Orientemo-nos, antes de passar adiante. Iniciamos o estudo do conceito central, do esquema do ser - o “eu sou”. Isto nos conduziu a observar o fenômeno do egocentrismo cuja significação quisemos esclarecer. Por esta via chegamos às portas do grande drama da queda dos anjos, devida justamente à rebeldia do "eu", por excessivo egocentrismo desvirtuado. Detivemo-nos, então, a contemplar as suas consequências, estudando as origens do mal e da dor. Mas isto nos colocou defronte ao problema inverso da sua finalidade. Entramos, assim, na visão do grande ciclo constituído do desmoronamento e reconstrução do universo, ciclo que se reconstrói em unidade pela junção das suas duas fases inversas e complementares, involução e evolução. Adentramos, desta forma, a visão da estrutura do sistema e dos processos íntimos de seu transformismo, admirando-lhe a perfeição. Pudemos seguir esse transformismo universal até às suas últimas conclusões, que sintetizamos em duas expressões limites, uma das quais resolutivas do sistema positivo, e a outra resolutiva do sistema negativo, com o triunfo final do bem sobre o mal e a reconstituição do sistema desmoronado. Pudemos, esta maneira, encontrar a solução final do problema do ser. Descemos depois ao nosso mundo, para nele encontrar confirmações e demonstrações e, afinal, aplicações na sublimação. Com esta, como conclusão moral das visões precedentes, é apontada ao ser humano a via das ascensões espirituais, a da reconstrução do universo desmoronado, a única que o pode guiar na reconquista da felicidade perdida.

Este foi o caminho que percorremos até aqui.

Chegados a esta altura e completada a precedente ordem de visões e de conceitos, vemos desenrolar-se diante de nós uma perspectiva diversa dos mesmos fenômenos, pela qual observaremos o Todo, já não mais em relação à sorte da criação e das criaturas, mas em relação a Deus e à Sua obra. Sintetizamos atrás a última conclusão da precedente ordem de conceitos, em duas expressões resolutivas do transformismo universal: uma na destruição do ser, 0 = 0, o inferno eterno, a pena máxima para quem assim a quis renegando a existência, destruição do "eu" como individualização espiritual, morte da alma, que, negando Deus, nega a si própria até anular-se; a outra, no pólo oposto, significando a plenitude do ser,∞=∞,a felicidade eterna, a alegria máxima, o triunfo da vida, a afirmação do "eu" em Deus. Iluminados por estas precedentes visões, busquemos agora penetrar ainda mais no íntimo do fenômeno universo, contemplando-o, mais do que em seu transformismo, na sua real essência, na sua mais profunda substância.

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São João iniciou o seu Evangelho com palavras estranhas, refertas de profunda significação e geralmente incompreendidas. Ciência e filosofia, não conseguindo alcançá-las, negligenciam-nas e as resolvem ignorando-lhes a existência. Entretanto, elas contêm a chave do universo. João, ao certo, iluminado por Cristo, as havia compreendido. Procuremos compreendê-las nós também.

Que significa Verbo? Encontramo-nos em alturas vertiginosas. Tentaremos uma resposta no próximo capítulo. Para alcançá-la necessitamos passar antes por alguns degraus. Partiremos; pois, de nosso concebível, com respeito a nós mesmos. Pelo princípio da unidade do Todo, e dos esquemas de tipo único, segundo os quais o universo é construído, principio já alhures esclarecido, não é absurdo ver, igualmente em nosso minúsculo contingente, os grandes esquemas do ser refletidos escalonadamente, até ao máximo de Deus. Observemos, então, o homem, feito à imagem e semelhança de Deus, e, de como ele age, podemos formar uma ideia aproximada de como também Deus deve agir. Tudo isto nos é repetido pela inscrição encontrada no frontispício do templo de Delfos: "Conhece-te a ti mesmo, e conhecerás o universo". Afinal, a correspondência entre microcosmo e macrocosmo é conceito que vigora desde a mais remota antiguidade.

