A Lei de Deus

Como a Lei nos faz atingir a abençoada posição dos bem-aventurados do Sermão da Montanha, relatado no Evangelho.

Se quisermos resumir em poucas palavras o assunto que foi desenvolvido até agora nestes capítulos, poderíamos dizer que falamos da Lei. Temos falado dela, porque ela representa o ponto central da nossa vida e o caminho da nossa salvação. A Lei exprime o pensamento e a vontade de Deus e constitui a regra fundamental da nossa conduta.

Mas, qual é o seu conteúdo? - poder-se-ia perguntar. O conteúdo da Lei, pelo menos no que se refere ás normas que regem a conduta humana, é bem conhecido no mundo e não nos cabe repeti-lo. Ele já foi sintetizado nos Dez Mandamentos de Moisés, exemplificado no Evangelho, explicado pelas religiões e pelos princípios morais aceitos pelo homem. Há milênios o mundo repete estas verdades. A nossa tarefa não é a de fazer um tratado a mais de moral ou de religião. Não é deles ou de pregações que temos falta, mas da sua aplicação na vida pratica.

Nossa tarefa foi só a de demonstrar, também aos que não acreditam nas religiões, que a Lei está presente e funciona de verdade, trazendo consigo sérias consequências práticas as quais não se pode fugir, sejam de utilidade ou de prejuízo. Quem tiver entendido nossas palestras saberá agora o que lhe acontecerá se a sua conduta não for aquela que a Lei estabelece. Não temos falado de infernos longínquos, nem de vinganças de Deus, absurdas porque Ele não pode ser mau, mas só da Sua bondade e justiça, o que convence muito mais. Temos falado com palavras de lógica aos homens práticos, de fatos concretos que cada um com seus próprios meios pode verificar em nosso mundo, fatos cujo sentido só assim é possível explicar e compreender. Agora podemos claramente entender as razões pelas quais nos convém seguir o caminho da honestidade, e quão louco é o mundo que provoca o seu próprio prejuízo, seguindo o caminho oposto. Quem compreendeu tudo isso, torna-se muito mais responsável pelas consequências dos seus atos, porque agora sabe que, quando chegar a reação da Lei em forma de dor, é porque nele mesma está a causa, e essa dor foi ele quem a semeou com seus erros. Então só lhe resta resignar-se e iniciar o trabalho de autocorreção.

Mencionamos anteriormente o Sermão da Montanha, de Cristo. Este Sermão sintetiza em poucas palavras aquilo em que a Lei quer que nos tornemos, chamando de bem-aventurados os que atingirem aquele nível superior de vida ao qual o Sermão se refere. Por estas palavras do Evangelho, a Lei nos diz o que nos aguarda se obedecermos a ela, adquirindo as qualidades dos mais evoluídos, isto é, sermos humildes de espírito, pacientes nos sofrimentos, mansos, justos, misericordiosos, limpos de coração, pacificadores etc. Eis, novamente aquelas palavras de Cristo, no Sermão da Montanha:

“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. — Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. — Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. — Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. — Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus. — Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. — Bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus. . .”

Esta é a posição dos bem-aventurados, daqueles que obedecem à Lei. Mas, esta não é a nossa posição atual no nível humano, cujas “virtudes” de força e astúcia são completamente diferentes. Procuremos, então, parafrasear este trecho do Evangelho, repetindo-o numa forma diferente, para ver quais são as reações com que a Lei nos impulsiona para que nos tornemos os bem-aventurados de que fala o Sermão da Montanha. Este apresenta um aspecto superior da Lei, mas agora a veremos neste mesmo assunto sob outro aspecto, ou seja, como Ela funciona a este respeito no nível humano (que na realidade não é o dos bem-aventurados), mostrando os meios pelos quais a Lei nos estimula a atingir aquela abençoada posição de bem-aventurados. Assim, os homens práticos do nosso mundo, que possam pensar que o Sermão da Montanha exprime uma filosofia de sonho, verão que, por caminhos diferentes, mais duros, proporcionados à dureza do homem, ele esta igualmente se realizando em nosso baixo nível de vida. Vejamos, assim, qual é a posição, não dos bem-aventurados do Evangelho que vivem a Lei, mas do homem comum do mundo que, ainda não vivendo a Lei, é impulsionado a vivê-la. Eis, então, como se poderia repetir o Sermão da Montanha, relacionado com este outro ponto de referência:

"Bem-aventurados os soberbos, porque eles terão de sofrer tantas humilhações até aprender a lição de humildade e assim, deles será o reino dos céus. — Bem-aventurados os que gozam demais, só pensando em si e para além dos limites razoáveis, porque terão de sofrer necessidade e abandono, até aprender a regra da justa medida e do amor ao próximo e, então, serão consolados. — Bem-aventurados os prepotentes, os ferozes, os guerreiros, porque tanto serão esmagados pela prepotência, ferocidade e agressão dos outros que se tornarão mansos e, então, herdarão a terra. — Bem-aventurados os que sustentam e praticam a injustiça, porque tanta injustiça terão de receber que compreenderão quão duro é ter de estar submetidos a ela e, então, por terem aprendido sua custa a ambicionar a justiça, desta serão fartos. — Bem-aventurados os desapiedados, porque não encontrarão misericórdia e, por demais a invocarem para si sem recebê-la, compreenderão a necessidade da bondade e do perdão, alcançando, então, misericórdia. — Bem-aventurados os que não são limpos de coração, porque ficarão tão submersos na ignorância e na maldade, com os consequentes erros e dores, que purificarão seu entendimento, e assim compreenderão a Lei e verão a Deus. — Bem-aventurados os que gostam de brigas e de disputas, porque pelo fato de não conseguirem encontrar paz, almejá-la-ão e procurá-la-ão em toda a parte, até que se tornarão pacificadores, e então serão chamados filhos de Deus — Bem-aventurados os que perseguem com injustiça os justos, porque tanto serão perseguidos pela sua própria injustiça, que aprenderão a ser justos, e então deles será o reino dos céus... Alegrai-vos e exultai, todos vós que quereis rebelar-vos contra a Lei, porque grande é o sofrimento que vos espera e assim tereis de aprender a lição da obediência, pela qual ganhareis um grande galardão nos céus”.

Eis como o Evangelho dos Céus, também poderia chamar o de Cristo, tem de se traduzir na Terra, para que seja possível realizar-se aqui. Eis como o Evangelho vai tornar-se realidade viva também para os surdos e os rebeldes. Eis como a Lei se mantém em ação e se realiza plenamente também em nosso mundo. Seria absurdo que a ignorância e à má vontade do homem fosse deixado o poder de paralisar a Lei e, com isso Sua obra de salvação. Eis como Deus, para nosso bem, nos torna bem-aventurados, mesmo se não o quisermos. Ele quer, custe o que custar, nossa salvação. Por isso, quando for indispensável, usa também o chicote da dor, porque Ele sabe que um dia a abençoaremos, quando, por este caminho, nos tornarmos bem-aventurados.

A grande maravilha da Lei é que ela responde a cada um conforme sua natureza. Ela responde aos nossos movimentos com a mesma exatidão com que um espelho reflete nossa imagem. Se nossa imagem no espelho é feia, a culpa não é do espelho, mas de nós que somos feios. Se formos bonitos, a imagem será bonita. Da mesma forma, o tratamento que recebemos da Lei depende do que somos e fazemos Se somos bons e obedientes, ela responderá com bondade. Mas, se somos maus e rebeldes, ela nos ensinará o que temos de aprender, com o azorrague da dor. Cada um pode escolher seu método. Dentro da Lei, porém, todos ternos de viver. O que dela receberemos, em funções das nossas ações, depende da posição em que nos situamos diante da própria Lei.

O Evangelho é pregação para os homens de boa vontade, dispostos a se tornarem anjos. Já vimos qual o papel que o Evangelho tem de representar quando não queremos tornar-nos anjos, mas permanecer demônios. Cada um, olhando para dentro de si, pode saber a qual dos dois grupos pertence e, por conseguinte, o tratamento que receberá por parte da Lei. Por isso, os bons, se e verdade que podem ser esmagados pelo mundo, nada têm a temer de Deus; ao passo que os maus, se podem por um momento vencer no mundo, muito têm a temer por parte da justiça de Deus, que os constrangerá a pagar até o último ceitil. É muito mais seguro e vantajoso ficar do lado de Deus do que do lado do mundo. Que valem e podem os recursos do mundo em comparação com os de Deus? Que poderá e quererá fazer o mundo para nos defender, quando a ele nos escravizamos? E que poderá e quererá fazer Deus para nos defender, quando Lhe pertencemos?

