Estes conceitos não estão fora de nosso mundo.  O universo, repetimo-lo, é feito de esquemas de um único tipo e, por isso, encontramos a cada momento e em todo ponto o esquema maior no menor, embora adaptado aos casos particulares. Tudo ecoa e se repete no universo. O eco desse primeiro ato do ser não se extinguiu. Ele revive nas formas da vida, que continua a se desenvolver pela via então iniciada e traçada. O denominado pecado original, a ingestão do fruto proibido da árvore do bem e do mal, não simboliza o ato sexual, necessário à vida, mas a degradação do amor espiritual em amor carnal, do qual deriva apenas uma gênese falsa, destinada a acabar na morte. Esse pecado encobre um fato muito mais central e mais grave - a revolta contra Deus.  Ele foi efetivamente instigado por Satanás, o anjo decaído , que pretendeu fortalecer-se com a conquista de novos prosélitos, que ligou ao seu sistema de rebeldia. Assim, o pecado de Adão não constitui mais do que uma reprodução especial do processo de degradação já iniciado, uma consequente queda do homem, arrastado por Satanás na queda dos anjos, uma imitação que prolonga o fenômeno à guisa de desintegração atômica em cadeia.

Os motivos da grande queda sobrevivem a todo momento na Terra. Eles se inseriram na natureza do ser, que assim se tornou corrompida e falaz. Â gênese do mal e de nossas dores deve ser encontrada no desmoronamento tremendo que se seguiu à revolta, derrocada que devemos sair agora, tudo reconstruindo em nós e em nosso derredor, com as nossas mãos empenhadas no grande trabalho que se chama evolução. Assim, pois, o fenômeno da queda dos anjos não é estranho à nossa vida, nem está distante dela, mas é atual. O fundamental motivo psicológico de desordem continua vivo em nossa forma mental. Todos compreendemos o que representa a Lei e que seria lógico, justo e útil segui-la, quer no interesse coletivo, quer no individual. E, apesar disso, sentimos a tentação do rebelar-nos, de ludibriá-la, tomando por atalhos que, por via mais breve, nos conduzem aonde desejamos chegar. Ainda aqui, sem dúvida, obedecemos a uma lei da vida, a do mínimo esforço, mas esta deve ser seguida com inteligência, levando em linha de conta a estrutura do sistema, em que todo "eu sou" só se valoriza em função do "Eu sou" centro - Deus. E o homem hodierno, como o primeiro anjo rebelde, centralizador egoísta de todo o seu “eu”, preocupado somente com o triunfo próprio, separadamente, realiza o processo idêntico de reviravolta do sistema com a consequente inversão de si mesmo, terminando nas mortes das guerras, na destruição e na dor.

Somos assim levados a valorizar-nos como "eu" independentes e não como “eu” em função orgânica do Todo. E a exata repetição da primeira revolta.

A conduta dos eleitos é justamente a oposta, de completa adesão à vontade de Deus. Sua primeira característica é a obediência à ordem. Este terrível instinto do "eu", que se deveria controlar pela obediência à Lei de Deus, mas que, ao contrário, se deixa livremente explodir em revolta, não é também para o homem a causa principal de tantos males? E assim como, nas mãos dos primeiros rebeldes se desmoronou a ordem no caos, nas mãos do homem tudo continua a fragmentar-se, repetindo-se o mesmo processo originário no tempo com o mesmo resultado de destruição. Por isso, se se pretende novamente a elevação à ordem, reconstruindo-se na unidade do sistema, é imprescindível saber dominar este "eu" egoísta e prepotente, enquadrá- lo  na ordem,  coordenando-lhe as funções no Todo, é necessário retificar o seu inicial estado de revolta, mantendo-o na obediência ao plano de Deus, porque só assim, em obediência à Sua ordem é possível de novo unir laboriosamente uma a uma as partes do edifício desmoronado, reconstruindo-o na sua grandeza.

Este esforço exigido para a reconquista do paraíso perdido é justamente a condenação da nossa humanidade. Justa condenação, mas também salutar remédio, pois é a via de salvação para a criatura a quem o Amor de Deus, apesar da ingratidão dela, oferta a possibilidade de redenção.

