Neste ponto da composição do presente volume, em Novembro de 1956, após o término dos dois cursos de São Paulo e do Rio, foi iniciado um terceiro curso em Santos, sobre o mesmo tema. Isto ofereceu-nos a oportunidade de fazer mais uma recapitulação em vários conceitos relativos à visão e exercer novo controle a seu respeito. Foram acrescentados, por isso, novos capítulos, onde se responde a novas perguntas, voltando a defrontar o mesmos problemas e afins, sob outros pontos de vista. Será possível duvidar da verdade da visão, depois de tão prolongado controle?
PERGUNTA:
Para o nosso mundo atual, o maior interesse se relaciona com o nosso progresso. Pedimos, pois, explicações acerca do fenômeno da evolução: a) acerca da razão de sua existência; b) de suas formas; c) como ocorre a reconstrução orgânica do Sistema desmoronado.
RESPOSTA:
a) O pensamento humano parece estar de acordo neste ponto, isto é, vivemos num processo de evolução. Ora, evolução significa desenvolvimento, aperfeiçoamento, ascensão. Para compreender, temos então de perguntar-nos, primeiramente, donde surgiu tudo isso, como nasceu esse processo, qual o impulso que o determinou e por que justamente nessa direção. Se do nada, nasce nada, o processo evolutivo não pode haver nascido do nada. Trata-se de um fato positivo, inegável: portanto, é preciso achar o precedente que o determinou. Para compreender esse efeito é mister retornar à causa.
Surge então a necessidade lógica de admitir um período involutivo precedente, isto é, para haver evolução deve ter havido uma involução. Um movimento numa só direção, sem o inverso e complementar que o justifique e compense, seria um desequilíbrio inadmissível na ordem universal. Há, também, um outro fato. O conceito de evolução implica no de expansão e crescimento, que por sua vez impõe a idéia de um ponto de partida do “menos”, isto é, no negativo, deslocando-se até atingir um ponto de chegada no “mais”, ou seja, no positivo. Assim, temos de admitir que o processo evolutivo teve início no pólo negativo (caos do Anti-Sistema) e não no pólo positivo (ordem do Sistema). Surge então esta pergunta: se a causa de tudo só pode ser Deus, como podemos atribuir-lhe a gênese direta de um processo, cujo ponto de partida tem, ao invés, as características negativas, opostas, às de Deus, cujas qualidades só podem ser afirmativas e positivas? E então, se não podemos atribuir a Deus tudo isso, e se no todo não existe outra causa primeira, falta ao processo evolutivo a respectiva causa e não se consegue explicar como tenha nascido. A impossibilidade de ter nascido diretamente de Deus, é lógica, absoluta. Deus situa-se no +¥; e este processo tem o ponto de partida no –¥;. A conclusão que se chega é de não haver outro meio para explicar o fenômeno da evolução, senão intercalando entre a causa primeira, que é Deus, e o período da queda, fenômeno da revolta durante a qual se puderam inverter os originários valores positivos, na fase involutiva, até alcançar o estado negativo, único ponto de partida que podemos aceitar para a evolução.
Em outros termos, sendo a evolução um processo de reconstrução, presume, necessariamente, um período precedente de destruição. A reconstrução não pode partir de um estado de perfeição, ou seja, não pode partir diretamente de Deus. Só se pode subir depois de ter descido; só se pode reconstruir após haver destruído. Se admitirmos a evolução, temos de admitir também o Anti-Sistema, por não se poder dar-lhe outro ponto de partida. E se admitirmos o Anti-Sistema, é preciso admitir também a teoria da queda. Involução e evolução estão, reciprocamente, condicionadas, no circuito do mesmo ciclo que, partindo do Sistema, volta ao Sistema. A perfeição do ponto de partida em Deus coincide, dessa forma, com a perfeição do ponto de chegada em Deus. Neste ciclo o fenômeno da queda se intercala como um fato tão necessário, quanto o fato da evolução. Eis mais uma prova em favor da teoria da queda, a qual tem uma qualidade em seu favor: a grande harmonia e equilíbrio das partes, a correspondência quase musical dos conceitos que a dominam em seus vários momentos, visto serem dirigidos e coordenados por uma arquitetura onde cada elemento encontra, na ordem do quadro geral, com toda a lógica, o seu lugar devido, em concordância com todos os outros elementos.
b) Explicando assim o fenômeno da evolução e a razão de sua existência, observemos, para responder à segunda parte da pergunta, as suas formas, problema que interessa mais ao nosso mundo humano, para ver depois como ocorre a reconstrução orgânica do Sistema.
No plano evolutivo humano acontece um fato estranho. Não impera, como no plano vegetal e animal, uma só lei, bem determinada, seguida pelos seres, cegamente. Nesses planos biológicos, a vida domina o funcionamento dos seres deterministicamente e eles obedecem. Seguem seus instintos e não há aí luta de princípios sem escolha. A regra é única e fácil segui-la. No plano biológico humano ocorre um fato novo: a ética, que luta contra a animalidade, para superá-la. O homem vive no meio do contraste nascido do encontro e do choque entre os princípios de dois planos biológicos diferentes. Estes o disputam, o inferior para mantê-lo no seio da animalidade e o superior para arrastá-lo ao seio da espiritualidade.