Eis que vemos brilhar, no fundo do grande quadro da Lei que estamos descrevendo, a resplandecente apoteose final dos bons, não importa se desprezados e condenados pelos poderosos do mundo, apoteose em que se realizarão as palavras de Cristo — "as forças do mal não prevalecerão".

Por quanto tempo continuará o homem sem compreender tudo isso? Quantos erros terá ainda de cometer e quantas dores terá de sofrer, antes de abrir os olhos para ver á substância da vida? O homem continuará a rebelar-se contra a Lei, a fechar-se no seu egoísmo, a conceber a vida só individualmente, enquanto a Lei arrasta o mundo para a fase orgânica, em que os elementos das grandes coletividades colaboram fraternalmente. Quantas lutas serão ainda necessárias para se chegar à compreensão recíproca e assim coordenar os esforços de todos para comuns finalidades de bem? Quantas experiências dolorosas serão ainda necessárias para se aprender a não provocar as reações da Lei? Estamos acostumados às leis humanas que, por serem feitas muitas vezes pela classe dirigente para seu próprio interesse, parecem estar cumprindo a tarefa de nos ensinar, antes de tudo, a arte de nos evadirmos delas. Isso porque há luta entre quem manda e quem tem de obedecer. Mas, bem diferente é o caso da Lei de Deus. Esta não é feita para o interesse d‘Ele, mas para o nosso. Então, procurar evadir-nos dessa Lei não é realizar nosso bem, indo contra quem manda, mas é abdicar de nossa vantagem e não obter senão nosso prejuízo. Isso porque o domínio da Lei não se baseia na imposição de quem manda contra quem tem de obedecer, mas na justiça, no amor e na livre obediência de quem compreendeu. Quanto tempo continuará o homem rebelando-se contra a ordem da Lei e fugindo, assim, da sua própria felicidade?

As forças da vida são movimentadas pela Lei, de maneira que a compreensão terá de chegar. Houve tempo em que o homem acreditou com certeza absoluta na imobilidade da Terra e na imutabilidade da matéria. Mas, agora entende que a imobilidade e a imutabilidade aparentes são um estado de velocidade constante, que nos parece sem movimento, porque nós só percebemos o movimento quando há mudança de velocidade, o que se chama de aceleração. Da tremenda corrida que, juntos com o nosso planeta, estamos realizando, verifica-se, também, no interior do átomo e não percebemos coisa alguma.

Da mesma forma, o homem acredita que está vivendo no caos, julgando que somente sua vontade tem valor, e a ele cabe impor a ordem, a ordem dele. Isto o faz rebelde, num universo regido pela ordem da Lei, revolta que o conduz ao sofrimento, em virtude do choque contínuo com Ela. O homem fica apegado às pequenas coisas do seu mundo, acredita com absoluta certeza na verdade das ilusões deste, porque isto é a que percebe, e não vê que está vivendo no seio de uma ordem e de uma harmonia maravilhosas.

Cego para tudo isso, cego para o imenso trabalho que todos os seres e tudo o que existe estão cumprindo para regressar a Deus na ascese da evolução, o homem, que trabalhosamente procura estabelecer alguma. Ele corre atrás das glórias humanas e não toma conhecimento da sua glória maior, - a de ser criatura filha de Deus. Procura as riquezas do mundo e se esquece das infindas riquezas ao alcance de suas mãos, e que Deus lhe entregará tão logo ele aprenda a usá-las bem. Procura-se desesperadamente a felicidade e não sabe que justamente para ela foi criado.

Como pode o verme que fatigosamente se arrasta pelo chão, compreender que nos espaços a velocidade é gratuita, e que corpos imensos a possuem sem limites e sem esforço? Da mesma maneira, como pode o homem que trabalhosamente procura estabelecer uma ordem no seu planeta, campo de lutas desencadeadas, compreender que o universo é um imenso organismo ordenado, regido pela inteligência de Deus?

   

Quando o homem, vítima do seu atraso, resolverá avançar para a conquista aos novos continentes do espírito que o esperam? Quando conseguirá ele, preso na sua forma mental, quebrar as paredes dessa sua prisão? Quando quererá resolver de uma vez para sempre todos os seus problemas, evoluindo? Tudo depende de nossa boa vontade e do próprio esforço.

A arte de viver, preparando para si um futuro melhor. Erros e dores nos ensinam muitas coisas.

Agora que chegamos a compreensão da Lei de Deus, vamos procurar ver, antes de enfrentar outros problemas, o fruto do estudo que estamos desenvolvendo. Temos perante os olhos um quadro geral bastante claro do que diz respeito a nossa conduta, com suas razões e consequências.

Já sabemos que Deus é o ponto final das nossas vidas. Sabemos o caminho para atingir esse ponto final: a evolução, ou seja, a subida para Deus. Sabemos que para isso vivemos e que a evolução se realiza da matéria para o espírito, sendo nós próprios os construtores desse caminho. Sabemos que as normas de conduta que se encontram vigorando na Terra, ditadas pela moral e pelas religiões, representam as regras necessárias para executar esse trabalho de subida e construção.

Quem tiver compreendido o que explicamos pode agora viver orientado no seio do funcionamento orgânico do universo. Não viajara mais ao acaso nas trevas, mas terá nas mãos a bússola cuja agulha lhe indicará o polo magnético em relação ao qual terá de orientar-se. E não há quem não perceba como é mais vantajoso viajar orientado no grande mar da vida, em vez de andar perdido ao sabor das ondas.

Isso é tanto mais conveniente quando a função das normas de boa conduta, ditadas pela moral e pelas religiões, é precisamente a de evitar-nos erros, excessos, desvios - causadores da dor. Podemos agora chegar a compreender quão grande é o valor dessas regras, pelo fato de que elas cumprem a tarefa de nos ensinar o método para corrigir nosso anterior caminho errado, mostrando-nos o certo, impedindo-nos de semear novos sofrimentos para o futuro e permitindo-nos assim, anular a dor que surge ou poderá surgir em nosso destino. Essas regras podem representar o remédio amargo que, porém, é bom engolir porque nos cura a doença. Temos falado de fatalidade do destino. Veremos aqui como ele está em nossas mãos e como temos a possibilidade de endireitá-lo e dirigi-lo para onde quisermos. Se adotamos um bom comportamento e se não cometemos mais erros violando a Lei, vemos que está ao nosso alcance criar para nós destinos sempre menos duros, porque estarão menos carregados de erros a corrigir e culpas a expiar.

Eis a conclusão, otimista, que eu desejaria não fosse esquecida por ninguém: está em nossas mãos o poder de criar nossa felicidade. Esta convicção representa o fruto de nossa conversa, fruto que entrego aos meus amigos, para seu próprio bem.

Não há dúvida que um Evangelho verdadeiramente vivido realizaria a mais benéfica revolução do mundo, porque, renovando a nossa maneira de conceber a vida, reformá-la-ia de alto a baixo. Mas, isso é problema coletivo. Infelizmente, cada um fica esperando que seja o próximo o primeiro a movimentar-se no duro caminho da renovação. Aqui, nestas conversas falamos do esforço individual, pelo qual cada um, de maneira independente da conduta dos outros, pode plasmar para si, à vontade, o destino que quiser. Já dissemos que o problema da salvação é problema absolutamente individual, independente da vontade dos vizinhos. Quando alguém cai no seio de um carma coletivo, é porquê fez por merecê-lo. Esta conclusão é um convite a que cada um comece a viver esses princípios, para sua própria vantagem. Não têm importância as formas em que quisermos realizá-los. É possível ter boa conduta e ser justo em todas as religiões. O que importa é a substancia, que é precisamente ser justo. Quando Deus julga os seres não leva em conta se pertencem a esta eu aquela religião, mas se foram justos, por terem vivido a Sua Lei. Não estamos falando em favor de grupo particular algum, mas unicamente em favor de Deus que está acima de todos.