No fundo da natureza humana está a tragédia da queda, em razão da qual a alma, centelha divina, desceu para a ilusão da matéria e dos sentidos, num corpo vulnerável a tudo e num ambiente ingrato, em que a conquista do progresso lhe custa esforço permanente; com mente acanhada que aos poucos terá de buscar o conhecimento que antes possuía do pensamento de Deus. Daí o tormento da insaciabilidade, que revela no instinto humano o anseio pelo grande bem perdido; daí o afã pela maceração evolutiva sob o contínuo martelar da dor, a ânsia de criar sobre as areias movediças de um mundo em que tudo caduca. Eis a razão de ser da ignorância a vencer com o esforço do pensamento, com as descobertas científicas, com o sacrifício dos mártires e com o Amor de Deus que, manifestando-se pela revelação, vem ao nosso encontro inspirativamente, permitindo que levantemos os véus do mistério. Eis Cristo, o mais perfeito filho de Deus, fazendo-se homem em nossa dor para nos ensinar a via da redenção.

Assim tudo se explica: a luta pela seleção, as guerras, as enfermidades, as desgraças, o ódio, a mentira, todas as traições de que se entretece a vida. O nosso mundo assumiu o aspecto que revela a estrutura do sistema desmoronado.  Cada individualização reproduz a originária inversão, pela qual todo “eu sou” está inquinado do princípio oposto, negativo, destruidor do “eu não sou”. Ele tudo corrompe. Por ele o incorruptível fragmentou-se no corruptível. O princípio originário permanece, mas falseado em virtude de não mais oferecer correspondência com os antigos valores. Foi a revolta originária que semeou no ser esse germe maléfico que continua a viver da sua vida. E assim, em nosso mundo, a negação está infiltrada em toda afirmação, a vida se casou com a morte, a enfermidade aninha-se em todos os corpos sãos, a destruição é o guia de toda construção, o mal ofende o bem e Satanás se introduz por toda a parte, procurando trair Deus. O motivo da queda dos anjos e do pecado original repete-se a todo instante entre nós, em nossa vida cotidiana. Não se trata, pois, aqui de elucubrações filosóficas relativas a fatos distantes, que não nos dizem respeito. Só a evolução, a ascensão da matéria ao espírito, pode cicatrizar a grande ferida, desembaraçar o ser do cerco maléfico que desejou. Mas isso só se completará após um caminho longo e doloroso. Só desta maneira se explica o motivo de nossas posições atuais, de que só podemos evadir-nos subindo, embora sofrendo.

Eis as origens da dor e do mal. O semblante da criatura traz o estigma funesto. Ela continua a sangrar da primeira colisão com as colunas do sistema. O ser caiu, mas elas não se abalaram. A Lei permanece intacta e a dor tornou-se o sinal da alma rebelde a recordar-lhe a sua grande tragédia, se ao originário instinto de felicidade, ainda vivo. Mas, entre a felicidade e ele jaz uma nuvem que só se poderá dissipar através de uma longa luta de reintegração. Desejaria repousar, mas a dor o aguilhoa e o chama à dura realidade e, então, só então, ele desperta e indaga - por quê? Por que nascer, existir, sofrer? Quem goza está bem, nada pergunta, continuando adormentado na inconsciência. Assim, pois, após a sua gênese, a dor desempenha a função de instrumento de evolução. A própria culpa gerou o remédio; a enfermidade deu nascimento à sua medicina. A dor, oriunda da revolta, esmaga e humilha, induzindo à obediência à Lei e, assim, curando o ser. Dor implacável, mas salutar, que os involuídos amaldiçoam, porque não lhe compreendem a função criadora e que os santos abraçam, não por insano masoquismo, mas porque sabem que ela significa a escada pela qual se sobe. É salutar o imperativo que impele ao trabalho benéfico pela reconquista do paraíso perdido. Falamos também da dor de todo universo e não apenas na Terra, da dor cósmica, de que a da humanidade terrena não passa de um átomo em um átimo daquela dor de que o próprio Deus quis participar, integrando-se por Amor às próprias criaturas. Foi assim que o Pai enviou Cristo á Terra, para que, com o seu sacrifício, desse á humanidade o maior impulso á redenção. Por primeiro a revolta, origem do mal, depois, a dor do mundo, seu meio de recuperação; o auxílio do Alto neste árduo caminho; a redenção obtida pelo sacrifício, que Cristo nos ensinou. Estes conceitos unidos em cadeia, confirmam estas teorias.

