Da Revista Religio - Roma, vol. XIV, nº 4, de Julho de 1938.

A Grande Síntese - Sabemos que não é costume de Religio apreciar livros de inspiração mediúnica, nem ocupar-se daquele conjunto de doutrinas conhecido com o nome de "ciências ocultas". Até a orientação da revista é absolutamente contrária à mediunidade e às ciências ocultas. Mas A Grande Síntese, de Pietro Ubaldi (livro devido à mediunidade inspirativa) representa um tão imponente volume de pensamento de fé, equaciona e resolve — no âmbito de suas premissas — um conjunto tão grandioso de problemas, que pode perfeitamente justificar uma exceção à regra. O embaraço talvez — embaraço enorme — para o crítico, é que, nutrido por essas doutrinas, dificilmente poderá conservar rígida objetividade. Mas a crítica não é quase sempre ou sempre, de caráter subjetivo? Não se julga, porventura, uma obra de acordo com os próprios conhecimentos, as próprias orientações intelectuais e com grau de espiritualidade que atingimos? E ademais, poder-se-á chamar "crítica", no sentido vulgar do termo, quando se trata de um livro que procura dar um objetivo a tudo o que a nossa vida contém: arte, direito, ética, luta, conhecimento, dor, encadeando e fundindo tudo na mesma estrada das ascensões humanas? Do outro lado, muitos dos assuntos tratados em A Grande Síntese, por quanto sejam interessantes e atraentes, escapam da competência de uma revista de estudos religiosos. Não podemos descer, por exemplo, com o autor, ao âmago profundo da matéria, para aí buscar a organização atômica, eletrônica e nuclear.

Limitar-nos-emos a projetar os principais aspectos de um problema que é a razão de ser de nossa revista: o problema religioso. Digamos de imediato que a posição de A Grande Síntese diante deste problema — como aliás em todos os que equaciona e resolve — é nitidamente revolucionária, e isto, parece-me, deveria bastar para assegurar ao autor e ao livro nossa fraternal simpatia de homens que, humildes, mas fervorosamente, se esforçam por arrancar as estranhas e tenebrosas "vendas que cobrem os olhos humanos, da manhã à noite" — a visão radiante do verdadeiro rosto de Deus.

Trata-se, pois, de nova revelação? Sim, se entendemos como revelação não só aquela que lança fundamentos de uma religião, mas, também, "todo contato de alma humana com o íntimo pensamento que está na criação, contato que revela ao homem um novo mistério do ser". E não é a revelação deste novo mistério do ser que esperam tantos corações atentos, sentinelas vigilantes dispersas na solidão espiritual de nosso pobre mundo em luta? Seremos nós preconcebidamente hostis à Grande Síntese, tornando-nos rígidos nas velhas categorias conceituais, que, no entanto, sentimos serem insustentáveis, mas às quais nos apegamos por um senso de "fidelidade" mal compreendido, que, no final das contas é um simples e pobre conservadorismo? Penso que A Grande Síntese deve ser lida e meditada com o coração puro e a mente pura. Coisa verdadeiramente rara nos livros desse gênero, ela não se mantém nas esferas inacessíveis da intuição pura, mas fala à inteligência, à razão cética e — traço de grande originalidade, que é como o selo das obras verdadeiramente geniais — apresenta seus argumentos com critérios científicos, e até põe a ciência e suas conquistas ao serviço de uma grande obra de espiritualidade.

Porque a finalidade primeira e última de A Grande Síntese é justamente esta: instaurar no mundo o Reino do Espírito, revelar ao homem ignaro ou obstinado na negação, afogado no materialismo científico, destruidor de toda fé, que tudo, em nosso mundo, tudo nos vastos universos, é obra do Espírito do qual procedemos e ao qual todos, consciente ou inconscientemente, tendemos. Mas este Espírito e seu Reino que progride, não são abstrações impalpáveis, etéreas, ondulando nos imponderáveis e às vezes incompreensíveis paraísos da fé. Não: o Espírito é uma realidade. Mais até: "depois das descobertas da desintegração do átomo e da transmutação da individualidade química, por explosão atômica, a descoberta da realidade do Espírito é a maior descoberta científica que se espera, a descoberta que revolucionará o mundo, iniciando uma nova era". Eis a mensagem confortadora. E é evidente que, orientada por objetivos tão elevados e ousados, A Grande Síntese não pode deixar intactos os valores religiosos e as categorias teológicas, tais como o homem os forjou. Ela olha para a vida, e a vê como uma troca ininterrupta, como uma corrente que se não detém, um turbilhão maravilhoso em que nasce o pensamento, a consciência, o espírito, e avisa que "todas as formas de vida são irmãs da nossa e, como nós, elas também lutam por ascender para a mesma meta espiritual, que é a finalidade de nossa vida humana.

E na base de toda vida, coloca a Evolução e esclarece que a Evolução é palingênese, é libertação, afirmando que o progresso da espécie orgânica não é retilíneo, como o viu Darwin, mas é alternado, por contínuos retornos involutivos. Lei cíclica, portanto, que se repete no campo da consciência individual e coletiva, que regula o desenvolvimento e o progresso das civilizações. Mas esta evolução não poderia verificar-se sem a reencarnação, pois a reencarnação é uma necessidade para a evolução; ela corresponde ao princípio de expansão e de contração dos ciclos evolutivos, é uma condição da lei de equilíbrio e consequência do princípio de indestrutibilidade e transformismo da Substância. Evolução é libertação. Frase felicíssima. E eu acrescento: Evolução é resgate, é redenção, é posse. Não o disse Cristo. Eu sou o Caminho?