O nosso grande inimigo é o mal, gerador de sofrimento. Estamos explicando a arte de vencer o mal, porque só assim se pode destruir a dor. Agora podemos compreender a mecânica dessa arte: ela nos garante que, não cometendo mais erros, a dor pode ser evitada e a felicidade atingida. Essa arte de saber viver com conhecimento representa uma verdadeira ciência que a humanidade mais evoluída do futuro vai descobrir e aplicar. A maioria vê somente os efeitos imediatos e não olha à distância. Por isso não acredita que seja possível atingir esses resultados. Mas, o fato de tudo isso não se realizar num dia, não destrói a possibilidade de alcança-lo, nem a alegria que nos pode dar esta grande esperança duma salvação final que Deus nos oferece e nos ajuda a conquistar, procurando até impô-la a nós por todos os meios. Estamos subjugados por garras de sofrimento, no fundo dum abismo, mas um raio de luz desce do Céu e nos diz: "Coragem!" Diz a cada um de nós, sofredor: "Tu tens o direito à felicidade. Este ardente anseio que está aninhado em teu coração não é para terminar num engano, mas para ser satisfeito. Estás ainda preso ao teu passado mas andando pela vida afora irás superando cada dia mais esse passado, que se afastará paulatinamente de ti, com ele desaparecendo o inferno dos seres inferiores, enquanto sempre mais se aproximará o paraíso dos seres superiores. Estás mergulhado na dura luta pela vida. Mas, é verdade que a luta e sofrimento ensinam muitas coisas e desenvolvem a inteligência. E com a inteligência aprimorada cada vez mais se toma compreensível a presença da Lei e a vantagem de se obedecer a ela, coordenando-se em sua ordem".

Muitos males acontecem ao homem por falta de entendimento. Mas, quem sofre é levado a pensar por que razão está sofrendo. E pela experiência que se vai adquirindo, aprende-se a cometer sempre menos erros. É verdade que o mal sobrevem mas, ao sobrevir, ele cumpre sua tarefa e desenvolve a inteligência, necessária para transformar-se em bem. Ao mesmo tempo, a criatura descobre os caminhos que a levam a felicidade. Quando o homem faz o mal, o faz por ignorância, pensando que prejudicando seu próximo pode beneficiar-se, sem saber que, pelo contrário, só consegue prejudicar-se. Por isso, é um dever esclarecer os mistérios, iluminar as mentes e orientar o próximo. Ficar na ignorância significa permanecer nos níveis mais baixos da vida, cheios de erros, ferocidades e sofrimentos. Dizer que não podemos saber é abandonarmo-nos à preguiça de não querer usar os meios da inteligência que Deus nos deu para subirmos o monte da evolução, no cume do qual Ele nos espera. Deixar de abrir os olhos para ver e fazer pesquisas, para compreender e instruir-se, é parar inerte perante o mistério, sem desejar e procurar descerrar as portas fechadas do desconhecido. Tudo isto significa não querer conquistar uma vida melhor, próxima de Deus. Dizer, como muitos o fazem, que os grandes problemas do ser não são solúveis, significa querer aceitar para sempre uma condição de inferioridade dolorosa, cheia de males e perigos. O tato de não se ter interesse nesses problemas é declarar o fracasso da inteligência, é renunciar ao progresso e perder toda a esperança de salvação.

Que acontece então? São muitos a buscarem somente vantagem imediata, satisfação efêmera, aconteça depois o que acontecer. Poucos sabem alguma coisa a respeito desses problemas, com a necessária certeza. Só consideram positivo o que podem agarrar com as mãos. Isto é o que se acredita ser a única e verdadeira realidade, a da vida prática, aquela em que o mundo crê, rindo-se dos sonhadores de realidades mais longínquas que escapam a maioria, porque estão situadas além do alcance limitado de seus olhos míopes. Mas, estas outras realidades existem. Amanhã teremos, pela evolução, de chegar até lá, e então nada fizemos para enfrentá-las. Ignorar as últimas finalidades da vida significa ignorar nossa própria vida no futuro, que embora longínquo, não pode um dia deixar de tornar-se presente. Que poderá acontecer conosco, se nada tivermos feito para prepará-lo? Assim, muitos furtam porque não veem que depois, mais cedo ou mais tarde, têm de acabar na cadeia; abusam dos gozos materiais porque não veem que depois chega a doença; esmagam o próximo porque não pensam que este acabará rebelando-se e vingando-se, e assim por diante. A leviandade e a imprevidência não nos podem levar senão ao erro, que depois é necessário corrigir.

O desenvolvimento e o esforço da inteligência criam as civilizações. Hoje mesmo vemos o que tem produzido a ciência e como, a fim de viver nas novas condições de vida por ela criadas, é necessário (para dirigir as máquinas modernas) muito de inteligência e nada de ferocidade. Este é o primeiro passo para a espiritualização consciente. O problema é o de nos civilizarmos. Costuma-se hoje insistir muito na solução dos problemas sociais. Mas, a solução destes não é só problema coletivo, é antes a soma das soluções dos problemas individuais. Se quisermos progredir, é necessário começar, antes de tudo, a tomar esta direção, cada um por sua conta. E a vantagem virá primeiro para quem primeiro o fizer. Procuremos conquistar nós mesmos as virtudes, antes de exigi-las do próximo. Tudo está sempre regido pela justiça de Deus. Assim, se caímos vítimas dos outros, não somos na realidade vítimas deles, mas, sim, unicamente, de nós mesmos, dado que o merecemos: os outros não são senão instrumentos de Deus, que os utilizou para cumprir Sua justiça. Já explicamos que a dor nos pode atingir somente quando tivermos abertas as portas para ela poder entrar. Ninguém pode lançar o peso do seu destino sobre nós, como nós não podemos lançar o peso do nosso destino sobre os outros. Se assim fosse não haveria justiça.

Não é acusando o próximo de desonestidade que se pode provar a honestidade própria. Não é pregando e exigindo virtude aos outros, que poderemos chegar a extinguir nossos defeitos e deixar de pagar pelas nossas culpas. Cada um está sozinho perante Deus e tem de prestar contas, sozinho, dos seus atos, conforme as responsabilidades que lhe cabem. Podemos ficar tranquilos, pois ninguém pode fazer-nos mal algum que já não esteja dentro de nós por nós bem merecido, por termos sido os primeiros a querer realizá-lo. Cada um é julgado conforme suas obras e não conforme as dos outros. Tudo na Lei de Deus é sempre justiça e não há má vontade e prepotência humana que possam impor-se à Lei. O que reina soberano, apesar das aparências do momento, é sempre a justiça. O que vale e resolve é a nossa posição perante Deus, julgue o mundo como quiser, porque em todos os casos ninguém pode fazer nada mais do que a vontade de Deus.

Assim, vamos errando, mas aprendendo sempre mais. O que parece ser um mal é, ao mesmo tempo, um remédio que nos leva para o bem, porque o erro, excitando a reação da Lei, nos ensina a não errar mais. Assim, pelo muito julgar e agir de maneira errada, aprendemos a julgar e agir de maneira certa; e os julgamentos deveriam ser o resultado da compreensão, entretanto, isso não acontece, acabam por levar-nos à ela.

A Lei é uma regra de vida estabelecida por Deus. O homem é um menino que tem de aprender. Mas, quando um menino precisa aprender a andar, nós não fazemos para ele um curso sobre a arte de andar. Deixamo-lo experimentar e cair, porque sabemos que só à força de muitas quedas ele pode aprender a não cair mais. O homem precisa, não de aulas teóricas, mas dum conhecimento pessoal, atingido com seu esforço, fruto da sua experiência direta. A escola é automática, é o natural conteúdo da vida. Desenvolve-se, assim, a inteligência necessária para compreender qual é a regra que rege os nossos movimentos, o prejuízo de não a observar e a vantagem de segui-la. Assim, a escola da vida nos ensina a conhecer a Lei Uma escola é lugar para estudar e aprender, não para ficar sempre nela. Acabado o curso, os estudantes a deixam. O mesmo acontece com a experimentação terrena. Uma vez conquistado o conhecimento, os meios terrenos que foram usados para esse escopo são abandonados como material de refugo, ao mesmo tempo que levamos conosco a sabedoria armazenada para utilizá-la e gozar seu fruto em ambientes superiores. Pode-se assim ver quanto seja útil o viver, com também sofrer, quando se erra.