Porque isso? No mundo vegetal e animal vemos a vida na posição estática, representada por uma relativa perfeição atingida em relação a dado plano de evolução. Não vemos o momento da transformação, ao contrário, vemos na fase animal-homem-super-homem, que a vida está agora realizando em nosso planeta. Para passar da planta ao animal a vida teve de conquistar o movimento. Para passar do animal ao super-homem, o homem deve conquistar a inteligência.
Qual o significado desse contraste entre planos diferentes? Por que essa luta? Como pode a lei, que rege a vida, ter princípios tão diferentes disputando o domínio do ser, ao ponto de haver conflito entre eles? Observando, em sentido mais vasto, vemos em cada fenômeno um princípio de ordem que o protege, o mantém e quer melhorá-lo; e há um princípio de desordem que o agride, estraga-o, quer fazê-lo retroceder à destruição. Verificamos a presença de uma lei de bem, lutando para agir contra uma lei de mal. Por isso, o progresso em todas as coisas, é dado pelo impulso de subida, contra o impulso contrário que quer a descida, ou pelo menos a paralisação. A evolução, por fim, consegue vencer, mas emergindo dessa contínua luta. Assim, apesar de tudo, o progresso avança. Apesar de estar sempre minado pelo impulso contrário, consegue, finalmente, realizar-se.
Onde estão situadas as origens desses impulsos contrários? Só a teoria da queda pode dar-nos a explicação desse fato. Os dois impulsos provêm um do Sistema e outro do Anti-Sistema. A evolução representa a subida do segundo, que não quer morrer, para o primeiro, que deve nascer. E o Sistema só pode nascer matando o Anti-Sistema, o qual só pode sobreviver se deixando matar pelo Sistema. O seu terreno de luta é o domínio do ser. A evolução representa o regresso ao Sistema e o extermínio definitivo do Anti-Sistema. No plano humano, o Sistema é representado pelas leis da ética e o Anti-Sistema pelos instintos da animalidade. Assim se explica esse contraste.
Grande parte da humanidade ainda está dominada pelos princípios do egoísmo separatista do Anti-Sistema. Por esta razão ainda vige no plano humano a lei da luta pela vida e da seleção do mais forte. Lei tipicamente animal, que, na prática, continua a resistir aos princípios diferentes da moral e dos ideais que, mesmo pregado aos quatro ventos, permanecem apenas como teoria. Estamos ainda mais próximos do Anti-Sistema, no entanto, esta luta no plano humano é mais viva do que nos planos inferiores, porque tanto mais se sobe, tanto mais o Sistema, ao aproximarmo-nos dele, se mostra mais poderoso, enquanto nos níveis mais baixos o Anti-Sistema domina sem contrastes sensíveis. Pertence-lhe o domínio das zonas mais involuídas, enquanto nas evoluídas, quanto mais se sobe, tanto mais se tornam domínio exclusivo do Sistema.
Só assim podemos ter uma unidade de medida, a fim de poder julgar positivamente o valor dos indivíduos e das civilizações. Quanto mais um homem ou um povo se harmoniza com os princípios do Sistema, tanto mais é evoluído. Quanto mais se praticam os princípios do Anti-Sistema, tanto mais são involuídos. Em outros termos, o grau de civilização é dado pelo grau de evangelização atingido. Este é o verdadeiro critério para julgar e aqui mostramos as razões disso. Os critérios baseados sobre o domínio político ou econômico são produtos do Anti-Sistema e pertencem ao estado de involução.
c) Procuremos agora responder à última parte da pergunta, relativa à reconstrução orgânica do Sistema desmoronado. Já dissemos ter a queda representado uma dissolução da organicidade. Ora, é lógico consistir a evolução numa reconstrução da mesma organicidade. Para poder regressar ao Sistema é preciso, pois, reintegrar a unidade orgânica que se havia desagregado. Esse processo de reconstrução nós o vimos (capítulo XI e XV) realizando-se através da Lei das unidades coletivas. A evolução opera direcionada à reunificação, movimento oposto ao da involução, direcionada à pulverização.
A evolução atua, manifestando-se, como uma realização cada vez maior e com um aumento contínuo de organicidade. O caminho do regresso é representado por um processo de reabsorção do separatismo e da desordem, através da fusão e da disciplina. Eis como acontece a reconstrução do Sistema desmoronado.
Isto implica em conseqüências importantes, com relação às transformações que terá de suportar a personalidade humana atual. De tudo quanto se explicou até agora, compreende-se como é absurdo que o nosso “eu” possa voltar a fazer parte do Sistema tal como é constituído hoje, tendo em cima de si uma bagagem de qualidades próprias do Anti-Sistema. Então, é interessante responder a esta pergunta: em que forma chegará a nossa personalidade humana, ao estado de existência própria do Sistema? Hoje, nós humanos não somos um organismo, mas diante das novas grandes unidades coletivas do futuro, representamos o mesmo que são os elementos monocelulares diante dos mais complexos organismos criados pela vida. Ora, é lógico não poderem os elementos componentes entrar na forma de semelhantes amontoados celulares desordenados, como partes componentes de superiores e complexas unidades biológicas. Não podem ser admitidas a fazer parte de um organismo, essas individuações celulares separadas e rivais, estragadas pelo atrito de uma luta intestina entre si, unidades que consomem só dessa maneira, contraproducente para a coletividade, todas as próprias energias, não sabendo viver organicamente e não conhecendo o poder daí derivado.
