Comentários

(Videntes, Filósofos, Cientistas)

Da Revista Gerarchia - Milão (Itália), janeiro de 1938.

Dizem as pessoas superficiais que, ao menos a partir de 1500, está desaparecendo do espírito italiano aquela especial condição de espírito que dá origem aos místicos e videntes. Se se fala de um tipo nebuloso e fantasioso, que se retempera no indeterminado e no indefinido, podemos dizer que isso sempre repugnou aos italianos. A luminosidade, clara, apesar de não veemente, de nosso céu, a limpidez de nossos horizontes não o permitiriam. Doutro lado, porém, esse tipo pertence mais a um misticismo deteriorado e turvo, para não chamar espúrio mas em todos os tempos e países podemos encontrar modelos fulgidamente serenos do autêntico Misticismo.

Temos que incluir na nobre fileira destes últimos um modesto professor da Umbria, mais conhecido já na América Latina do que entre nós: Pietro Ubaldi.

Ocupar-me-ei, nestas publicações, de A Grande Síntese, e de As Noúres e de Ascese Mística. Mas antes, como é de meu hábito, desejo falar do duplo fato, cognoscitivo e psicológico, colocado perante nós, tal como se nos apresenta na história dos últimos dois séculos.

Anteponho, com as palavras de Marc Mario, uma rápida referência a uma doutrina e um método que se aproximam dos do autor: "A doutrina espírita, embora recente na forma que lhe deu seu fundador (Allan Kardec), se liga por alguns de seus princípios às religiões mais antigas. A velha doutrina da Índia, dos magos do Egito, Caldéia e Pérsia, conhecia a arte de evocar a alma dos desencarnados e admitia que a parte espiritual do ser — o espírito — agia sobre a matéria por meio de um fluido sideral. Professava a existência de um corpo astral, composto de elementos fluídicos cósmicos, invólucro do espírito, que é justamente perispírito. As reencarnações sucessivas, até o dia em que o espírito tenha atingido a perfeição definitiva, faziam parte de seus dogmas. Aquela doutrina defende a existência de guias espirituais, que no Espiritismo são chamados espíritos tutelares. As diversas moradas ou etapas das almas, necessárias a purificá-las, existem em todas as religiões.

Veremos em seguida onde e como Ubaldi se afasta de certas escolas teosóficas, que têm pontos de contato, em geral, com a Índia, e com as doutrinas e práticas medievais ocultistas, rosacrucianas, cabalistas, "sufis" etc. Nos últimos séculos, e depois que muitos teólogos da contra-reforma tinham desacreditado o misticismo (como perigoso à crença ortodoxa e à disciplina), que tomou pé aos poucos entre os heterodoxos, especialmente no Norte. Paracelso, o modelo mais ilustre da sabedoria oculta na época do Renascimento, teve famosos seguidores: por exemplo, Boëhme na Alemanha e Swedenborg na Escandinávia. Deste último, muito aprenderam Goethe, quando jovem e, ainda mais Saint Martin, o mestre dos Românticos, de Schelling e do próprio Baader, que procurou adaptar a doutrina de tal forma, que ela pudesse concordar com a Igreja Católica. (Deve recordar-se aqui que, para Newman haverá sempre elementos esotéricos no ensinamento católico).

Estes, é lógico, acreditavam num mundo super-sensível, povoado de seres mais elevados e poderosos do que nós, e na possibilidade de comunicar-se com eles, em certas condições.

Depois de 1870 prevaleceu na Europa uma teosofia de caráter indiano e tibetano, e quem deu o impulso inicial foi a russa Blavatsky. Unindo-se a ela em 1889 (Blavatsky morreu em 1891), outra mulher rica de fantasia e de entusiasmo, Annie Besant, continuou sua obra, tendendo ainda mais para as doutrinas dos mestres da Ásia. Besant não cessou de escrever e de propagar seus pontos de vista até 1933, ano de sua morte. O afastamento de Krishnamurti, que, segundo ela, é a última reencarnação de Buda, entristeceu-lhe os últimos anos, diminuindo-lhe o longo prestígio, quase oracular. Trabalhara a seu lado, por algum tempo, Rudolph Steiner, e depois bruscamente se afastou, seguindo suas concepções particulares, que acreditou corresponderem a um Cristianismo católico esotérico: A "Antroposofia" de Steiner, que aparece como um sincretismo indo-gnóstico-neoplatônico, é orientada na direção da teologia cristã. A Antroposofia que enfrentou nos últimos anos as questões sociais e políticas, buscava a purificação do homem, obtida prevalentemente com o exercício da meditação e dirigida ao esclarecimento do pensamento, que se ergueria, assim, a uma visão superior das realidades últimas. Uma moral elevada, mas ainda não cristã.

No caso de Ubaldi, os autores precedentes que analisei, poderiam, abstratamente, ter tido uma influência metapsíquica e quase telepática; ou então relegada ao subconsciente. Entretanto, eu a excluo. Não por que ele tinha lido poucas páginas de Blavatsky da qual difere totalmente por temperamento, gostos, senso ético etc.; mas pelo fato de que se move em outro plano, muito diverso. Além disso, sua preparação livresca, filosófica e teológica, era e é limitadíssima.

Ele confessa: "quando jovem não acreditava no que ensinavam e que eu sentia falho, inútil, sem bases substanciais. A verdade estava em mim; eu a procurava dentro de mim (como admitia Santo Agostinho). Rebelde a toda direção, lançava-me sobre o cognoscível humano ao acaso, procurando secretamente a minha verdade. Olhava o mundo e as coisas de dentro, nas causas e nos princípios, e não nos efeitos e em sua utilização prática. Como os positivos e os práticos podem considerar-me um incompetente na exploração utilitária da vida, assim eu os posso considerar como incompetentes diante da solução dos problemas do conhecimento". E ainda: "o turbilhão das exigências exteriores batia sem tréguas, impondo-se à atenção de meu espírito que queria viver sua vida. Acumulavam-se as experiências humanas, quase todas bem amargas. A dor martelava minha alma com seus golpes. Apressava-se a maturação. Um dia, nas praias de Falconara, olhando as maravilhas da criação, senti com evidência a revelação, rápida como um raio: que o todo só podia ser Matéria, Energia e Conceito ou Espirito (M = E = C) = S (isto é, Espírito)".

Ubaldi chama à sua doutrina Monismo. É necessário ter cuidado para não atribuir o sentido usual a essa palavra. Nem Spinoza, nem Hegel, nem Haeckel têm que ver com a sua filosofia. Quem atentamente o lê e não tem a mente ofuscada por prevenções e preconceitos, quem com ele se relaciona e o conhece bem, se convence de que ele não professa de modo algum o materialismo nem o panteísmo: especialmente a primeira acusação é ridícula. Pois, sem sabê-lo, ele tem a mesma concepção dos grandes Místicos cristãos e católicos, que definem Deus como a "superessência" de todas as coisas e o declaram "mais íntimo em nós que nós mesmos"

Quanto a uma visão escatológica, na qual Ubaldi  se aproxima de São Gregório Nisseno, falaremos em seguida.

*   *   *

Qual é o organon subjetivo que o autor põe em prática na busca da verdade? É a intuição. Como esta pode ser entendida de muitos modos, é necessário precisá-la, isolando este caso das várias noções correntes, mesmo pelo fato que lhe determina a inequívoca noção.

Dizem os filósofos:

“A intuição é a concepção evidente dum espírito são e atento, que nasce apenas da luz da razão e é mais pura (porque simples) do que deriva a do raciocínio" (Descartes, e, com ele, Spinoza e Locke).

"Todas as verdades primordiais, de razão e de fato, são intuitivas" (Leibnitz).

"A intuição é um ato da reflexão interna, da qual o indivíduo colhe uma realidade livremente produzida, em que o inteligente e a coisa intuída coincidem plenamente" (Schelling). "É a visão imediata da mente que, fixando como ato originário, simples, imediato, o Ente (possível — Real) assume a potência ou forma do intelecto, que torna possível o conhecimento das coisas" (Rosmmi — Gioberti).

"Oposta ao intelecto, por sua natureza abstrato e descontínuo — e, portanto, não adaptado à originalidade absoluta e à continuidade do Real — está a intuição, que é a síntese do instinto orgânico e da reflexão consciente; por ela o espírito se transfere ao âmago do objeto, para coincidir com o que este tem de único, e portanto, inexprimível. E, desde que o objeto é a realidade absoluta, o ato da intuição se eleva a órgão da Metafísica" (Bergson).

"A intuição é a forma teorética primeira, mais ingênua ou auroral do espírito. Distingue-se, seja do sentimento bruto e do conhecimento lógico, que procede por conceitos universais, seja da percepção e do juízo histórico — porque permanece aquém da discriminação do verdadeiro e do falso" (Croce).