Como age o homem, através de que processo, quando, à imagem e semelhança de Deus, constrói alguma coisa? Qualquer realização humana é retirada do íntimo de quem deseja criá-la. Ele a tira de si do pensamento, da sua alma. Cada qual pode observar em si próprio o fenômeno. Há sempre uma primeira fase no processo criador - mesmo nas mais ínfimas realizações humanas - que consiste na formulação mental da ideia abstrata, que depois encontrará a sua concretização na forma. Todos nós sabemos que nada se cria e nada se destrói, mas isto no que se refere à  substância eterna e não quanto à forma em que a ideia abstrata venha a se manifestar. Quando a eterna e indestrutível substância é plasmada pelo pensamento de um "eu sou" em uma dada forma, então temos uma criação que, no sentido relativo como tudo o é neste mundo, é criação do nada. Isto em relação ao seu estado anterior, de não existência nessa dada forma, que ainda não nascera como tal. Neste sentido o nosso universo foi criado do nada, como anunciou a revelação.

Faz-se aqui necessária uma observação para prevenir dúvidas que podem surgir do confronto entre o que acabamos de expor e o que se encontra no capítulo XI: "A caminho da sublimação". Ali se esclareceu, o valor, sempre com respeito a nós, que pode ter o conceito de criação do nada, qual foi a verdadeira criação, como ocorreu o seu ulterior desmoronamento, que passamos a chamar criação e de como a verdadeira reconstrução é representada pela atual fase evolutiva. Isto foi dito para que se pudesse compreender como realmente se passaram as coisas. Mas aqui, neste capítulo, voltamos a colocar-nos sob o normal ponto de vista humano, o bíblico do nosso relativo, apenas com o intuito de facilitar a compreensão. Chamamos de criação, no sentido corrente, o que, ao contrário, foi um desmoronamento, denominando-se manifestação o que, inversamente, foi uma ocultação. O leitor está apto agora a compreender o verdadeiro significado dessas expressões de uso comum. Podemos, portanto, retomar à psicologia normal, como esta se expressa na concepção bíblica. A presença de Deus criador nesta criação dada pelo desmoronamento explica-se em virtude de Ele ter-se mantido sempre como senhor do sistema, de não tê-lo abandonado na queda e de ter continuado a regê-lo e guiá-lo através de Sua imanência nela. Ainda que mesmo através dos espíritos decaídos, a assim chamada criação está sujeita a Deus, Que nela está presente em toda parte, como seu criador. Ocupando-nos aqui de enfocar principalmente o processo criador, passando por alto sobre a rebelião e a queda, e explicando alhures a gênese do mal e da dor, observamos agora o processo diretamente em relação àquela que permanece como a sua primeira fonte: Deus.

Procuremos agora avizinhar-nos da compreensão da natureza íntima do chamado processo criador, até mesmo no seu caso máximo, em Deus, do Qual, embora a incomensurável distância, o homem busca imitar a ação, no seio do mesmo sistema e seguindo o mesmo esquema. A matéria prima da criação, como já explicamos em outra parte e esclarecemos nas páginas seguintes, é uma eterna e indestrutível substância de natureza pensante, isto é, que possui, como atributos fundamentais, a inteligência e o conhecimento. Este é o estado originário de que derivou o universo, da mente de Deus, como qualquer obra humana deriva da mente do homem.

Qual é o estado do Todo antes da criação? Por Todo devemos entender Deus, porque nada pode existir além Dele. Talvez fosse melhor criar uma outra palavra, de um significado mais preciso e não como essa - Deus - ligada a significados tradicionais. Mas correríamos, com isto, o risco de nos tornarmos ainda menos compreensíveis. O Todo estava, pois, num estado de quietude, o estado em que o homem se encontra antes de empreender qualquer realização. Este é o estado contemplativo, da concepção, sem forma ou expressão ainda, um estado abstrato, feito de puro pensamento. Nele apenas se desenha a ideia-mãe, o esquema ou modelo da forma, no qual esta poderá depois configurar-se, refletindo-se, desde o primeiro impulso conceptual, em uma infinidade de exemplares. Esta é a primeira fase da gênese, a conceptual, a que se denomina de concepção. Nesta fase, a criação ainda não nasceu, está somente concebida.

Como nascerá ela? Passamos agora para a segunda fase, para o segundo momento do processo criador. Até este ponto, a eterna substância pensante do Todo permanente ainda no estado de quietude, imóvel, sem nada ter retirado de si, isto é, sem haver manifestado as suas possibilidades cinéticas, nela jacentes em estado de latência. E uma das qualidades fundamentais inerentes à natureza da eterna substância pensante que, constitui o Todo, a de poder transformar, passando com isto ao estado atual, as qualidades antes adormentadas, latentes no estado de quietação. Este puro pensamento, existente, não no momento do princípio, mas antes dele, representava o caso máximo do princípio da semente ou germe, esquema segundo o qual continuou depois, continua e continuará a gerar-se o universo após a primeira gênese criadora. Sabemos que este é um sistema ecoante, de repetições de ações e de esquemas. Neste estado de pensamento puro existia, pois, em germe a possibilidade latente de todos os futuros desenvolvimentos quais existiram, existem e existirão.

