoridade responde a um princípio de harmonia, que une todos na mesma Lei de justiça e que ninguém pensa em violar, respeitando-se todos mutuamente. Quem comanda não o faz exclusivamente visando à vantagem própria, prevalecendo-se da condição de senhor, de forma caprichosa, sem outra lei que não seja a sua vontade. Quem comanda o faz para cumprir uma função de utilidade coletiva, e segundo  uma Lei a que anates de tudo obedece. No AS ocorre o contrário. A autoridade responde a um princípio de antagonismo que une a todos de forma invertida, isto é, repelindo-se, segundo a própria lei de luta. Cada um pensa em violar os direitos dos outros e não em cumprir os próprios deveres em relação a eles. Neste caso a autoridade significa cisão entre patrão e servo: o primeiro com todos os direitos, o segundo com todos os deveres. Nenhuma lei, só a vontade do patrão; nenhum direito, salvo o seu beneplácito. Os dependentes não tem direitos. São educados para a adulação, a mentira, o favoritismo, a corrupção, resultados de tal sistema.

Aplica-se assim a moral do AS, que não é a da justiça, mas a que inculca a obediência como virtude, ao passo que reconhece no comando um direito, privilégio do mais forte, que lhe pertence porque na Terra domina ainda a lei involuída do homem animal, a da luta para vencer a qualquer preço. Em tal sistema, diante de uma autoridade exercitada em forma de abuso, praticar o próprio abuso de desobediência, por lei de justiça, pode constituir um direito. Isso porque, num regime de egoísmo, somente armando-se com força que luta para corrigir a outra força oposta, se pode chegar a eliminar o abuso, e atingir o equilíbrio entre contrários, o respeito recíproco, a justiça.

No atual momento histórico, a humanidade vive ainda os princípios do AS, mas já entrevê os do S, e está tentando as primeiras aplicações dele. Assim se tenta fixar um novo tipo de autoridade, que corrija o antigo, substituindo o privilégio do mais forte, entendido como direito, por uma autoridade entendida como função social possuída em razão do interesse coletivo. A própria disciplina jurídica, armada de sanções que a autoridade estabeleceu a seu favor em detrimento dos seus dependentes, hoje busca transformar-se em uma função de justiça. Deve-se culpar o passado? Mas como, num regime de egoísmo, se podia impedir que surgisse um tal abuso de autoridade, se as massas, comodamente para quem comandava, praticavam a virtude da obediência que lhes foi sabiamente inculcada?

Correspondentemente, há dois tipos de liberdade, ou melhor um duplo modo de entendê-la. Há a liberdade do tipo S e a do tipo AS. No sistema ela é entendida em sentido orgânico de colaboração na ordem; no AS, em sentido de revolta individualista e imposição no caos. Geralmente invoca-se em nosso mundo a liberdade entendida como licença para violar a Lei, subverter a ordem, manifestando em baixo nível evolutivo, em que triunfa o AS. Esta é a liberdade em cujo nome, em geral, se fazem as revoluções, que por sua forma violenta pode tornar-se injustas, mesmo quando as causas são justas. Assim acontecem quando a autoridade que exaltam é exorbitante e sua ordem é injusta, de tipo AS camuflado em S. Se não houvesse um mal do qual é preciso libertar-se, sem exorbitância, mas com o método justo do Sistema, na evolução não haveria liberdade alguma a invocar.

Quem está situado no AS, entende por liberdade a de desobedecer, semeando a desordem e criando o caos, enquanto que no S só há liberdade de mover-se organicamente de acordo com todos os outros seres, como sucede com as células em nosso organismo. O S unifica e constrói; o AS separa e destrói. Assim, o AS é como uma enfermidade do S, enquanto o S é o médico que trata do AS. O AS é o fruto da descida involutiva, ao passo que o S é o ponto de chegada da subida evolutiva. O homem deve viver o contraste entre estes dois impulsos opostos, mas os trilhos do seu caminho são traçados pela Lei. O rebelde do AS gostaria de evadir-se dele mas como ele não aceita espontaneamente a ordem do S, fazem-no aceitar a prisão e o inferno, feitos para manter em seu lugar o seres do tipo AS. Então, à força de golpes, se percorre o caminho de retorno a Deus. Faça a criatura o que fizer, ela permanece ligada ao Criador, pelo fato de ser Sua filha, feita da sua mesma substância. Por mais que se afaste, essa criatura terá que acabar retornando a Deus, que a gerou.

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Depois destas elucidações, voltemos ao tema da criação. E para quem a entende no sentido humano, isto é, como criação exterior ao criador, é difícil admitir no S um ato criativo, porque a do S foi criação íntima de Deus, dentro de si mesmo. O homem pode destacar-se do produto do seu trabalho, porque opera sobre uma matéria que lhe é exterior. Deus não, porque opera sobre a sua própria substância. Então, a que nós, situados no AS, chamamos de criação, não passa de uma queda involutiva do S no AS, do espírito na matéria, que constitui a substância básica de nosso universo; dessa forma, se houve criação no ato constitutivo do S, esta não foi no sentido humano, mesmo que, para consegui-la imaginá-la, o homem a representa em tal sentido

Há outros esclarecimentos. Não é necessário o conceito de uma primeira criação, a do S, isto é, a passagem da divindade do seu estado homogêneo a um estado diferenciado. A divindade pode  ter existido sempre nesse seu estado orgânico, resultante da ordem de seus elementos componentes, isto é, no estado de S. Assim, não teria ocorrido uma criação do S, porque Deus teria sempre existido no estado de S, e, como tal, eterno e imutável. Desse modo a criação teria sido uma só, a constituída pela queda no AS, o que na realidade não seria uma criação, mas um desabamento de uma parte do S, uma descida involutiva, a ser reequilibrada com uma correspondente ascensão evolutiva, para retornar a Deus, no S. E o homem teria chamado criação a esta queda na matéria e, com a própria força mental, feita à semelhança do próprio modo de criar, teria atribuído essa criação a Deus, como o autor. A do universo físico (estrela, planetas, luz etc.) é de fato, o efeito de um processo involutivo ou queda do espírito na matéria, e a criação dos seres vivos não é senão o início de uma subida evolutiva. Eis que o conceito de criação, quando aplicado ao S, pode não ter razão de existir e, se aplicado ao AS, pode ter todo um outro significado.

Então o S representa o único modo de existir de Deus, um estado perfeito que não admite mudanças, transformações, portanto criações. Não há necessidade de imaginar em Deus o chamado fenômeno interior de auto-elaboração, quando Deus poderia sempre ter existido no seu estado orgânico perfeito. Daí poder-se concluir também que não houve nenhuma criação verdadeira. Esta idéia de criação seria então apenas uma imaginação do homem, uma construção do tipo mitológico para explicar a origem das coisas que via, origem devida ao fenômeno da queda. O homem tirou essa imaginação do único campo que lhe era acessível, o do seu concebível, estabelecido por sua experimentação no seu próprio ambiente, isto é, do seu modo de proceder na produção das coisas. Assim o homem pensou que o universo físico tivesse sido criado pelo mesmo processo que ele usava nas próprias construções. Então o homem caiu na mesma ilusão psicológica que o fazia acreditar na estabilidade de uma Terra parada noespaço e no movimento do sol em torno dela.

O que de Deus e do S fica conosco, em torno a nós, dentro de nós, funcionando sempre, portanto suscetível de observação e experimentação, é a Lei. Esta exprime, em forma tangível, a presença do S no AS, a imanência de Deus em nosso universo. A sua tarefa é de dirigir e solicitar o processo evolutivo, isto é, a retificação do AS no S, a correção do precedente processo involutivo, processo que representava a imersão do S em AS. assim a Lei representa a direção de nossa conduta no caminho da salvação, porque no seio do AS representa a posição direita do S. A Lei estabelece os trilhos sobre os quais a evolução avança: nesse processo consiste a redenção.

Cristo se referia à vontade do Pai, isto é, à Lei, à qual obedecia e à qual ensinou a obedecer, propondo-a como superior norma de viver, como emanação do S, que penetra no AS, para induzi-lo ao retorno ao S, através da obediência corretiva da revolta. A Lei é disciplina porque remete cada coisa no seu lugar, restabelecendo a ordem no caos, e exprime a vontade do Pai, que é vontade de cura e reconstrução. Essa Lei, no S, está em plena eficiência, em perfeito funcionamento. No AS ela é uma força que empurra para este estado e tenta, por todo o meio, reconduzir ao S o AS. Deus, S, vontade do Pai e Lei são a mesma coisa. No AS eles são o mesmo pensamento e força que se opõem a que o ser se perca e o empurram a fim de que se salve.

Esta série de conceitos aparece  no fim da Obra, depois de um maior amadurecimento. E se podem acrescentar como conclusão da teoria exposta no volume: O Sistema.  Agora o leitor pode ver como o nosso pensamento, através de aproximações sucessivas, avança na direção de uma verdade cada vez mais profunda. Ele pode assim acompanhar e controlar o próprio progresso dessa conquista, e ver como a realidade se revela cada vez mais distante das representações com que tentamos imaginá-la.

No entanto à medida que a mente humana amadurece por evolução, mais vasto se faz seu conhecimento. As revelações das religiões são visões da Lei, percebida pelos homens mais sensíveis e evoluídos, que, depois, as transmitem às massas ignorantes. Quanto melhor o homem perceber essas visões, mais terá progredido. Deus se torna sempre mais conhecível, quanto mais se desenvolvem os meios do conhecimento. Não se pode entender Deus completamente, mas a parte de seu pensamento que se relaciona conosco, porquanto nos faz funcionar a seu lado, é acessível à nossa compreensão. A ciência, estudando  as Leis dos fenômenos, vai, cada vez mais, investigando aquele pensamento, para vê-lo revelar. Assim, a ampliação do campo de nosso conhecimento de Deus e da sua Lei aumenta cada dia com a evolução, a ciência, o progresso, a civilização. O homem situado no AS é um anti-Lei, mas está destinado a reconquistar a sua perdida consciência da Lei. Quem percebe o pensamento dessa Lei, vê e sente Deus.