Das famosas lições na Ecole de France, de 1840 a 1844, tiro alguns pensamentos que a ela se referem

"Donde lhe derivam (a Carlos Magno) o saber e o poder, mediante os quais estendia sua atividade a uma esfera tão ampla? Descia profundamente nele mesmo, e de lá tirava força para elevar-se mais acima. Napoleão, quando se lhe perguntava de que circunstâncias dependia uma vitória, respondia que nasce de uma centelha moral, ou seja, de um momento particular de intuição.

Assim, todas as coisas belas e grandes da história nos levam àquelas regiões que chamamos intuição, ou seja, para a região interior da alma.

O sentimento de admiração pela arte, pela natureza, pelo heroísmo, parte de uma mesma e única fonte: a intuição. E a filosofia está hoje no dever de atingi-la.

Se para produzir esses efeitos (ardor, arrebatamento, entusiasmo) é mister ser inspirados, para senti-los se necessita uma alma elevada e capaz de seguir os homens inspirados em seu vôo para o futuro. É preciso o que Schelling chamava: um órgão especial.

Para compreender a arte e a filosofia, e para adivinhar o futuro, é indispensável extrair no âmago de nós mesmos aquela nota divina que aí está oculta.

Uma Nação que esteja pronta, a captar os altos pensamentos, a com eles tornar-se fervorosa, a pô-los em prática, deve estas qualidades a uma longa tradição de lutas, sacrifícios e abnegação. E não poderia conservá-las em si e aperfeiçoá-las, sem reconduzi-las continuamente às emoções fundamentais; sem entrar a cada momento no lar tradicional, para colher a centelha que daí salta e comunicar-se com ela de longe.

Só colocando-nos neste ponto de vista, estaremos aptos a distinguir os homens do passado dos homens do porvir. O indivíduo incapaz de comover-se com a ideia das coisas grandes e divinas não é dos nossos.

O homem que sofre, o homem que aspira, o homem livre de espírito, o homem que não procede por pequenos sistemas já feitos: este é o povo".

Eis porque o povo, em certos momentos decisivos, apanha tão depressa e com um sentido infalível, a verdade.

Até agora, dado que ninguém o ajudava a assimilá-la, para ele era dificílimo pôr-se naquele estado de espiritualidade em que a verdade se revela pronta e clara. Era necessário que o povo vencesse as resistências de sua organização física, rompesse os hábitos de sua vida diária: e só conseguia isso em raros momentos, ajudado por circunstâncias excepcionais. Foram os seus momentos de liberdade. Estrondos de trovão, tiros de canhão, clamores de assembleias públicas, eram necessários, para arrancar a alma do povo de seu letargo, pois os doutores da lei, os mestres oficiais, esquecidos de sua missão, o haviam abandonado etc.

Uma luz nova só auxilia àqueles que se acham prontos a recebê-la.

Chegou o tempo, diz Emerson, de dar uma base mais larga e profunda aos nossos conhecimentos, mas para isso (impõe-se) ampliar-nos e reformar-nos interiormente. É preciso começar nova vida, fazer-se uma consciência nova, aspirando novas energias daquele espírito universal que anima e reanima tudo.

Que é uma quantidade de nova luz, de novo calor? É o Verbo da época, o Verbo que cria, depois que a dor, inteligente e moralmente, tenha quebrado os laços da alma.

O que é verdadeiramente admirável no homem simples, que ainda não se destacou da natureza e que, portanto, não interrompeu ainda os fios misteriosos que o enlaçam à Divindade, é aquele sentimento de amor que penetra tão bem no presente e que é tão rico de adivinhação. Esse amor leva a alma que o nutre acima dos lugares e tempos, eleva-o àquela região aonde vão terminar todas as comunhões. Tudo o que aí se sente é atual: é a única atualidade verdadeira, porque imediatamente sentida. Mas que tem de comum esta segunda vista com os problemas que hoje pesam sobre a humanidade? Em que, porventura, esse dom, esse espírito de intuição poderia ajudar-nos a orientar-nos na terra? Como consegui-lo?

Aquele dom é apenas um dos momentos mais conhecidos aos artistas, aos soldados, aos intuitivos por pureza: momentos de inspiração em que nos sentimos repentinamente mais fortes e mais perspicazes, mais videntes que de costume, mais seguros de todos os meios que possuímos, mais confiantes em usá-los.

E qual é esse momento de inspiração? É o arrebatamento da alma a uma região superior. Porque, se nos sentimos repentinamente cheios de uma força desconhecida, que não deriva, absolutamente, de nossos hábitos e que supera nossos meios ordinários, ela só pode ter vindo a nós de uma região invisível e impalpável. A inspiração provará sempre, a um homem de boa fé, a existência desse mundo invisível e misterioso, que o cristão aceita como um dogma e ao qual um filósofo de boa fé é invencivelmente conduzido pela própria lógica".

*   *   *

Passemos, agora, a examinar As Noúres de Pietro Ubaldi.

Aqui — o veremos em seguida — projeta-se um novo método de pesquisa científica por intuição e “uma nova técnica de pensamento que circunda os problemas por tipos concêntricos, aperta-os por ângulos visuais progressivos, enfrenta-os em visões e concepções poliédricas até desnudá-los em sua essência” (Noúres, cap. 1: "Premissas")

Revelando assim seu método próprio, Ubaldi não ignora o efeito de escândalo que vai suscitar. "Conheço esse método (o racional e objetivo da ciência moderna); conheço a psicologia sufocante dos chamados intelectuais de profissão, da cultura que eternamente reproduz o passado, que comenta e analisa, que nada cria, que pesa, que mata o espírito. Eu estou nos antípodas" (idem).

Entretanto, Ubaldi está bem longe de tomar a atitude de revelador de uma fé incontrolável, que se impõe a intelectos dóceis, satisfeitos com. o "Ipse.dixit" (‘Assim se diz"). Com uma análise introspectiva — cândida, perspicaz e perfeita até na forma — introduz o leitor nos seus segredos mais íntimos, segredos pessoais e técnicos. Assim, não só ele dá valor à sua filosofia, revelando-nos suas raízes ocultas e vivas, não só acrescenta um capítulo inédito à Psicologia e à Metapsíquica posterior e melhor do que W. James, Richet, O. Lodge, Osty, Bozzano etc., mas se oferece para iniciar quem quer que o deseje, desde que seja idôneo, a basear-se numa forma novíssima de alpinismo intelectual, ou melhor, espiritual.

No segundo capítulo de As Noúres, o autor disseca o “fenômeno”, de que ele é objeto, ao mesmo tempo que crítico atentíssimo e: incorruptível, além de espectador. Por que caminhos se provoca e estimula a tão falada intuição? Antes de tudo, encontrar um ambiente propicio: "Eis-me em meu pequeno escritório, ambiente de paz; em que os objetos têm algo de mim mesmo, em que a atmosfera ressoa com as minhas vibrações e tudo, por: causa da vida em comum, esta sintonizado com o meu temperamento. Eu mesmo, aí permanecendo durante muito tempo para pensar e escrever, embebi as paredes, a mobília, os objetos; de um tipo particular de vibrações, que agora voltam a mim, como uma música que harmoniza meu pensamento. O primeiro problema é este da harmonização, que me permite: a seleção das correntes (ou noúres) e a imersão nelas; delicadíssimos estados de consciência que não posso atingir senão num oásis de paz, por meio de um primeiro processo de isolamento Vibratório do barulho violento do mundo".

A HORA — “É noite, cerca das vinte e duas horas, a melhor hora em que se intensificam minhas capacidades receptivas, até cerca de uma hora da madrugada. Gosto das luzes suaves, coloridas, que deixam vagar os objetos nos contornos indefinidos da penumbra (.....). Aqui, o público está materialmente longe, mas espiritualmente está presente e próximo, e eu o sinto imenso, num burburinho de mil vozes: a alma do mundo. Minha solidão está cheia dela (.....). Em minha sensibilidade, o pensamento adquire a potência do relâmpago, as correntes espirituais do mundo são tangíveis, essas forças sutis são reais e entre elas caminho manobrando minha embarcação”. ( .....)

A COR INTERNA — "Não se pode imaginar que poder de harmonização emana de um ato de bondade: este é uma música que eu respiro e que docemente me impele à corrente. Esta vibração de bondade, e não só de sabedoria, é perfeição moral. Para conquistar o conhecimento tenho de atingir um estado de purificação que é leveza espiritual (.....). Basta poder-se imergir nas noúres, para poder alcançar todo elemento energético e conseguir o isolamento das correntes inferiores" (.....).

A MÚSICA — "Procuro ajudar-me com um processo de progressiva harmonização, que opera de fora para dentro" (.....). Utilizo a música como primeiro degrau no caminho do bem e da ascensão do espírito. Então, lentamente (... . .), as harmonias musicais do ouvido se transformam nas mais profundas harmonias de conceitos. Luzes brandas, em tons menores, tudo em torno, trevas. Minha alma é uma chama que arde na noite (.....). Minha consciência adormece externamente, meu eu morre às coisas do dia, mas renasce numa realidade mais profunda" (....).