Da mesma forma como os elementos monocelulares devem sofrer profundas transformações para chegar a fazer parte dos organismos superiores, assim também as individuações humanas para poderem tornar-se elementos constitutivos das grandes unidades, necessitam voltar ao estado de Sistema. O homem deve superar sempre mais o seu separatismo e com isso aprender a viver coletivamente. É preciso compreender que a tarefa da evolução é destruir todas as qualidades do Anti-Sistema substituindo-as pelas do Sistema. Esta é a condição para se poder nele reentrar. É indispensável, pois, ser destruída a maior parte das qualidades que constituem hoje a personalidade humana. Que sejam não apenas afastadas, mas substituídas pelas qualidades opostas, como qualidades definitivamente conquistadas.
Nós humanos, portanto, voltaremos a Deus com uma forma de personalidade completamente diferente, ou seja, não como somos hoje, um amontoado desorganizado de elementos separados e rivais, mas na forma de tipo biológico orgânico, representando um modo de existir completamente diferente. Num futuro mais próximo, ainda como parte da humanidade, o homem não será apenas um elemento num exército de microorganismos, mas poderá erguer-se às funções mais nobres de células especializadas em atividades superiores, até às nervosas e cerebrais, como ocorre no corpo humano. Unificação, fusão, reorganização, querem dizer também especialização, aperfeiçoamento e potencialização, impossíveis de outra forma. Neste sentido a reconstrução aparece como uma verdadeira criação.
Não nos iludamos pensando poder atingir Deus assim como somos hoje feitos, sozinhos; mas apenas fundidos em conjunto, abraçados ao nosso inimigo a quem tivermos perdoado, ao ignorante a quem tivermos ensinado, ao inferior a quem tivermos levantado até ao nosso nível, ao malvado que tivermos transformado em bom. Da mesma forma como em nossa fase atual, átomos, moléculas, tecidos, órgãos, fundindo-se juntos em unidades sempre maiores, chegaram a constituir o indivíduo humano, assim no futuro, homens, famílias, grupos sociais, povos e nações, humanidades e humanidades de humanidades, fundindo-se juntos em unidades cada vez maiores, chegarão a construir unidades coletivas sempre maiores, complexas e perfeitas, constituindo no seu último estado evolutivo, o Sistema. Se, no fundo da queda, o ser atingiu o estado de máximo separatismo, no cimo da ascensão o ser só pode atingir o estado de máxima reunificação.
Resumindo a resposta à pergunta formulada, explicamos porque, como necessidade lógica, existe o fenômeno da evolução (como conseqüência do período precedente inverso de involução), e depois o porquê da forma pela qual age a evolução, especialmente no plano humano (luta entre os impulsos provenientes dos dois pólos opostos), mostrando enfim, como ocorre a reconstrução do sistema desmoronado (por fusão orgânica em unidades coletivas cada vez mais amplas).
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Como conseqüência das explicações precedentes, surge entretanto uma outra pergunta.
PERGUNTA:
Foi dito na última resposta que, para passar do animal ao super-homem, o homem tem de conquistar a inteligência. Que ocorrerá, pois, à nossa personalidade humana, com conhecimento e consciência, e que repercussões terá?
RESPOSTA:
Vimos que a evolução realiza uma série de transformações na natureza do ser, substituindo-lhe as qualidades do Anti-Sistema pelas do Sistema. Focalizemos a nossa atenção sobre essa qualidade especificamente humana, que é a inteligência. Qual a razão de a evolução desenvolver inteligência? De onde nasce esse desenvolvimento? Trata-se de uma criação ou de uma restituição? Ou seja, trata-se do aparecimento de um estado novo, não contido nos precedentes, ou então de um regresso e de uma reconquista, decorrente de um estado precedentemente existente?
Respondamos com outra pergunta: que ocorreu, com a queda, à inteligência que dirigia o Sistema? Continua a dirigir o Anti-Sistema, para salvá-lo, dissemos. Mas também dissemos que, para a criatura, a queda significa destruição da luz da compreensão, nas trevas da ignorância. Então, quanto às qualidades cognoscitivas e diretivas, dominantes no Sistema, deve ter ocorrido o mesmo que acontecera, com a queda, às outras qualidades. Assim, por exemplo, tal como a queda não representou, como vimos no capítulo precedente, uma destruição das distintas individuações, mas a destruição do seu estado orgânico de Sistema, reduzindo-a ao estado desorganizado de Anti-Sistema, assim, no caso em estudo, a inteligência representada pelas qualidades cognoscitivas e diretivas não foi destruída, mas permaneceu apenas na mente que regia o Sistema e o Anti-Sistema, ou seja, em Deus e em Sua Lei, enquanto escapava das mãos da criatura, por ter caído nas profundas trevas da ignorância. O conhecimento permaneceu intato, mas só no Sistema, e não no Anti-Sistema, que o perdeu. Cabe agora a este, em conseqüência da revolta, uma obediência ainda mais dura, porque deve ser executada forçadamente por um ser cego, amarrado a uma lei determinística; obediência ainda mais dura do que a livremente executada no Sistema por um ser consciente, o qual aceita porque compreendeu e se convenceu.
Com a queda, portanto, o conhecimento passou das mãos da criatura, que antes era colaboradora consciente da Lei, às mãos da Lei. À qual a criatura, que já não mais pode possuir funções livres diretivas porque se revoltou e decaiu na ignorância, deve agora obedecer cegamente. É lógico que,, quanto mais a criatura se aprofundar no Anti-Sistema, mais ela ficará submergida na ignorância, e mais virá a perder sua liberdade, que não é uma qualidade que se possa conceder aos inconscientes, que não podem saber fazer bom uso dela.