Nós também, nesta Obra, na sua segunda parte, quisemos penetrar na visão da Lei mais profundamente que na primeira.  Tentamos conceber Deus não só no seu aspecto místico, de amor, mas também no seu aspecto de pensamento e vontade, dirigidos no sentido de estabelecer a ordem e a disciplina. Trata-se de uma penetração mais profunda, reveladora de outros aspectos da Lei, mais positivos e complexos. Obtém-se uma aproximação maior de Deus, agora também pelas vias da razão, com uma compreensão  mais realista do que a atingível apenas pela nebulosas do sentimento. Assim, podemos dizer que, no fim da Obra, a visão está completa, porque considerada em seus dois aspectos fundamentais: o seu lado místico e o seu extremo oposto, objetivo e racional. De fato, aos movimento do coração, realizados com a correspondente forma mental a eles adaptados acrescentamos agora o controle positivo feito com um trabalho de reflexão, observando no seu conjunto o pensamento que a Lei exprime ao dirigir o funcionamento dos fenômenos de nosso mundo.

 

 

Tudo o que existe é um fenômeno em movimento, dirigido por uma Lei que, distinguindo-se em tantas modificações particulares orienta os movimentos de todos os fenômenos. Esta Lei constitui o código que regula o seu contínuo transformar-se. Pelo fato de representar uma inteligência e uma vontade de ação realizadora, podemos concebê-la como uma manifestação da personalidade de Deus transcendente que deste modo se manifesta imanente nas formas de nosso universo, cujo funcionamento depende daquela Lei que estabelece as normas, segundo as quais o processo do existir se deve desenvolver. Ela abarca também a conduta humana, através da qual fixa uma espécie de trilhos, ao longo dos quais deve atuar. Há, pois, inserido na vida, para além de todo separativismo religioso, um único regulamento de estrada, igual para todos, segundo o qual se deve desenvolver o tráfego, seguindo uma ordem pré-estabelecida. Assim é traçada a via a percorrer, a da evolução do AS para o S; como ocorre com as normas do trânsito, tudo é disciplinado a fim de que não haja desastres.

Enquadrado em tal rede de regulamentos, o ser permanece livre nos seus movimentos, gozando de plena autonomia e não como uma peça passiva na mecânica universal. Esse livre arbítrio faculta-lhe a possibilidade de erros violando a Lei. Como evitar que a liberdade transforme a ordem em caos? Este perigo é tanto mais grave não só pelo fato de a natureza rebelde do homem filha do AS, levá-lo a impor-se à Lei, como também pelo fato de que conhece pouco o regulamento da estrada, razão pela qual o transgride a cada passo. Podem-se imaginar as conseqüências de tais métodos, que acarretam movimentos desordenados em a um tráfego intenso. Isso está ocorrendo em nosso mundo.

Que se passa então? Temos choques, lutas, processos, danos a pagar e questões similares. Eis os efeitos da desordem. Pode-se violar a Lei, mas ninguém se pode furtar às conseqüências, proporcionais à violação. Tudo isso funciona como corretivo e tem a finalidade de reconduzir o violador às normas e aos limites do regulamento. O dano que ele sofre ensina-o a não mais transgredir a Lei. Esta, com as suas sanções impostas aos violadores é também mestre que ensina, porque age não apenas para manter a ordem entre os que obedecem, mas também para reconduzir à ordem os desobedientes. É assim que, às próprias custas, aprendem a conhecer a Lei, a saber usar a própria liberdade com conhecimento e responsabilidade. Depois, não ocorrendo novos danos, não há conseqüências a pagar. Tudo corre bem  quando o ser sabe mover-se disciplinadamente. É que na Lei, ao erro está automaticamente ligada a sua correção, e com isso a eliminação dos males a que cada erro conduz. Isso mostra a sabedoria de quem instituiu tal Lei, e prova-nos que a finalidade da dor, não é a vingança nem a punição, mas a de ensinar, para não repetir o erro e assim evitar o próprio dano a fim de seguir na direção do bem e da própria felicidade.

A Lei é como um trilho sobre o qual a vida caminha e que estabelece para cada movimento a estrada correta a seguir. Quando se sai dela ocorre um enguiço no funcionamento, percebido sob a forma de dor, a sensação que nos adverte da presença desse desajuste. Basta evitá-lo bem como se deve evitar o erro que o produz, para que se evite a dor. Constatamos este fato também em nosso organismo. Cada ser existe dentro de uma forma, como cada fenômeno é individuado por um dado tipo de transformismo. Esta forma ou tipo é o veículo por meio do qual o ser e o fenômeno desenvolvem a sua atividade. Esse veículo é um meio para alcançar esse fim, que representa um enquadramento obrigatório na ordem. Cada veículo é diferente, expressa um determinado modo de existir, correspondente a uma determinada ordem particular. Mas a Lei responsável pela ordem é igual para todos.

Esta ordem da Lei são os trilhos da existência. Esses trilhos permitem a oscilação, conseqüência da liberdade do ser, necessária também para seguir a escola da sua experimentação. Funcionam como se fossem trilhos elásticos para permitir os deslocamentos colaterais. Mas elasticidade não significa violabilidade da Lei, isto é, definitiva saída do reto caminho. significa ao contrário, maior impulso de atração de retorno para a justa posição desse caminho, quanto mais o ser dele se afaste. É assim que, quanto mais se erra, tanto mais se é corrigido e tanto mais se aprende a não errar, porque quanto maior o afastamento da Lei, mais se obrigado a voltar a ela e a ficar-lhe ligado. Assim, a ordem num certo sentido, é violável, mas tende automaticamente a reconstituir-se. A Lei é um fato verdadeiro, real, continuamente em funcionamento, sempre a caminho de realizações.

Podemos exprimir-nos também com uma imagem. O trabalho do homem que atravessa a vida pode ser comparado ao daquele que, entre duas paredes, ao longo de um corredor, aprendesse a andar de bicicleta. Não sabendo ainda equilibrar-se. No meio da estrada está assinalado o caminho correto a seguir, mas o ciclista inexperiente ora vai para um lado ora para outro. Assim ele vai bater de um lado, cai, se machuca, mas aprende a não jogar-se mais para aquele lado. Então fortalecido por essa experiência, evita repeti-la, mas se deixa ir para o lado oposto, de novo cai e se machuca, mais aprende a não jogar-se mais também para aquele lado. Batendo e tornando a bater, caindo e sofrendo, o ciclista com essa técnica educativa aprende a não chocar-se com as paredes laterais que fazem seu caminho e manter-se na justa via a seguir, assinalada no meio da estrada: o caminho da Lei.

Substancialmente, esta Lei representa a presença de Deus e, sem aparecer, deixa o ser enquadrado num sistema de forças, que, por ações e reações, o obrigam a transformar por si mesmo – queira ou não, tenha ou não consciência disso – o erro na sua correção, o mal em bem, a dor em felicidade. Esse processo de cura de todo o mal existente é a grande obra de Deus dirigida a reconduzir o ser do AS ao estado de S, e se desenvolve por concatenação  de momentos sucessivos, segundo a lei de causa e efeito, isto é, de golpes e contragolpes, uns como conseqüência dos outros. Nessa concatenação, a correção do erro não é instantânea, mas uma vez semeado o mal, inicia-se o ciclo que o leva a produzir seus tristes frutos. Inicia-se a trajetória do seu desenvolvimento, que pela velocidade adquirida, resiste e não se apaga até que não tenha sido exaurida nos seus efeitos corrigida por um impulso contrário. É assim que a humanidade arrasta, por milênios, os seus pecados, antes de conseguir digeri-los e livrar-se deles. Muitas vezes é necessário um tempo longuíssimo antes de poder neutralizar os erros cometidos contra a Lei, e pode-se imaginar a natureza desses erros cometidos por um ser situado nos antípodas dela, isto é, no AS.

Para explicar melhor, tentemos concretizar, focalizando o problema de um caso particular, a título de exemplo. O eterno antagonismo entre ricos e pobres deriva do fato de que a coexistência foi assentada desde o princípio, em posição invertida (AS). o pecado de origem deveu-se ao fato de que a convivência não se baseou na recíproca compreensão e acordo, mas no egoísmo e, portanto, na luta e no atrito. Assim, ricos e pobres, em lugar de se ajudarem e se entenderem, buscaram organizar-se em dois grupos, um contra o outro. Porque assim se dividiram, foram lançados em caminhos opostos, iniciaram duas trajetórias divergentes, tendendo a resolver-se não através da colaboração, já que com o triunfo de uma só se conseguia com o arrasamento de outra. Aplicando ambos o mesmo princípio do “Tudo para si” o rico procurou subjugar o pobre, e o pobre, sempre que lhe foi possível, vingou-se do rico.

Os dois têm as suas culpas e, se se quiser ser imparcial, é necessário reconhecê-la em ambas as partes. Suas trajetórias já foram lançadas nessa direção. Em lugar de tentar remediar o mal, os ricos, detentores do poder e da cultura, tinham o dever de assumir a iniciativa de corrigi-lo. Entretanto o rico buscou escondê-lo, a fim de que não fosse percebido e pudesse impunemente, continuar a gozar as vantagens de sua riqueza. Para estar de acordo com o Evangelho e salvar a alma, o rico inventou o sistema da esmola, que deixa o pobre tal qual é, à mercê da beneficência do rico, sem uma educação para trabalhar e produzir, mantendo-o como seu servo, sem direitos nem independência. O sistema de caridade e beneficência paternalística de fato é muito conveniente para o rico, porque enquanto implica na superioridade e magnanimidade de quem é generoso, satisfaz o seu orgulho, sem impor-lhe qualquer laço, porque o deixa livre para distribuir benefícios segundo seu capricho. Entretanto, aquele que recebe, fica sendo devedor e obrigado a gratidão. Com esse estratagema foi encontrada a forma de escapar, salvando-se as aparências, dos próprios deveres, parecendo justos sem fazer sacrifícios. Por sua vez, o pobre tem respondido curvando-se moralmente, com a inércia de quem se habituou a mendigar, com a multiplicação demográfica levando ao assalto, por força de brutal massa de carne. Agora, porém cada um dos dois grupos já se lançou ao longo de sua trajetória.