A EPOPÉIA — Adormecidos e quase anulados os sentidos, a vida e a personalidade ressurgem num plano novo. "O pensamento volta, mas com uma sensação titânica, com uma lucidez cortante de visão, com uma rapidez vertiginosa de concepções, sentido despido de palavras, em sua essência. Tenho então a sensação de leveza e de libertação de véus e limites, sinto possuir em mim o poder da intuição e o domínio de uma nova dimensão conceitual (.....) Então, eu vejo o que está além da realidade sensória do mundo exterior, isto é, as forças que o movem e mantêm seu funcionamento orgânico. Estas forças tornam-se vivas (......), cada forma reveste um hálito divino de conceito, que eu respiro; então sinto verdadeiramente que o universo é um grande organismo regido pelo pensamento de Deus (....). Desenvolve-se nesse momento o colóquio interior que eu registro, porque despertaram todas as criaturas irmãs e me olham dizendo: "mas quem és tu, e o que ouves? Escuta-nos, nós te falamos". Então o colóquio torna-se um imenso amplexo, um perder-se por aniquilação dentro de uma luz refulgente, a ciência é um canto e uma oração, e nesse instante abre-se o abismo do mistério e eu olho: é uma visão, um êxtase. Não sei dizer outra coisa".

"É um fato — observa o autor — que gerou um efeito, que deve ter uma causa, um organismo conceitual lógico e profundo (.....). Se o efeito revela a natureza da causa, se é uma construção racional completa (veja-se A Grande Síntese), não se pode colocar como sua origem o acaso ou a anormalidade psicológica e patológica; se a obra transcende o poder cultural e intelectual do escritor (estranho realmente à cultura acadêmica) deve haver em algum lugar uma fonte de onde provenha tudo isto (.....) Esses meus estados psicológicos representam uma nova técnica do pensamento, novo método da indagação filosófica e científica (.....). Eu o chamo método da intuição e o proponho, tal como o adotei, como método mais poderoso do que o indutivo-experimental. Julgo que esse já deu o seu maior rendimento e que uma mudança de sistema seja necessária, se a ciência quiser progredir em profundidade, se quiser tornar a achar sua unidade, que ameaça agora pulverizar-se no pormenor e na especialização (......). Urge dar de novo a dignidade à ciência que decaiu no utilitarismo, reerguendo-a às descobertas no campo do espírito (....). Urge erguer a ciência ao nível da fé, para que com ela se funda e unifique o pensamento humano (.....). O método da intuição é o método da síntese, dos princípios, do absoluto, é o método interior da visão e da revelação; o método indutivo, experimental, é o método da análise, do relativo, o método exterior da observação. O segundo é prático, utilitário, mas dispersa o conhecimento; o primeiro é abstrato, teórico, mas atinge a verdade absoluta, os princípios universais que dirigem os desenvolvimentos fenomênicos".

O caso Ubaldi (estranho à vulgar mediunidade física e psíquica) é por ele compreendido como "uma sublimação normal de todo o ser". Não é um simples caso pessoal. "Demonstra que a verdadeira ciência, a ciência profunda que atinge a verdade, não pode ser alcançada senão pelos caminhos interiores através de um processo de harmonização da consciência com as leis da vida e com o princípio divino que tudo dirige; demonstra que os caminhos do conhecimento só podem ser os caminhos do bem, que a sabedoria é um equilíbrio do espírito, que a revelação do mistério só ocorre de acordo com a fase de relativa perfeição moral que se alcançou (.....). Demonstra enfim que a ciência só pode ser uma ascensão cultural e espiritual, tendente à unificação de tudo: arte, filosofia, religião, sabedoria, em Deus. Pois a lei de evolução é também lei de purificação". E no entanto, é natural que "a individualidade subindo a superiores dimensões conceituais se reabsorva na unidade. Chegando a esses planos, sinto apagar-se a distinção entre o eu e o não-eu, sinto-me desfazer, fundir e ressurgir numa unidade mais alta e poderosa, sinto realizar-se a unificação entre mim e o princípio animador dos fenômenos (....). Meu ser, então, de tal modo já se harmonizou no funcionamento orgânico do universo, que não se sente mais distinto dele e nele se unifica; se funde e se perde no grande incêndio de luz da Divindade".

Isto não priva o inspirado nem de sua individualidade nem de sua responsabilidade de cooperador, ao menos nesta causa. "Há, pois, não apenas dois centros, um irradiante, transmissor e um que registra ao receber: mas há também duas atividades, porque aqueles estão laboriosamente estendidos em direção um ao outro, para alcançar a unificação.

Que são as noúres em si mesmo? São correntes conscientes, que conservam as qualidades típicas, e neste caso conscientes, do centro genético (....). Seu campo é vasto como o universo, que se torna todo noúres. Então, realmente, tudo o que existe emana pensamento, e é assim que eu sinto o universo nestes estados mediúnicos, como um poderoso organismo conceitual; a verdadeira grande noúre que eu capto e registro é a emanação harmônica e orgânica do pensamento infinito de Deus (......). Nestas minhas superelevações de dimensão de consciência, tenho a visão, no fundo de um abismo infinito, deste centro conceitual (....). Chego assim a saltar em um mundo maravilhoso. Possuo, então, uma nova vista, todo um feixe de novos sentidos, sem órgãos físicos, um poder de percepção anímica direta, supersensória (.....). Então, não vejo mais o fenômeno em seu aspecto exterior, mas sinto o princípio que o move; não vejo, por exemplo, a semente em suas características morfológicas, mas vejo-a na íntima estrutura de seu ser, como vontade de desenvolvimento, como presciência do ambiente (instinto) e do objetivo a atingir; vejo, mais profundamente, o ritmo das infinitas formas do passado e a, vontade de fazê-las evolver, e, mais longe, sinto o grande princípio da vida que naquele tipo palpita e se exprime (.....). Minha ascensão de dimensão conceptual permite-me subir da projeção concreta à substância espiritual (.....), derrubar os véus e superar os símbolos pata trazer à luz da compreensão aquela verdade que, por motivos pedagógicos, tinham sido obrigados a esconder nela (.....). No mundo dos fenômenos histórico-sociais vejo, atrás dos acontecimentos, a trama sutil em que se entrosa a causalidade, projetada para o efeito, vejo o progresso de um conceito para seu objetivo, vejo o fio que une, como um colar, a série de episódios e o desenvolvimento lógico que guia o desenrolar-se do fenômeno histórico. No mundo da matéria orgânica sinto o turbilhonar interior dos átomos, sua atração e repulsão, seus amplexos por afinidade, o dinamismo de suas correntes elétricas, o combinar-se e o apertar-se de seus movimentos planetários, em fusões que dão os diversos tipos das individuações químicas (.....). Cada fenômeno, para não multiplicar os exemplos, traz escrita em si toda a sua lei e basta escutá-la. O método experimental dá-me a impressão da cegueira que tem de recorrer ao tato. No âmago das coisas há indiscutivelmente um princípio que dirige; este princípio eu (....) o atinjo pela percepção, dirigida através de um sentido meu da verdade (.....). O uso deste método, inicialmente intuitivo, depois dedutivo, é necessário hoje (......) para contrabalançar a dispersão do conhecimento (.....) se não, cada vez mais se acentuará o isolamento do cognoscível na especialização e na desorientação diante das causas

Seguem-se declarações e confissões pessoais, que explicam a extrema delicadeza de sua tarefa, as precauções que se devem tomar, os perigos que se devem evitar, numa palavra, a deontologia do intuitivo que queira conduzir a bom termo seu empreendimento. Pois ele deve, antes de tudo, purificar e enobrecer a si mesmo, corpo e alma, — na dieta física e espiritual, na vigilância dos sentidos, na escolha dos ambientes e das companhias — para que o delicadíssimo instrumento do conhecimento intuitivo se mantenha idôneo. Plotino fazia, em substância, a mesma recomendação. Em todos, sem exceção de nenhum, os grandes místicos e contemplativos — genuínos e máximos intuitivos — puseram isso em prática.

Os capítulos II e III ligam-se ao V, que exemplifica autobiograficamente a técnica noúrica, ao passo que o IV é prevalentemente histórico, todo consagrado aos "grandes inspirados" (....). Essas páginas, não muito numerosas são mais ricas de compreensão e mais verdadeiras, do que os volumes de Biotot e de E. Schuré, que trazem título semelhante. O autor, após descrever o fenômeno inspirativo observado na pessoa dos profetas máximos do velho e do novo Testamento e na história da Igreja, em particular São Francisco de Assis, passa a demonstrar aí, como a sua própria teoria recebe precisa ilustração e confirmação inequívoca na história de Joana D’Arc, a partir do momento em que ouviu, adolescente, as primeiras Vozes, que lhe foram inspiração e guia no breve, mas condenadíssimo período em que se desenrolaram suas façanhas épicas e trágicas.

Deste capítulo e de todo o livro, aconselho vivamente a leitura a todos os que não sejam hipercríticos e grosseirões na certeza de que encontrarão prazer e aproveitamento, que não se encontram com facilidade juntos, num livro moderno.