Quando o mundo tiver sofrido bastante os danos que derivam do querer apoiar-se só na força e na astúcia, então os evitará e procurará organizar-se numa forma de vida feita de trabalho pacífico e fraternal. Os sofrimentos não são inúteis: por intermédio deles, o homem toma conhecimento e vê como custa caro ser mau, e assim, para não voltar a sofrer as consequências, aprende a não cometer mais erros. As guerras não são propriamente inúteis, porque pelo fato de padecer duramente com as destruições a que elas conduzem, o homem vai aprender a não fazer mais guerras. O uso da força não é inútil, porque quem a pratica, mais cedo ou mais tarde, acaba esmagado por ela mesma, e então aprende a não mais a usar. As astúcias humanas não são inúteis, porque o homem, empregando-as, terá depois de ficar sabendo quanto são duras as consequências de ter procurado furtar-se a justiça de Deus, prejudicando os outros com o engano. Terá de compreender a loucura da mentira na exploração do próximo, e que dano representa para quem a usa. Os atritos das rivalidades e as competições humanas na luta pela vida não são inúteis, porque nos levam a conhecer-nos uns aos outros, a fim de chegarmos à construção daquela grande obra de engenharia biológica que será o organismo da sociedade humana.

A Lei repete, ricocheteando como um eco, o que lhe queremos enviar. E quando quisermos viver na ordem e na harmonia, ela nos receberá num abraço de paz e felicidade. Muito o homem terá de andar por este caminho da experimentação, até que, com seu esforço, faça nascer a nova raça do porvir, a raça dos honestos inteligentes, que conhecem a Lei e obedecem a Deus.

Como se realiza o endireitamento dos desvios e a correção dos erros, na construção da nossa individualidade.

Vamos continuar ainda, a desenvolver o problema da correção dos nossos erros.

Os seres não são iguais, encontram-se em posições diferentes. Cada um conforme sua posição comete erros diferentes e, pelo equilíbrio da Lei, recebe exatamente a reação correspondente, a mais adaptada a sua aprendizagem. Cada movimento nosso repercute na Lei e, conforme a natureza e o tipo de vibração irradiada, movimenta aquele sistema de forças nos diferentes pontos correspondentes, gerando assim uma resposta a essa excitação, resposta feita de medida, vibração corretora dos nossos erros. A isto chamamos reação da Lei.

Os nossos erros podem diferenciar-se, seja pela qualidade - direção seguida, - seja pela grandeza ou peso - o que quer dizer, pela massa dada e velocidade adquirida. Em outras palavras, nós estamos amarrados ao nosso passado, isto é, a qualidade dos nossos pensamentos e atos, à direção em que os movimentamos, e também amarrados à sua quantidade ou volume, e a força adquirida pela velocidade e ímpeto com que por nós eles foram lançados. Tudo isso pode ser corrigido, mas até que o esforço necessário seja feito, nosso passado nos prende e somos seus escravos. Essa servidão é proporcional a qualidade, direção e poder dos nossos pensamentos e atos passados, até ficarmos livres.

Costuma-se dizer que cada um tem sua estrela e nasce com seu destino. É dessa forma que nosso passado, tal como o quisemos viver, volta e nos prende. Quando foi originada uma causa e, em consequência, foi movimentada uma força, é necessário exauri-la até seus últimos efeitos. Por isso, deveríamos ter o máximo cuidado antes de gerar qualquer pensamento ou ato, porque depois ficamos a eles amarrados e os levamos conosco até atingir todas as suas consequências fatais. Disso não se pode fugir. E o que cada um faz, o faz para si, semeando no seu campo e não no do vizinho, devendo depois colher e alimentar-se do que semeou. Tudo o que pensamos e realizamos é criação nossa, por nós gerada, carne da nossa carne, mundo em que depois teremos de viver. E quanto mais repetimos um pensamento ou um ato, tanto mais ele se fixa, se torna firme e estável, descendo à profundeza de nossa personalidade, onde fixa aqueles marcos indeléveis que são as nossas qualidades. Mas, sobrepondo uma outra repetição à anterior, podemos apagar aquele marco, substituindo-o por outro, isto é, adquirindo novos hábitos bons que se colocam no lugar dos velhos, destruindo más qualidades para substituí-las por boas. Dessa maneira, podemos corrigir nossos erros. O arrependimento é bom, mas só para iniciar o novo caminho. Depois, é preciso percorrer todo este novo caminho, sem o que o arrependimento sozinho não resolve. Para corrigir o velho caminho é necessário percorrê-lo todo novamente, às avessas, em sentido contrário.

Cada vida representa uma construção nova que se levanta sobre os resultados atingidos na precedente. E não é possível escolher outros alicerces. O verdadeiro objetivo da nossa existência, que é o de nos construirmos a nós mesmos, não pode ser alcançado no limitado, número de experiências duma só vida. Assim, cada vida se ergue em cima da outra, como num edifício cada andar se ergue em cima do outro, que constitui o seu único apoio, sobre o qual não pode deixar de assentar-se. Os hábitos adquiridos representam essa base que, ao nascermos neste mundo, encontramos já feita por nós mesmos no passado. Quanto mais esses hábitos se tenham enraizado em nossa personalidade, tanto mais ficaremos amarrados à estrutura dos andares inferiores. Na construção dos andares superiores podemos modificar aquela estrutura, mas não deixando nunca de ter em conta a construção já feita. A nova construção podemos fazer de modo diferente: corrigindo erros; modificando, acrescentando, melhorando, porém, o trabalho novo não pode ser realizado senão em função do precedente.

Podemos representar este fenômeno também com outra imagem. Uma avalancha é nada no começo, é apenas pequena quantidade de neve que, caindo e rolando sobre a própria neve, atrai mais neve, de modo que assim vai sempre crescendo, cada vez mais, até tornar-se terrível avalancha que tudo destrói no seu caminho. Aquele primeiro fragmento de neve é também efeito da tempestade que o gerou, e sua queda é consequência da sua posição no cume do monte. Assim também, nossos hábitos não são nada no começo. São só pequenos movimentos, sem importância, em que ninguém repara. Mas, caindo e rolando sobre o caminho da nossa vida, eles atraem outros movimentos. Os atos repetidos, descem até à nossa profundidade, tornando-se hábitos e transformando-se, finalmente, na terrível alude dos nossos instintos, aos quais é difícil resistir.

Acontece que, com a repetição de pensamentos e atos, podemos adquirir, como num alude, velocidade, maior ou menor, numa direção ou noutra. E, quanto mais velocidade adquirimos, mais somos levados a continuar no mesmo sentido, sendo então mais difícil parar e corrigir o caminho, ou seja, endireitá-lo no sentido oposto. Esta comparação nos explica o motivo pelo qual estes princípios não são aceitos por muitos; apesar de nos conduzirem à nossa própria vantagem. Sua objeção é que as leis, por nós analisadas, funcionam somente para as criaturas escolhidas que sabem vivê-las e não para os demais, simples seres comuns; acham eles que as vantagens da evolução são usufruídas apenas pelos que conseguiram evoluir, e não por eles próprios que humildemente se declaram atrasados. Preferem assim permanecer onde estão, em poder de todos os males relativos, em vez de se movimentarem para melhorar suas condições. Chegam até a reconhecer a lógica do que estamos demonstrando, mas concordam tão-somente no terreno teórico, pois consideram sua aplicação, na prática, um trabalho, uma dura fadiga, e não estão dispostos a enfrentá-la. Ficam assim parados, esperando, até que venha o choque da dor, infelizmente indispensável para acordá-los Preferem adaptar-se a viver num nível inferior, reconhecendo-o como seu e aceitando-o com todos os seus sofrimentos, a fazer o esforço para sair dele. Como desculpa, dizem: este método de viver, contando com as ajudas do céu, não é para nós, é só para os santos e nós não somos santos.