Para deter-se e mudar de itinerário seria preciso anular toda a velocidade, fazer marcha à ré e iniciar uma outra trajetória. Seria necessário destruir as antigas posições, efeitos das causas já assentadas, e semear novas causas diferentes. Quando se cometeu um erro e se insistiu nele, as conseqüências não se desfazem facilmente, porque já se formou a relação causa-efeito, que, como uma cadeia em que cada anel se liga ao outro, vai sempre gerando novos anéis. É preciso desfazer o emaranhado, neutralizar o impulso, reabsorvendo todo o mal feito e substituindo-o com criações de tipo contrário. A experimentação mal dirigida foi assimilada pelo inconsciente, fixando na personalidade qualidades maléficas. Por isso se vê quanto em tais casos é longo e cansativo o caminho da recuperação. O desenvolvimento da evolução é um gigantesco trabalho de reconstrução, devido ao maior erro do passado, o da revolta, que originou a queda no AS.

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É fundamental o conhecimento desta Lei, que é o próprio Deus, e que preside o desenvolvimento de nossa vida. Segui-la representa a nossa salvação. Violá-la é a nossa perdição. Ela é o código do funcionamento orgânico do universo, disciplinadora da matéria ao espírito. Como todo transformismo fenomênico que constitui a evolução, define o caminho de retorno que vai do AS ao S. a Lei não é coercitiva. Mas respeitando, embora, a liberdade do ser, ela o persegue, expulsando-o, através da dor, do AS e atraindo-o, através da alegria, para o S. age, pois, indiretamente. A evolução não é uma realização ociosa, mas uma vontade obstinada, uma tendência constante a realizar-se. Se a liberdade do ser lhe opõe obstáculos, ela espera, circunscrevendo-os, contorna-os para superá-los. Se é paciente e elástica, nem por isso é menos decidida no seu impulso para o alto. Conhecemos tão pouco esta Lei que não a levamos em consideração. E não obstante, ela funciona a cada instante, sem jamais parar, sempre presente à nossa volta, dentro de nós, para todos. Respiramo-la, devemos vivê-la, porque essa é a nossa vida, dela somos feitos, ela é Deus. Funciona em todo lugar, até nas mais longínquas galáxias, do cosmo ao átomo, da matéria ao espírito, em todas as dimensões do ser, mesmo nas profundezas do inferno, no AS como no S, sempre ativa, lógica, boa, justa, para tudo sarar e reconduzir do caos à ordem, do mal ao bem, da dor à alegria, do ódio ao amor.

A Lei funciona em todas as possíveis posições do ser, em alturas ou níveis de evolução que vão do AS ao S. Mas ela é diversa em cada ponto, embora permanecendo sem contradição, sempre verdadeira e sempre a mesma para todos. Permanece justa quando funciona no nível animal, tanto quanto no nível angélico, sempre em proporção à natureza do indivíduo, à sua sensibilidade, compreensão , necessidade evolutiva, a tudo isso adaptando-se para atingir seus fins. São as qualidades do ser que estabelecem a forma em que a Lei se manifesta. Esta sabe responder a todas as chamadas com a mesma linguagem; sabe tomar todas as posições segundo a situação do ser dentro dela. Vemos, dessa forma, permanecer a mesma, igual para todos, funcionar diversamente para o justo e o injusto, o evoluído e o involuído, o santo e o delinqüente, o anjo e a besta. Quem inicia os movimentos é o ser, usando a sua liberdade. A Lei simplesmente responde, como se continuasse o mesmo movimento, mas assumindo-lhe a direção que se transfere então para  suas mãos. Assim ele passa da sua livre fase de causa à fase determinística do efeito. Ocorre que a Lei se comporta diante do indivíduo segundo a sua natureza e posição evolutiva. É ele quem, com o seu tipo de ação, aciona o julgamento da Lei, provocando uma correspondente reação. E a Lei, que as contém todas, devolve ao ser a reação correspondente à ação que a provocou.

Esta Lei representa o S, que a revolta não pôde destruir, é a presença de Deus no AS. Mas já vimos que o instinto do homem (AS) é o do rebelde que o leva a tentar enganar a Lei, para tomar o seu lugar (S). Então esta lhe paga com a mesma moeda, isto é, fazendo retornar sobre ela a mesma fraude com tentou violá-la. Mas a Lei não frauda ninguém. Ela apenas restitui o que recebeu, razão pela qual o que lhe foi lançado é repelido e devolvido ao emissor. Eis porque a vida é cheia de enganos e ilusões. É o homem que as fabrica e não a Lei. Conforme o que se semeia, que mais se pode colher? Quando não pode valer da astúcia, o homem tenta fugir da Lei pela inércia. Ele é levado a estabilizar, de forma hereditária, as suas posições de vantagem, transformando-as em instituições protegidas pelas leis. Mas nem esta escapatória serve. A Lei deseja a evolução, retirando os preguiçosos da sua inércia, provocando o movimento, desencadeando o assalto de quem está faminto contra as posições conquistadas, como ocorre nas revoluções. Quando a vida é carregada de excessivas superestruturas contra a Lei, esta explode e as destrói. Quando o ciclo de uma instituição, ou religião, ou civilização é exaurido, a Lei o faz cair e inicia um outro, a fim de que aquele cumpra a sua função

A fraude, como é justos, trai quem a usa; a inércia, por sua vez, não é admissível por  eximir-se do risco de quem deve mover-se; todavia o homem, embora tendo de movimentar-se, é livre para fazê-lo como quiser. Ignorante, porém perante da Lei, comete contínuos erros, contraindo assim, dívidas, que depois tem de pagar. Desta conjuntura, segue-se, que o homem, estando enquadrado na Lei, embora livre e ignorante, deve ao menos segui-la e aprender a conhecê-la, se quiser evitar todas as dores provocadas com os seus erros. O fato de que cada erro se paga, obriga-o a desenvolver a inteligência até chegar a compreensão  da Lei. É exatamente o que hoje está fazendo a mente humana com as descobertas científicas, com a conquista da ordem moral e social, com o progresso da civilização em todos os campos. Cada conquista significa uma diminuição de erros e, pois, de dores. Assim se sai do AS para o S e a compreensão  da Lei se resolve na compreensão  de Deus.

Todo o universo avança fatalmente para Ele. Poder-se-á negar o Deus antropomórfico das religiões, mas não pode negar a evidente presença de um Deus como aqui O concebemos. Como fugir-Lhe? Caso se tente enganá-Lo, engana-se a si mesmo; se se resiste inerte a sua atração, essa nos obriga a avançar; se não O conhecemos, temos de pagar com a nossa dor os erros de nossa ignorância. Tudo o que existe está compreendido na ordem da Lei. Ela dirige todos os movimentos, dos astros e planetas aos elementos do átomo, dirige o desenvolvimento da vida e dos destinos, canalizando cada fenômeno para uma inconfundível linha de desenvolvimento, que o individualiza diante de todos os outros Os fenômenos são infinitos e as respectivas linhas de desenvolvimento são enquadradas nas dimensões de espaço e tempo, ao longo de uma ilimitada concatenação de causas e efeitos. Dentro da grande Lei, cada fenômeno obedece a uma lei particular que lhe define a trajetória, estabelece os limites e disciplina os movimentos. O desenvolver-se de todas essas trajetórias segue uma ordem suprema, que permanece inabalável mesmo diante dos núcleos de desordem que aquela ordem circunscreve, isola e corrige. Cada uma dessas trajetórias se enreda com as outras sem perder-se, repercute e ecoa, sem no entanto, confundir-se com elas. Tudo é livre, mas guiado; autônomo, mas interdependente; individualizado e definido por si mesmo, mas colocado no seu lugar, na devida posição dentro da ordem universal e em função dela.

A Lei está em tudo o que existe, como princípio que anima as formas por meio das quais ele se torna manifesto. Este princípio é a sua vida, porque estabelece o nascimento, o desenvolvimento, o fim daquelas formas, para depois reproduzi-las e cumprir o ciclo de tipo estabelecido para cada uma delas, seguindo um determinado ritmo de desenvolvimento no tempo. A Lei não é um código morto escrito, mas uma corrente viva e pensante, sempre em ação, funcionado no íntimo de tudo o que existe no incessante processo do seu desenvolvimento. Tudo isso, se se expande em uma infinita multiplicação de ramos particulares, deriva, no entanto, do tronco de um conceito único extremamente complexo e regido por um princípio simples de base. Pode-se assim subir da periferia ao centro, onde, além do imensamente múltiplo, se encontra o uno que o rege. A maravilha não está, porém, só em encontrar a simplicidade no fundo da complexidade, mas sim no fato de que a multiplicidade constitui um grande organismo, que a mente de Deus pensou e assim criou o que agora move, constituindo-se no espírito animador e no impulso salvador que alimenta e reconstrói em cada instante da vida. Essa mente tudo sabe, em tudo tem a capacidade e o poder de atuar e trabalhar continuamente, em sentido construtivo. Este é o Deus que a ciência não poderá deixar de descobrir com as suas pesquisas, o conceito que Dele uma humanidade mais iluminada haverá de ter.

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O mundo está mergulhado na ilusão, longe da compreensão  da realidade, embora até isso se explique e se justifique. O problema da dor é problema de ignorância da Lei porque é esta ignorância que leva ao erro e este à dor. No S conhece a Lei, portanto, não comete erros, não existe, pois, a dor. Com a revolta e a queda, o ser perdeu o conhecimento, desse modo se autopuniu, porque se tornou cego, e sem a visão para orientar-se, vai sempre chocando-se com a Lei, determinando assim as contínuas reações e contínuas dores. O jogo é simples e evidente, mas os seres com os olhos vedados não o percebem. Disso surge a necessidade de trabalhosamente reconquistar o conhecimento com a evolução. Através de uma longa experimentação, que diante da vida se poderia comparar ao método primitivo do tato, de que se valem os cegos para chegar a conhecer o mundo. É triste, mas para os cegos não há outro método. De resto, o ser se colocou por seu livre arbítrio em tais condições, e se quis cair com a involução, é justo, portanto, que lhe caiba agora a obra de reconstrução com a evolução. Ele não compreendera que revoltar-se contra Deus não era aumento de vida, mas suicídio, erro que continua a repetir a cada passo. É loucura buscar a vida que está em Deus, na morte, como faz aquele que de Deus se afasta, opondo-se à Lei, em lugar de unir-se a ela. Ninguém pode deslocar estes princípios fundamentais da existência.