*   *   *

No próximo número de Gerarchia apresentarei uma apreciação clara da obra capital, A Grande Síntese, comparando-a com os dados fundamentais da ciência moderna, tal como é cultivada em todo o mundo civilizado, com métodos e resultados convergentes: é um empreendimento temerário, muito superior às minhas forças, mas do qual não posso fugir. Enfim, direi candidamente minhas impressões.

Desde já faço votos que outros, muito mais competentes e melhores que eu, se apresentem a julgar uma tentativa tão grandiosa, indo atrás das minhas pobres pegadas, para apagá-las.  

Uma coisa me parece certa: a história humana do pensamento, de acordo com a história civil, está voltando sua proa para outros portos, seguindo caminhos diversos dos que até aqui percorreu.

( a ) FERMI

(Inserida em todas as edições brasileiras)

Quando todos os valores da civilização do Ocidente desfalecem numa decadência dolorosa, é justo que saudemos uma luz como esta, que se desprende da grande voz silenciosa de A Grande Síntese.

Na mesma Itália, que vulgarizou o sacerdócio romano, eliminando as mais belas florações do sentimento cristão no mundo, em virtude do mecanismo convencional da igreja católica, aparelhos existem da grande verdade, restaurando o messianismo, no caminho sublime das revelações grandiosas da fé.

A palavra do Cristo projeta nesta hora as suas irradiações enérgicas e suaves, movimentando todo um exército poderoso de mensageiros seus, dentro da oficina da evolução universal. O momento é psicológico. As nossas afirmativas abstraem do tempo e do espaço, em contraposição às vossas inquietudes; mas, o século que passa deve assinalar-se por maravilhosas renovações da vida terrestre.

As contribuições exigidas serão bem pesadas. Todavia, uma alvorada radiosa sucederá às angústias deste crepúsculo.

Aqui fala á Sua Voz divina e doce, austera e compassiva. No aparelhamento destas teses, que muitas vezes transcendem o idealismo contemporâneo, há o reflexo soberano da sua magnanimidade, da sua misericórdia e da sua sabedoria. Todos os departamentos da atividade humana são lembrados na sua exposição de inconcebível maravilha!

É que, sendo de origem humana a razão, a intuição é de origem divina, preludiando todas as realizações da Humanidade. A grande lição desta obra é que o Senhor não despreza o vosso racionalismo científico, não obstante a roupagem enganadora do seu negativismo impenitente.

Na sua misericordiosa sabedoria, Ele aproveita todos os vossos esforços, ainda os mais inferiores e misérrimos. Toma-vos de encontro ao seu coração augusto e compassivo, unge-vos com o Seu amor sem limites, renovando os Seus ensinamentos do Mar da Galiléia.

Vede, pois, que todos os vossos progressos e todos os vossos surtos evolutivos estão previstos no Evangelho. Todas as vossas ciências e valores, no quadro das civilizações passadas e no mecanismo das que hão de vir, estão consubstanciados na sua palavra divina e redentora.

A Grande Síntese é o Evangelho da Ciência, renovando todas as capacidades da religião e da filosofia, reunindo-as à revelação espiritual e restaurando o messianismo do Cristo, todos os institutos da evolução terrestre.

Curvemo-nos diante da misericórdia do Mestre e agradeçamos de coração genuflexo a sua bondade. Acerquemo-nos deste altar da esperança e da sabedoria, onde a ciência e a fé se irmanam para Deus.

E, enquanto o mundo velho se prepara para as grandes provações coletivas, meditemos no campo infinito das revelações da Providência Divina, colocando acima de todas as preocupações transitórias, as glórias sublimes e imperecíveis do Espírito imortal.

Pedro Leopoldo, Outubro de 1938

(Mensagem recebida por Francisco Cândido Xavier, em outubro de 1938).

A Grande Síntese, 4ª edição italiana, Editor Ergo - Roma, 1951.

A Grande Síntese, publicada pela primeira vez em série numa revista, de janeiro de 1933 a setembro de 1937, teve sua primeira edição Hoepli, em 1937; depois também a segunda Hoepli, em 1939: e a terceira edição Ergo-Roma, em 1948. Agora apresenta-se na quarta edição italiana, pela mesma editora Ergo.

Estas duas últimas edições não apresentam prefácio, a fim de não perturbar, com comentários humanos, a atmosfera do texto. Por isso, este prefácio à quarta edição, é publicado com os demais neste volume: Comentários.

Entre a primeira e as últimas duas edições muitas coisas aconteceram. Primeiro: a condenação ao índex. O autor falou disso no capítulo XVIII, “Condenado”, em História de um Homem, e voltará a falar no fim deste volume, resumindo objetivamente toda a questão. Depois veio a guerra mundial. Parece que a história quis sublinhar o supremo apelo das "Mensagens Espirituais", e quis preparar, com a dor e a destruição, renovando coisas e espíritos, uma compreensão e uma divulgação maiores para A Grande Síntese.

Em todas estas suas edições, o texto do volume permaneceu intacto. Como foi possível que o autor, tão respeitoso em relação a qualquer autoridade, não só não tivesse corrigido os erros teológicos que lhe foram imputados, mas ainda tornasse a publicar o texto sem modificações? Essa questão será tratada na terceira parte, no capítulo: “condenação ao índex”. Aqui falamos disso para esclarecer melhor. Além dessa condenação, ocorreu também outro fato novo, entre as duas primeiras e as duas últimas edições. O autor esclareceu e precisou melhor o pensamento que ele registrara somente em grandes linhas na Síntese. Isso o fez em volumes posteriores, onde pôde aprofundar a questão, porque não lhe fora possível num quadro sintético unitário. Julga, assim, ter feito tudo o que podia para esclarecer o mal-entendido, e de ter, com isso, realizado tudo quanto lhe permitiam sua consciência e seus deveres diante de Deus. A Autoridade que condenou talvez leve em conta esta tentativa, que não sabemos se alcançou seu objetivo, mas que indubitavelmente é um sinal de boa vontade de obedecer sem violar deveres maiores de consciência.

Mas houve outros fatos. Os tempos se tomam tão graves e a solução dos grandes problemas do ser revela-se tão urgente, os ânimos têm tal necessidade de soluções definitivas e de orientação racional diante dos últimos "porquês", sob o flagelo da dor que acossa, que não é mais possível repousar tranquilamente no leito das tradicionais concepções da verdade. Elas não bastam mais à mente moderna. Os velhos edifícios do pensamento humano são inadequados diante das vertiginosas maturações novas. E a vida acelera seus tempos com tal pressa de concluir a atual hora apocalíptica, que as acusações de doutrina heterodoxa passam para segunda linha, diante de tais necessidades. Assim, A Grande Síntese, que a elas satisfaz, embora não perfeitamente ortodoxa, não pode ser impedida de realizar a função para que nasceu, como supremo apelo aos homens para que voltem a seu juízo, na orla da destruição universal. Quando a casa está ardendo, qualquer pessoa que o possa, tem o dever de tentar apagar o incêndio, mesmo que não o saiba fazer com as regras da arte, e isto é o que parece heterodoxia. Como calar, quando pode ser culpa ficar calado? Muitos estão de acordo em dizer que este livro faz bem, orienta na dor, volta a dar esperança e fé, e com isso traz a muitos a coragem de viver. Como recusar-se a isso?

Novas e imensas destruições parecem inevitáveis para o mundo, porque o homem só pode compreender por experiência própria. Esta, para cada um como para os povos, tem que ser pessoal. É pois inevitável e necessário o cataclismo mundial. Ora, se este livro não o pode evitar, ao menos ajudará a compreendê-lo, de modo que, ao sair dele, o homem, aterrorizado por aquilo que fez, já encontrará escrito um novo modo de viver e as bases da demonstração lógica da utilidade dele, que só então — e não hoje — poderá ser compreendida. O homem só poderá deixar de acreditar nas miragens que agora o iludem, de felicidade egoísta e materialista, se quebrar a cabeça com elas. Urge, portanto, preparar desde hoje, para o mundo, o pão do Evangelho, não um pão convencional, mas vivo pela evidência da demonstração, alimento adaptado à nova forma mental moderna. A doutrina de Cristo deve penetrar na vida de forma universal, e, após a destruição de tantos valores materiais, só ela poderá salvar-nos, com a chegada dos valores espirituais. O homem precisa do alimento eterno, da verdade que não muda no tempo e no espaço, que não muda como partido ou nação que vence, que existe, não em função, mas além dos interesses humanos. A hora que urge não nos permite negar uma contribuição de salvação, para ficar olhando sutilezas, que não escandalizam ninguém, porque poucos as compreendem. Há outra imprensa bem diferente, de uma baixeza bem acessível, e que triunfa sempre.

