Depois de haver, no volume precedente, examinado os problemas psicológico, filosófico e científico, encaminhamo-nos agora para novas regiões do pensamento.

Nos capítulos do volume precedente1 , desenvolvemos vários conceitos contidos em A Grande Síntese Foram assim confirmadas varias afirmativas científicas, que se podem encontrar especialmente nos capítulos XII, XIII e XLVI, bem como, no cap. XCVI, da obra citada. Vimos, desta forma, os últimos resultados da ciência objetiva confirmar os apontados pela intuição. Aqui procuramos fortalecer a previsão intuitiva com especulações em todos os campos, ainda os mais diversos. E de cada um destes obtivemos a confirmação desejada, para tornar valida a visão sintética fundamental. Dado que qual quer ramo do conhecimento humano não é senão urna visão parcial do universo, dado que o objeto observado, ainda que muitos sejam os pontos de vista diversos é único, inevitável se torna que estas visões parciais e particulares, se não forem torcidas por preconceitos e absolutismos, devem finalmente convergir e fundir-se numa única visão harmônica. É certo que o pensamento sintético de hoje deve possuir, senão nos detalhes, pelo menos em seus últimos resultados, todo o conhecimento moderno. se; antigamente, o filósofo, desdenhando o contato com os fenômenos, reputados coisa impura, podia especular apenas no campo das puras abstrações da lógica hoje ele deve levar em linha de conta toda a riquíssima contribuição dos inúmeros ramos particulares em que se divide a ciência, contribuição esta que estes ramos oferecem, cada qual no seu campo de indagação como resultante da indagação objetiva. Estes ramos do saber humano, estas disciplinas em verdade nos aparecem circunscritas no âmbito restrito do particular, fragmentarias e mesmo divergentes por conseguinte, mas o objeto é único, é o mesmo universo unitário, em que todos os caminhos conduzem ao mesmo centro. Esta é a razão pela qual poderá haver discrepância, por exemplo, entre revelação, religião, filosofia, ciência etc., enquanto estes ramos do conhecimento forem ainda involuídos e se apresentarem no estado elementar atual. Mas é evidente que, progredindo eles, não acabarão dizendo senão a mesma coisa, visto que idêntico para todos é o livro em que eles se abeberam. Efetivamente estamos vendo na quadra presente, a ciência evolvendo além do materialismo, abrir caminho para a verdade do espírito, já proclamada pelas religiões e filosofias.

É justamente este sentido de unidade que domina a presente obra. Daqui resulta a grande dificuldade de isolar no todo um fenômeno qualquer, seja qual for a sua natureza, isolá-lo mesmo que seja dos fenômenos de uma ordem que pareça muito afastada Quem concebe o universo com mentalidade sintética e não analítica, encarando-o como um todo orgânico e não como um oceano de fenômenos separados, não pode deixar de sentir, qualquer que seja o    ponto do mundo fenomênico que ele observe, que a multidão dos casos afins ao caso tomado por objeto de estudo, se acumula em derredor, para fazer ouvir também a sua voz. Um fenômeno isolado é uma abstração nossa por necessidade de estudo, que não corresponde a realidade. Assim como não é possível observar nenhum fenômeno completamente isolado, sem que nele repercutam e influam tantos outros fenômenos, compreendido o próprio fenômeno que o observador representa, também não é possível encarar um problema particular sem sentir a sua conexão com muitos outros  problemas, e resolver um sem resolver todos os demais, até ao máximo que é o universo. Segue-se daí que não é possível tratar nenhum argumento isoladamente, porque cada um reclama a consideração de todos os outros com os quais tem pontos de contato, impondo-se assim a necessidade de localizá-lo com relação a todos os problemas do universo. Quando se passa para um novo problema, torna-se indispensável relacioná-lo a todos os precedentemente desenvolvidos, porque se sente a cada passo uma rede de contatos recíprocos que, em um universo uno, faz com que de qualquer ponto deste todos os demais pontos sejam notados. Esta impossibilidade de isolar um caso qualquer, é que faz com que este caso se nos apresente sempre circundado por um cinturão de outros casos que necessitam ser tomados em consideração. Por esse motivo é que nesta nossa exposição, com freqüência veremos reaparecer os mesmos conceitos, o que poderá induzir o leitor desavisado a concluir ter havido repetições desnecessárias. Ao invés disto, trata-se do retorno ao mesmo caso observado diferentemente, ora de frente, ora de lado, ora de cima, ora de baixo, ora em função desse ou daquele fenômeno, ora em um ponto ou posição do organismo universal, ora em uma outra, pois que importa muito estabelecer as conexões e realçar as relações com os outros casos e com o todo.