Dessa forma, a revolta produziu, como conseqüência, não a subversão da Lei, mas apenas a subversão dos rebeldes. A Lei de Deus permaneceu íntegra, mesmo no Anti-Sistema, com a função de reerguê-lo, impelindo o ser, tornado ignorante da Lei e coagido através do erro e da dor, a aprendê-la novamente. Assim, como a queda, o conhecimento se emborcou em ignorância, com a evolução se dá o afastamento da ignorância em direção ao conhecimento. Temos, então, duas inteligências antepostas com guias do ser: a da Lei substituindo tanto mais à do indivíduo quanto mais este perde consciência por descer ao Anti-Sistema; e a inteligência do indivíduo, sendo reconquistada pela evolução. A primeira inteligência pertence à consciência cósmica ou pensamento de Deus. A segunda é patrimônio individual de cada ser, que a possuía plenamente no estado perfeito do Sistema, mas perdeu-a com a queda no Anti-Sistema, mas reconquista-a, evoluindo até ao estado perfeito do Sistema. Até este momento, quanto se retoma a posse de sua posição de elemento consciente da Lei e de seus planos, caminha como um cego; A Lei o conduz pela mão, e o dirige sem que o saiba, guia-o e o impele indiretamente, a fim de não lhe violar a liberdade, manobrando-o por meio dos instintos, barrando-lhe o caminho errado com reações dolorosas, premiando-o com melhora de vida cada esforço de progresso. Mas, com a evolução, o ser se liberta cada vez mais desse determinismo, volta a compreender a utilidade de seguir a Lei, preparando-se para obedecer-lhe espontaneamente; a Lei, então, permite-lhe apoderar-se das alavancas de comando, concedendo-lhe assumir pouco a pouco as funções diretivas, até personificar os próprios princípios da Lei, como ocorre no Sistema. Dessa forma, como seu esforço de tornar a subir o caminho da descida, com a reconquista da consciência, o ser readquire a liberdade perdida. Esta só lhe pode ser dada pelo conhecimento. O pensamento de Deus, que dirige tudo, é lógico e previdente. Não se pode deixar a livre escolha de dirigir-se, a quem caminha nas trevas, mas apenas a quem dá bastante garantia de possuir conhecimento para não cair e arruinar-se. Por isso, a liberdade chega à proporção que se desenvolvem paralelamente o conhecimento e a inteligência. Explica-se, assim, a razão do livre arbítrio, ou seja, a possibilidade de certa amplitude de escolha, só aparecer no homem em determinado ponto da evolução, e não antes. Mas, muitas vezes, este não concebe ainda a liberdade em função do conhecimento, o único que lhe pode garantir o bom uso dela, mas deseja e usa a liberdade sobretudo para libertar-se do freio da Lei, e não para segui-la. Esse modo de compreender vem do Anti-Sistema, ou seja, a liberdade de rebelar-se ainda, para retroceder à animalidade. É natural que, no homem, ainda imerso em grande parte no Anti-Sistema, ainda domine a atração deste, de forma preponderante, isto é, volte o impulso da revolta e o instinto de retroceder.
Assim o crescimento da inteligência assume função muito importante no desenvolvimento da evolução, pois representa a qualidade que torna sempre mais independente do determinismo dos planos inferiores, atribuindo cada vez mais ao indivíduo funções diretivas, até permitir-lhe como acontecerá ao homem futuro, tomar ele mesmo as rédeas do fenômeno da evolução e dirigir, assim, o desenvolvimento da vida em seu planeta. O maior prejuízo para a nossa humanidade atual é o grau de involução. O ser evoluído funciona com princípios e instintos totalmente diferentes.
Nos planos mais baixos, imersos no Anti-Sistema tudo é determinismo, tanto mais quanto mais descemos. Se a matéria não estivesse fechada no âmbito de leis determinísticas, a ciência não poderia construir as suas teorias. Se cada fenômeno não obedecesse cegamente à sua lei, esta não poderia ser descoberta pela observação e experiência. Na matéria, tudo é automático, calculável, previsível, porque nesse plano, em seu conjunto, não há liberdade. Mas tudo se passa diversamente, se subimos aos fenômenos da vida; e mais ainda se chegamos aos fenômenos da psique e do espírito, com os quais o ser se liberta cada vez mais do determinismo, tornando-se senhor autônomo de suas ações; por isso, é sempre mais difícil, nesta altura da evolução, prevê-las e estudá-las, porque assumem uma independência de escolha ignorada no mundo físico. Tendo-se tornado mais livres com a evolução é mais difícil estabelecer a regra geral diretiva do fenômeno, pois este tende a resultados sempre diferentes em cada caso pessoal, em vista da liberdade conquistada, tanto mais quanto mais alto é o grau de evolução atingido pela pessoa.
Nos planos mais baixos, não apenas tudo é determinismo, mas também, para o elemento, tudo permanece em estado de inconsciência. A sabedoria não está nele, que permanece imerso na mais profunda ignorância, mas na Lei que o guia. Não é possível negar haver no átomo muita inteligência, tão grande que a mente humana só hoje conseguiu compreender o funcionamento íntimo desse primeiro elemento da matéria. Ora, de tudo isso, o átomo nada sabe. Da própria inteligência que o faz funcionar, o átomo não tem consciência alguma, nem podemos admitir que o átomo seja um matemático capaz de calcular as trajetórias de seus movimentos e o impulso de suas forças íntimas. Representa o estado de queda no Anti-Sistema, onde a consciência do elemento desapareceu, só podendo funcionar deterministicamente. Nada sabe, não possuindo liberdade de escolha e não podendo funcionar de outro modo. Quem manda e pensa por ele é a Lei, a qual ele não conhece.