Com a queda o conhecimento se afundou no inconsciente em que ficou latente e de que é desenterrado através da experimentação da vida feita de erros e dores. No inconsciente vão-se armazenando as novas experiências, assimiladas à personalidade sob a forma de novas qualidades adquiridas, que assim a enriquecem e desenvolvem. A zona do consciente é a do trabalho que leva à novas aquisições. Quando o ser começa a funcionar no superconsciente, então ele está superando o método cognitivo do tato e então de novo florescendo nele as perdidas funções da vista, que é outro tipo de instrumento para o conhecimento.

Dessa forma o conhecimento, soterrado no inconsciente, se faz através de três fases de progressiva conquista do conhecimento e consciência; 1º) o subconsciente que representa a parte mais baixa do consciente, onde estão armazenadas as experiências já vividas, embora do tipo animal; 2º) o consciente, que representa a parte ativa de experimentação e aquisição de novas qualidades mais evoluídas de tipo humano, a nível de vida atual; 3º) o superconsciente projetado para atividades futuras e dirigido a realizações hoje imaginadas sob a forma de ideais. Todos os seres, porém, no degrau evolutivo que atingiram, estão empenhados, de acordo com o nível e grau de desenvolvimento, nessas reconstruções de consciência. Cada forma de existir representa um determinado plano de evolução conseguida, isto é, um dado grau de reconstrução realizada, do reino mineral ao vegetal, ao animal, ao humano e ao super-humano. Cada vida se eleva no substrato das suas experiências passadas vividas nos planos mais baixos; tem dela, no íntimo, o fruto que constitui a sua sabedoria, isto é, a sua emersão do inconsciente e conquista da consciência na subida do AS para o S. É por estas razões que o homem guarda consigo a sabedoria da vida mineral, vegetal, animal, através das quais se reconstruiu até à sua atual fase humana; e agora, percorrendo-a, prepara-se para a super-humana que entrevê na luz do ideal longínquo.

Estas observações nos permite melhor compreender o fenômeno da evolução que deverá ser completamente percorrido em toda a sua extensão, em todos os seus particulares, a fim de que a reconstrução seja completa em cada ponto. Tijolo por tijolo devemos construir a casa derrubada. A montanha do Sistema, dos lugares mais baixos do AS, é toda escalada com as nossas pernas e a nossa fadiga. Daí se concluem que são improdutivas as atitude ascéticas, tentativas de encurtar as distâncias, assaltos contra a própria natureza inferior a fim de queimar etapas. O ascetismo só é válido quando se trata da última etapa de uma longa maturação interior, quando não mais se admitem formas improvisadas. É preciso fazer todo o caminho. não é possível atingir subitamente a zona do ideal sem ter antes vivido as experiências terrestres necessárias à maturidade. Se a vida é um escola, porque nela, naturalmente, nos exercitamos. É preciso compreender que não se pode chegar ao espírito simplesmente jogando fora a matéria, como se tratasse apenas de uma superestrutura postiça. Mas desta matéria somos feitos em grande parte, ela ainda está na base de nossa natureza, ela é o ponto de que partimos no caminho do retorno, e é ainda o centro de atração de nossa vida. É  ingenuidade pensar que nos podemos livrar facilmente dela. Tomamos então uma atitude de antagonismo em relação a ela e no santo zelo de ascender, nós a agredimos como a um inimigo. Mas, se somos feitos de matéria, matando-a, matamo-nos a nós mesmos. É assim que um arremesso para a santidade pode assemelhar-se a uma tentativa de suicídio.

Não podemos matar a matéria que está em nós sem ir contra a vida, o que significa ir contra a Lei de Deus. Tal matéria não morre, deve ser transformada. O trabalho da evolução consiste exatamente nesta transformação. Tarefa dura, lenta, imensa. O trabalho do ser é o de reconduzir ao estado de S, todo AS pelo qual ele mesmo optou. Em outras palavras, seu trabalho será espiritualizar o universo decaído, reconduzindo-o ao estado original. Se esta é a tarefa do ser, se esta também é a estrada que a Lei traçou para a evolução, tentar evadir-se dela é o mesmo que traí-la. E no entanto este é um erro no qual o ser – que se tornou ignorante por causa da queda – tende a cair com freqüência, devendo sofrer, portanto, as conseqüências de cada um de seus erros.

Na ascensão evolutiva, a Lei não admite fugas fáceis do cumprimento do dever que nos compete. A estrada está toda traçada passo por passo, o progresso é um fenômeno vasto e complexo e não pode ser feito de forma unilateral. Contribuem para ele todas as várias espécies de atividade humana, são todas interdependentes sem que nenhuma possa se isolar da outra. O progresso espiritual está ligado ao intelectual, econômico, científico, técnico, político etc. Cada passo adiante em qualquer ramo leva sempre ao S. é preciso compreender que o S não é uma espiritual abstração paradisíaca, mas um perfeito estado orgânico a que deve chegar por evolução o nosso universo; é seu estado de consciência unitária, de conhecimento e consciência, de recíproca compreensão  e colaboração entre os seus elementos, de ordem e harmonia, de que ainda estamos imensamente longe. Com esta finalidade é preciso trabalhar firme; todas as experiências terrestres são necessárias e as místicas fugas, salvo condições especiais do ser, são contraproducentes.

Certos tipos de santidade do passado se justificam como reação a excessos bestiais evolutivos, tais como matar, roubar, farrear, tão comum àquela época. Mas num mundo onde se tende sempre mais a eliminar tais excessos, por exemplo, no mundo moderno feito de uma economia disciplinada de trabalho e consumo, a pobreza de S. Francisco não tem mais sentido e não é mais virtude. A tendência para baixo hoje continua, mas de outras formas. Essa tendência se explica com o fato de que a evolução é uma cansativa subida do AS, ao S, e subir é difícil; mas, enquanto a descida é fácil, demorar-se no passado é repouso. De fato aqueles que invocam a liberdade, a entendem como liberdade de fazer o mal, dando razão à sua baixa natureza, não à liberdade de fazer o bem; entendem a liberdade no aspecto de gozá-la animalescamente, não no de subir espiritualmente.

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Com a queda, a existência se fragmentou num dualismo: a) conhecimento, que significa ordem segundo a Lei e alegria no S; b) ignorância, que significa desordem anti-Lei e dor no AS. assim, surgiu o método dualístico de cisão conhecido no S, isto é, da ação do ser contra a Lei e das opostas reações dela, o método dos contragolpes corretivos do erro através da dor. A Lei só pode atuar com o sistema da compensação entre contrários. Assim a sua justiça se compensa com a reação contra a injustiça. Explicando melhor, quem rouba à Lei se endivida primeiro, e depois paga, obrigatoriamente, de acordo com a sua justiça. É um sistema de luta, revoltado contra si mesmo, negativo, danificador, absurdo, capaz de produzir somente fadiga e dor. É um sistema invertido, em que foi fragmentada a unidade original, sistema, evidentemente, derrocado da sua primeira posição, e que com a sua forma revela derivar-se de uma inversão que lançou o ser em direção autodestrutiva.

De tal inversão, é conseqüência o nosso universo, obrigado por isso a percorrer, com a evolução, o caminho do endireitamento. É assim que o caminho certo só se pode achar, corrigindo o caminho errado; a verdade corrigindo o erro; a justiça corrigindo a injustiça; o bem eliminando o mal. Ora, no AS é abundante o material negativo a purificar, do qual devemos livra-nos, utilizando o máximo possível a disciplina da Lei, embora seja do caos da anti-Lei que evoluiremos para a ordem. Assim caminhamos todos marcados por uma imensa fadiga, conseqüência do mal que fizemos e pelo qual devemos pagar, tendo sempre que refazer tudo desde o começo, avançando penosamente sob as chicotadas da Lei; por força da rebeldia contra o método que ao abuso responde a privação; à culpa, a punição. Jamais o equilíbrio da justa medida. Sempre rechaçados pela disciplina a reações dentro dos limites da Lei, todos livres e, no entanto, autopunindo-se com o inferno por nós mesmo procurado, tão sábio é o mecanismo dessa Lei. Quando numa vida se usou como fórmula da justiça a do “Tudo para mim e nada para os outros”, é lógico e fatal que depois numa outra vida se imponha como fórmula da justiça o “Tudo para os outros e nada para mim”. Assim, o peso é exato como deve ser na balança da Lei.

Com a evolução, o ser se afasta dos métodos do AS e vai assimilando os do S. assim, gradativamente, se vai apagando o estilo do contragolpe, isto é, dos opostos em luta, pois, com a evolução, o ser se afasta do AS, o qual vai perdendo a força porque a evolução o mata. A tendência dela é eliminar tal contraste, reconduzindo o ser da cisão à unidade. Então, as violações e as correções se tornam sempre menos grave, quanto mais o ser se disciplina e, reentrando na ordem, se aproxima do S. Quanto mais o homem se civiliza, menos ferozes são os delitos e as punições, reciprocamente influenciando-se, condicionando-se e ajustando as proporções, de modo que a suavização de um lado permite que possa ocorrer outro tanto do outro lado. E assim se caminha para formas de vida melhores. O mesmo ocorre também com as religiões, que, com o civilizar-se, se preocupam mais com o desenvolvimento espiritual, isto é, com o lado positivo ou S, do que com o sufocamento da parte material do ser através de duras penitencias, isto é, com o lado negativo ou AS.

Desse modo tudo se desloca, reentrando na ordem do S; os cegos chegam a ver a Lei; concebe-se então a vida de outro modo, mudam-se seus pontos de referência e finalidade, tudo vai girar em torno de outro centro. Os elementos de todo o processo, cuja existência é positivamente controlável em nosso mundo, são: Lei, ignorância, erro, dor, sabedoria. O homem não pode sair dessa estrada. Quanto maior a ignorância, maiores o erro e a dor, que aumentarão à proporção que o ser estiver mergulhado no AS. mas também sabemos que: quanto menor é a ignorância, menores serão o erro e a dor, que diminuirão a proporção que o ser tiver ascendido ao S. Uma vez atingido o S desaparecem a ignorância, o erro e a dor. O produto da evolução é a sabedoria, último termo do processo, que atingido, desaparecem os outros.