As maiores descobertas podem nascer apenas por se terem encontrado relações novas entre fatos velhos. O universo é uno e não é possível, a cada instante, deixar de ser encarado como um todo. É difícil, pois, concatenar numa elaboração lógica e sistemática aquilo que se apresenta como um bloco único e compacto de coexistência de todos os fenômenos, a qual se rebela contra a exemplificação parcial e sucessiva. Esta volta freqüente aos conceitos básicos que, como dissemos, pode parecer repetição, é devida a nossa orientação convergente centrípeta e não divergente e centrífuga, é devida a nossa contínua preocupação de unidade, de modo a permanecermos coligados ao único centro de todas as coisas, encarando estas apenas em função do qual dependem. Em vez da concatenação lógica, o pensamento de quem observa o universo procede, no nosso caso, segundo a trajetória típica dos movimentos fenomênicos (cfr. A Grande Síntese, cap. XXIV, fig. 4), isto é, retornos cíclicos que progressivamente elevam a  posições sempre mais altas o ponto de partida, seguindo as oscilações de uma onda. O pensamento também obedece a esta lei universal dos fenômenos. Todo conceito, realmente, é atravessado muitas vezes e cada vez se aprofunda mais, de modo a surgir ampliado e coligado a outros conceitos novos e mais afastados. Da primeira vez ele surge genérico, como vista panorâmica de conjunto, mas depois aparece diferenciado, com particulares que emergem e se distinguem com individualidade autônoma. O seu desenvolvimento detalhado não se pode verificar senão a seguir, pois que de outra forma teria prejudicado o aspecto conjunto da primeira visão. Por esse motivo também o desenvolvimento de tantos temas, apenas acenados em A Grande Síntese, não era possível nessa ocasião, sem que divagássemos em digressões que teriam fragmentado a unidade da exposição. Também não era possível porque a visão não havia adquirido os detalhes que só subseqüentemente poderiam vir a lume. Assim se compreende a necessidade de retomar cada tema em lances sucessivos para fazê-lo progredir. Desta maneira, progressivamente, dilata-se o nosso conhecimento, tanto em amplitude como em penetração, e, assim, partindo dos princípios gerais, cada vez mais nos aproximamos da atuação pratica da nossa vida.

Finalmente, é ainda levado a encontrar repetições nesta exposição quem, em sua leitura, procurar apenas o conceito e pouco se preocupar em transforma-lo na própria vida como ação dela. Ora, estes escritos não foram feitos para ser somente lidos, mas sobretudo para serem aplicados, pois que não constituem uma ginastica intelectual, um treinamento literário e só começam a revelar sentido quando forem vividos, porque então, e só então, poderão ser compreendidos. Quem simplesmente os ler, sem aplica-los em si, não poderá dizer que os compreendeu. Sim; trata-se de vida, de conceitos-ação, de pensamento-força, trata-se de um verdadeiro dinamismo concentrado na palavra, à  guisa de um explosivo capaz de imensa expansão em ambiente apropriado; trata-se de conceitos-germe, capazes de enorme desenvolvimento se caírem em solo fecundo. Quando pois, ao leitor parecer encontrar-se defronte a uma repetição, em vez de exclamar: "mas isto já foi dito e eu já o li", diga: mas ainda não fiz isto e esta repetição deve me induzir a pô-lo em prática". Quem ler este livro como o fez com todos os outros, por curiosidade ou por cultura, sem realmente pensar em revivê-lo, perde o tempo. A leitura aqui consiste em assimilar e em aplicar. Ela se completa na maceração, aperfeiçoa-se na maturação e conclui-se na catarse e na sublimação.