A evolução representa uma libertação desse determinismo e inconsciência. À proporção que o ser sobe para o Sistema, o indivíduo adquire uma autonomia cada vez maior de comportamento individual, uma capacidade cada vez maior de dirigir-se de maneira independente. No homem, o instinto representa a parte ainda atrasada, sob o domínio do determinismo e da inconsciência dos planos inferiores; zona ainda animal, onde só cabe ao homem obedecer à natureza, como os animais. Mas, no seu lado mais alto, o espiritual, começa a dar os primeiros passos no caminho da liberdade e do conhecimento. A luz do Sistema já começa a raiar entre as trevas profundas do Anti-Sistema.
Fechado, em grande parte, no círculo de suas necessidades materiais, o homem pouco pode comandar a própria vida, e vive deterministicamente sob o poder da Lei pela qual quase nada conhece. A sua ignorância o mantém escravo. O seu livre-arbítrio é apenas pequena oscilação de escolha, a fim de permitir-lhe o aprendizado à sua custa, experimentado. O seu conhecimento é o conhecimento invertido do Anti-Sistema, tendo nele permanecido, mas no negativo, como ciência das aparências, isto é, ciência da ilusão proporcionada pela percepção sensória do mundo exterior, percepção que a ciência começa a descobrir ter pouca correspondência com a realidade. Assim, entre a escravidão aos instintos e a miragem de um mundo relativo, o homem se debate para reconquistar, por meio de erros e dores, a liberdade e o conhecimento. Cada ato seu criador, cada descoberta, cada progresso é uma conquista de maior conhecimento da Lei, é uma libertação da escravidão dos instintos, uma reconstrução de um pedacinho do Sistema.
Por isso, o homem é um tipo biológico em contínua evolução, e não um modelo definitivamente estabelecido. E, de acordo com o caminho já percorrido, os homens diferem totalmente de si. A vida pode ter, para cada indivíduo, de acordo com a sua posição evolutiva, um sentido completamente diferente. Para os inferiores que saem de baixo, o plano humano pode ser um ponto de chegada bastante alto. Para os mais evoluídos, intencionados em subir a planos mais elevados, a Terra pode ser um baixo ponto de partida. Assim, viver em nosso mundo pode representar para os primitivos a maior e mais alegre realização da existência, enquanto para os mais adiantados, pode constituir doloroso estado de sufocação da vida. Acontece então que, para os involuídos, a juventude, quando se firma a vida do corpo (que para eles é a vida toda), é alegre, enquanto é triste a velhice, quando esse corpo cai. O contrário ocorre para os evoluídos, para os quais a juventude, quando se firma a vida física, é penosa, porque representa a obrigação de identificar-se num estado biológico inferior à sua natureza, enquanto a velhice é alegre, pois a decadência física liberta o espírito.
Para os primeiros, mais próximos da matéria, a velhice representa um desfazimento real de todo o seu ser. As suas próprias funções psiquicas, constituem mais uma atividade cerebral que espiritual, enfraquecendo-se com o enfraquecimento do órgão físico do pensamento, o cérebro. Para eles a velhice significa fim e morte de todo o seu ser, tanto o material como espiritual. Para os evoluídos, mais fortes no espírito, a velhice significa fim e morte apenas da própria forma exterior, material, fato que não mata, mas liberta a parte espiritual do seu ser, cuja vida assim se intensifica com a velhice, ao invés de decair. Sendo as funções espirituais, para estes, muito mais desenvolvidas e poderosas, e por isso mais independente do órgão físico do pensamento, o enfraquecimento deste, quase não consegue lesá-las. Sendo o órgão cerebral, para os evoluídos, apenas um meio secundário de existência, um instrumento transitório de expressão, o seu envelhecimento não consegue arrastar em sua ruína, a inteligência e o pensamento deles.
Por isso, quanto mais o ser conquistou, com a evolução, um grau mais forte de consciência, tanto menos morrerá ao atravessar a morte. Isso porque, quem evolui sobe para o Sistema, onde não existe morte. A substância da vida é expressa pela consciência de existir. A substância da morte é dada pela perda dessa consciência. E evolução significa conquista de vida, porque constitui conquista dessa consciência. Ao descer, tudo tende a morrer na inconsciência, propriedade do Anti-Sistema. Subindo, tudo tende a reviver na consciência, propriedade do Sistema. Por isso, a evolução representa não apenas conquista de liberdade e de consciência, mas também de vida; representa não só a libertação de todas as qualidades negativas do Anti-Sistema, ou seja, escravidão no determinismo, ignorância, morte, mas também conquista de todas as qualidades positivas do Sistema, isto é, liberdade, conhecimento, vida, até o ponto quando, tendo o ser atingido o Sistema, a morte desaparece definitivamente.
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Mas, procuremos responder cada vez mais exatamente à pergunta feita, para saber o que acontecerá à nossa personalidade humana como conhecimento, ou seja, quais serão os novos estados de consciência que a evolução vai desenvolver na personalidade humana.