Inicia-se, então, a segunda fase do processo criador. A substância pensante do Todo desenvolve no íntimo as suas qualidades cinéticas, retirando-as do estado latente para o atual. Em outros termos, após a fase de concepção abstrata, de formulação espiritual dos esquemas que deverão depois guiar, a ação, esta se inicia e, com isto, a ideia, a princípio apenas abstrata, começa a realizar-se, configurando-se na forma. Esta é filha do movimento. Neste ponto poder-se-á melhor compreender a significação de tantas referências que fizemos nos precedentes volumes ao estado cinético do Todo. Que outra coisa exprime o verbo em nossa psicologia corrente, senão uma ideia abstrata que se põe em movimento, rumo à sua atuação? Quando dizemos verbo, dizemos ação, que é a segunda fase, a de agir, que presume a primeira, a de idealização. Quando falamos: "eu olho, eu falo, eu vou, eu trabalho", executamos a transformação que vai da primeira à segunda fase, passando do estado imóvel da concepção ao cinético da ação. Este último está ligado ao primeiro como uma sua consequência. Ele é o mesmo ato em um segundo aspecto. Representa um segundo modo de ser, uma transformação em que desenvolve aquilo que antes estava latente, em quietação, pondo-se em movimento. A substância pensante do Todo continha já em si estes impulsos, que, uma vez lançados pelo primeiro motor, vemos transmitir-se em nosso mundo, segundo os princípios da dinâmica. Ajudar-nos-á a compreender o grande fenômeno da criação, observar o que se passa em nossa mente, quando ela desenvolve semelhantes impulsos com sua manifestação, imprimindo-os no mundo exterior, pois que ela não é mais do que um momento da substância pensante do Todo, que se isolou em um sistema menor, em um “eu sou” subordinado, ao máximo ‘‘eu sou" - Deus. Antes de agir todos pensam na ação a executar e este é o primeiro momento, o da construção do esquema diretor, pelo qual se imprimem às formas novos estados cinéticos.

Cada forma do ser se reduz a um estado cinético diferente. Deus criou, pois, pela transformação da substância prima pensante, o espírito (α) em energia, (β), que representa á fase cinética da ação que expressamos pelos verbos, a fase de querer e pôr-se em movimento para depois chegar, enfim, à terceira fase do processo, a de matéria, (γ), a forma, a criação, obra completada. Neste sentido, podemos dizer que o criado contém e exprime o pensamento de Deus, como podemos dizer que toda obra humana contém e exprime o pensamento do homem que a realizou.

Assim Deus, através do dinamismo β , por Ele mesmo desenvolvido, pôde retirar da fase conceito (α), a terceira fase conclusiva do processo, a forma na matéria,(γ). Nesta o livre estado cinético da fase energia, concentrou-se nas trajetórias fechadas dos seus átomos constitutivos, podendo assim o primeiro pensamento encontrar a sua expressão. Semelhantemente age o homem quando, por uma ação menos interior, mais de superfície e secundária, modela as coisas apenas na sua estrutura exterior e não na sua íntima substância constitutiva. Medeia naturalmente imensa distância, mas o tipo do esquema criador é o mesmo. Para operar de qualquer maneira, o homem, uma vez concebido o plano, põe-se em condições de executá-lo, dinamiza-o na ação, passando assim de a, o estado espiritual da concepção, para β , o estado cinético criador. Deste deriva, finalmente, a última fase do processo, o ato completo, resultante dos dois primeiros momentos, a obra concreta que, na forma, exprime a ideia originária. O nosso universo, a criação, representa esta terceira fase. De tudo isto ele conserva traços, sendo guiado pelo pensamento, movido pela energia, constituído pela matéria. E assim também se dá com o nosso próprio organismo, feito de espírito (funções diretivas), depois de um metabolismo e movimento (dinamismo da vida) e, afinal, de um organismo físico (baseado na matéria). E assim como o universo se desenvolveu da sua causa primeira - Deus - assim também o feto, o corpo e todo o homem, desenvolveram-se da causa primeira, motor primeiro de tudo - o espírito.