Justamente pelo principio de unidade que domina em todo o universo, por aquele monismo em que nos aprofundamos nos capítulos precedentes2 , e que encontra confirmação na ciência, é que constatamos que os princípios universais e as grandes coisas estão coligadas com as pequenas do nosso mundo, de modo que a nossa limitada e efêmera vida do relativo adquire significados imensos e eternos. Assim é que a vida mais simples pode dilatar-se, agigantando-se no infinito. Se esta descoberta de novas reações entre as coisas velhas pode parecer uma repetição delas, porque não se consegue com isso nenhuma descoberta nova particular, no entanto empresta-se a cada uma delas um sentido e sabor novo. Assim, quanto melhor não se poderá compreender cada uma delas, por exemplo o fenômeno social, quando é visto do mesmo ponto de vista biológico, que repete no nível vida o que sucede nos agregados celulares, moleculares e atômicos da matéria! Este método universal dos agregados, ou unidades-sínteses que observamos por toda a parte, em todos os campos e em todos os níveis evolutivos, este procedimento em direção a unidades cada vez mais vastas, assim como a estrutura coletiva de toda a unidade, nos mostram a verdade dos princípios acima afirmados, ou seja, de um lado uma pulverização do todo em elementos cada vez menores indefinidamente e, do outro, a reconstituição da unidade no reagrupamento destes elementos em conglomerados continuamente maiores. Esta constatação da estrutura coletiva de toda a individualização, que é sempre uma síntese, é justamente uma demonstração ativa do processo supra citado da reunificação universal.

Calcula-se, afirma Lieck, que um homem adulto seja constituído, em cifras redondas, de 3 bilhões de células e que possua 22 bilhões mais ou menos, de glóbulos vermelhos. Pense-se agora, de quantas moléculas será constituída uma célula, de quantos átomos cada molécula, de quantos elétrons cada átomo e de quais e quantas ondas interferentes será constituí do um elétron e então concluir-se-á da complexa estrutura coletiva e progressiva sobre a qual se eleva o edifício do ser humano. E, no entanto, embora nele exista uma série de mundos, a multidão de elementos que o compõem coordena-se tão harmonicamente que esta unidade-síntese, que é o homem, sente-se perfeitamente uno no seu eu. Mas o homem, por sua vez, não é senão um elemento da sociedade humana, e esta, a seu turno, de humanidade mais vasta, ao infinito. Atendo-nos a esta observação dos fatos, de um ponto de vista científico, poderemos imaginar Deus como a máxima unidade-síntese, em que se reunificam estes agregados que, gradativamente, progredindo de unidade-síntese em unidade-síntese, chegam até Ele. Se este é o esquema do universo, que da matéria ascende até o homem, o mesmo deve ceder também do homem para cima, pois que já vimos que o sistema é único em todos os níveis. Ele exprime exatamente o princípio da cisão e reunificação da cisão, confirmando com isto o outro princípio do equilíbrio universal. Deve-se compreender, ademais, que cada unidade-síntese não é apenas a soma dos elementos componentes, mas é a resultante da sua organização, isto é, alguma coisa qualitativamente em tudo diferente. E assim se prossegue até a unidade máxima, Deus, que ao certo não é a soma de todos os elementos do universo, mas algo completamente diferente, e muito mais, não só por ser unidade-síntese, mas também porque, neste ponto, o ciclo dos efeitos se esgota, confundindo-se com a causa, que assim permanece eterna e absoluta, transcendendo além de todas as suas manifestações imanentes, além de sua natureza exaurível, que opera no limitado.