A humanidade percorre atualmente o caminho de retorno. Só assim se pode compreender o conceito de redenção e o significado da vinda e do sacrifício de Cristo na Terra, motivos tão centrais na história da humanidade. Só assim se pode compreende como a dor salva e o sacrifício redime e por que era necessário que Cristo sofresse. O Seu exemplo nos indica, à evidência, que a via de retorno não se pode percorrer senão dessa forma. Com a Sua paixão, Cristo quis, diante do Pai, tomar sobre os ombros o peso da correção do primeiro erro, o da revolta. Por aqui se vê quanto Deus continua a mostrar-se ativo e presente na história do mundo.

A psicologia que enxerga, não raro, no mal e na dor, indícios de um sistema falido, um erro de que pode ser acusado o Criador, como único responsável, nasce justamente do ponto de vista representado pelo "eu sou", que, colocado em posição reversa, só através desta pode ver as coisas. É psicologia corrente, dominante na vida comum, e mercê da qual cada um procura atirar a culpa, a causa de qualquer mal nos outros, mas jamais em si mesmo. O homem conserva o seu originário instinto irrefreável para a alegria, mas o faz em um sistema invertido que, assim, só lhe pode oferecer a dor. Não compreende o porquê, mas sente o tormento desta negação. Desmembrado da causa remota, se irrita inutilmente contra as causas próximas, incapaz de enxergar mais longe. Compreende apenas que a dor fere, e agita-se confusamente nas trevas em que caiu. Procura e não encontra, ignorando mesmo que a salvação está na ascensão. E, constrangido a evoluir, tangido pelo destino em passagens obrigatórias, preso à dura experimentação da vida, cheia de alegrias a fim de atraí-lo para o alto, carregada de dores, a fim de afugentá-lo das regiões inferiores.  Ele desejaria adaptar-se a este inferno para repousar, mas não lhe concedem tréguas, de um lado o desejo insaciável de alegria, de outro, os incessantes golpes de dor. E imperioso evolver.

A sensação de falência do sistema é dada não somente pela visão às avessas, seguida de uma posição invertida, mas também pela real imersão em um mundo invertido, satânico, sensivelmente mais próximo do mundo material do que do outro do real, do divino. Os esforços por subir, muito comumente terminam no retrocesso de alguns passos, em virtude do terreno informe, movediço no qual o pé não encontra apoio e a vontade se despedaça. É   o esquema da primeira queda que retorna em cada decaída subsequente, tendendo a repetir-se ao infinito. E então se exclama: "A redenção do mal é utopia, a dor é inútil, jamais galgaremos o monte da perfeição!" E se conclui: “E inútil tentar. O sistema faliu definitivamente. A obra de Deus é mal feita, porque continha um insanável erro de construção!”.

Mas se o homem soubesse ouvir a voz de Deus, teria a resposta: "Sim, criatura, podes pecar e negar à vontade, pois que és livre, De qualquer forma, entretanto, alcançarás o triunfo do Bem e do Meu Amor, isto é, a realização do Meu plano. Poderias ter preferido, como o fizeram tantos espíritos, a via curta da livre aceitação encontrando-te agora na minha alegria. Preferiste o caminho mais longo. Não importa. Desejaste, assim, a gênese do mal e da dor, fazendo delas a tua triste herança. Mas a Mim chegarás da mesma forma. O resultado final não se altera por isso. Continuo o Centro do Todo e tu não te evadiste do sistema, porque nenhuma evasão é possível. Tu te inverteste e não o sistema. Todavia, permaneces meu filho e, endireitar-te, é o que procuro, influindo a livre criatura com o uso de dois meios: a dor e o amor.

Nada está perdido. Podes reconquistar a antiga posição. Mas deves sofrer, o que não é apenas justo, mas igualmente benéfico, porque sofrendo compreenderás. A dor te abrirá os olhos, uma longa e dura experimentação te constrangerá, através de muitas provas, a te reconstruíres qual eras, antes que te demolisses na queda do teu ser. Minha bondade te oferece, na evolução, uma via de redenção do mal desejado e de evasão da dor. Será duro e não terás outro caminho, se quiseres sair do teu estado. Voltarás a percorrer em ascensão o que percorreste na descida. Bem mereceste, ao te rebelares, este açoite em tuas carnes, e Eu o permito para que o teu espírito ensombrado desperte.