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Esta concepção da estrutura do Todo e do processo criador encontra confirmação não só na constituição de nosso universo, na natureza do homem e dos seus processos criadores, mas também em algumas das mais recentes teorias científicas, como a do espaço-dinâmico, em que se concebe o espaço, não como uma extensão geométrica, mas substanciado de uma densidade própria e dotado de uma mobilidade, como um fluido. O homem atribuiu ao espaço, de forma inteiramente arbitrária, os dois atributos de vacuidade e imobilidade, sem saber se eles efetivamente correspondem à realidade física. Há, entretanto, uma única realidade constitutiva do universo físico: o espaço fluido e móvel e o seu movimento. Os movimentos circulares desta substância conformam os sistemas atômicos e astronômicos, de que resulta a matéria. Os seus movimentos ondulatórios constituem a energia. Assim todos os fenômenos se reduzem a uma mecânica universal, dada pelo movimento do espaço, redutível deste fenômeno fundamental único e básico de que tudo emana no universo - o estado cinético do ser, em que vimos sempre a gênese de todas as coisas.

Eis, pois, um espaço - substância que não é vazio nem inerte, mas por sua natureza é genético da matéria, isto é, possui as qualidades aptas à formação, no seu seio, das condensações ou concentrações de substância que se denominam matéria. Ora, uma das conclusões a que chegamos no fim do volume Problemas do Futuro, é que a própria ciência, penetrando nos recessos mais íntimos da matéria, verificou que ela se dissolve em energia, perdendo-se, por fim, no campo abstrato do pensamento puro. Efetivamente, o elétron, último elemento a que se chegou até hoje na decomposição da matéria, segundo as mais recentes indagações físico-matemáticas, não possui mais nenhum conteúdo físico, representando apenas um feixe de ondas. O último termo da realidade não passa, pois, de uma concentração de energia ondulatória, tanto mais fácil e exatamente localizável, quanto mais diferem entre si as frequências componentes do diminuto feixe de ondas. Eis, pois, que o extremo corpuscular da matéria, o elétron, se desfaz em ondas A substância fundamental, material de construção do edifício das coisas, é um puro campo eletromagnético, desaparecendo toda ideia de substrato material. Cai, assim, qualquer significado físico real e resta apenas o lógico de representar a probabilidade matemática de que o elétron se encontre, em dado instante, em um determinado ponto do espaço. E se o próprio elétron é hoje concebido como uma concentração de energia, no que então se torna a matéria que dele resulta, se a energia mesma se concebe atualmente como uma abstração matemática: "a constante de integração de uma equação diferencial"?

Tudo isto para demonstrar como a própria ciência tende a reconduzir o material constitutivo do universo físico à sua última realidade, que é a de ser uma substância pensante. O universo, com efeito, não é explicável senão reconduzido ao seu termo extremo e entendido este termo como um puro conceito, único capaz de nos exprimir a essência das coisas. Assim a indagação científica percorreu o caminho inverso ao que Deus seguiu para, com a criação, chegar à manifestação do Seu pensamento. Desta maneira, a ciência da matéria retornou a Deus e no fundo desta encontrou o Seu pensamento animador, isto é, a presença de Deus imanente. Tudo isso corrobora o processo acima exposto da criação e, ademais, nos auxilia a compreender, confirmando-a, a concepção de um espaço - substância por si mesma genética da matéria, concepção que assim se enquadra em um sistema cósmico.

Eis, pois, de como pelo físico-dínamo-psiquismo, concepção fundamental de A Grande Síntese, podem ser orientadas, em um plano mais vasto, acessível apenas pela intuição, as últimas conclusões parciais da ciência moderna, que da dispersão, analítica são reconduzidas à unidade, em estreito monismo. Podemos, assim, logicamente chegar ao conceito de espaço-substância, derivando-o do conceito de energia-substância, e este do de pensamento-substância. Temos, pois, uma eterna e indestrutível substância que do estado de puro pensamento (espírito, α) pode passar ao de energia, (β), e deste, finalmente, ao de matéria, (γ), involutivamente e ao contrário, evolutivamente, permanecendo ela sempre a substância do Todo, o último irredutível elemento da realidade, que só pode ser Deus, centro do ser, princípio e fim de todas as suas transformações.