Colocam-nos em altares para venerá-los, mas como seres longínquos, inimitáveis, que pertencem só ao céu, para ser glorificados e não seguidos na Terra. Veneram-nos e, acabada a homenagem, voltam aos seus negócios.

Por que motivo alguns podem julgar absurda, ou pelo menos inaceitável, esta orientação. Eis a razão: eles estão lançados no caminho da descida, e para quem, pela velocidade adquirida, se sente impelido para baixo, é absurdo falar em caminhar para o alto. É devido a essa velocidade atingida na descida que nos parece impossível percorrer o caminho da subida. E na verdade, para inverter a direção, no sentido da subida, é necessário primeiramente ter vencido, reabsorvido e neutralizado toda a velocidade tomada na descida. Por isso, muitas vezes, estas teorias são julgadas inaplicáveis. É como alguém, estando perto de declarar falência, julga não adiantar mais fazer economias. É a psicologia do desespero, de quem não conhece coisa alguma do amanhã, fica cego e desorientado, convencido de que nada vale trabalhar para um futuro completamente ignorado. O que vale é o presente. Escolhemos então, a vantagem imediata, aproveitando-nos de tudo o que chega ao nosso alcance, aconteça o que acontecer, mesmo contraindo novas dívidas. Isso porque nunca verificamos a realidade da existência de um banco no Céu, que toma nota de tudo. Não sabemos se ali existe um débito ou crédito referente a nós, e se por ventura existe, como e quando acertar as contas.

Se o mundo está cheio dos que pensam diferentes, isso não significa que eles tenham um método lógico, vantajoso, recomendável. Que ajuda pode chegar do Céu, se nós fechamos as portas, impedindo sua entrada? As leis do Alto querem ajudar-nos, mas nós não as deixamos funcionar em nosso benefício.

Na verdade o desejo de felicidade neles permanece e, para satisfazê-lo, em vez de procurarem, com seu esforço, ganhar um crédito, pretendem antes alegrias, aumentando sempre mais o seu débito, isto é, aumentando a sua velocidade no caminho da descida, como acontece com o alcoólatra a beber sempre mais, e com o toxicômano, a intoxicar-se cada vez mais até a destruição de si mesmo. Este é, de fato, o ponto onde automaticamente termina o caminho da descida. Disso se deduz que, grande valor representa para nosso bem, o fato de possuirmos uma orientação, porque não somente ela nos conduz à salvação, como também nos liberta do fracasso espiritual. Eis o motivo pelo qual estamos conversando. Existe um paraíso para todos, mas a maioria não quer realizar o esforço de subir até ele. Não há escapatórias. Esta é a lei de nossa vida, e desta maneira ela funciona em nosso nível.

Assim, enquanto permanece o desejo de felicidade, vamos merecendo sempre mais sofrimento, porque a velocidade adquirida nos leva sempre mais para baixo. A felicidade que alcançamos por meios ilícitos ou atalhos, para escapar a Lei, não é o salário merecido de nosso trabalho, mas sim um roubo, algo conseguido fraudulentamente. E julgamo-nos inteligentes e hábeis quando conseguimos realizar isso. Acreditamos ser inteligentes por ter imaginado enganar a Lei. Mas, isto é astúcia, é inteligência dos loucos, porque não se pode enganar a Lei. Este é um raciocínio às avessas, porque o engano sempre volta sobre o enganador. Significa disparar uma arma contra si mesmo. Não se pode evadir da justiça de Deus. O dia da prestação de contas acabará por chegar, tudo terá de ser pago. Que acontece então? Acontece o que vemos no mundo: desastres. Eles, de fato, representam o ponto final da queda da avalancha. Eis onde acaba a grande sabedoria dos astutos deste mundo. A loucura humana permanece, desse modo, enquadrada dentro da perfeita lógica da Lei.

Estamos tecendo uma rede de conceitos e armando um edifício de fatos para explicar e demonstrar estas verdades. Em nossos livros, o ponto de partida são as teorias, para chegar depois às suas consequências práticas. Nestas palestras, o ponto de partida é a realidade de nossa vida, que se torna compreensível quando é explicada por aquelas teorias. Podemos assim entender quanto o jogo é complexo, se o olharmos em profundidade. Cada uma de nossas vidas passadas teve seu destino, e nele esgotaram-se os efeitos próximos das causas que anteriormente havíamos posto em funcionamento. Da mesma forma, nosso destino atual é a consequência dos pensamentos e atos com que o construímos, como a queda da avalancha não depende só da neve que a forma, mas também da altura de onde partiu. Ao mesmo tempo, esses pensamentos e atos foram por sua vez a consequência de hábitos adquiridos através dos pensamentos e atos das vidas precedentes. Tudo, em cada momento, é efeito e causa ao mesmo tempo, é fruto do passado e semente do futuro. Até que nosso impulso anterior não se esgote, ou nosso caminho não esteja endireitado, nossos pensamentos e atos serão determinados pelos nossos hábitos e instintos, como os construímos no passado. Com os pensamentos e atos atuais construímos os hábitos e instintos futuros, que dirigirão nossos pensamentos e atos de amanhã. Com estes, por sua vez, construiremos nossa personalidade de depois de amanhã e assim sucessivamente.

Os diferentes momentos da construção de nós mesmos, ou os degraus sucessivos da evolução do nosso eu, estão acorrentados à mesma cadeia. Cada degrau apoia-se sobre o precedente. Ai de quem começa a resvalar ao longo da descida e a tomar velocidade nesse rumo! Quanto maior for a velocidade adquirida, tanto mais difícil será parar e mudar a direção do caminho. O contrário acontece para quem tomou a estrada da subida.

Na economia do Céu não há inflação monetária, porque o valor da moeda está sempre sustentado por uma reserva de ouro infinita, que é Deus. Assim, vale a pena fazer economias, porque no Banco de Deus, nunca há perigo de desvalorização. Elas ficam sujeitas a um juro composto, que representa uma tendência a fazer crescer sempre mais o capital. Tudo isso ajuda na subida, que assim se toma cada vez mais fácil, enquanto a velocidade na descida tem, da mesma forma, seus juros compostos, às avessas, isto é, no sentido de dívida e não de crédito. Encontra-se, assim, nas duas direções opostas a mesma tendência para a aceleração, cada uma dirigida para seu ponto final: a salvação para quem sobe e a destruição para quem desce. Cabe a nós escolher o caminho.

A loucura dos astutos e a invencibilidade da Lei. "Os que têm fome e sede de justiça serão fartos".

Afirmamos até agora não somente a presença de uma Lei que dirige os fenômenos do universo e também os da nossa vida e conduta, mas estudamos ainda a técnica do funcionamento dessa Lei e o modo como é possível corrigir os erros do passado. A sabedoria e perfeição da Lei manifestam-se também na capacidade de recuperação, a qual deixa o ser livre para experimentar as consequências do mal e lhe permite desse modo, adquirir uma sabedoria sempre maior e assim reconstruir o que ele na sua ignorância destruiu. Essa Lei é universal e tem de estar presente, funcionando em todos os pontos do universo, tanto mais quanto este, na sua evolução, já chegou aos níveis da vida, da inteligência e do espírito. Essa Lei é verdadeira tanto para os indivíduos como para os povos; rege não só o destino a ser construído pelo homem para si mesmo, como o desenvolvimento da História, na qual se vai realizando o destino que a humanidade, com a sua conduta no passado, deu origem ao presente e consequentemente ao futuro. O conhecimento do funcionamento da Lei nos oferece, não somente a chave para compreender o jogo complexo de nossa vida, mas, seguindo a lógica da mesma Lei, oferece ainda o meio de prever aquilo que, como efeito do passado, nos está esperando e nos permite corrigir o que estiver errado, ajudando-nos ao caminho certo, avançando, assim, sempre bem orientados.