A ciência e a lógica, que nos permitiram chegar a estes princípios, nos guiarão em suas importantes aplicações. O progresso é, pois sinônimo de unificação, ou seja, a evolução não se cumpre apenas individualmente, porque mal ela se tenha manifestado neste sentido, manifesta-se reorganizando rapidamente os elementos em unidades coletivas. Hoje, a identidade de interesses começa a irmanar, em grupos variados, os homens de todo o mundo, num sentido coletivo antes ignorado, pelo menos nas proporções e na extensão que se verificam agora. E o indivíduo pode encontrar, no respectivo grupo, qualquer que seja este, proteção e valorização. A unificação, sem dúvida, corresponde sempre a um interesse por enquanto mais alto e a evolução consiste em chegar a compreendê-lo. Assim, mal uma série de indivíduos progride, descobre a maior vantagem de viver organicamente que em luta recíproca.

Atualmente compreende-se isto para vastas classes sociais; ontem se compreendia apenas para grupos menores; amanhã se compreendera para toda a .humanidade. A organização será tão ampla quanto a compreensão. Quanto mais se caminha para o separatismo, tanto mais se desce. A unificação é o caminho da ascensão. A nossa vida social é uma aplicação destes princípios. Quando um organismo qualquer, físico, biológico ou social se desfaz, é uma unidade-síntese que se fragmenta, verificando-se um retrocesso involutivo e ao contrario. No primeiro caso não permanecem senão as menores unidades ou elementos componentes que, isoladamente, retomam a vida num plano inferior, sem mais conhecer-se um ao outro freqüentemente inimigo. A rede das relações que formam o organismo superior se despedaça. Assim se dá na morte de um homem, como na de uma nação. A própria cisão do tipo humano, em dois sexos, é uma forma involuída, em que cada unidade procura completar-se na outra metade, sem a qual permanece incompleta. Um dia o macho atual, que compreende apenas a força, o trabalho, o dinheiro, a organização e a inteligência, devera completar este seu conhecimento com o da bondade, do sacrifício, da beleza e do sentimento, qualidades estas sobretudo da mulher, atualmente. E ao contrario. E quando o tipo biológico houver reunido em si todas estas qualidades, então terá avançado. Entretanto, quando o homem e a mulher conseguem coordenar as suas qualidades em colaboração, na família, constituem-se já em organismo mais evoluído, uma primeira nova célula ou uma unidade-síntese coletiva. Mas, quando uma destas unidades se desfaz, ao mais evoluído estado orgânico segue-se um involuído estado caótico.

 

Quando uma sociedade se desagrega, são em verdade os atritos que triunfam, em vez da colaboração e, na queda involutiva, são os mais primitivos que ganham projeção, valorizam-se e emergem, porque o funcionamento da vida coletiva desceu ao seu plano. No grau superior eles não têm oportunidades de ação. Estas desagregações se verificam mal a classe dirigente se esgota e entra em crise, como sucede depois das guerras e nas revoluções. Então, à ordem de um funcionamento orgânico sucede a desordem e a revolta que se justificarão chamando-se liberdade, até que se reconstitua uma nova ordem com uma nova disciplina que se justificara, com o nome de dever. A vida social jamais pode parar. Quando a classe dirigente, detentora da autoridade, se fatiga, perde-a e uma classe inferior a conquista, a classe mais involuída dos primitivos. São as classes inferiores que sempre fazem pressão de baixo, intentando subir. São elas que o poder, nos períodos de calma, mantendo a disciplina, coagem dentro da própria ordem, são elas que, aspirando sempre ao domínio, ao primeiro sinal de fraqueza saltam à  garganta do velho patrão para estrangula-lo e substituir-se a ele no comando Mas também isto redunda em fadiga e também as classes inferiores se cansam em exercitá-lo. Por isso mesmo a nova ordem por elas construída será subseqüentemente agredida por outros estratos sociais em uma luta, de que sairá vencedor o mais idôneo, aquele que melhor representar os interesses da vida.