Quando a besta, hoje dominando o mundo, tiver assassinado tudo, que vida lhe poderá restar, se não souber caminhar sofrendo, mas arrependida — pela estrada da redenção que Cristo lhe mostrou de sua Cruz? Que fará o homem, quando se achar diante da catástrofe que ele quis e realizou, se não estivermos em condições de fazê-lo compreender, com a sua linguagem moderna, a subversão evangélica, isto é, que o triunfador não é quem vence na Terra — pois assim cada vez mais se encadeia a este inferno — mas é o que se liberta, superando esta fase biológica numa vida mais alta? É evidente que bem cedo não sobrará para o homem outra grandeza senão a de Cristo pregado na Cruz, que é a dor que redime. Sabemos que hoje, como ocorreu para os próprios apóstolos, a cruz significa escândalo e vergonha, que a dor que redime é julgada derrota. No entanto, que fará o homem após o desastre, se não souber ressurgir na loucura da cruz, aprendendo com a dura realidade, que a única salvação consiste na ascensão através da dor? O homem atual não compreendeu nada de Cristo. Ou compreende e O segue, ou será seu fim. Hoje, no dealbar do Terceiro Milênio, a história prega a humanidade toda sobre a cruz de Cristo, de acordo com o exemplo que Ele deu. Estamos na noite profunda, justamente porque a aurora está próxima, a aurora da manhã de ressurreição. Repete-se para o mundo, em milênios, o mesmo ritmo da vida, antecipado e concentrado em três dias por Cristo, o qual, depois da segunda noite no sepulcro, ressuscitou na alvorada do terceiro dia. E a humanidade, em dores, deve ressurgir, como Ele, no seu terceiro dia, que, para ela, é o Terceiro Milênio.

Tudo hoje está arrastado pelo impulso da hora que amadurece. Este volume, com toda a obra que o acompanha, a está acompanhando. Por que julgar? Não se podem tirar as conclusões do que seja, enquanto tudo não se tiver realizado, enquanto não tiver terminado a vida do autor e a história não tiver falado, para confirmar. No entanto, um fato pode tornar-nos perplexos. Este livro é divulgado como por força própria no mundo. Quem lhe dá essa força? E se esta viesse do Alto, exprimindo a vontade de Deus? Quem então quererá assumir a responsabilidade moral para detê-la? O autor não se sente com força bastante. Pode perfeitamente surgir a dúvida de que se queira obstaculizar uma obra de Deus. Na incerteza é ao menos prudente deixar as coisas tomarem o curso que elas parecem querer. Quem pode conhecer os desígnios de Deus? Entreguemo-nos à Sua vontade, para segui-la sempre, seja hoje ela se manifestando nesta ou amanhã, em direção evidentemente oposta. Deus não tem boca, mas fala; não tem mãos, mas trabalha; não lhe faltam meios de fazer-se compreender, quanto ao que Ele quer de nós.

Permanece assim esta Grande Síntese como a pedra fundamental de toda a obra de 12 volumes, e como expressão mais imediata da fonte inspiradora. Todos os outros volumes a confirmam O edifício, paulatinamente, se levanta como se obedecendo a um plano pré-estabelecido, que o autor antes ignorava, para culminar nos céus, até Cristo, vértice da pirâmide. Embora não ainda ultimada a obra, todo o seu plano já está hoje traçado, num sistema unitário que se ergue como um bloco em trilogias sobrepostas, num edifício harmônico, em que o autor sobe com o mundo, seguindo o mesmo processo da catarse biológica, que quer levar todos, com o novo milênio, ao limiar da nova Civilização do Espírito.

Para o leitor a quem tudo isto possa parecer orgulho, o autor conclui: "Ajuda-me a desprezar-me, peço-lhe, porque não desprezo nenhum ser, na Terra, tanto quanto a mim mesmo. Isto, não por humildade, mas pela própria lógica de todo o sistema, porque é coisa natural para quem o compreendeu, porque esta é minha convicção diante de Deus. Mas que o leitor saiba, também, que por trás de mim está Cristo, o qual é extremamente sábio e poderoso, embora eu, pobre instrumento, seja extremamente ignorante, fraco e falaz; está Cristo, mesmo se eu, que por irresistível paixão, tenho a presunção de querer imitá-lo, não o consiga de modo algum. Procure, então, esse leitor, andando mais além do que este pobre instrumento, alcançar. Aquele que fala realmente, nesta Grande Síntese; procure raciocinar com Ele, e não comigo, sem dar a mim valor maior do que o que pode merecer um pobre amanuense”.

PIETRO UBALDI

A GRANDE SÍNTESE - PREFÁCIO A PRIMEIRA

EDIÇÃO ESPANHOLA

A Grande Síntese, 1ª edição espanhola, Editora Constância - Buenos Aires, 1937.

Ao apresentar aos leitores de língua espanhola uma tradução, em volume, da obra Síntesis Cósmica, do Professor Pietro Ubaldi, a Editorial Constancia está convencida de cumprir um dever moral para com todos os que se interessam pela explicação do grande problema da Vida e do conhecimento.

Seus capítulos, densos de profunda filosofia, já foram apreciados em todo o seu valor pelos numerosos leitores da revista Constancia, órgão oficial da Editorial Constancia, veterana da imprensa de caráter espiritualista da República Argentina, em cujas páginas foi publicada em série, num período longo de semanas e meses. O interesse que esta obra transcendental do ilustre pensador italiano despertou, quer nesta parte do continente americano, quer nos países europeus, foi enorme. Hoje o nome de Ubaldi é tão amplamente conhecido nos ambientes intelectuais, científicos e espiritualistas, que seria supérflua uma apresentação de sua personalidade, particularmente para os povos de língua espanhola, que já puderam apreciar a profundidade de seu pensamento, a elevação de seus conceitos e a originalidade de sua inspiração, através da bela monografia que, com o título de "Evolução Espiritual", publicamos com grande satisfação como absoluta novidade.

Obra destinada a revolucionar o pensamento moderno, sob seus múltiplos aspectos de filosofia, de ciência e de ética, a Síntesis Cósmica reveste-se de excepcional importância por causa de sua gênese, da fonte misteriosa de sua inspiração, que com o nome sugestivo de "Sua Voz", parece guiar o esforço intelectivo deste grande místico moderníssimo, que é Pietro Ubaldi, iluminando sua mente e abrindo diante de seus olhos o maravilhoso panorama do universo e das leis que o regem: panorama fechado para a enorme maioria dos homens, cujos olhos estão velados sob o peso da matéria, que nos toma escravos e cujo jugo tanto nos custa sacudir.

Pode bem afirmar-se que Ubaldi adquire assim a figura de um iluminado ou de um apóstolo da humanidade futura, à qual procura fazer compreender a grandeza de seu destino, falando ao seu coração com a linguagem doce do sentimento e convencendo a razão com a linguagem autorizada da ciência.

Dita sua palavra num momento de grande crise mundial, em que todos os velhos valores estão se precipitando, enquanto os homens invocam uma âncora de salvação, este livro de Ubaldi parece cair do céu como o maná no deserto, para os errantes filhos de Israel.

Que suas páginas possam orientar todos os seres do mundo para o caminho da verdade e da salvação!

(Editorial Constancia)

A GRANDE SÍNTESE — PREFÁCIO À SEGUNDA

EDIÇÃO ITALIANA

A Grande Síntese, 2ª edição italiana, Editor Ulrico Hoepli - Milão, 1939.

Não se trata de apresentar este volume, já agora conhecido no mundo, mas de resumir aquilo que poderíamos chamar sua história. Permanecemos, pois, no campo das comprovações objetivas, dos fatos, que não são uma opinião. Não se pode deixar de reconhecer a coisa concreta, que se toca com as mãos. As palavras proféticas, que acompanharam a publicação dos fascículos desta obra, desde seu princípio, verificaram-se totalmente, e isto ocorreu segundo um plano lógico e orgânico de desenvolvimento, que não foi preparado nem previsto pelo Autor. Por isso, tal como ele mesmo expressamente declarou (veja Ascese Mística, cap. XIII — segunda parte) jamais atribuiu a si — apesar das acusações de orgulho que lhe foram feitas — nada do que de bom possa ter conseguido fazer.

Hoje, no princípio de 1939, achamo-nos diante de uma obra completa de cerca de 1000 páginas (que precisamos ler integralmente para serem compreendidas), um ciclo de quatro momentos, uma tetralogia, ou seja:

1)  As Mensagens Espirituais, conciso e vibrante apelo ao mundo, um clangor de trombeta, uma chamada à sabedoria.

2)  A Grande Síntese, ou seja, a doutrina, o pensamento científico — objetivo e ao mesmo tempo filosófico — ético, para explicar a fenomenologia universal e para guiar a conduta individual e social. Este volume é o ponto mais alto da tetralogia.

3)  As Noúres, introspecção reflexiva, escrito como comentário sobre A Grande Síntese; explicação da técnica intuitiva inspirativa, a que se deve a gênese dessa obra.

4) Ascese Mística, estudo da evolução dessa técnica e desse fenômeno até à fase mística. Estas duas últimas obras, de introspecção e autocrítica, de íntima e objetiva indagação psicológica, em que o Autor quis oferecer todos os elementos de julgamento para os numerosos pontos de vista, segundo os quais possa ser considerada sua obra. Com isto, todo o seu pensamento é claramente exposto, e ele julga fechado o atual ciclo de seu trabalho, que foi sintético e analítico, universal e individual, concepção abstrata e vivida, obra de pensamento e de amor, tudo sustentado e fundido numa finalidade de bem.