Observando qual foi, e atualmente é, a conduta de cada um e da sociedade humana no seu conjunto, é fácil prever o que nos espera no futuro. Parece que o esforço do homem se dirigiu unicamente no sentido de se rebelar contra a Lei, havendo usado sua inteligência sobretudo na busca de escapatórias para fugir as suas sanções. Que foi semeado no passado? E então, que se pode colher? Alguns se consolam dizendo: “o inferno não existe"; e acreditam dessa maneira ter destruído o poder de reação da Lei, que os incomoda. Assim, ser-lhes-ia possível fazer tudo o que quisessem, sem ter de pagar nada. Descoberta maravilhosa! Porém, vejamos: se a ideia dum inferno, tal como concebido no passado, foi produto da forma mental da Idade Média, e se a evolução da inteligência humana superou essa ideia, ela não representa senão um modo de conceber o fenômeno indestrutível da reação da Lei, fenômeno que, assim, persiste ainda quando o consideremos de forma racional e científica. Poderemos, então, dizer que o inferno, no sentido em que foi concebido no passado, não existe, mas com isso não se pode crer que fique anulada a reação da Lei, necessária para manter aquele equilíbrio, ou seja, sua justiça. Temos de conceber o inferno de outra maneira, mas isso não significa negá-lo, nem que ele deixe de existir para quem o merece. Em outras palavras: não há evolução de pensamento não se admiti que alguém deixe de pagar o mal praticado.

É interessante observar a atitude do mundo perante a Lei. O homem a enfrenta com a psicologia do seu plano de existência, em forma de luta para vencê-la, como se se tratasse de um patrão egoísta e inimigo, contra o qual é preciso rebelar-se, entendendo que são hábeis os que conseguem triunfar, quanto fracos e desprezíveis os que se deixam escravizar. Mas, na realidade, tudo é diferente. Procedendo assim, o homem agride o seu maior amigo que é a Lei, afasta-se de Deus - que é a sua própria vida, rebela-se contra aquela harmonia, na qual, somente, pode consistir sua felicidade. Quão estranho ver como os grandes astuciosos da Terra julgam ser possível lograr a Deus, e na sua ignorância se lançam eles próprios na armadilha construída com seus enganos! Isto porque não há inteligência nem má vontade que possa conseguir subverter a ordem e paralisar a justiça de Deus. - "Bem--aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos". - Esta grande promessa embora nosso mundo esteja cheio de prepotência e de injustiça nos garante a existência da justiça, e dela seremos saciados.

Mas, os astutos do mundo querem continuar com as suas astúcias e revoltas e assim sofrem mais. Infelizmente, esta é sua forma mental, e não há coisa tão difícil como a de sair da própria forma mental. Ninguém compreende além de suas possibilidades, além daquilo que o ser possui, porque o adquiriu com a sua experiência e evolução. Não compreender quer dizer errar e depois ter de pagar. A grandeza e a sabedoria da Lei está em não ser enganada. Procurar escapatórias significa, em última análise, construir para si armadilhas e nelas ficar preso. A Lei está feita de tal maneira que, a cada tentativa de nos evadirmos, acabamos constrangidos a sua obediência. A Lei não pode ser subjugada nem torcida pela força, não pode ser corrompida por dinheiro, nem vencida com armas, não pode ser frustrada com o tempo, nem desviada e defraudada em sua justiça. Não vale a pena lutar contra ela. Que pode a astúcia, a maldade, a força do homem contra uma potência imaterial, invisível, presente sempre, em todos os lugares e em todos os tempos, a tudo e a todos absolutamente superior em inteligência, domínio: e disponibilidade de recursos? Desafiar uma tal Lei, Julgando ser possível vencê-la, pode apenas ser fruto duma grande ignorância.

Os que procuram justiça no mundo e não a encontram são a maioria. Mas, eis que a Boa Nova de Cristo nos garante que eles serão fartos. A verdadeira solução, porém, encontra-se, e sempre se encontrou, além dos estreitos limites de nosso mundo, de nossa vida atual: nos braços da Lei, em nossa vida maior, em que tudo tem de equilibrar-se conforme a justiça. Estamos aqui explicando a maravilhosa Lei de Deus, anunciada pelo Evangelho de Cristo, para demonstrá-la claramente aos honestos, esmagados pela prepotência humana, e dar-lhes a satisfação de saber que, apesar de tudo, a justiça existe e será realizada. Vimos também a técnica do fenômeno, pela qual tudo isto acontece. É lógico que quem não quer raciocinar, e não sabe sair da sua forma mental, com esta julgue, condene e opere. Mas, os desastres que se sucedem como consequência dessa psicologia de cegos são vistos em nosso mundo a toda a hora. Estamos analisando tudo isso, também, para ensinar a não se fazer o mal, e mostrar o resultado àqueles que o fazem, demonstrando como se paga pela má conduta, quando enganamos os outros. Assim nosso trabalho está apoiado integralmente na moral evangélica.

Talvez os mais atrasados não tenham desejo algum desse conhecimento. Pelo contrário, talvez queiram fugir dele, incomodados pelo descomedido descontrole dos seus instintos. Mas, que grande felicidade para os mais adiantados, para os que “têm fome e sede de justiça", saber que serão fartos, porque existe de verdade um lugar mais alto, onde domina a ordem e a harmonia, e que só Deus, na Sua justiça e bondade é vencedor absoluto! Que felicidade saber que quem verdadeiramente manda, porque está acima de tudo, é essa Lei, inatingível aos assaltos humanos, invulnerável perante todos, inalterável e indestrutível para sempre!

Aparece, assim, a visão da infinita multidão dos seres que vão andando pelos caminhos da evolução numa imensa corrente, assim como as gotas de água num rio seguem para o mar. Elas vão para o mar fatalmente, porque esta é a Lei que as impulsionam.

Da mesma forma, o cortejo dos seres vai para Deus fatalmente, porque esta é a Lei. Eles não podem deixar de ir para Deus. Este é o caminho marcado para todos: nascer, viver, morrer, renascer, viver e morrer, outra vez levados para um lado ou outro do dualismo da existência, experimentando, evoluindo, reconstituindo-se a si mesmos, até aprender toda a lição da Lei e reintegrar-se em espírito no seio de Deus.

Explicar a razão pela qual tudo isso acontece, exatamente dessa maneira e não de outra, levaria-nos bem longe, a um campo mais extenso, de teorias abstratas e complexas, afastando-nos da realidade prática de nossa vida, que todos conhecemos. Para os interessados neste assunto, ele foi estudado, até as suas primeiras causas e últimas consequências, nos livros A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema. Aqui, nestas palestras de caráter mais singelo, não é possível apresentar destas teorias senão as consequências que mais de perto nos tocam. Queremos com isso salientar que das conclusões práticas aqui apresentadas, como acima referimos, já foi explicada a causa primeira de onde elas derivam e a razão profunda que as justificam; por outras palavras, já possuímos os elementos racionais e positivos em que estas conclusões se baseiam, e de onde foram extraídas, elementos que nos demonstram e garantem aquela verdade. Isso nos permite tratar com lógica e objetividade o assunto, em geral enfrentado empiricamente, da moral e das leis da vida que dirigem nossa conduta. Esse tema nos pareceu mais interessante para nossos ouvintes, tema ardente porque toca o terreno de nossas lutas quotidianas e envolve consequências que todos temos de viver. O fato de se ter compreendido estas palavras e de se tomar a sério estes conceitos, para os aplicar na vida, pode produzir efeitos incríveis, inclusive o de melhorar um homem e renovar um destino.

O maravilhoso é que a Lei de Deus está pronta a entrar em ação em qualquer lugar, inclusive em nosso mundo inferior, tão logo a aceitemos e vivamos. Quem faz isto toma-se parte dela, como cidadão duma nova pátria, adquirindo, assim, o direito de possuir o poder, os recursos e as defesas que a Lei confere aos seus seguidores. Estes, também em nosso mundo, tornam-se assim os mais fortes, porque são protegidos por Deus. O universo está dividido em duas partes: a da Lei, onde estão os bons, e a dos rebeldes, contra a Lei, onde estão os maus. O dualismo que tudo domina, nos demonstra claramente que vivemos num universo despedaçado: Deus e Antideus, bem e mal, vida e morte, felicidade e dor, luz e trevas, e assim sucessivamente. O que mais quereríamos demonstrar nestas palestras são as vantagens de pertencer do lado da Lei, isto é de Deus, e não do lado da anti-Lei, isto é, do Antideus. Viver e agir ao lado da Lei e de Deus, quer dizer operar conforme a justiça. Ora, o homem que vive de acordo com a justiça sabe, em consciência, diante de Deus, que verdadeiramente tem razão e isto lhe confere total segurança; e não a possui, quem, pelo contrário, não age de acordo corri a justiça, conscientemente, perante Deus. Essa consciência íntima de estarmos limpos, cumprindo um dever, constitui nossa força, força que nos faz vencer. Essa convicção profunda, de que a justiça tem de triunfar quando somos justos, nos dá a certeza da vitória.