Então, quando a unidade-síntese superior for reconstituída em condições melhores que a precedente (assim cami ha a história) e firmar-se como poder, então os involuídos, representantes de um nível de vida inferior ao da maioria, devem subordinar-se à  unidade superior e viver uma vida secundaria, apenas em função dela. Desta forma eles são enquadrados na ordem restabelecida e, dado que a vida agora funciona num plano mais elevado que o seu, não aparecem mais como heróis de uma revolução, mas como delinqüentes comuns, inimigos da ordem. Mesmo o micróbio-patogênico no organismo humano é uma forma de vida, que é mantida à parte, enquanto predomina a do organismo são. Mas apenas esta se desfaz, eis que o micróbio invade tudo, encarregado da liquidação da sociedade celular, que é o corpo humano. Eis o significado biológico e cósmico das lutas políticas e classistas hodiernas, vistas em relação aos dois princípios de cisão e reagrupamento dos elementos do universo. Em tudo isto há equilíbrio. As classes inferiores, como os micróbios patogênicos, são pela vida solicitados à ação somente enquanto for necessária e útil a sua presença e não mais. Trata-se de intervenções patológicas, de crises de transição (revoluções), de execução de uma tarefa de destruição necessária à reconstrução, da qual eles são condição. Mas a obra dos demolidores se extingue com eles logo que os interesses da vida reclamam a obra dos reconstrutores. É assim que as revoluções se exaurem, cumprida a sua função, e os seus autores são tragados pela sua própria revolta e na qual esta toda a sua missão. Assim se formam sempre equilíbrios novos. Mas nestes equilíbrios impera sempre a lei biológica pela qual quem for biologicamente involuído deve permanecer automaticamente, pela própria qualidade, submetido ao evoluído.

Como nunca hoje no mundo se defrontam em luta os dois princípios opostos: o da cisão e o da reunificação. O nosso século é de transição, em que estão abalados os equilíbrios precedentemente estabelecidos e se esta na expectativa da formação de equilíbrios novos. É bem verdade que este estado de coisas é o mais criador, mas também é o mais perigoso. É o mais criador porque tudo desmorona, o velho mundo é removido e o terreno se torna desimpedido, desaparecendo as barreiras e desmantelando-se as defesas das posições conquistadas. Tudo é móvel e campo aberto a todas as inovações. Tudo é possível hoje. Mais do que a bomba atômica, temos sob os pés o fermento das idéias, que é muito mais explosivo. Tudo é destruição atualmente. Rolam por terra as velhas divisões nacionalistas, econômicas, religiosas, ideológicas. É a grande hora de joeirar e reconstituir todos os valores humanos. Na hora destrutiva são chamados em cena os demolidores de todo o campo, materiais e espirituais. É a orgia da destruição preparada pelo materialismo e este é a idéia que na quadra atual atinge a plenitude de sua realização. Mas justamente por se encontrar em plena realização, ela amadureceu e caminha para a sua morte, enquanto que pela lei do equilíbrio, desponta por baixo dela, ainda como um fraco dealbar de aurora, a idéia do espírito. As trevas e a luz se digladiam em plena batalha. E na verdade, se de um lado tudo desmorona, jamais como agora se observaram tão aguçadas as tendências as grandes unidades, Involução e evolução se contrastam. A capacidade destruidora, o materialismo, o ódio, o egoísmo, a avidez desaçaimada e individualista até a dos opostos imperialismos, representam a corrente involutiva. O imenso progresso científico que nos conduz até o espírito, o domínio sobre as forças da natureza, os grandes meios de comunicação, a formação de grandes unidades sociais, políticas, econômicas e religiosas, uma tremenda necessidade de orientação e de fé,  nascida da dor, representam a corrente evolutiva.

As características da nova era serão a unificação e a universalidade. Isto por si só justifica, em face das finalidades da vida, a necessidade da ação destruidora atual. A nova era será, não de imposição mas de compreensão. O sistema da coação e da força, no último meio século, destruindo a Europa, isto é, o centro do mundo civil, nos forneceu a mais dolorosa e desastrosa experiência que um homem pode conhecer. Quem ainda acreditar em tal método e o seguir, devera fazer a mesma experiência e chegar ao mesmo fim, pois que isto esta implícito no sistema. Mas existe um outro sistema incompreendido e negligenciado e que é o único que poderá sobreviver: é o da compreensão e o da convicção. Os absolutismos as verdades exclusivistas e intransigentes, tendentes a dominar e coagir o indivíduo e a consciência, em qualquer campo, são métodos superados.