Podemos assim compreender que a grande função da evolução é a de curar e salvar, livrando o ser do mal e da dor e reconduzindo-o ao S. É uma evolução biológica e mental, e não uma opinião, filosófica ou fé, mas um fato positivo universal, próprio da existência, independente das cisões raciais e religiosas. A evolução se incumbirá de desenvolver a mente humana até conduzi-la a compreensão  da Lei, isto é, de um Deus que é pensamento, em toda a parte e sempre presente, diretor de todo o funcionamento orgânico de nosso universo, em todos os níveis, da matéria ao espírito. Esta será a grande religião do futuro, muito diferente da mitologia, produto do inconsciente e da fé infantil, incapaz de compreender, mas há de ser fato positivo confirmado pela realidade de fenômenos e compreendido por uma mente adulta. Esta realidade dos fenômenos já existe, enquanto funciona, dirigida pela Lei. O que falta é a mente com que o homem possa vê-la, porque até o momento em que ele não a vir, perder-se-á, em inúteis fantasias. Mas cabe ao trabalho da evolução desenvolver aquela mente e está escrito naquela mesma Lei que, fatalmente, o homem tem de atingir a maturidade. E, quando tiver compreendido como estão verdadeiramente as coisas, não cometerá tantos erros e não pagará com tantas dores. Ver-se-á então como é importante compreender e seguir a função salvadora da evolução.

Encontramo-nos às portas de uma nova e maior civilização, diante da qual hoje somos subdesenvolvidos. A evolução está amadurecendo a mente humana para reconduzi-la a compreender. Isto possibilitará a realização de vidas sempre menos ferozes e mais elevadas. O homem aprenderá a conhecer a ordem universal e mover-se nela com disciplina sem transformá-la, com sua louca conduta, num inferno. Existimos dentro de um grande organismo. É preciso aprender a conhecer-lhe a estrutura e o funcionamento, e também a mover-nos com destreza e sabedoria dentro dele. Hoje o homem tende a violar aquela ordem. Ora, quando qualquer elemento sai do lugar, a vida grita ofendida e naquele ponto dói, porque essa desordem é um atentado contra ela. Aquela dor é uma campainha de alarme que adverte quanto ao erro e tende a fazê-lo cessar, obrigando-o a reentrar na ordem, porque, até que isso ocorra, o alarme continua. Trata-se de um previdente, automático, salutar meio de defesa e salvação. A sabedoria da Lei deu à vida os meios para proteger-se à sua conservação e desenvolvimento. Então, tendo lugar o erro, o violador é obrigado, para afastar a dor, separar as suas custas o mal feito, e isso não se pode eliminar senão reabsorvendo-o com o esforço de uma severa disciplina. que corrija abuso. Essa é a dura, mas salvadora, escola da vida.

A grande descoberta da humanidade futura consistirá no fato de dar-lhe conta da presença dessa lei e em conseguir ver-lhe o funcionamento em cada detalhe, desde os grandes fenômenos cósmicos aos pequenos fatos de nossa vida cotidiana. Será então superada a fase de inconsciência em que atualmente vivemos, ignorantes das conseqüências de nossa conduta, guiados por uma moral, produto dos instintos e não do conhecimento. Poder-se-á então prever o resultado de cada ato nosso, e, guiando-nos com inteligência, evitar tantos desgostos. Poder-se-á então calcular a trajetória de cada destino e, examinando as forças que estão em funcionamento, conhecer a natureza e o desenvolvimento do destino de cada um. Conseguir-se-á assim descobrir onde e em que forma se realiza infalivelmente a justiça de Deus. É absurdo pensar se possa deter o desenvolvimento daquela trajetória em curso com a morte, como imaginam os ateus, ou os crentes que pensam que o fim da vida desemboca numa eterna imobilidade de inferno ou paraíso. A trajetória do destino deve continuar a desenvolver-se, completando a fase das causas na fase das suas conseqüências. Isso deve, pois, ocorrer em ambientes pelo menos semelhantes aos atuais, e com efeitos do mesmo tipo das causas postas em movimento na Terra, porque é óbvio que deve haver uma correspondência entre as conseqüências e os fatos que a provocaram, já que ela representam sua continuação. Tudo isso dar-se-á por lentas transformações até chegar ao S.

Se o homem compreendesse tudo e pusesse esse conhecimento em ação, sua vida seria outra coisa. Mas ele tem nas costas todo o seu passado bem diverso, com o qual se formou a sua forma mental, a que hoje possui e o guia. Nem ele tem outra, nem conhece verdadeiramente a sua, à qual está ligado. Conduz-se, pois, no modo errado que dela deriva, e o leva aos desastres que vemos. Mesmo aqui a justiça funciona, porque seria injusto que o homem pudesse redimir-se somente ouvindo um belo ensinamento que outros gratuitamente lhe oferecem. A justiça, no entanto, quer que tudo seja conquistado e merecido. Só o ensinamento não serve, como de fato ocorre. A lição não se dá com palavras, mas com a dor que atinge cada um, individualmente, em proporção ao erro cometido e adaptado ao caso particular, dor imposta sem possibilidade de fuga, em forma de lição obrigatória, à qual não se pode ser surdo, porque todos a entendem. Somente assim se pode realizar, plenamente a justiça da Lei.

É claro que o instinto do homem seria o de fugir-lhe, mas, automaticamente, é entretecido de modo a tornar isso impossível. Porque a Lei está dentro das coisas, é, portanto, intocável pelo homem que age no seu exterior, ignorante de sua essência. A real direção da sua vida não é confiada ao homem. Se lhe fosse confiada, seria um verdadeiro desastre, a história se desenvolveria ao acaso, ao passo que, contrariamente, vemos como é orientada para as suas metas, sabendo seguir o caminho necessário para atingi-las. Assim as forças da vida são movidas pela única e verdadeira inteligência que existe no universo, a da Lei de Deus. Mas quando a mente humana estiver amadurecida e capaz, então poderá assumir aquela direção, por ter compreendido a Lei e aprendido a saber mover-se de acordo com ela, segundo a sua ordem, colaborando com o que chamamos a vontade de Deus.

 

Foi-me feita uma inteligente objeção. Em vários pontos da Obra tem-se afirmado que a queda do S no AS, isto é, a involução, leva a uma perda de consciência no estado da matéria, que representa a tumba do espírito. Destacou-se também o fato de que, quanto mais alta a posição do ser maior a sua potência, tanto mais profundamente ele fica sepultado na matéria, e, tanto mais denso o invólucro em que fica aprisionado.

Dessas afirmações se pode deduzir que Satã deva ser o espírito reduzido ao máximo de inconsciência e de inércia. Ora, o que se constata é que Satã, entendido como personificação das forças do mal, em vez de permanecer projetado na matéria no ponto extremo da involução, não é nada inconsciente ou inerte. Ao contrário, ele dá prova de muita vitalidade, de um poderoso dinamismo, de uma astúcia incomum, a ponto de desafiar Deus. Como resolver essa contradição? Voltamos aqui a este argumento justamente para melhor explicar, a fim de que tudo fique claro.

O princípio geral de que a queda no AS, isto é, a involução, leva a uma perda de consciência na matéria. Isto é o esquema geral do fenômeno na sua primeira parte, a involutiva, necessária premissa à segunda parte, a evolutiva, que é a que ora constatamos em nosso universo atual. Mas, quando se desenvolve uma teoria, é necessário ater-se às sua linhas gerais, sem divagar em detalhes e exceções que obstam à clareza e à unidade de exposição. Só num segundo momento se pode fazer esta outra parte do tratado, entrando nas particularidades e assim podendo dar um conceito mais exato do fenômeno.

Trata-se, em verdade, de um caso particular. Devemos pensar que a queda da grande massa se tenha já realizado, porque vemos o nosso universo em fase evolutiva, ao menos até onde podemos conhecer. Na verdade, as qualidades do ser em evolução são limitadas, mas em via de retificação do tipo AS para o tipo S. no caso particular que ora examinamos, temos qualidades de potência e inteligência de tipo S, mas na direção invertida para o AS. Deve-se tratar então, não de emersões evolutivas vindas de baixo, mas de resíduos que no processo involutivo subsistem, porque ainda não foram precipitados na sua fase mais profunda. Estes seriam constituídos pelos elementos que, por serem mais potentes, sendo mais alto seu ponto de partida, têm melhor podido resistir à ação  destruidora da queda, mas continuam impulsionados para baixo, ocupados com a construção do AS, e empenhados em arrastar todos para ele. Neste caso particular, aquilo que chamamos inteligência do diabo, típica por suas características, seria um resíduo daquela inteligência de origem, não destruída ainda, mas empenhada na descida e em via de destruição. Quando encontramos a inteligência unida ao mal, isto é, em posição invertida do AS, devemos admitir que estamos no caminho da descida. A presença da inteligência e sua potência nos mostram que o ponto de partida é o S. O seu emborcamento no mal comprova-nos que a direção é o AS. Assim se explica o poder do mal e a sua inteligência, fato cuja presença é inegável.

O ponto central da contradição está aqui: a involução leva à inconsciência, entretanto o mal que nesse caso a exprime e dá prova de muita inteligência. Ora, perguntamo-nos: é inteligência a que encontramos no mal? Seu modo de agir é o de um ser consciente ou de um inconsciente?