E para o teu bem, porque te amo e te quero ver feliz amanhã. Primeiro entenderás a lição da dor para poder fugir dela. Quanto mais tardares em compreendê-la, tanto maior será a sua duração A tua rebelião à Minha ordem aumentará em proporção à intensidade da pena. Continuas no sistema do qual Eu sou o centro e no qual represento a alegria suprema do ser. Na Minha ordem está implícito que rebelião significa dor, que tanto maior será, quanto mais de Mim te afastares.

Meu outro meio   o Amor. Com ele te atraio sem cessar, incitando-te a refazer o caminho para chegares a meus braços, neles repousares e te alegrares. É por esse motivo que te ofereço todos os auxílios possíveis para instruir-te por meio de espíritos  superiores, meus operários no sistema que, com a palavra e o exemplo, te indicam as vias da redenção. Compelido pelo impulso negativo e tangido pela dor, atraído pelo impulso positivo, onde há alegria, não podes resistir à convergência destas duas forças.   Como, de outro modo, induzir uma criatura livre, mas cega  a reencontrar o próprio bem?

Quis, assim, tornar quase fatal a tua salvação, sem jamais violar a tua liberdade. Mas, ainda que esta, no caso extremo, quisesse, contra o teu interesse, o absurdo do teu prejuízo; ainda  que, com inflexível revolta, quisesse a tua dor eterna, mesmo diante de tamanha loucura, que o ser desejasse para sempre, também neste caso o sistema perdura intacto e o Meu Amor triunfa. O edifício erigido pela rebelião contra Mim  será anulado  até o último fragmento  E tu. criatura ingrata, se quiseres persistir absolutamente na negação, caminhando de dor em dor crescente, com as tuas próprias mãos procederás à tua autodestruição, assim desaparecendo também a tua última negação, como quiseste, no  “não ser”. Anular-te é o Meu último ato de bondade e piedade para contigo é o que tu chamas a minha vingança com o inferno eterno.”

Assim poderia falar a voz de Deus a quem soubesse ouvi-la, pois no final dos tempos tudo se realizará plenamente, como Deus quis. A revolta dos espíritos das trevas não terá passado de um episódio impotente a perturbar a integridade do sistema perfeito. E, como Deus o quis no princípio  Ele resplandecerá no fim, no triunfo do Bem. O dualismo bem-mal em que hoje está dividido o universo, como desvio transitório e não estrutura do sistema, será no fim reabsorvido no monismo originário, que a cada momento permanece só relativamente despedaçado, e o Uno triunfará. O mal e a dor, filhos da revolta contra Deus, por orgulho, não têm poder para fazer desmoronar o sistema, mas significam apenas uma doença curável, que o próprio sistema sabe sanar. Doença somente do aspecto imanente do Uno e que Ele, do seu pólo oposto observa e cura. Tudo permanece absolutamente perfeito, ainda quando não possamos observar  senão a imperfeição em que estamos imersos. Permanece perfeito, como o exigem a lógica e a razão.

 É evidente que, em um sistema gerado pelo Amor e baseado neste seu princípio central, construído de bem e para a alegria, o mal e a dor não possam ser eternos. Uma sua afirmação definitiva, embora em mínimas proporções, significaria a falência de sistema de Deus. Mal e dor não constituem senão o seu aspecto patológico, que não se pode tornar eternamente crônico sem resolver-se ou com a morte do enfermo ou com a sua cura.  O que acontece, em escala menor, em nossa saúde física, repete o que nos mostra o esquema universal do fenômeno. A morte se manifestaria pela anulação do indivíduo que quisesse permanecer sempre rebelde isto é, pela sua expulsão do sistema, ou seja, para o nada, pois que o sistema é o todo. A cura é representada pela reentrada do ser no sistema (conversão ao bem).

Uma das mais fortes razões pelas quais o mal e a dor têm de se anular, por fim, é dada pelo fato de que eles nasceram justamente de uma exagerada superestimativa, por parte dos espíritos rebeldes, do princípio divino do "Eu sou". Foi exatamente esse exagero que, pela lei de equilíbrio inerente ao sistema, produziu, como reação, uma contração desse princípio no oposto do "eu não sou", isto é, a limitação ao negativo, ou inversão do bem em mal, da alegria em dor. Ora, insistir em tal via de ruína significa marchar cada vez mais contra o princípio vital que rege o próprio eu, isto é, caminhar contra si mesmo; significa o suicídio completo do ser Será possível que ele pretenda avançar sempre em tal caminho de autodestruição, negando a si próprio e a própria vida que representa o seu interesse máximo? Será possível que um ser, baseado no princípio do "eu sou", queira retroceder até renegar-se no não-ser? Poderá resistir uma lógica que se anula avançando para o absurdo? A existência é dada pela própria natureza do princípio do "eu sou" e que não pode vir senão do princípio positivo: Deus. Então, chegaríamos à completa inversão também da lógica, no extremo absurdo, pelo qual a máxima realização de Satanás e, com ele, do mal e da dor, consiste em sua anulação. Uma vez que a vida só existe em Deus, quem é contra Ele, se quiser sobreviver, deve retornar a Ele.