Deus protege os justos, os quais merecem, por sua vez, Sua proteção. Quando um homem se coloca, com a sua conduta, do lado oposto ao da Lei, do lado da anti-Lei, emborca-se a situação. Deus não o protege. Ele não pune, não se vinga. Deixa o ser na posição escolhida por ele mesmo, a de quem está fora da Lei. Então, ele fica abandonado, sozinho, entregue apenas as suas pobres forças, o que quer dizer, perdido e sob o poder de todas as forças negativas que procurarão unicamente destruí-lo. Quando as criaturas se ausentam de Deus, afastando-se d‘Ele, voltam aos seus instintos inferiores e caem, e com isso se autocastigam, agredindo-se umas ás outras, mergulhando sempre mais numa atmosfera de destruição. Isso, porque Deus é amor e vida, e para quem se afasta d‘Ele não há senão ódio e morte De tudo isso não há como fugir, porque é automático, fatal, faz parte da estrutura e do funcionamento da Lei. Tudo fica submetido a sanções invencíveis e absolutas, que o ser não pode, de boa ou má vontade, repelir.

A conclusão deste capítulo é a declaração da imensa superioridade, inclusive na luta pela vida, do homem justo, e a inferioridade daqueles que julgam ser hábeis por serem astutos, entre os enganos do mundo. O primeiro está progredindo no caminho do equilíbrio, para a harmonia, que constitui a felicidade; o segundo tipo desce sempre mais, abismando-se no desequilíbrio, na desordem, que constituem a infelicidade.

Por isso, nunca nos cansaremos de demonstrar as vantagens de se agir corretamente, conforme a Lei de Deus. É muito doloroso ver o mundo cair em tantos sofrimentos pela ignorância duma coisa tão importante e evidente: a presença e o funcionamento dessa Lei. Quem compreendeu tudo isso, não pode deixar de se perguntar: Como é possível que, para aprender uma lição tão clara, sejam necessárias tantas dores e desilusões? E para impelir o homem a cumprir sua trajetória evolutiva, representando o caminho da própria felicidade, sejam necessários tantos sofrimentos? Como é possível não ver que quem se rebela contra a Lei de Deus não gera outra coisa senão o seu próprio dano? Porque não vê que, semeando o mal, semeia para si tantas dores? Quanto se poderia meditar a respeito de tudo isso!

Novo modo de conceber e encarar a vida. A alegria de quem compreendeu. Não julgar para não ser julgado.

Minha maior satisfação foi a de ter descoberto que o mundo é regido pela sabedoria, bondade e justiça de Deus, conclusão a que chegamos no capítulo anterior. Mas, se tudo é regido por Deus, o universo é uma máquina perfeita e o nosso mundo não é só o que pode parecer, isto é, o reino da desordem e do mal. Há uma realidade diferente para além das aparências. Minha grande satisfação foi o ter descoberto essa outra realidade. Olhando em profundidade, cheguei a ver que o pior está na superfície e que, debaixo dessa, se encontra um outro mundo regido por uma outra lei, feita de sabedoria, justiça e bondade. Esta lei é a Lei de Deus, que da profundidade tudo dirige. Este é o terreno de pedra resistente onde se pode construir sem perigo de enganos. Esta é a fonte que pode saciar quem tem sede de justiça, de bondade e de verdade. Então, a vida não é um caos de lutas desordenadas, onde há lugar só para os mais fortes, que costumam vencer de qualquer modo, mas é um lógico e justo trabalho de experiências, é um caminho dirigido para nossa felicidade. Realmente, não vivemos ao acaso, abandonados a nós mesmos, perdidos neste imenso universo desconhecido, mas temos um Pai nos Céus, o Qual, se com a Sua Justiça golpeia os maus, fazendo-o para o bem deles, também recompensa os bons, que merecem. Podemos contar com Ele e n‘Ele confiar. Ele mantém sempre Sua palavra, que está escrita na Sua Lei, e concede-nos o que tivermos merecido. Ele vela por todos nós. Temos pois, Alguém que defende nossa vida e que está pronto a ajudar a todos, bons e maus, para levá-los ao bem e à felicidade. Somos elementos constitutivos e cidadãos dum universo orgânico, em cujo seio a Lei coordena nossa vida em relação a todos os outros elementos, todos irmanados em função do mesmo princípio central diretor, orientados e impulsionados para a mesma finalidade, a salvação universal.

Vemos assim que, em realidade, a injustiça é fenômeno transitório e de superfície. Quem verdadeiramente manda é Deus, isto é, o bem, e as próprias forças do mal acabam trabalhando apenas em função do bem. E, se é Deus quem manda, quem na realidade reina e tem de vencer, não o faz pela força, mas sim pela justiça. Não há força que possa impor-se violando esta Lei. Mais cedo ou mais tarde, cada um acaba recebendo o que merece. A revolta contra a ordem, permitida por Deus, não consegue, como o homem quereria, subverter essa ordem para sua vantagem, mas só o arrasta para seu dano. Como quem faz o bem tem de receber sua recompensa, assim, quem faz o mal tem de pagar com seu sofrimento.

Esclarecer tudo isso, como estamos fazendo, se representa um aviso para os maus, não há dúvida que constitui um grande consolo para os bons. Desloca-se assim completamente o conceito da vida. O mais forte é Deus e quem está junto d‘Ele, porque vive conforme Sua Lei. O verdadeiro poder não está nas mãos dos prepotentes e astutos, como parece ao mundo. Coisa incrível para quem não sabe ver além das exterioridades. O poder está nas mãos dos honestos que, pelo fato de obedecerem a Deus, com Ele colaboram e são por Ele protegidos. Podemos, assim, ter confiança na vida porque ela está sempre bem dirigida por Quem tudo sabe, mesmo quando ela se encontra repleta de ignorância; está bem comandada pela divina bondade, mesmo quando somos maus; está sempre dirigida para o nosso bem e felicidade, mesmo quando vivemos na dor.

Quanta luz e alegria de otimismo pode espalhar ao redor de si quem compreendeu tudo isso! E quem se sente alegre não pode renunciar a satisfação de comunicar aos outros esta sua alegria. Por isso, nunca nos cansaríamos de explicar estes conceitos, de demonstrar e confirmar estas verdades, para que os outros também tomem parte nesta festa. Alegria nenhuma é completa se não e compartilhada com os outros. Vamos assim, sem querer, explicando sempre mais o conteúdo da nossa obra e seu objetivo. Nossa luta é só para vencer o mal que inunda o mundo, com as armas da inteligência, da sinceridade e da bondade. É para oferecer de graça o produto que parece faltar-lhe mais, isto é, um meio de orientação para aprender a viver com mais inteligência e menos sofrimento.

Quem conseguiu compreender tudo isso e viver olhando para Deus, concebe tudo de maneira diferente, torna-se outro homem e, como se houvesse descoberto um outro mundo, nele vive uma outra vida, mais satisfeita, ampla e poderosa. Desfaz-se, então, para ele o jogo das ilusões humanas, em que tantos acreditam com fé inabalável, e atrás delas aparece outra realidade, que nos explica a razão pela qual existe e temos de suportar esse jogo. Por outras palavras, vive-se de olhos abertos, compreendendo o motivo porque tudo acontece. Vive-se orientado a respeito da conduta a seguir e das finalidades da vida. Quando, por ter evoluído, cai o véu da ignorância que nos impede de ver esta outra realidade, então se compreende que fazer o mal aos outros, acreditando ser possível levar vantagem, é loucura que não tem o alcance desejado. Auferir lucros por esse caminho pode parecer possível só para quem está ainda mergulhado na ignorância, própria dos níveis inferiores da evolução. O que de fato acontece é que quem espalha veneno o espalha para todos e para si também. Assim quem faz o mal, acaba fazendo-o também a si mesmo.