Se, como dissemos há pouco, o conhecimento passou com a queda, das mãos da criatura, antes consciente colaboradora da Lei, às mãos da Lei, a quem teve de obedecer cegamente, verifica-se com a evolução o processo oposto, ou seja, uma restituição do conhecimento das mãos da Lei às mãos da criatura que, voltando a ser colaboradora consciente, não é mais constrangida a obedecer cegamente, mas apenas por adesão livre e convicta. Com a evolução ocorre, pois, na criatura, um processo de dilatação de consciência e conhecimento, implícito no desenvolvimento de todas as individuações da vida, também por sua vez, implícito de forma ampla na reunificação, pela lei das unidades coletivas, dos elementos que se separam no Anti-Sistema e agora voltam ao Sistema. Com a evolução acontece, para a consciência da criatura, o que ocorre naquele processo de reunificação. Aparece, com a unificação em grupo, um princípio diretivo diferente, para o novo estado orgânico do ser, e dirigido por uma nova lei; como a cada maior unificação, se atinge um valor acima dos alcançados pelas unificações menores precedentes; com a evolução também aparece para a consciência da criatura uma nova lei, um princípio diretivo diferente, pelo novo modo orgânico de conceber (não mais analítico, mas sintético) e se atinge um poder maior de compreensão e de concepção.
Dessa maneira, o homem passará, por meio da evolução, da forma mental atual, lógico-racional, à forma mental representada pela intuição. Trata-se verdadeiramente, como disse, de uma nova lei do pensamento, de uma diferente forma mental, de uma organicidade de concepção anteriormente ignorada; trata-se de novas orientações e métodos de pesquisa, para alcançar um conhecimento antes impossível. Essa transformação da consciência humana, por evolução, é o problema agora focalizado, para responder à pergunta formulada. E é grave e importante, do ponto de vista filosófico, afirmar que o problema do conhecimento não pode ser resolvido pelos atuais caminhos lógico-racionais possuídos pelo homem, mas apenas pelas vias inspirativo-intuitivas, que possuirá no futuro, ao evoluir. Segue-se uma colocação do problema de modo diferente do comum: afirmamos que a obtenção do conhecimento é problema sobretudo de amadurecimento biológico. Em outros termos, o grau de conhecimento possuído, de uma verdade para nós relativa e em contínuo processo de conquista, depende do grau de evolução alcançado.
Da mesma forma, como vimos a evolução levar do separatismo à reunificação, fundindo os indivíduos separados em organismos cada vez mais amplos, assim, também para consciência, vemos a evolução levar do estado de distinção entre o “eu” e o “não-eu”, a um estado orgânico diferente, em que aparecem um “eu” superior diferente. Cai então o separatismo, desaparece o divisionismo próprio de nosso Anti-Sistema, e aparece a fusão própria da unidade do Sistema. No desenvolvimento de cada fenômeno passamos sempre das qualidades do Anti-Sistema às do Sistema. O atual tipo biológico de personalidade, constituída por um “eu” isolado fechado no próprio individualismo, expressão viva no separatismo do Anti-Sistema, ao evoluir, rompe as paredes de sua prisão de decaído, expandindo-se na forma de um novo “eu” universal, e dessa maneira se funde e torna encontrar-se em todos os outros “eu” do universo. Passamos, assim, de um tipo de individuação própria aos planos inferiores da vida, a um tipo de personalidade próprio aos superiores.
Compreendidos os princípios gerais que dirigem o fenômeno, será interessante conhecer agora quais reações produzirá na consciência do indivíduo uma tal transformação biológica, bem como as sensações e diferentes modos de conceber. Como algumas leis da matéria se transformam em função do fator velocidade, assim também as leis do pensamento, com essa dilatação do “eu”. A transformação da personalidade, subindo de um plano de vida a outro mais alto, é completa e laboriosa. Essa ressurreição do “eu”, das profundezas do Anti-Sistema onde havia decaído, esse seu despertar do letargo da inconsciência em que adormecem, é um processo de transmutação como o valor de verdadeira revolução biológica. Aparece, pois, com todas as características de uma crise da vida: não crise de desfazimento, como a morte, mas crise de desenvolvimento, própria do ser, em ascenção.
O ser humano, atrasado nesse processo de transformação, acha-se como a lagarta, tendo de atravessar as fases de crisálida, para tornar-se borboleta. Para fazer isso, a lagarta fecha-se num casulo, ao passo que o ser humano deve transformar-se continuando a vida comum a todos, com seus pesos e preocupações, e de nenhum modo ajudado ou compreendido. Não deve admirar, portanto, que a excessiva tensão nervosa, devida ao esforço da transformação, provoque distúrbios nervosos e psíquicos, estados de depressão, esgotamento, irritabilidade, insônia, estados físicos e sobretudo mentais, classificados pelos médicos de patológicos. Essa medicina moderna, de orientação prevalentemente materialista, ignorando ou negando a possibilidade desses fenômenos de desenvolvimento espiritual, é totalmente incompetente para julgá-los e dirigi-los. A própria psicanálise é apenas ciência da psique, e não ainda ciência do espírito. Não podem ser resolvidos os problemas da personalidade humana, se antes não se tiver uma orientação geral, dentro da qual se coloque este fenômeno, bem como se tenham resolvido antes tantos outros problemas.