Neste caso, temos duas qualidades opostas que não podem estar juntas: a inteligência é qualidade do S e o mal qualidade do AS. aqui, entendemos por inteligência a verdadeira, sã, honesta, altruísta, construtiva, que é do S. A inteligência positiva, a do bem, não deve ser confundida com a negativa, do mal enferma, desonesta, egoísta, destrutiva, a da revolta. A do diabo é uma inteligência deste segundo tipo, isto é, invertida, revirada, perigosa não só para os outros, mas também para quem a usa, porque, fazendo o mal, o ser faz sobretudo a si mesmo. Mas então uma tal inteligência, que só prejudica a si mesma pode-se chamar inteligência ou não seria antes uma inconsciente loucura? Pode-se considerar inteligência ou não seria antes uma inconsciente loucura? Pode-se considerar inteligência esta que atinge o fim oposto ao desejado, trazendo o mal a si e aos outros? Mas essa é a luz das trevas, é a maior ignorância, que só serve para enganar e prejudicar sobretudo aquele que a possui, e que com ela se fere a si mesmo. E o próprio dinamismo, a outra qualidade do mal, serve para este fim, de autodestruição; ele também é negativo, lançado na direção involutiva. O dinamismo neste caso é invertido; não é vital, mas mortífero; não serve para conduzir à alegria, mas para aprisionar-se sempre mas no inferno da dor. Este é, de fato, o último resultado da inteligência e dinamismo de Satã: construir para si o próprio inferno.

Eis em que consiste, na realidade a inteligência e dinamismo de Satã. A sua inteligência não passa de um resíduo corrompido daquela que foi a sua verdadeira inteligência no S, a que se empenha na felicidade do bem e não no inferno do mal. O mesmo se pode dizer do seu poder. Eis, pois, que temos uma inteligência e um dinamismo em descida, fortes ainda, que servem somente para enterrar-se, mas que estão em vias de enfraquecimento e anulação. Seus resultados invertidos para o mal e a dor nos mostram que aqui as trevas se estão fechando, porque estamos na via da descida.

Recordemos que a queda não é a destruição do indivíduo, mas de suas qualidades. Este resiste, mas em posição invertida. Na matéria, de fato, a inteligência não está morta, porém somente aprisionada. Ela permanece, mas o indivíduo não é mais um senhor dela, é o seu servo. A involução leva a esse aprisionamento. O átomo é uma máquina complexa, bem calculada em cada parte e movimento. Mas a inteligência que dirige tudo isso não é mais a sua e sim a de Deus. A liberdade não pertence mais ao ser, que do próprio funcionamento não tem mais consciência nem poder diretivo. Nesse nível, vemos que desapareceram as qualidades do S, que voltarão a aparecer no homem reconquistadas com a evolução. Fica no átomo uma inteligência, mas não lhe pertence; fica em movimento, mas de forma obrigatória.

Ora, a inteligência e o dinamismo do mal estão se transformando nessa direção. Então, esta qualidade do S vai-se fechando, até tornar-se, como no átomo, um movimento automático, sem consciência e sem liberdade, dado que nisto consiste a inversão da positividade do S na negatividade do AS. Satã é já escravo do mal, não tem mais liberdade de escolha diante do bem, assim se está aprisionado no seu cárcere, que é o AS. Tal tipo de inteligência se fecha sempre mais no seu jogo astucioso. Em lugar de abrir-se para a luz do conhecimento da verdade, aquela inteligência naufraga na arte do engano. Então, quanto mais o ser desce, mais se torna faminto de vida insaciável como um câncer para roubá-la dos outros, porque cortou o canal do alimento vital que o ligava a Deus no S.

O fato de que tal tipo de inteligência e de dinamismo seja de caráter maléfico, prova que eles pertencem à negatividade de AS e que estão em descida involutiva afastando-se do S. A posição é evidente. Se essas qualidades estivessem em ascensão para o S, deveriam ser do tipo benéfico, como aquelas que já aparecem no pecador que se está redimindo, mas que estão totalmente ausentes em Satã e seus companheiros. Mas nada impede que ele, Satã, também possa um dia redimir-se, iniciando o caminho da evolução. Esta não é, porém, a sua posição atual. O que está ocorrendo é justamente o contrário. Ele insiste deliberadadamente no mal com todas suas forças, usa toda a sua inteligência para abismar-se no AS.

A explicação é lógica. Os rebeldes de menor potência caíram mais facilmente, atingindo mais rápido o fundo da trajetória da própria queda. Para as grandes massas o período de involução terminou. Mas os rebeldes de maior potência, dispondo, pela própria força, de maior possibilidade de resistência diante dos efeitos da queda, conservaram mais tempo suas qualidades de origem, embora em posição invertida do bem em mal. A sua descida está em curso, o que significa que estão lançados para a inconsciência e a escravidão da matéria, nas quais é fatal que caiam.

Não há dúvida de que a atual inteligência e potência de satã atuam no sentido da revolta, usadas para confirmá-la, dirigidas, portanto, para baixo, o que só pode levar ao aprisionamento de todas as dimensões do ser. Outro destino não pode ter uma inteligência usada na direção anti-Lei, isto é, anti-Deus.

Eis a natureza de inteligência do diabo. Quando se fala de inteligência, é preciso ver de que tipo se trata. Tem a aparência de verdadeira, mas na realidade pode ser apenas astúcia. É evidente que a inteligência que serve apenas para prejudicar os outros e àqueles que a possuem, não é inteligência, quando muito é a inteligência do louco, cuja finalidade é unicamente a autodestruição. Este tipo de inteligência quer enganar e acaba enganada. Pensando tirar vantagem quer fazer o mal aos outros e se não percebe que precipita na involução, fazendo-se mal a si mesma, enquanto a vantagem passa para os ofendidos que, com o sofrimento, podem redimir-se. Mesmo os loucos, a seu modo, são astutos. Mas seria justo chamar-se isso de inteligência?

 

Imaginamos uma família composta de Pai, mãe e muitos filhos. O pai provia tudo e representava a ordem e a justiça, a Lei. E fazia-a respeitar, porque ele era o princípio masculino da potência. A mãe, seguindo aquela ordem e apoiando-se sobre aquela potência, criava os filhos com bondade e sacrifício, em completa dedicação. Ela era o princípio do amor. Os filhos, ainda pequenos, não chegados à maturidade, ficavam em casa, confiados à mãe. Mas movidos pelos instintos rebeldes próprios da natureza humana, tentavam aproveitar-se do amor de mãe, para desobedecer  às sábias ordens do pai. Porém a noite o pai voltava. Então, prestavam-se contas e a justiça tomava lugar do amor. A cada violação da ordem estabelecida pelo pai, já não respondia o amoroso perdão da mãe, com a qual, valendo-se da sua bondade, poderiam fazer o que quisessem. Mas não compreendiam quanto para eles era necessário, aquele pai de quem, de bom grado, se libertariam; necessário, porque a tudo ele provia. Não compreendiam que, se ele impunha uma ordem, assim procedia porque era necessário à vida de todos, para não terminar no caos.

Deus é o Pai com função de justiça, Cristo é a mãe com função de amor que completa a função do Pai. Ou melhor: o Pai é Deus, no seu aspecto Lei; Cristo é Deus, no seu aspecto amor. Os filhos são os cristãos, ainda crianças, protegidos como num ninho pela bondade de Cristo. Esta situação é necessária para os imaturos, que devem ficar livres para as finalidades da sua experiência, mas ignorantes dos furacões que poderiam desencadear com sua louca conduta diante da Lei de Deus. Sua natureza não deseja a ordem, mas o livre arbítrio; não deseja a obediência à Lei do Pai, mas a revolta. Ei-los então prontos para aproveitar da bondade da mãe, para fugir das rígidas ordens da lei do Pai. E que bondade, maior que a de Cristo, que se ofereceu para pagar por nós, obtendo-nos a eterna redenção? Considerando o homem, como é, e as leis vigentes em nosso mundo, de que serve a alheia bondade, se não para ser utilizada em benefício próprio?

Há dois mil anos, a humanidade procura aproveitar-se da bondade da mãe para fazer o que lhe convém. Mas chega a noite e eis que o Pai volta. Então o discurso se torna diferente. Ele usa o seu poder segundo a justiça e ao amor se substitui a Lei. Prestam-se contas e os resultados são executados. Esta é a posição atual dos filhos diante do Pai. Era tão bom depender apenas da bondade da mãe, o que permitia tantas acomodações, mas infelizmente, por trás daquela bondade, que tudo adapta e ajusta com a sua elasticidade, que ajuda e conforta, há a firme rigidez da Lei, que se volta contra o infrator quando a medida está cheia, e então golpeia inexoravelmente, porque ela não admite que a elasticidade se transforme em violação. Infelizmente, a natureza humana é levada a dirigir as coisas neste sentido, jogo perigosíssimo, devido à ignorância do real estado das coisas. Com tal forma mental age-se loucamente, enquanto tudo no universo, da matéria ao espírito, funciona enquadrado dentro de leis exatas, fixadas por uma inteligência suprema que tudo dirige com ordem.

É natural: quem se move seguindo um regime de caos, num ambiente intimamente regido por uma ordem perfeita, choqua-se, a cada passo com barreiras impostas por essa ordem, determinadas pelas normas que a regulam.É natural também que o choque provoque aquelas reações da Lei que se fazem perceber sob a forma de dor. Trata-se de leis positivas, que a ciência descobrirá e a que, no entanto, ainda que as ignorem, todos estão submetidos. Só a ingenuidade do homem infantil pode crer que é suficiente ser astuto para fraudar a Lei de Deus. Seria como se pudesse, com a astúcia, enganar a Lei da gravitação, evitando a queda quando nos lançamos no vazio. A história está cheia de catástrofes que representam a pena que se segue por reação a tantas tentativas de violação da Lei. O problema não é pertencer a esta ou àquela religião, nação ou partido, mas é de retidão. A Lei presta atenção à substância não à forma. Pela Lei nada modifica o fato de que se creia nela ou não, de que se tenha conhecimento dela ou não. A Lei funciona permanentemente para todos.

O grande erro que se cai freqüentemente e que revela o tipo invertido do AS é ter mudado a bondade de Cristo como um meio de fraudar a Lei de Deus. Não se compreendeu que, por trás do amor de Cristo, doce, cheio de compaixão, feita de sacrifício, há a ordem estabelecida por Deus, ordem feita de justiça, que exige obediência e reage a cada violação. O fato de que se tente, com a própria vontade, substituir a ordem pela desordem, demonstra em que grau de inconsciência o homem ainda se encontra. O fato de Cristo ser bom é uma outra coisa; tentar enganar a Lei é outra. A bondade de Cristo tem a sua função, mas subordinada à da disciplina estabelecida pela Lei. Ora, antepor a bondade à disciplina e substituir a primeira pela segunda  é subverter a ordem, é uma enganadora tentativa de inversão, de tipo AS. Para salvar-se, não basta apenas amar Cristo, é preciso, antes de tudo, saber funcionar, exatamente enquadrados na ordem do organismo do todo.