Podemos, assim, compreender como a Substância que agora escrevemos com S maiúsculo de sua fase ou aspecto de puro pensamento, conceito abstrato, α, pode mudar-se na sua segunda fase ou aspecto de energia, β , e como desta transformação resulta o espaço-cinético (A Substância-pensamento que se põe em movimento, encaminhando-se para a ação), de que deriva o espaço-matéria, fase conclusiva do processo criador. Só assim podemos abranger tudo o que existe, em um só princípio unitário, máxima aspiração instintiva da alma. Somente assim podemos conjugar em um e único ciclo os dois antagonistas - espírito e matéria -  em oposição apenas porque situados nos dois polos do mesmo sistema. A necessidade de contrapô-los com finalidade evolutiva, na luta pela nossa ascensão, não deve infringir a concepção unitária do Todo, e precipitar-se no dualismo de, um universo despedaçado, feito de fragmentos. Isto seria satânico.

Assim, a Substância pensante pode transformar-se em espaço fluido-dinâmico, quando, para manifestar-se, a ideia entra no estado cinético da ação, involvendo da dimensão superconsciência e consciência (α), na de tempo (β) e, finalmente, na de espaço (γ). Este último deriva da Substância pensante, que assumiu a posição cinética, a fim de que depois, no seio do espaço, assim formado, fluido-dinâmico, surja a matéria. E não só esta, mas todos os fenômenos que derivam do movimento deste espaço, isto é, deste fundamental estado cinético da Substância. Todos eles podem ser, desta maneira, reconduzidos a um fenômeno único, enveredando para o monismo universal de A Grande Síntese, vindo a reencontrar finalmente, mesmo na ciência, além das infinitas, modalidades do contingente, a fundamental unidade do Todo. Podem-se, pois, coligar em um único princípio tanto os fenômenos físicos, como os biológicos e psíquicos, porque tudo nasce desse espaço-cinético, que não é mais do que o estado cinético da originária Substância-pensamento, com a criação, posta em movimento na incessante marcha universal do transformismo, essência de todo o fenômeno e de toda existência.

Podemos, deste modo, formar uma representação mental da técnica da criação. Podemos compreender como na sua fase de espaço-dinâmico, na fase em que a Substância se pôs em estado cinético, pode ter-se originado qualquer fenômeno, quer como energia, quer como matéria, apenas pela diversa aceleração desse espaço.  É sempre o estado cinético que constitui a, gênese de qualquer forma na matéria. Assim os sistemas galácticos, planetários ou atômicos, vêm a ser constituídos por campos de espaço fluido-dinâmico girando em torno a um centro, isto é, por vórtices de energia, cuja rotação é determinada pelo estado cinético, segundo o esquema universal, pelo qual tudo, em qualquer nível do ser, tanto no espiritual como no dinâmico, roda em torno ao centro - Deus. O núcleo do átomo repete, no plano g; o esquema universal do "eu sou", mas modificando, de caso para caso, o sistema único, fato de que depende a diversidade estrutural dos diversos átomos. E todo o sistema material, do atômico ao planetário, deste ao galáctico, é gerado como campo centro-giratório, repetindo, assim, o esquema da gênese do universo, que se pode conceber como máximo centro-giratório, porquanto tem por centro - Deus. Se, para o universo, no seu aspecto espiritual, Deus é o sol do sistema, que tudo gerou tudo irradia - como o sol em nosso sistema planetário - assim na formação da matéria, a esfera central do espaço centro-giratório, forma o núcleo central, que gera e rege todo o sistema.

Eis, pois, de como α, por sua exteriorização cinética, pondo-se em ação, pode gerar β, ou seja, o espaço fluido-dinâmico, contendo em si os elementos para determinar em seu seio os vórtices de que nasceu a matéria (A Grande Síntese, cap. LIII: "Gênese dos movimentos vorticosos").  É este o sentido em que se pode dizer: do nada nasceu o nosso universo. Este, embora existisse o Todo, como substância em Deus, não existia na forma de matéria, porque a Substância estava no estado de pura ideia, em quietação, não cinético, não fenômeno, não forma, não ser, como nós o concebemos de nosso relativo feito de matéria. Para o homem, o que não é perceptível sob a forma de qualquer sensação ou registro, não existe. A criação do plano físico, a partir do nada, ocorreu quando a Ideia, dinamizando-se, gerou centro-movimentos de potência variada, ou seja vórtices ou condensações físicas de várias densidades, segundo a grandeza dos impulsos transmitidos.