Mal e dor não podem ser eternos por uma outra razão. Entre a ideia do mal e a da eternidade há contradição, que não lhes permite a coexistência. A eternidade é alguma coisa qualitativamente diversa do tempo, situada nos antípodas. Ela não é um  prolongamento de um tempo que, embora avançando, sempre está sujeito à duração. É um tempo imóvel, que não anda e jamais passa. É  um não tempo.  E que é o tempo, senão um produto do desmoronamento, um fracionamento do Uno, o imóvel em fuga no transformismo? A eternidade, unidade indivisa, com a queda se faz tempo, como o espaço, fração do infinito. O tempo existe somente como medida do transformismo  (involutivo-evolutivo), cessando quando este termina: A fração cindida reconstitui-se em unidade no eterno, o finito no infinito  A eternidade, despedaçada no tempo, se refaz no uno imóvel, integro, indiviso, e nela a corrida de transformismo, lançada em busca da perfeição, se detém diante da perfeição atingida.  Então o tempo volta a ser imóvel, sem mais transformismo, e se faz eternidade.  Com a evolução, ao passar da matéria à energia e desta ao espírito, vai-se tornando cada vez mais evidente o avizinhamento desta fusão final, paralelamente a uma progressiva libertação do domínio do tempo fracionado até aos fenômenos do pensamento, que são quase independentes dele. Pode-se dizer que ele existe antes e além do tempo, tanto que lhe escapa. E como o tempo é relativo ao fenômeno particular quanto mais evoluído é este, tanto mais se liberta dele.

De tudo isto se conclui que o tempo faz parte do sistema desmoronado, do qual também fazem parte o mal e a dor. Devemos, pois, enfileirar de um lado as características do sistema perfeito, tais como: eternidade, bem, alegria, e do outro colocar: tempo, mal, dor, que são propriedades e produtos do desmoronamento e aferíveis somente no sistema de estado imperfeito. Eis por que entre mal, dor e eternidade nada pode haver em comum, porque entre os dois primeiros e o último existe uma inversão de posição que os mantém inexoravelmente separados, situando-os nos antípodas em dois sistemas opostos. Cada coisa devendo permanecer no seu sistema, o mal e a dor não podem entrar em conexão a não ser com o tempo que passa, com o relativo, com o limitado, característica do anti-sistema. E o bem e a alegria não podem ligar-se a não ser com a eternidade, o absoluto, o infinito. Por isso mal e dor não podem ser eternos. Eles só se podem ligar com o tempo, sendo, como este, produtos do desmoronamento, isto é, uma contração no limite do que, no estado perfeito, foi bem, alegria, eternidade.

Como se vê, tudo se enquadra em perfeita logicidade. É assim que o mal se apresenta encerrado nos limites do tempo, acuado pelo transformismo  que tende a corrigi-lo, transformando no bem. Por isto, o mal, dada a sua tendência em conservar-se como é, tem pressa, pois sente a sua instabilidade, a sua posição de desequilíbrio, de exceção, ao passo que a regra do sistema incorrupto é uma posição de equilíbrio, de estabilidade: o bem. Este, ao contrário, não tem pressa, não joga com efeitos imediatos, como faz o mal preferindo, na maioria das vezes, aguardar para realizar-se e concedendo ao mal a primeira vitória, porque sabe, contrariamente a ele, que é senhor do tempo. Assim, também, as estratégias das duas forças, bem e mal, como é natural,  são opostas.  A estratégia do último é contraída,  curta, imediata, complicada, concreta. A do bem é ampla, a longo prazo, lenta, linear, de  finalidades elevadas. Por isso que as suas energias são mais poderosas, movem-se mais calma, mas dirigidas com sabedoria superior, sabem erigir construções maiores e, sobretudo, mais sólidas. Por todas estas razões, na luta contra o bem, o mal se encontra em posição de inferioridade e vencido de saída. Sua inteligência é apenas de superfície, estupidez em profundidade, lógica consequência na perda de sua primeira inteligência, motivo principal que induz o mal a engajar uma luta contra o bem, mais forte e sábio, sem probabilidade de verdadeira vitória.