Todos sabem quão grande foi a bondade de Cristo. Mas sabem também como ele foi recebido na Terra e como por dois mil anos o homem respondeu àquela sua bondade, como foi aplicado seu Evangelho.  Para não ser acusado de maledicência, cedo a palavra a um escritor não suspeito, o Doutor Giovanni Albanese. No seu pequeno volume Assim disse Jesus, editado pela Pro Civitate Cristã, Assis, 1959, aprovado pelo devido “Imprimatur” e “Nihil Obstat” da autoridade eclesiástica, esse escritor diz algumas verdades que não se poderiam dizer: (. . .) “no mundo, tu, Cristo, és um pobre vencido, um iludido, um falido” ( . . . ), amaste, fizeste o bem ( . . . ), com que resultado? Os Teus não Te reconheceram e não Te acolheram ( . . . ), dedicaste-Te à Tua missão com extremo sacrifício, sem repousares. Que obtiveste? Não creram em Ti, não Te seguiram e Te repeliram. Escolheste um grupo de colaboradores com afetuoso cuidado; Te pagaram com o abandono, a fuga, a negação, a traição, e Te venderam pelo preço de um escravo ( . . . ), e dizes teres vencido o mundo. Os Teus adversários Te tratam como um delinqüente, Te fizeram processar, condenar, insultar pelo povo. Crucificar entre ladrões e malfeitores ( . . . ), e Tu afirmas que venceste o mundo. Fizeste-Te proclamar rei e a Tua coroação foi uma burla feroz; Te proclamaste filho de Deus e foste condenado como blasfemador; Te chamaste o Messias e foste julgado um sedutor da plebe; Te proclamaste o Salvador e não conseguiste salvar sequer a Ti mesmo ( . . . ), ainda dizes que venceste o mundo?

Estas palavras afirmam, devidamente aprovadas pela autoridade, que Cristo, ao menos na Terra, é um falido e confirmam uma nossa asserção – defendida em outra obra – de que não foi Cristo Quem venceu o mundo, mas o mundo que, além de não se haver deixado vencer pelo Cristo, por enquanto, O tem vencido. Triste constatação que leva a terríveis deduções, que fazem parte das chamadas terríveis verdades que não se podem dizer. A falência maior de Cristo está no fato de que seu Evangelho não foi, de fato, aplicado. E se alguma tentativa de justiça social foi iniciada, deve-se isto principalmente à revolta dos deserdados. As conquistas deveram antes  à força que ao amor e generosidade evangélica. Quando o amoroso convite de Cristo não funciona, então explode a Lei que irrompe nas revoluções e o Evangelho se aplica obrigatoriamente. A atuação da justiça é primeiro oferecida com o método doce de Cristo, que age com bondade. Mas quando a bondade da mãe não é ouvida, e dela se vale para desobedecer à Lei, então chega o poder do Pai que não admite que as astúcias humanas possam enganá-Lo, violando impunemente a sua Lei. Isso significa que, por trás da bondade – mesmo se esta, como diz aquele escritor, fez de um Cristo vencido – há a Lei que não pode falhar, porque ela sabe desencadear-se e vencer o mundo. Então o Cristo se retrai, desaparece o amor, prestam-se contas e, sobre a cabeça de quem se aproveitou da bondade, explode, inflexível, a sanção da justiça. Vêm as horas terríveis duras, mas necessárias, a fim de que os surdos ouçam, e a triste raça dos rebeldes que zombaram do amor seja castigada como merece, porque é delito valer-se da bondade para fugir a justiça.

O uso da liberdade concedida pela bondade, por ter violado a ordem estabelecida pela Lei, faz parte da primeira culpa de origem que gerou consequentemente a queda do ser do S no AS. É sempre o mesmo pecado que se repete, o de querer obter sem merecer, sem ter antes feito o esforço para ganhar. O grande sonho do ser decaído é o de destruir a Lei para deixar em seu lugar a Anti-Lei. Mas é justamente isso que revela a sua ignorância, que o faz crer numa coisa tão absurda. Ele não vê que a injustiça que gostaria de implantar, pode existir apenas temporariamente e de forma superficial. Não percebe que no fundo da Lei, o seu objetivo máximo é tenazmente perseguido, é a justiça a quem toca a última palavra e a solução definitiva. Ele não vê que dentro do AS ficou Deus imanente, isto é, a Lei do S, que dirige também o AS. Assim, não é possível fugir à Lei. Quem se mete a esperto acreditando de tal modo conseguir a felicidade sem esforço, viola a ordem, vai contra a justiça, faz o mal e assim termina, na realidade, por fazê-lo a si mesmo, colhendo ao contrário, a dor. Pode-se ser mais tolo? No entanto, é nisso que consiste grande parte da sabedoria humana. Isso nos mostra o que é o homem. O motivo é sempre o mesmo da primeira revolta: violar a ordem, agir no lugar da Lei e assim terminar emborcado a fim de pagar o mal feito. Para quem conhece o funcionamento do universo em todos os seus planos, dá para ver com quanta inconsciência se cometem os erros mais grosseiros, semeando as causas dos maiores desastres. De nada adianta advertir. Mas assim deve ser, porque não seria justo que a lição salvadora se pudesse gratuitamente tomar da ciência alheia, enquanto a justiça quer que aquela lição não se possa aprender senão por experiência própria, através da própria dor.

Agora podemos compreender qual a função da bondade e do amor de Cristo diante da rígida justiça da Lei. Cristo é piedade e misericórdia. Ele não castiga, pelo contrário perdoa, mas quando chega a hora da Lei, Ele nada pode fazer. Então desaparece a bondade e fica apenas a justiça. Esta não é doce e elástica como o amor, mas férrea para não errar no golpe. Trata-se de duas funções diversas, ambas necessárias. Não nos desencorajemos, pois, se Cristo, como disse aquele escritor, é um falido. Se na Terra a bondade fracassa, nem por isso fracassa a justiça. A Lei sempre triunfa. Que seja possível subverter, com astúcia, a ordem de Deus, pode acreditar, na sua inconsciência, somente quem ignora a realidade dos fatos. Por trás do amor de Cristo há, inexorável, o poder absoluto de Deus, a Quem cabe a última palavra.

Felizes daqueles que sabem interpor o amor de Cristo, entre o seu erro e a rígida justiça da Lei. Então o pagamento é facilitado, prorrogando-se as quotas, tornando-as proporcionais às forças do indivíduo, sem, por isso nada subtrair à exatidão desse pagamento. Assim presta-se contas à justiça, mas as culpas são abrandadas, porque a Lei, embora não atingida na sua integridade, pode funcionar também pelos caminhos do amor e não apenas pelo da justiça. Entretanto para os que não aceitaram o método da bondade de Cristo, a ação da Lei não é doce, mas rígida e inexorável. Quanto mais amor pusermos no pagamento de nossa dívida, tanto mais a Lei se adaptará a nós, às nossas necessidades a fim de ajudar-nos, já que o nosso amor lhe permitirá tratar-nos mais docemente. Cristo é o amor da mãe que se interpõe entre a Lei e o culpado, e modera a severidade do Pai, uma vez que representa o princípio de elasticidade que acrescenta à firmeza da justiça sem violá-la, funcionando como substância que lubrifica e acaba facilitando o funcionamento da máquina da Lei. Adaptando este funcionamento à nossa vida, Cristo humaniza a concepção da Lei, para nós terrivelmente profunda. Cristo a transporta das inacessíveis alturas do absoluto até ao nosso nível, a fim de que possa melhor funcionar no caso particular de nossa vida. Diante do Pai, Cristo representa a função materna do amor, que funciona por intermédio entre a violação e a ordem estabelecida pela Lei. Assim esta, enriquecendo-se de novas qualidades, se aperfeiçoa e se completa na forma, acrescentando à dura lei de Moisés (Velho Testamento) a do Evangelho (Novo Testamento)

Busquemos compreender ainda mais o significado da presença de Cristo na Terra. Encontramo-nos diante de dois grandes dramas: 1º) O da paixão de Cristo, como representante do ideal descido à Terra para cumprir o necessário sacrifício, colocado à frente do movimento de evolução redentora da humanidade. 2º) O drama da futura paixão da humanidade com que ela deverá pagar o delito de, em lugar de aceitar tal oferta de amor, ter-se aproveitado da bondade de Cristo como de uma fraqueza do Deus-senhor, para insistir na própria revolta (AS), contra a ordem da Lei (S). trágico drama este, porque não pode desviar-se da inevitável conclusão. Eis como isso aconteceu.

Com a vinda de Cristo, o homem viu Deus humanizado naquele rosto e acreditou que este aspecto de Deus como bondade e amor, exprimisse toda a divindade, porque seu outro aspecto abstrato de Lei foge à capacidade de compreensão  do homem comum. Então, como verdadeiro rebelde, rebeldia que ocasionou a primeira queda do ser, o homem, no seu inconsciente, disse de si para si: Deus, pois, é bom. Que esplêndida ocasião para aproveitar-se disso! Outro instinto não pode ter quem é cidadão do AS, crendo portanto, não na justiça, mas na força ou astúcia; não no poder da honestidade, mas no do engano. Não é esta a forma mental que nos impõe o mundo, regido pela lei da luta pela vida, no seu nível? Aqui o bom é tido como fraco, um tolo de quem se pode aproveitar. Entendendo a bondade como fraqueza, por dois mil anos, em vez de usar-se para o bem a oferta de Deus, dela se abusou como mal, já que lá estava a vítima inocente encarregada dos pagamentos diante da Lei. Cristo viu-se reduzido a pagador dos pecados alheios, quitando-se os débitos com a justiça divina e ficando-se em paz. É natural que na Terra os bons devam ser de algum modo utilizados. De outro modo de que serviriam? Existiram e existem exceções, mas são a minoria. Fala-se muito, mas esta é a dura realidade. Assim, a oração que não se baseia em fatos é uma falsa superestrutura que nada vale sozinha, porque o que conta diante de Deus são as obras e não as palavras. O mal camuflado se torna mais corrosivo do que aquilo que é escandalosamente visível.