Eis no que consiste o processo criador. As suas três fases são conexas por filiação, são três momentos de um mesmo fenômeno, três aspectos de um único princípio, indissolúveis, sem sentido se isolados, três modos de ser do Todo-Uno, que não se podem cindir sem destruir todo o ser, como no homem não se pode separar o pensamento idealizador da atividade operante e da obra executada. Cada momento está no outro e é o outro. Os três momentos são iguais e distintos. Cada um é o Todo e o Todo está em cada um. Um descende do outro por gênese, como o filho do pai.

Somos assim chegados, talvez, à solução do problema máximo do conhecimento, isto é, à compreensão do mistério da Trindade. Buscaremos confirmação desta visão nas palavras de São João, com as quais ele, no início do seu Evangelho, revela ter alcançado a mesma solução.

Ignoramos se tudo isto corresponde às concepções teológicas e filosóficas aceitas. É certo, porém, que a mente, não pode deixar de satisfazer-se com o conteúdo lógico de todo o procedimento, como também com a concordância destas concepções com os mais recentes rumos da ciência. Também não pode deixar de persuadir-se pelo evidente paralelismo entre elas e o exemplo de nossa atividade criadora humana, que nos diz respeito de tão próximo e, por isso, tão compreensível a nós. Quem houver compreendido a estrutura unitária e hierarquicamente escalonada do universo, achará lógicos estes paralelismos. Tudo isto constitui uma confirmação e convence, mesmo porque sacia o desejo instintivo de unificação. De fato, por instinto, o homem sente uma misteriosa potência nas grandes concepções unitárias, porque elas nos dão o senso de Deus-Uno, elevando-nos a Ele. Poder-se-á objetar que é presunção e profanação buscar levantar os véus do mistério. Mas o mistério é treva, e o homem é feito para a luz e para a compreensão. Deus nos concedeu a inteligência para que a usemos, para que nos avizinhemos Dele e não para ignorá-Lo. A ignorância é devida à obnubilação na escuridão. O ser decaído é feito para evolver, emergindo de novo no conhecimento. O progresso é Lei e o homem não pode permanecer em eterna ignorância, mesmo das coisas transcendentais, das quais depende a sua vida e a sua conduta. Diz-se também que investigar deve significar orgulho.  Pode-se indagar com humildade e pode-se compreender com respeito, até mesmo ganhando em veneração, não com espírito de revolta, mas para alcançar, ao contrário, uma evidência mais patente e uma obediência consciente. É neste estado de alma que contemplamos estas visões, o que por si mesmo expressa uma respeitosa recepção conceptual, que é justamente o oposto de uma vaidosa e egocêntrica indagação racional. Aqui a alma não desafia os mistérios de Deus, mas, diante deles, ajoelha-se, ora em agradecimento pelo dom da compreensão concedido.

Na grande curva histórica da atualidade o involuído está para tornar-se evoluído. Ele deve entrar no conhecimento da Lei, que é o código do Reino de Deus, conhecê-lo por completo, porque daqui por diante impõe-se dar-lhe cumprimento, pois que também na Terra ela deve executar-se. E por este motivo que ela se tornou compreensível. Todos os seres racionais devem cumpri-la por necessidade. A fase do terror está superada. A obediência à Lei não se pode mais conseguir com tais meios apropriados apenas ao involuído e irracional. Aquele que desperta no espírito, como o iminente novo tipo biológico humano, só sabe obedecer por compreensão e convicção. Ao involuído não era possível desvendar o mistério, não só porque ele seria incapaz de compreendê-lo, mas também porque está pronto a fazer mau uso de tudo. Mas o evoluído quanto mais souber, tanto mais se sentirá pequeno e humilde no grande universo, comparado ao infinito poder de Deus. Quanto mais se progride conscientemente na Lei, tanto mais se é tomado de sacro temor. À medida que avançamos no conhecimento, menos nos sentiremos sábios, menos acreditaremos possuir a verdade, menos nos apresentaremos diante de Deus com o orgulho do fariseu, que crê poder julgar a si mesmo e à Lei. Não. A verdade não uma cômoda paralisação em posições estabilizadas, mas é o próprio, exaustivo e incessante caminhar ascensional para Deus.