Eis o quadro do fim do mal e da dor  Além deste aspecto negativo, de sua eliminação e restabelecimento, como elementos patológicos mais débeis, há ainda o aspecto positivo, isto é. há o impulso incessante do princípio básico da criação, do elemento mais forte e sadio - o amor (V. Cap. IV – “Queda dos Anjos”, e Cap. XX – “Visão-Síntese”). Este princípio, do qual tudo nasceu, deve finalmente triunfar, firmando-se como senhor absoluto, o que significa que o bem e a alegria, de que o Amor é feito, devem triunfar sobre o mal e a dor. E vemos o Amor sempre em ação. Ele significa também unidade, constituindo a força que compele o universo à reunificação no Uno originário. E todas as vezes que o ser retorna para o todo, tentando uma reunificação parcial, encontrará a alegria, que lhe exprime o consenso da vida. Assim deve ser, ainda que de forma para nós misteriosa, até os mais recônditos recessos da matéria, onde tantas forças atômicas se unem nas combinações químicas, como também sucede no congresso sexual dos corpos e, ainda mais, no espiritual das almas.

Ao amor, impulso criador primordial, está confiada, pois, a função de reconstruir o universo. Pelo princípio dos esquemas múltiplos e de tipo único, repetido em todos os níveis evolutivos, o fato de o amor ser, também em nosso nível, ato de criação e de alegria, que ele repete e imita, prova que o primeiro ato originário de Amor de Deus foi de criação para a felicidade. Se tudo igualmente entre nós nasce do amor, que é alegria, também a primeira criação deve ter sido fruto alegre do amor. Indicam-no os fatos que nós continuaremos a repetir, ainda que com formas e resultados imperfeitos, sem poder esquecer o motivo de origem, mantido como esquema fundamental do ser. O nosso amor, havendo decaído, inverteu parte da sua alegria em dor e agora só pode criar parcialmente com sacrifício. Apesar disso, ainda que dolorosa, a criação, desde a física do animal, até á espiritual do gênio e do santo, constitui sempre a maior alegria da vida.

O nosso é um universo contraído, da infinita liberdade e vastidão do Amor de Deus, na prisão do nosso egoísmo separatista, que lembra o acanhado campo cinético das trajetórias fechadas do mundo atômico da matéria (energia congelada). Ora, toda vez que o ser consegue completar o esforço para evadir-se da sua prisão, dilatando-se da contração da queda, ele percorre um segmento de ascensão e de libertação, desfrutando, assim, a originária alegria do Amor. Deve gozar e sofrer ao mesmo tempo. É trágica a nossa posição a meio caminho. Sentimo-nos sufocar pela estreiteza da prisão de nosso egoísmo, mas rompê-la nos parece a morte do "eu", e desejamos, portanto, reforçá-la. Mas a vida só pode estar no retorno à circulação do todo. Esse egoísmo nos mata e, assim, para poder desfrutar a vida e expandir-se, é imperioso que nos evadamos, que despedacemos a prisão em que sufocamos.  E imprescindível, pois, encarar o sacrifício do "eu", e para alcançar a alegria de uma vida maior, importa em enfrentar a dor, que quebra o egoísmo protetor do "eu". Para viver é necessário, em parte, morrer, ou seja, é necessário destruir-se como cidadão do anti-sistema, para ressuscitar cidadão do sistema. Eis por que Cristo disse que conservará a vida pela eternidade, não quem a  ama, mas quem a odeia neste mundo. O nosso egoísmo tende a manter o estado de contração em que o sistema ruiu. Do lado oposto, o Amor vota-se a destruir este separatismo negativo, para lançar-se no universal fluxo do todo, e novamente colocar-nos no originário estado orgânico, em que tudo era Uno. E a alegria que acompanha todo ato de Amor, desde a entrega desinteressada do próprio corpo, na geração física, aos mais elevados altruísmos pela humanidade, nos indica que esse é o caminho da reconstrução e do retorno ao estado de origem, de Amor, que somente gera bem e alegria.