O fato de a humanidade, por comodismo, ter-se aproveitado da bondade de Deus, que, piedosamente, toma a mão da desgraçada criatura para salvá-la, abrindo-lhe o caminho da redenção, a fim de que ela se encaminhe, e amparada se redima com o próprio esforço e o fato de ter respondido com a mentira e a traição, como fez Judas a uma oferta de amor, conduzem ao pior pecado que se podia cometer, o jogo mais perigoso, porque leva à mais dolorosa das conseqüências: o retrocesso involutivo. Então é retirada a oferta de amor, desaparecem a bondade e a ajuda, afasta-se o Cristo intermediário, posto em defesa da miséria do culpado diante da rígida inviolabilidade da Lei. O homem se encontra sozinho e nu diante da justiça do Pai, nem Cristo poderá mais impedir que se dispare o mecanismo da reação da Lei, porque foi ultrapassado o limite suportável, e o homem tentou o absurdo, isto é, que a bondade de Deus pudesse ser utilizada ao contrário, ir contra a Lei e subverter a ordem.

Como poderá acontecer isso? É oferecido o perdão e se aproveita para fazer o pior. Qual será a nossa culpa e a pena a pagar quando estivermos diante do tribunal? Então não se poderá mais invocar o amor e pedir piedade, porque as portas da misericórdia estarão fechadas. Cristo cala-se, porque chegou a hora do Pai, a hora do juízo. Quando Judas traiu Cristo com um beijo, este lhe perdoou. Mas tal perdão não pôde impedir que a culpa da traição devesse ser paga à divina justiça. Tal exemplo nos mostra os limites dos poderes do amor de Cristo como redentor diante da justiça da Lei, que permanece inviolável. Na Lei tudo é disciplinado, de modo que não pode haver conflito entre bondade e amor de um lado e justiça do outro. Se isso ocorresse, a redenção, obra do Filho, estaria em oposição à Lei, obra do Pai. Comodamente o homem entendeu como uma evasão a essa Lei, tornando-a vã, e Cristo em vez de salvador seria um violador. Amor e justiça não são senão dois modos de agir da Lei, igualmente ascendentes ao S, duas estradas para atingir o mesmo telefinalismo: Deus.

Somente Nele está o verdadeiro poder e a salvação. Mas é natural que o nosso mundo, existindo em posição invertida e vendo tudo através de tal perspectiva, creia no contrário. Assim ele não compreende que a maior força está na fusão com a Lei, na conduta retilínea pautada por ela, e que fraco e vencido é o astuto, e não o homem bom e justo, como freqüentemente se crê. Aquele, cego pelo orgulho, crê no absurdo de que se possa ser tão hábil a ponto de saber fraudar a Lei, e é tão tolo que lhe provoca a reação em seu próprio prejuízo. O não saber compreender uma coisa tão simples custa a muitos seres uma incalculável soma de dores, merecidas, porque tal ignorância e incapacidade para compreender é o efeito da queda no AS.

A realidade é diversa. Vivemos num universo regido por um organismo de leis também espirituais, que lhe regulam cada movimento. Tudo funcionaria perfeitamente, mesmo para nós, se soubéssemos mover-nos segundo a ordem estabelecida. Mas, inconscientes dessa ordem, usamos nossa liberdade para violá-la a cada passo. Chocamo-nos, pois, contra mil forças e provocamos a sua reação, para nós significando dor. Cremos que se possa obter o que desejamos, transigindo com todos os meios. Grande cegueira a nossa! Só é válido o método de recebermos segundo a justiça, sem a qual nada se obtém. Porque nos movemos em direção errada, os nossos planos falham, os nossos esforços são vãos, produzindo resultados contrários. Ilude-nos a vantagem imediata, mas tal resultado é momentâneo. Abusa-se do princípio do mínimo esforço e do jogo de atalhos que parecem facilitar o sucesso, métodos que nos atraem, mas depois se resolvem, invariavelmente em traição.

Uma outra afirmação que fizemos e o mundo não compreende: por trás do amor e da bondade de Cristo, está a rígida justiça de Deus, e é inútil tentar aproveitar-se daquele amor e bondade para violar a justiça. Esta é inviolável e o fim daquele amor e bondade é o de ajudar-nos a cumprir aquela Lei e não um meio de nos valermos dela para desobedecer-lhe. A estrutura sólida que rege o universo é a Lei, isto é, o pensamento e a vontade de Deus. A última palavra, a decisão final é reservada a essa Lei. Por trás da doçura, há a solidez e por isso é inútil tentar usar a primeira para fugir da segunda. O homem não compreendeu e faz erradas tentativas. Que imensa oportunidade lhe tinha sido oferecida, e ele não a teria perdido, se a tivesse utilizado no devido sentido, afim de redimir-se com o próprio esforço, em vez de tentar acomodar-se, crendo que pudesse ser gratuitamente redimido pelo sacrifício de Cristo! Poucos O tomaram seriamente. O homem não entendeu que não se pode evoluir através de outrem, nem jogar sobre os ombros alheios a merecida fadiga de ir do AS ao S. Mas, como isso era cômodo, ele iludiu-se com a sua possibilidade. Uma redenção gratuita seria uma violação da justiça do Pai. O amor não  pode violar a ordem da Lei. Se a Lei fosse observada, a ajuda teria se multiplicado em proporção à nossa boa vontade e nosso esforço. Buscando, ao contrário, torcer a Lei, secaram as fontes da ajuda divina. E pode ser que tenha chegado a hora em que o amor e a bondade se retraiam, ficando apenas a rígida justiça de Deus.

Poder-se-ia objetar: mas se o mundo não compreende, bastaria explicar-lhe. Inútil. Para compreender é necessário ter a forma mental adequada e a do mundo está emborcada, levada, pois, a conceber e entender tudo segundo uma perspectiva deformada. O que quer que se diga, é tudo deturpado pela mente humana, que representa o órgão de julgamento, o único meio de compreensão  que se tem à disposição. Nisso está a fatalidade do destino, que exprime a inexorabilidade da Lei, e, assim, fecha as portas a toda a possibilidade de evasão. Ninguém pode reagir diversamente da própria natureza e, quando chega o golpe, é inevitável que caiam as máscaras, mostrando-se o ser tal como realmente é. É assim que, no momento do perigo, o louco fica mais louco, o ladrão mais ladrão, o viciado mais viciado; em contrapartida, o bom revela a sua bondade e o inteligente a sua inteligência. Desse modo, quem está contorcido, quando se acha em apuros, se torce ainda mais, quem está na descida acelera a sua corrida para a perdição.

Isso ocorre porque se trata não de uma intervenção do exterior, por parte de seres ou forças estranhas ao fenômeno. A Lei não intervém para premiar ou punir. Trata-se de forças inseridas no próprio fenômeno, fazendo parte da sua própria estrutura e funcionamento o fato de que estas forças, automaticamente, se ponham a funcionar segundo os impulsos que o ser livremente pôs em movimento. A Lei é tão engenhosa que o indivíduo, queira ou não, saiba ou não, nela está imersa como um peixe no mar, e é obrigado, a produzir, faça o movimento que fizer, efeitos que recaem sobre si mesmo, de modo que automaticamente quem faz o mal por si se autocastiga e quem faz o bem se autopremia. Definidas as premissas, as conseqüências são para ele fatais.

Daí se conclui que a Lei se realiza sempre, toda e inteira, seja qual for o movimento que o ser faça e a posição que queira assumir. Assim ele é livre, mas ai dele se violar a ordem que sempre permanece. Em substância, ele é livre somente para escolher e semear aquilo que deseja, mas nunca para fixar a causa dos efeitos que depois devera sofrer. Se se explicam essas coisas ao homem comum, responderá ele que não lhe interessam, e não compreenderá que elas representam a técnica do navegante, necessária para atravessar o mar da vida. Assim ninguém se preocupa em dirigir a própria rota, crendo-se mais lógico deixar o leme, ir a deriva sobre as ondas.

Há, porém, o fato de que mesmo ignorando tudo isso, o homem rebelde está fechado dentro da Lei que não permite evasão, e o reconduz duramente à ordem, fazendo-o para seu próprio bem. A Lei é por natureza, positiva, isto é, construtiva, e por isso tende sempre à salvação. Assim, embora seja rigidamente justa, enquanto justa é implicitamente boa e benéfica. Aparentando punir, no fundo, educa, reordena a desordem, põe o bem no lugar do mal, leva ao S, isto é, à alegria e à vida, e afasta do AS, isto é, da dor e da morte.

Esta sua finalidade a Lei a atinge sempre e a possibilidade de evadir-se é apenas uma das tantas ilusões humanas. Diante dela o homem pode assumir três posições, mas, qualquer que tenha sido a escolha, não poderá evitar a correspondente reação. A primeira posição é a do indivíduo honesto que, sem evasões, segue a Lei. A segunda  posição é a do pecador que violou, mas se arrependeu e se dispõe, com boa vontade, a pagar o seu débito à Divina Justiça, ajudado pelo amor de Cristo. E, finalmente, a posição do pecador impenitente, decididamente rebelde, que tenta enganar a Lei, valendo-se da bondade de Cristo. Este é reenviado ao terreno da Justiça, diante da qual será obrigado a pagar inexoravelmente toda a sua dívida. Nos três casos, qualquer que seja a posição que o homem quiser tomar, a Lei será sempre aplicada em plenitude e sem falhas. No primeiro caso, isso ocorre sem esforço, por espontânea adesão, sem erros e reações. No segundo caso, penosamente, mas com retidão, isto é, o erro receberá da Lei uma reação moderada pela ajuda do amor. No terceiro caso, tudo ocorre à força, por constrangimento, por rígida coação da Lei, até que o erro seja todo pago. No primeiro caso, nada há a pagar. No segundo, paga-se por amor. E no terceiro, deve-se pagar à força. Mas em todos os casos é sempre a ordem e a justiça da Lei que triunfa.