Olha para Deus e o aponta como a direção, a tendência, a aspiração a meta; mas avisa — a propósito da criação do homem segundo a Gênese "não deis um corpo e sopro à Divindade; compreendei que, nessas palavras, só pode haver uma humanização simbólica de uma realidade mais profunda".  E qual é essa realidade profunda? "Deus não é uma potência exterior a nós, mas íntima a nós, como é íntimo a todas as coisas, e é no íntimo que Ele opera profundamente, expandindo-se até dominar, soberano e sem oposição". E explica: "Deus não é e não pode ser algo a mais e externo, algo distinto da criação. A concepção humana de Deus, que cria fora e além de si, acrescentando algo a si, é uma concepção antropomórfica absurda, que acaba reduzindo o Absoluto ao relativo (......). Não vos façais centro do universo; aplicai a vós os conceitos de espaço, quantidade, medida, movimento, perfectibilidade; não deveis medir a Divindade como vos medis a vós mesmos, não tenteis defini-la, tanto menos com aquilo que só é próprio para definir a vós mesmos, por multiplicação e expansão de vosso concebível". Deus é, pois, para A Grande Síntese, a infinita alma que está no centro do universo: não centro espacial, mas centro de irradiação e de atração.

"Não vos façais centro do universo. Eis o sapientíssimo aviso. Afinal, que temos nós feito de Deus? Reduzimo-Lo a conceitos feitos à nossa imagem e semelhança, pretendendo fazer de nossa razão, a medida de todas as coisas. Mas separamos todas as coisas totalmente de nós. Erro gravíssimo. Porque a alma do homem e a alma das coisas são como diversas expressões de Deus, em planos diversos de evolução e ambas tendem para Deus, obedecendo à Única Lei, aquela Lei que é a ideia central do Universo, o sopro divino que o anima, o dirige, o move. E que é essa Lei? A Lei é Deus. Ela manifesta-se, em mil aspectos diferentes, mas permanece sempre uma lei de bondade e de justiça. E qual é a mais alta expressão da lei, que podemos conceber? "O Evangelho de Cristo, cuja compreensão significará a realização do Reino de Deus".

A primeira impressão, diante desta resposta, é perguntar que tem a ver o Evangelho de Cristo, diante desta nova revelação monística, que procura dar ao homem uma consciência cósmica. No entanto, por estranho que pareça, A Grande Síntese faz do Evangelho uma afirmação de humanidade mais alta no divino, e o alcança pelas próprias estradas do materialismo, demonstrando que não há caminho que não conduza ao Evangelho, para impô-lo a todo ser racional, tornando-o obrigatório, como o é todo processo lógico. E o Cristo? Para saber exatamente o que é o Cristo para o autor, é preciso referir-se a outra publicação, As Noúres, que ilustra e torna compreensível a gênese de A Grande Síntese. Mas, mesmo sem As Noúres, percebe-se logo que também o Cristo — e é natural — perde aqui toda característica antropomórfica, para aparecer como um "espírito radiante, centro de atração espiritual, em torno ao qual giram os mundos". Portanto, um Cristo cósmico. Ubaldi (e aqui entramos no verdadeiro lado ocultístico da obra) apresenta sua mensagem tal como se lhe revelou. Mas, ao mesmo tempo, "Sua Voz" avisa: "A nova revelação não vem para destruir a Verdade que possuís, mas para repeti-la numa forma mais persuasiva, mais evidente, mais adequada às necessidades da mente humana que progrediu", e traça o grande caminho da conciliação entre ciência e fé. Compreende-se que uma conciliação só se realiza com renúncias de ambas as partes. Portanto, se de um lado, a fé tem de renunciar àquele seu caráter de irrealidade, que ela mostra diante da objetividade do positivismo científico, a ciência precisa deixar de fazer uma auto-apresentação de soberba, à procura da utilidade e da especulação, únicos ideais de suas pesquisas. E, como a ciência não deve permanecer um produto árido do intelecto, assim a fé não deve permanecer unicamente produto do coração, que não sabe dar as razões profundas à mente que quer ver. Mas a ciência não deve mais ignorar um fator, que agora de propósito ignora: o fator moral e espiritual, e o cientista não deve ser apenas um paciente colecionador de observações, mas também, e sobretudo, uma grande alma que saiba olhar na profundidade de si mesmo e na profundidade dos fenômenos, ou seja, que saiba sentir através da forma, a substância que nela se esconde". Assim, espiritualizando a ciência, e reconduzindo a fé ao campo racional, é possível reconciliar essas duas forças invencíveis de evolução, estes dois aspectos de uma só Verdade.

Numa palavra, A Grande Síntese pretende, como o disse eu de início, dar ao mundo a Ciência do Espírito, a fim de que o homem seja digno de penetrar o Mistério da Vida, superar a dor, vencer a Morte.

GlUSEPPE VINGIANO

O amigo Vingiano deu-se conta perfeitamente da delicadeza de sua tarefa, de falar de obras ocultísticas, como as de Pietro Ubaldi, em Religio, revista, por definição, histórica e positiva. Mas, com elegância e tato, de que lhe somos gratos, executou sua tarefa, exprimindo, como convinha, a sua admiração, que é também a nossa, pela profunda espiritualidade que vivifica as páginas de Ubaldi, sem por isso ferir, de nenhum modo, os métodos críticos e realísticos em que se inspira a compilação deste periódico -

E.B.