A primeira "Mensagem de Natal" nasceu no Natal de 1931. Este prefácio escrito no Natal de 1938 celebra o sétimo aniversário dessa data.

Hoje as Mensagens Espirituais estão na terceira edição italiana e já deram a volta ao mundo. Algumas atingiram meio milhão de exemplares.

A Grande Síntese, já teve uma edição em Buenos Aires e outra no Rio de Janeiro. Estão sendo preparadas as edições inglesa, francesa e indiana (Marathi). Na Itália estamos na segunda edição, pois em poucos meses esgotou-se a primeira.

As Noúres já estão sendo publicadas em fascículos em Buenos Aires, e está sendo preparado o mesmo ciclo de divulgação com a recentíssima Ascese Mística.

Estes são os fatos. "Raramente, no mundo — diz o primeiro prefácio das Mensagens, em 1935 — obtêm tão rápido e espontâneo êxito, até outras coisas fortemente queridas e habilmente preparadas. Neste caso, ao invés, um médium desconhecido, sem preparação, durante muito tempo hesitante a respeito da oportunidade de divulgar sua produção, sem meios e sem apoio, modestíssimo e fugindo da notoriedade, sem fim algum interesseiro, mas até constrangido a uma vida de martírio para exteriorizar seus invulgares dotes mediúnicos - viu sua produção> oferecida timidamente, fazer com rapidez a volta ao mundo, difundir-se em pouco tempo automaticamente como por força própria prodigiosa. Neste fato, muitos poderão descobrir uma prova.

Pode forçar-nos à meditação, também, o fato de que estes sete anos foram os mais dolorosos da vida do Autor, que foi esmagado por sofrimentos, por trabalho, por tempestades, por renúncias, por preocupações bem graves. Isto indica que o espírito muitas vezes sabe manifestar-se apesar disso, e até nas condições mais adversas; prova isto, que verdadeiramente a fé remove montanhas, ou seja, sozinha pode realizar muitas coisas, independentemente dos meios humanos, nos quais todos colocam sua confiança absoluta.

Não é possível analisar aqui esta obra e o fenômeno espiritual de que nasceu. De A Grande Síntese ocupou-se amplamente a imprensa italiana e estrangeira, mesmo nos países em cuja língua não foi traduzida ainda. Do fenômeno, o próprio autor fez a mais cabal análise, e o podia fazer melhor do que ninguém porque o vivera. Para esta análise remetemos o leitor aos dois volumes : As Noúres e Ascese Mística. Esse fenômeno, que temos de renunciar a definir aqui, é muito complexo e tão pluridimensional que não se pode facilmente enquadrar. e enfeixar, como alguns o quiseram, em dada terminologia e em dada escola. Caminhou sozinho, individuado como todas as formas de vida, acima das artificiais distinções humanas. O próprio autor usou as palavras que achou no plano linguístico atual. Infelizmente não existe um material de expressões virgens, que não tenham sido usadas e abusadas no passado. Mas esperamos que o leitor inteligente se detenha só no pensamento substancial, sem preocupar-se com a forma relativa que o reveste. Diga-se o mesmo para alguns termos filosóficos usados em A Grande Síntese, que já induziram alguns, que mais se atêm à letra do que ao conceito, a observações que o tempo demonstrará terem valor relativo.

Entretanto, para fazer-se mais bem compreendido pelos filósofos e teólogos, que estão mais presos à forma, no seu desejo raramente expresso nas Noúres e ainda mais na Ascese Mística, de permanecer fiel à verdade da igreja católica, o Autor gostaria de retocar alguns termos e expressões que, nas psicologias que têm outra orientação, podem gerar confusão; gostaria, mesmo não modificando em nada o conceito, esclarecer mais extensamente algum ponto, expresso demais sinteticamente. Mas o Autor está sobrecarregado de demasiado trabalho, mesmo para executar esse, que ele julga um dever, ou seja, ganhar o pão de cada dia. Não dispõe de tempo, de paz e de energia de que alguns críticos parecem poderem usufruir largamente. Na urgente pressão do tempo, ele não pode hoje tornar a mergulhar na profundidade dos complexos problemas tratados nestes volumes. Para isso, seria mister que Deus lhe concedesse menos pesadas condições de vida e lhe tornasse e dar as forças gastas com o trabalho excessivo.

A crítica de Fermi, em Gerarchia, em abril de 1938, assim conclui: "No caso Ubaldi, resta explicar um fato singular. Um homem que, após ter feito o curso de Direito com má vontade, após ter viajado para ver o mundo e aprender línguas, dedica-se a ensinar inglês num pequeno ginásio da província, e não se ocupa nem de estudos nem de leituras científicas — pois bem, esse homem, de improviso, toma a pena e escreve Mensagens impressionantes, que ele afirma lhe terem sido sugeridas por Seres Superiores. Passados dois anos, e sempre acusando a mesma proveniência, escreve um volume de 400 páginas — que foi por mim criticado — perfeitamente organizado e coerente, que, pode dizer-se, enfrenta todos os problemas mais delicados que dizem respeito à ciência e à vida, que se mostra informado (mas por caminhos extraordinários) dos últimos resultados, acha conexões inéditas e antecipa descobertas teóricas. Tudo isso, numa forma literária irrepreensível, lúcida e elegante; com um tom elevadíssimo, uma espiritualidade ardorosa e pura, uma humanidade palpitante.

"É claro que ele, com esta e outras publicações que se encontram no prelo, esclarecerá melhor seu pensamento religioso e dissipará dúvidas, ao exercer seu nobre apostolado, chamando seus contemporâneos a um gênero de vida mais racional e digno. Abstenho-me de entrar neste campo, para não ultrapassar os limites dentro dos quais se mantém Gerarchia. Doutro lado, não hesito em convidar os homens de pensamento e boa vontade, sobre os quais pesa a responsabilidade do bem público, a tomarem em muito séria consideração, ao menos teoricamente, as mensagens que há oito anos Pietro Ubaldi não se cansa de lançar ao velho e ao novo mundo, com um resultado imprevisto na América do Sul. Enquanto vai exercendo essa missão, não espera nem deseja nenhuma vantagem. Ao contrário, está pronto a sacrificar sua pessoa. Pois ele sabe que não é digno de trabalhar por uma grande causa, que não esteja pronto a suportar por ela — se necessário — até o martírio".

O próprio Fermi, torna a tocar no mesmo argumento em recentíssima crítica, a propósito do volume Ascese Mística, em Gerarchia, de fevereiro de 1939.

"Em A Grande Síntese, que aqui foi comentada, confiando justamente no seu grande poder intuitivo, o autor traçou um quadro de filosofia científica e de antropologia ético-social, que deixa muito atrás experiências semelhantes do último século, — pela amplitude da contextura e pela particular novidade do método que utilizou na obra e no plano que seguiu: a intuição, como disse. Esta não veio ao mundo com ele, pois existe desde tempos imemoriais, entre artistas, sábios e videntes; mas jamais foi empregada com uma técnica tão rigorosa, clara e consciente. E ele a descreveu com análise precisa, objetiva, indubitavelmente científica, em outro volume, As Noúres.

Quem é iniciado na filosofia da história e atentamente observa os fatos que se desenrolam sob seus olhos, não duvida de que entramos num "período orgânico". Uma lei superior, cujo ritmo foi acelerado pela insipiência de quase todos os intelectuais, está concluindo seu período crítico. Este, útil e até necessário quando surgiu, acabou desencadeando-se loucamente sobre os bens mais preciosos que a humanidade recolhera, e entesoura com mil esforços e heroísmos.

Pois bem, a concepção biológica, e, portanto, orgânica, de Pietro Ubaldi, vem ao encontro da comprovada exigência do tempo em que ocorre. E mostra até à evidência as razões do comando e as razões da obediência, ambas subordinadas à visão das unidades parciais que se agrupam harmonicamente no caminho da Unidade definitiva, meta gloriosa de nossa viagem.

Os que verdadeiramente compreenderem essa verdade, estes, e não os outros, serão dignos de constituir as Aristocracias do amanhã. Ao lado dos autênticos Chefes, ao lado e quase invisíveis, mas seguros conselheiros, estarão os outros Nobres, para os quais foram ditadas obras do gênero de Ascese Mística".

 Fizeram críticas, com especial amplitude e autonomia de pensamento, a Revista Internacional de Filosofia do Direito, de Roma, julho-outubro de 1938, a revista Light, de Londres; a Settimana Cattolica, de Adria; a Ricerca Psichica, de Milão; Libro e Moschetto, de Milão; The Observer, de Filadélfia (U. S. A.); Problemi Mediterranei, de Palermo; Ali del Pensiero, de Milão; Religio, de Roma; IL Resto dei Carlino, de Bolonha; La Chimica, de Roma; L‘Ala d‘Italia, de Roma; Lliustrowanego Kuryera Codziennego, de Cracóvia; IL Loto, de Florença; O Reformador, do Rio de Janeiro; Constancia, de Buenos Aires; La Revue Spirite, de Paris. O volume do Ministro Plenipotenciário D‘Alia, Máximas de arte e de Ciência Política, cita A Grande Síntese quase cem vezes; o volume Espiritismo Moderno, de Trespioli, comenta aquela obra amplamente. E enquanto estamos em curso de impressão, essas mesmas revistas tornam a tratar do assunto, a propósito do último volume Ascese Mística.