Não há somente um funcionamento físico e dinâmico, mas também um funcionamento moral e espiritual do universo, com as suas leis exatas e fatais, como são as leis do plano físico e dinâmico que a ciência estuda. O universo em que moramos, está construído de maneira tal, que seria grande erro dizer que um determinado dano não nos interessa por não ser nosso. Não é possível isolar-nos de coisa alguma no universo. Queiramos ou não, estamos irmanados a força no mesmo mundo, respirando todos uma mesma atmosfera de fenômenos, sejam físicos, dinâmicos ou espirituais, - entrelaçados entre si, - de maneira que qualquer movimento ecoa e se repercute em todos os sentidos, e não pode parar, enquanto não atingir seus últimos efeitos. Não existem compartimentos estanques, divisões absolutamente trancadas, que possam parar uma vibração, uma vez que esta seja posta em movimento. Não é possível construir paredes suficientemente fortes que possam separar seres feitos da mesma vida e sujeitos à mesma Lei, paredes capazes de isolar a nossa vantagem da vantagem dos outros, ou nosso dano, do dano dos outros. Tudo, enfim, se precipita na mesma atmosfera, de onde cai a chuva para todos.

É verdade que a natureza contém prepotência e parasitismo, e a vida os permite e os aceita. Mas, por quê? A vida age assim, não para vantagem do vencedor, mas da vítima, e por este caminho, lutando, lhe ensina a conquistar para si o seu lugar no mundo. Assim, acontece que, quando a vítima aprende a lição sob os pés do vencedor, lição que este mesmo lhe ensinou com o exemplo, esmagando-o, ela se rebela; então o escravo, se puder, escraviza o patrão. Mas, quem foi que doutrinou e adestrou os subordinados, mostrando-lhes este caminho? É assim que a prepotência, filha da injustiça, dá fruto até certo ponto e essa superioridade e predomínio duram enquanto ensinam. Isso é de fato o que vemos acontecer no mundo. O que sustenta tanta luta é tão-somente a antevisão da vitória. E a razão dessa luta contínua é o fato de ela, em si, constituir uma escola para desenvolver a inteligência, até se chegar a compreender que a vitória antevista é uma ilusão. Mas, na verdade, serviu como estímulo, para o indivíduo alçar o objetivo da vida: o progresso.

O homem foi sempre vítima de enganos dos sentidos e de sua mente, enganos que o levaram a erradas interpretações dos fatos. Acreditou-se já na solidez e indestrutibilidade da matéria; acreditou-se que o Sol girava ao redor da Terra e não a Terra ao redor do Sol; que a Terra era imóvel; e, assim, em muitas outras coisas. Só agora começa o homem a perceber quão enganadora é a aparência das coisas e que a verdade é outra, embora ainda esteja escondida bem profundamente. De quantas ilusões psicológicas temos ainda que libertar-nos! Isto sobretudo no terreno intelectual, porque é nosso intelecto o meio por intermédio do qual percebemos e concebemos tudo. O que condiciona nossos julgamentos e ideias em todos os campos é a natureza, as capacidades e o desenvolvimento do intelecto. Cada ser não pode viver senão em função da compreensão que possui. Assim, muitas vezes aceitamos como verdades absolutas, axiomáticas, ideias que são frutos da nossa forma mental, e que a ela respeitam. É necessário um controle contínuo, e saber olhar em profundidade, para se chegar a compreender a falsidade de tantos conceitos que cegamente aceitamos e que dirigem nossa vida.

Cada um julga com os elementos que possui. Quanto mais somos ignorantes, menos elementos possuímos, e quanto menos elementos possuímos, mais rápidas e absolutas são nossas conclusões. Ao contrário, quem possui mais conhecimento e, com isso, mais elementos para julgar, não chega a conclusões simplistas, rápidas e absolutas. Logo, quem mais se aproxima da verdade é quem julga lentamente, sem absolutismo, mas com profundidade. Então, quem julga, lançando seu julgamento sobre os outros, em última análise julga a si mesmo, e com seu julgamento, se revela. Pelo fato de ele não poder julgar senão conforme seu tipo de pensamento e natureza, com o seu julgamento são descobertos seu pensamento e sua natureza. A melhor maneira de se chegar a conhecer uma pessoa é a de observar os seus julgamentos a respeito dos outros. Quando alguém cai na ilusão de supor que, julgando os outros, está assim pondo-os a descoberto e colocando-se acima deles, na realidade, apenas se está submetendo a julgamento, descobrindo-se e mostrando a todos seus próprios modos de ser.

O mundo em que vivemos é muito diferente do que aparece por fora, daquilo que a maioria julga ser real. Quem faz o mal aos outros o faz a si mesmo, quem julga está sendo julgado; apesar da tentativa do homem de contraverter a lei da justiça para sua vantagem, a justiça o vence, se assim ele o merecer. E desse modo, sempre. Esta é uma constatação que estamos fazendo. Mas, a essa altura, poderíamos perguntar; como é possível tudo isso, como acontece essa retificação, qual é a mecânica desse fenômeno?

Tudo é devido à Lei, cuja presença nunca nos cansaremos de salientar. E presença da Lei quer dizer presença da vontade viva e ativa de Deus. O Pai nosso que está nos céus não está ausente do nosso mundo, indiferente à nossa vida, vida que de súbito acabaria se não fosse sustentada por Ele, pela Sua viva presença. Dentro da Lei ou Vontade de Deus, o homem é livre de movimentar-se, embora dentro de limites marcados. Por isso, dentro desses limites, ele pode agir de maneira diferente da que manda a Lei. Nasce então, quando o homem não age de maneira concorde com a Lei, a luta entre ele e Deus, um choque de vontades: por um lado, a da criatura rebelde, para inverter tudo, de tudo tornando-se centro e dona, o que seria o caos, a destruição e a morte; e, por outro lado, a vontade de Deus, endireitado tudo, permanecendo Ele centro e dono, - o que é a ordem, a salvação e a vida.

Se a vontade de Deus, escrita na Lei, não retificasse a todo o momento o desvio que o homem tenta realizar, fora do caminho certo, tudo acabaria na desordem. Na verdade, seria absurdo que a criatura pudesse substituir-se ao Criador na direção dum mundo cujas leis profundas, escapam à sua inteligência. Se a vida do homem não fosse dirigida por uma mente superior a dele, como organismo físico, como estrutura social, desenvolvimento histórico, como ascese espiritual - tudo no mundo teria fracassado há muito tempo. Se tudo o que significa rebeldia do homem à Lei não fosse continuamente corrigido e devidamente orientado na direção certa para a salvação final, como poderia esta ser atingida, como tem absolutamente de o ser? Certamente não é o homem que pode dirigir o navio da humanidade através do oceano do tempo. Ele está perdido nos pormenores do momento, nas suas lutas e interesses particulares. Falta-lhe a visão para se orientar no caminho dos milênios.

Assim, a Lei, trabalhando de dentro para fora, da profundidade para a superfície, vai sempre suprindo os gastos que na vida se verificam, emendando os erros, retificando os desvios da criatura inexperiente. É a vontade de Deus que salva tudo e não a vontade do homem. É ela que na justiça final reequilibra a injustiça do mundo; é ela que na sua ordem corrige a desordem, que com a sua inteligência dirige nossa ignorância, que com a sua bondade cura e elimina nossa maldade; que, educando-nos, anula nossos erros com o sofrimento, levando-nos para a felicidade. Esse fenômeno é devido ao que se chama imanência de Deus, Que não existe só, transcendente, nos Céus, mas também, presente, entre nós. Se assim não fosse, quem poderia salvar o mundo? Tudo estaria perdido. É a presença d‘Ele que impulsiona e dirige a evolução, reorganiza o caos, reconstrói o edifício despedaçado, fazendo retomar todos os elementos à sua unidade, o mal ao bem, as trevas à luz.

A essa altura, ergue-se com mais força ainda a pergunta que surgiu anteriormente: como acontece essa retificação, qual é mais exatamente a técnica de funcionamento desses fenômenos? O assunto é vasto e não é possível desenvolvê-lo inteiramente neste capítulo.