Da concepção matemática da relatividade de Einstein, o que todos compreenderam foi a idéia da relatividade humana. Avizinhando-nos hoje, por evolução um passo mais do absoluto, sentimos em compensação a nossa relatividade, a princípio pouco notada, e percebemos melhor, em contraste, a natureza transitória e envolvente do nosso contingente. Sentimo-nos na pura função de ponto de referência. Desta forma, os absolutismos exclusivistas que antes possuíam o sabor de absoluto, agora não passam de obstáculos. A divulgação moderna do conceito de relatividade desferiu-lhes um golpe mortal. Por isso os nacionalismos estão em via da extinção e sobrevivem apenas quais imperialismos. E estes reduziram-se a dois apenas uma luta por decidir da supremacia final de um mundo só. Transforma-se o conceito de pátria. O que antes se apresentava como santo patriotismo, hoje só parece belo para efeito interno e além fronteiras desperta, nos outros povos, suspeitas contra a nação que o professa, porque uma tal forma de amor tende a resolver-se em ódio e em guerra contra outros países.

Ao lado deste amor surge concomitantemente a idéia do estrangeiro, inimigo que deve ser combatido. Modernamente, com os grandes e contínuos intercâmbios e contatos, desponta uma tendência a fusão de todos os povos em uma humanidade e o conceito de uma grande pátria que abrace todos eles. É uma dilatação de egoísmo, como já vimos para o indivíduo, que evolve até abraçar outros povos. Deste modo as grandes unidades humanas se reagrupam em torno de outros conceitos mais compreensivos, e tanto ódio, antes justificado e santificado por separações nacionalistas, encaminha-se para a extinção. E o amor de pátria, limitado a um país, hoje pode parecer um obstáculo a um novo espírito tendente as grandes unificações

Os caminhos são dois: subir ou descer. O mundo atual esta suspenso entre ambos. Ou robustecer-se construtivamente através da unificação que irmana, ou robustecer-se no separatismo e destruição num massacre alternado Ou construir um organismo humano mais vasto, sem exemplo no passado e só em nome deste destruir o atual, ou então destruir por destruir finalizando na barbárie. O homem seria capaz de seguir o último se a vida sabia não velasse por ele, que ignora. E por isto é fatal uma grande onda de ascensões que invada e eleve o mundo. mas que provas e dores isto implicará? E será o homem que devera suporta-las. Duas são as sendas nó vida dos povos como na do indivíduo: a da progressão e a do retrocesso. Por elas se desenvolve o grande caminho do universo em direção oposta, como vimos. Hoje, como ontem, as criaturas seguem uma ou outra, como vemos. Os métodos por elas usados revelam o caminho de sua escolha, a sua natureza e posição. Quem procura a matéria, acredita na riqueza e na força, nos exércitos e no domínio, é um involuído subjugado pela ilusão. Na sua grosseira insensibilidade e ignorância, deve ainda atravessar duríssimas provas para compreender a vida, deve, sofrendo as conseqüências de sua ação, dado que o seu pensamento é concreto, conquistar o senso do bem e do mal. Encontrando-se em queda ele não sabe valorizar-se senão com a posse, a qual se aferra e pela qual luta. Por isso é ambicioso e insaciável. Não é capaz de compreender outra realização de si mesmo do que a que consiste em ligar a sua vida física efêmera, as coisas efêmeras da terra. Nada enxerga além disto. Permanece ainda excluído da vida maior, em que se é eterno, colaborador de Deus, cidadão do universo. Possui do bem um conceito limitadíssimo, circunscrito ao próprio egoísmo, no qual permanece aprisionado. Assim a sua alma se encontra excluída da grande e inexaurível riqueza de Deus, sempre insaciada e, por mais que possua, mais esfaimada se torna. Quanto mais possui tanto mais lhe cresce a avidez, e porque crê apenas na ínfima vantagem individual, e só por isto vive, é levado a menoscabar o resto. Um mundo feito de tais seres não pode ser senão uma alcatéia de lobos. A sua involução, que lhe faz ter fé apenas na força, dá nascimento a um espirito egoístico universal de revolta, que faz do mundo um caos. E é por isso que o involuído é vítima de si mesmo. É a reação provocada pelo próprio método, que o fere: "Quem com ferro fere com ferro será ferido”. Estamos assim na via descendente, que termina na pulverização.