Não é possível aqui citar a série de mais de cem jornais e revistas que, nos dois hemisférios, fizeram a crítica ou falaram de A Grande Síntese, como também de As Noúres, nem publicar as apreciações feitas em cartas ou a viva voz, por pessoas particulares, sobre estes volumes. O fato é que A Grande Síntese despertou interesse nos campos mais disparatados (vejam-se as revistas supracitadas), obtendo de todos os lados um apoio unânime. Algumas raras exceções secundárias, devidas a incompreensões mais tarde corrigidas, confirmam a regra. Tantos espíritos já se agruparam em redor deste autor, que o vaticínio da afirmação já se pode considerar cumprido. Poder-se-á discutir algum termo, algum pormenor, poder-se-á levantar a acusação de alguma inexatidão, mas já não se pode mais duvidar do conjunto, da profundidade da visão universal, de sua organicidade que corresponde à realidade do fenômeno, da sinceridade das intuições, da força da paixão, da bondade dos fins. Se, para os ânimos fechados na própria moldura psicológica, é falso tudo o que estiver fora dela, para os ânimos honestos e abertos há em tudo isso algo que comove a consciência e induz a refletir seriamente; há num quadro organizado e universal, a solução de muitos problemas até agora insolúveis; há uma aderência evidente à realidade dos fenômenos, mesmo que alguma filosofia particular possa por vezes negá-lo. E no confronto entre a voz divina da natureza e a voz humana da filosofia, temos de acreditar que a primeira seja a mais verdadeira. É esta voz divina que o Autor não poderá corrigir, porque é uma só, e cada vez que procurasse sondá-la, só poderia ouvi-la idêntica a si mesma, mais clara e mais forte.

A todos aqueles que quiserem reduzir exclusivamente a um plano racional este volume, — que é sobretudo um ato de fé, e de fé cristã, tendente à exaltação do espírito através do sacrifício — recordamos que sempre foi mais fácil discutir uma doutrina, do que decidir-se a sacrificar-se pelo bem. A discussão não é sofrimento nem exemplo e pode ser vontade de afirmar uma bandeira em que nos colocamos a nós mesmos. Hoje o mundo necessita de doação e amor, não de sabedoria filosófica; necessita do Evangelho de Cristo. Os caminhos são diversos: felizes os que já acharam as estradas dirigidas pela fé. Mas para os raciocinadores, atacados pela doença analítica do século, era necessário usar a linguagem científica, para atingi-los, pois eles também são filhos de Deus; era indispensável dar à ciência o exemplo da síntese, nobilitando-a mediante sua elevação a finalidades éticas, e ao mesmo tempo oferecer à fé a contribuição da ciência, para aprofundar e resolver problemas aonde a religião ainda não penetra; era necessário, para arrancar as almas do materialismo — que é a grande ameaça do século porque renega o espírito, base da civilização — falar uma linguagem diferente da teológica, que já agora as mentes não mais estão habituadas a compreender. Poderá a Igreja condenar uma obra assim toda voltada para um fim de bem, aderindo tanto ao espírito do Evangelho, desenvolvida tão sinceramente e com tanta paixão, fruto, enfim, de tanto sacrifício, mesmo sendo esta obra modelada pelas diversas vias psicológicas requeridas pela hora e por alguns espíritos? Poderá a Igreja fazer isso, sem negar-se a si mesma e sem agravar a crise de tantas consciências honestamente necessitadas de conhecer algo mais? Talvez alguns esperem, justamente, que a Igreja a condene, para fazer desta obra uma bandeira de rebelião. Não é isto que o Autor deseja. Ao invés, devemos perguntar: que prejuízo ou que imenso bem, adviria à sociedade, se fossem aplicadas as conclusões deste escrito? E qual a culpa, de ter dado a elas uma base racional e científica, de tal forma que se tornem obrigatórias mesmo aos incapazes de fé, ao menos para que deem o primeiro passo que os arrancará do materialismo? Pergunto: se os fatos não estivessem de acordo com a filosofia e a teologia, como se faria para modificar a voz dos fenômenos, a fim de conciliá-los à força com as construções do intelecto humano? Num simples prefácio, não é possível ir além destas razões mais rudimentares. Mas que nos sirva de esclarecimento o caminho percorrido pelo autor, que rapidamente superou a estrada da razão, seguida por necessidade e quase a contragosto; e tomou imediatamente — não por merecimento seu, mas guiado por Deus — as estradas profícuas da dor (veja Ascese Mística), demonstrando com os fatos que, após haver estudado e compreendido, é preciso pôr-se a caminho, porque certas verdades só são plenamente alcançadas com o sacrifício, e não com o raciocínio. E na verdade, muitas vezes a discussão é orgulho. Cristo não discutiu, mas carregou a cruz e amou.

Este é o espírito da presente obra, esta sua substância, que quer ser a substância do Evangelho, que é fé, mais do que sabedoria erudita; paixão, mais do que demonstração racional; ato de amor, mais do que ato de inteligência. É impossível que o leitor dotado de sensibilidade não descubra, por trás do esforço da redução da verdade ao plano racional como o requer a psicologia do homem atual, quanto existe desse espírito de amor e de fé nesta obra e que é esta, justamente, a vibração que a anima e a sustenta totalmente. Quem quer que o enfrente com critérios puramente teológicos e escolásticos, demonstrará que não sente o espírito do Evangelho, que está bem longe de tudo isso. Não nos detenhamos na letra, mas subamos ao espírito. A hora é por demais grave, para nos demorarmos em eruditas discussões. A Grande Síntese evitou qualquer referência a teorias filosóficas humanas e não citou o pensamento de quem quer que seja, para não agredir, para não entrar em discussão, para não demolir ninguém, reservando para si apenas a tarefa de criar, dando o exemplo de paz. Quer manifestar apenas harmonia, que é a lei dos planos mais elevados em que ela se movimenta. Por isso, limita-se a expor, como que narrando, o estado dos fatos: voz sincera, natural, simples, evidente. Repetimo-lo: a descida ao plano racional e demonstrativo foi uma necessidade triste, mas indispensável. A igreja que é feita de fé, ter-se-á a tal ponto afastado da luz, reduzindo-se à função raciocinante, que não tenha mais o espírito do Evangelho? Se assim fora, seria terrível. Quando não se conhece mais o timbre da voz de Cristo, é mister recomeçar tudo. A autorização solene do "Tu es Petrus não é incondicional, mas implica a manutenção constante do espírito, da chama acesa do Evangelho. O autor não condena, nem jamais condenará; mas se tudo isso acontecer, chorará amargamente. E infelizmente, não vai chorar sozinho.

Na hora atual, que os videntes sabem ser terrivelmente intensa, ele quis olhar para Cristo com maior intensidade, o que não acontece hoje em dia, entre cristãos e não cristãos. Cansado de todas as lutas no plano humano, transferiu para outro campo sua vida e seu esforço, e mostrou esse outro mundo tão distante daqui. Entretanto, soube resistir à tentação de voltar-lhe as costas, renunciando o repouso de seu sonho no paraíso, e retornou a imergir-se na dor do mundo. Agora, os críticos analisarão; a cega psicologia racional procurará compreender sua visão com os meios do tato. Trabalho lento. O Autor, entretanto, pode morrer tranquilamente. Pois isto é derrota só para os que têm objetivos humanos.

De seu lado, a ciência julgou ver em A Grande Síntese certo desprezo, por ela e por seus métodos, e ausência de novas revelações com relação às soluções de problemas técnicos particulares. Ora, o objetivo desta obra é totalmente diferente: é objetivo de síntese, de unificação, de orientação; o escopo é a elevação moral, que sobrepuja qualquer finalidade utilitária, e até mesmo prescinde dela. E o desprezo, digamo-lo melhor, a reprovação, não é da ciência, mas só de sua forma materialista, agnóstica, amoral, que ela assumiu, demolidora do espírito. Esta condenação está unida a um grande respeito, admiração e até veneração, por quem tenaz e sinceramente trabalha em seus setores para chegar à visão das leis da natureza, nas quais fala o pensamento de Deus. A ciência não é combatida, mas apenas o materialismo, sua premissa dogmática. Isto se dá com a finalidade de elevá-la a mais altos planos, para profundos campos de compreensão. O mal-entendido é fundamental. Achamo-nos sempre diante do intelectual e do utilitário, que procura uma ideia ou vantagem a mais, e nunca pensa em colocar-se na estrada cansativa que pratica o bem.