Ao médico especialista de doenças nervosas e de psicoterapia, ao estudioso desses fenômenos de despertar espiritual, às próprias vítimas dessas crises de evolução, vimos oferecer um indício seguro para reconhecer a causa e o significado desses distúrbios nervosos e mentais, tão semelhantes, senão iguais, aos que sofrem os verdadeiros doentes nervosos e mentais, induzindo o médico e o estudioso tantas vezes, ao erro. Mas, se a síndrome é tão semelhante, as suas origens são muito diferentes, senão totalmente opostas. No caso de doentes nervosos, trata-se de verdadeiras deficiências, de alterações degenerativas, com caráter regressivo ou que estacionam na inferioridade do subconsciente. No processo de transmutação por despertar e desenvolver-se da consciência, esses estados pseudo-patológicos são compensados pelas reações criadoras, por avanços na linha evolutiva, por uma potenciação manifesta de personalidade, um conjunto de sintomas indicando o crescimento ocorrido sob as aparências de uma doença. Enquanto esta, nos verdadeiros doentes, é estacionária, sem reações naturais e sem indenizações compensadoras, no caso do despertar espiritual, trata-se apenas do esforço implícito num processo normal de crescimento. Os sintomas patológicos freqüentes desaparecem espontaneamente, quando a crise de que derivam se resolve e cessa de existir a causa que os produzia. A verdadeira natureza desses distúrbios nos é revelada pelo fato de, cedo ou tarde, os vermos compensados e naturalmente corrigidos na direção evolutiva. Em última análise, eles tendem a subir, ao passo que a doença tende a descer. Isso demonstra a sua verdadeira natureza a qual não é, de maneira nenhuma, patológica.
Trata-se de fenômenos importantíssimos, que interessam particularmente à humanidade futura, no seio da qual esses fenômenos, pouco comuns em nosso mundo selvagem, verificar-se-ão por sua evolução com muito maior freqüência do que hoje. O atual esforço do homem, resumido todo na luta pela vida, ou seja, na estupidez de esmagar-se mutuamente, transformar-se-á nesse mais nobre e inteligente esforço, ou seja, a luta para libertar-se da própria animalidade, a fim de subir. Então a medicina compreenderá esses casos pseudo-patológicos, que não são, como poderia pensar, retorno de um subconsciente enfermo, mas trabalhosas explorações no superconsciente, realizadas pelos pioneiros da evolução.
Visto a síndrome negativa do fenômeno, por suas repercussões nervosas e psíquicas no plano biológico humano, observemos a sua síndrome positiva. Observemos não a parte destrutiva das qualidades inferiores pertencentes ao Anti-Sistema, mas a parte construtiva das qualidades superiores do Sistema. Não há dúvida de serem os sintomas patológicos, que aparecem nessa transmutação biológica, produto da resistência proposta pelo Anti-Sistema, para não morrer. Com efeito, esses sintomas têm as características da decadência, que lhe são próprias. Mas, ao mesmo tempo, os sintomas de crescimento que aparecem nesse fenômeno, só podem ser produto da aproximação do Sistema revivendo na criatura. De fato, esses sintomas têm as características de amplidão e potência, próprias do Sistema.
Eis então as transformações ocorridas na consciência, por ocasião da passagem de um plano de vida a outro. O fato de a filosofia atual insistir muito na distinção entre o “eu”, e o “não-eu” demonstra ser esta a forma mental humana dominante. No fenômeno do despertar espiritual manifesta-se uma tendência no sentido precisamente contrário. Para confirmar plenamente o quanto acima foi exposto de forma geral, em relação ao processo de reunificação do separatismo do Anti-Sistema, neste caso particular desaparece a sensação de separatismo, tão fundamental do homem atual, cuja primeira impressão é a sua distinção do ambiente. Neste caso, acontece o contrário: o “eu” e o “não-eu” tendem a fundir-se. Pode daí deduzir-se de imediato uma conseqüência estranha para o nosso mundo: a sensação de personalidade, como individuação separada, tal como costuma ser compreendida, pertence apenas aos planos inferiores, e desaparece nos superiores, como a evolução. Desse modo, conceber o nosso “eu” egoisticamente separado do todo, seria apenas uma qualidade de nosso plano evolutivo e não dos planos mais altos. Isto confirma a teoria da queda, pela qual, quanto mais se desce ao Anti-Sistema, tanto mais se dá a divisão; e quanto mais se sobe para o Sistema, tanto mais ocorre a fusão em unidade.
Então, o modo atual de conceber o nosso “eu” representa apenas a corrupção ou cisão do estado unitário original, cisão ocorrida no período de descida, pois agora, no período da subida, vemos a transformação evolutiva levar de um ponto a outro superior, executando um processo oposto, o da reunificação. Com efeito, quantos estudaram ou experimentaram esse amadurecimento evolutivo, sabem ter sido constituído por uma dilatação do “eu”, transbordando de seus limites comuns para expandir-se em tudo o que, no plano comum humano, constitui o “não-eu”. Daí começa a surgir, no ser, uma consciência diferente, com novas sensações e concepções, uma psicologia sem limites, como uma consciência cósmica. Transforma-se, então, a vida, de uma luta contra tudo e todos, num amplexo universal, no qual se abraçam todas as criaturas irmãs. E tudo isso, unificado em redor do centro supremo: Deus. Nesse estado de ânimo, encontrado nos místicos que realizaram a grande catarse espiritual, não há todas as qualidades próprias do sistema? Chega-se a conceber então o próprio “eu”, em unidade como o todo e o todo em unidade com o próprio “eu”. A realização completa desse estado de consciência não vem justamente representar o estado final da evolução, com a integração do ser na unidade do sistema? Naqueles que subindo começam a aproximar-se, o universo não aparece mais separado do “eu”, exterior e intensivo, mas sim como consciência de si mesmo, como um todo permeado da presença vital de Deus, do pensamento e da inteligência de Sua Lei, como um ser vivo, dirigido por um “Eu” universal, dentro do qual existe o nosso “eu”, como um momento seu, de cuja consciência faz parte a nossa consciência.
A esse estado de iluminação espiritual se chega por graus, à proporção que se evolui. Mas, é lógico que, junto com o lado positivo do fenômeno, exista também o lado negativo. O que o ser ganha do lado espiritual, deve perdê-lo do lado material. Essa expansão do “eu”, esse reviver numa forma tão desusada, confere-lhe uma sensação de perturbação. A personalidade, habituada a sentir-se definida, sustentada e quase constituída pelas paredes de sua prisão, sente-se perdida num infinito sem pontos de referência demarcados no limite. Mudando a própria forma de consciência, perdendo o próprio tipo de “eu” como individuação separada, o ser tem a sensação de desintegrar-se nessa descentralização, que se opõe à sua precedente psicologia na qual era o centro e baseava toda a sua potência vital. Ao expandir-se, sente como evaporar-se. O ser se acha tão expandido que não se reconhece mais, parecendo-lhe não ser mais o mesmo. Isto produz nele uma desorientação, um sentido de dispersão e anulação. Para não morrer, torna a agarrar-se ao velho mundo relativo de antes. Esta é uma fase de luta e de contrastes, donde derivam os distúrbios dos quais já falamos.
O que acontece então? O “eu” não morre, de maneira nenhuma. Mesmo se o momento da passagem lhe pode dar a sensação de seu fim (os místicos chamam a noite escura da alma), superado o momento crítico do fenômeno, o “eu” torna a se achar mais vivo do que antes, mas numa forma diversa. Esta passagem recorda a superação da barreira ultrassônica, para as grandes velocidades. Momento perigoso, porque, muitas vezes, o inconsciente continua a agredir, embora também protegido pela sabedoria das leis da vida. Momento em que se passa do modo de conceber racional ao intuitivo. Então, a personalidade explode, de sua forma de ser isolado no todo, para começar a viver num estado de liberdade ilimitada, como cidadão do todo, numa sua nova casa, imensa, que é o universo. O ser se acha perturbado porque a forma de existir que lhe era própria, e acreditava fosse a única possível, agora lhe vem a faltar. Tudo isso o enche de uma angústia de morte. Mas depois desperta, achando-se mais amplo e poderoso, não mais identificado com o seu “eu” pequeno, mas com o todo, capaz de saber viver não apenas em si mesmo mas em todas as coisas, enquanto todas as coisas podem viver nele. Desperta diante do inimaginável, do inconcebível, diante de uma perspectiva nova que lhe dá vertigens.
O nosso universo nem por isso mudou. É sempre o mesmo. Mudou a percepção e concepção do ser, porque mudou a sua posição relativa. Tudo depende da perspectiva alcançada pelos nossos meios sensórios. Ninguém pode afirmar ser a nossa técnica lógico-racional de pensamento, a única apta a compreender tudo e não precisamos de outras para aprender outros valores do real, inatingíveis à nossa atual posição patológica. Ao contrário, é provável que, para resolver o problema do conhecimento, pois a forma mental vigente não sabe ainda resolver, sejam necessárias outras técnicas de pensamento, hoje ainda relegadas ao irracional, ou ao inconcebível.
Sem dúvida, o homem faz, do seu universo, um conceito derivado do ponto de vista alcançado do seu plano evolutivo. Tanto é verdade que, com o progresso humano, mudam sempre os aspectos da verdade. O fato de estarmos inexoravelmente imersos no relativo, faz-nos pensar ser possível conceber tudo em numerosas outras maneiras diferentes, e admitir a possibilidade de, além da forma mental lógica, haver a intuitiva ou outras. A evolução pode transformar tudo, inclusive as nossas capacidades de conhecimento, e não podemos imaginar a que conceitos e modos de conceber novos planos possa levar-nos o amadurecimento evolutivo. Caminhamos numa estrada em ascenção e não sabemos que perspectivas poderá ela dar-nos amanhã. E conosco caminha também todo o universo, num transformismo contínuo.
É certo ser o universo todo vibrante. Mas de quais vibrações? Que nos poderão revelar amanhã as ainda não conhecidas? Que poderá revelar-nos o nosso contínuo aumento de sensibilidade? Que veremos quando pudermos ter uma percepção diferente? Como pensaremos, quando soubermos pensar diferentemente? E o que vêem os seres que percebem de outra maneira? Podemos imaginar o universo perceptível e concebível de infinitas formas, com meios diversíssimos; podemo-lo imaginar todo sensível também de modos infinitos e com meios diversíssimos em cada ponto seu, e pensar que seja olhado em seus infinitos pontos com infinitos olhos diferentes.
Quem sabe quantos apelos chegam para os quais somos surdos; quem sabe quantos colóquios poderiam estabelecer-se, mas, não ouvindo, não sabemos responder! Não sabemos que mundo poderá ser-nos revelado, se o homem puder superar os limites atuais de suas capacidades perceptivas. O certo é sermos nós mesmos que, com a nossa natureza e nosso grau de evolução, estabelecemos os limites de nosso conhecimento. Muitos outros continentes, além dos da terra, devem ainda aguardar serem descobertos no mundo do espírito!