A quem pense que poderia delimitar, no campo biosófico ou em outro semelhante, esta obra, só pelo fato de que aí surgiu verá que era indispensável que ela, que exorbita das divisões comuns do pensamento, daí emigrasse para levar fruto a campos mais vastos, e que necessariamente teria que desembocar nas vastidões dos horizontes morais e filosóficos próprios do Cristianismo, o qual, mesmo para quem ignora seu lado divino, constitui sempre um colosso de pensamento bimilenário e a base da civilização europeia.

Outros, ao invés, sentados em outros compartimentos do pensamento e da imprensa (ah! parece que todos estão irremediavelmente divididos!) se escandalizarão de um espírito realmente cristão ter atravessado certos campos mais ou menos proibidos; a estes dizemos que a verdade não é monopólio de classe, e que o sol resplandece para todos e sobre todos, e que as obras de fé e de bem são necessárias e obrigatórias em qualquer parte e sob qualquer forma.

A quem se admirar do "novo", lembremos que nesta obra há o esforço de fixar um pensamento, confiado apenas como depósito, à geração presente, mas destinado a outras mais evoluídas e civilizadas; recordemos que esta obra é uma antecipação de uma corrente de pensamento, que aliás já se vem delineando, e bem o demonstra a divulgação que o livro encontrou em todos os campos. De acordo com ele acharam-se médicos e economistas, filósofos e psiquiatras, sociólogos e espiritualistas, homens de ciência e homens de fé. Todos sentiram que é a voz da nova hora. Algumas ousadias nas soluções não devem surpreender: a hipótese mística de hoje é, com frequência, a tese científica de amanhã. O conhecimento tem limites que são continuamente ultrapassados; a verdade é um contínuo desenvolvimento. A própria Igreja não utilizou largamente os filósofos gregos, e o paganismo não pode ser considerado uma propedêutica sua? Não soube tornar seu o que de melhor a intuição do gênio foi arrebatando aos poucos, só mediante seu sofrimento, ao mistério do infinito?

A palavra "revelação" não deve surpreender assim como as referências a ela, especialmente no volume As Noúres. O mártir São Justino e o próprio Clemente Alexandrino não afirmaram que a primitiva revelação jamais cessou, ainda que aqui ou ali tenha sido abalada ou diminuída?

Nem surpreender devem certas palavras de A Grande Síntese, como "monismo", desde que elas são aí usadas em sentido próprio, e não no sentido materialista, como outros o fizeram no passado. Há tanta coisa que se herda do passado! Não era possível fazer aqui um dicionário novo. É por demais evidente a crença firme do autor no dogma de que a conservação do universo é uma contínua criação É um ato conservativo-criativo, continuamente novo e sempre presente, tem que conferir, forçosamente, e confere, às coisas, um grau mais elevado e profundo de ser, uma aproximação mais imediata e atual da ideia de Deus, uma presença Dele mais viva, mais real e contínua. Portanto, só os espíritos superficiais, que se apegam à letra, poderão fazer acusações de materialismo. Ao contrário, nesta obra, o conceito de Deus — Agente sempre ativo, realmente presente a todos os momentos em todos os lugares, como Alma de Sua criação — é algo de verdadeiramente digno e imenso. E os fenômenos falam, de fato, neste sentido, ou seja, de um espírito ou pensamento que os anima de dentro deles mesmos, e não de um Deus que obra em determinado momento e depois abandona a criação a si mesma. Só assim poderemos compreender um Deus onipresente no espaço e no tempo. Sabe-se que Deus é um infinito, e que a ideia que Dele podemos fazer, continuamente se dilata, progredindo de acordo com o progresso de nossas capacidades espirituais. Por que será que certos espíritos têm tanto medo que a ideia de Deus se agigante em formas cada vez mais vastas e dignas? Por que se rebelam contra as concepções que superam seu limite conceptual? Por que temem que Deus se aproxime, numa presença cada vez mais imediata e atual? Será tão frágil a posição das verdades reconhecidas, que teme qualquer sussurro? Ou estamos tão pouco convencidos, que só sabemos confiar no apoio do número, base da supremacia material?

Quanto à fácil e superficial acusação de panteísmo (seria mais exato dizer, em nosso caso, panateísmo) pode responder-se com as palavras de São Paulo: "Nele mesmo (Deus) nós vivemos, nos movemos e existimos"; (atos dos apóstolos, discurso no Areópago); ou de santo Agostinho: "Deus é superior ao mais alto, e é interior ao mais íntimo"; ou do Venerável Cardeal Cusano: "Que é o mundo, senão uma invisível aparição de Deus, e quem é Deus, senão a invisibilidade das coisas visíveis?"; ou com as palavras dos místicos cristãos, que dizem que "Deus é a nossa superessência"?

O caminho é uma posição média de equilíbrio. É unilateralidade isolar-se na atitude exclusiva da transcendência, tanto quanto na da imanência; é necessário, portanto, juntar os dois princípios, ambos indispensáveis porque complementares: o absoluto do conceito e o relativo da aspiração. Só esta harmonia pode permitir o reequilíbrio dos dois extremos, que são dois perigos: a descrença religiosa e a fé cega.

Neste ponto delicado, temos de penetrar em todo o pensamento do autor, que, verdadeiramente inspirado por Deus, procura reerguer a fé, mesmo contra aqueles que a queiram destruir. Se à razão foi dado este tratado, foi apenas por necessidade imposta pela psicologia corrente. Mas o autor esforçou-se em fugir dela e, no próprio tratado, anseia a todo momento atingir outros planos bem diferentes. Como no Evangelho, ele se coloca contra a doutrina que mata a verdade, para torná-la racional. Hoje que está terminada sua última obra, a Ascese Mística, transparece a evidência disso. Escreve M. Zbdiechowski, a propósito de Mickiwicz: "A verdade deve ser procurada com toda a alma e só é achada a troco de esforços e dores, elevando-se além do mundo das aparências. Toda verdade é filha da dor. Mas, uma vez atingida a verdade, surge de imediato a doutrina que diz não mais ser necessário nenhum trabalho, que tudo está em nossas mãos, que a humanidade só precisa abrir um manual. Ao invés, o elemento fundamental nas ascensões do espírito é o próprio esforço, justamente o que se quer evitar. O esforço moral é o único itinerário da alma para Deus. Temos de reconhecer a superioridade do espírito sobre o pensamento, da intuição sobre a lógica, da fé sobre a razão. Só penetrando em si mesmo pode o homem aproximar-se daquele ponto pelo qual se comunica com Deus". "Muito sofri, procurando-Te fora de mim, e Tu habitas em mim". (Santo Agostinho).

Concluindo. A Grande Síntese propõe duas coisas: unificar os ânimos, concordando a ciência com a fé; elevando a primeira ao anseio filosófico sintético e à finalidade ética da segunda. Oferecendo à fé, contra os negadores, a sólida contribuição da ciência, assimilada em contato com os fenômenos que, sem dúvida, exprimem o pensamento de Deus, obtendo assim uma explicação mais cabal dos "porquês" que existem em todas as consciências (quando a ciência e a fé falarem a mesma linguagem, cairão por terra muitas discórdias vãs e incômodas). Finalmente, reavivar a. fé, recordando à teologia suas originárias formas intuitivas.

Justamente é essa intuição, a que tanto volta o autor, que achamos origens do Cristianismo. Em Ascese Mística especialmente, mas também em muitos outros pontos, ele mostra preferir — sempre que o permita o trabalho racional executado — as vias do coração às da razão, e o esforço imposto pela dor. Por isso, A Grande Síntese não aspira a ser um tratado doutrinário, isolado num campo de discussões áridas, que se fecha e esgota em si mesmo, mas pretende ser férvida semente de maturações do espírito, uma ideia acesa a progredir, uma propedêutica à ação e à vida. É fácil condenar um homem, mas nele se condena um princípio, uma orientação vital hoje necessária, deixando-se insolúvel o problema do espírito que predomina a todos, iminente e amedrontador, na hora atual, que é uma encruzilhada crucial na história. É fácil condenar um homem. E se uma Autoridade obrigasse o autor a calar-se, ele talvez — se por um só momento pudesse esquecer sua missão, lembrando-se apenas de sua maior necessidade, que é o repouso — poderia ter neste fato um motivo de desculpa diante de Deus, para desertar do campo, no momento de maior cansaço. E na verdade, o egoísmo não pediria nada melhor. Mas se o não quisesse, forçado pelo dever da obediência, poderia achar paz, talvez, em sua consciência; mas poderia achá-la do mesmo modo aquele que fosse a causa e que, portanto, deveria assumir diante de Deus a terrível responsabilidade?

Este é o significado mais profundo, que eu quis extrair desta A Grande Síntese, que já agora está lançada e seguirá por impulso próprio, como força viva em ação. Estes aspectos mais profundos só podem ser confiados à intuição do leitor. Trata-se de madureza, de contatos de alma, de choques interiores, nas grandes vias que conduzem a Deus e que só podem ser seguidas através do supremo esforço e do próprio martírio.

PIETRO UBALDI