Mas se o involuído assim age em seu prejuízo condenando-se a uma vida inferior, porque não compreendeu o escopo da vida, o evoluído caminha em sentido oposto, que o conduz para a unificação. Este compreendeu que há muitas outras conquistas a fazer do que a dos bens materiais, compreendeu a esterilidade de tantas lutas colimando a conquista de uma posse efêmera, insuficiente para saciar o desejo infinito da alma. A razão de ser da vida é outra. A procura de uma felicidade através de satisfações materiais é vã: ela cria inimigos, desencadeia lutas, verte sangue, desperta dores e nos deixa cansados e insatisfeitos, na sensação da inutilidade de semelhante esforço. Só o involuído, inexperiente, pode aceita-la. Então tem-se nojo da terra que traiu e volta-se a olhar para o céu e então tudo se inverte. O desenvolvimento, que é lei de vida, atua não mais tomando, mas dando; o impulso não é mais para o exterior, mas para o interior; a riqueza que se procura não é mais a efêmera da forma, mas a eterna da substância. E o ódio se transmuda então em amor, a força na compreensão, o egoísmo isolacionista na unificação, a guerra na colaboração.

Ora, enquanto o indivíduo não evoluir de modo a compreender estas coisas, a aplicação de princípios de solidariedade não poderá passar de utopia e mentira. O irmanamento humano é o resultado de uma maturação e de uma convicção, não podendo sê-lo da força. É  verdade que na terra foram feitas tentativas em todos os tempos para chegar-se a grandes unidades através dos mais diversos imperialismos, mas deles nada resultou Com a imposição domina-se, esmaga-se, escraviza-se, mas não se unifica. Se as raças se misturam, isto depende de deslocamentos demográficos e não dizem respeito aos imperialismos. É a vida que tudo utiliza a seu modo. Não são a força e o egoísmo, dois impulsos separatistas, que podem conduzir a unidade. A verdadeira unidade é outra coisa que imposição violenta e sobreposição dos povos, ou das suas classes Ela implica elementos espirituais que a política ignora. Trata-se de compreender e de sentir a Grande Vontade diretora do universo e conduzir-se neste de acordo com ela.

Neste plano de vida dominam princípios bem diferentes. Ao invés do egoísmo, o altruísmo, ao invés da lei do mais forte, a lei do sacrifício e do amor. No evoluído o involuído é transtornado nos seus instintos e métodos. Se no segundo a vida do espírito cede em favor da vida do corpo, no primeiro é a do corpo que cede em favor da vida do espírito. Então a terra, antes campo de realização e de conquista, torna-se teatro de sacrifício e de missão, porque a realização e a conquista se transferiram inteiramente para o plano mais elevado do espírito. E a vida terrena, em vez de enriquecer, espolia, porque para o evoluído ela se tornou sinal negativo, dado que o positivo é representado por uma nova vida que apareceu, ignorada ao involuído, a vida do espírito. Quem freme por dominar e enriquecer-se, não se iluda: esta‘ no caminho da descida em direção que conduz a pulverização. Só quem gosta de dar e sacrificar-se pelos outros esta no caminho da ascensão, em demanda da unificação. Poderá parecer utopista, mas só ele está habilitado a transformar um mundo de ladrões e assassinos, em um mundo de civilizada colaboração fraterna. O elemento coesivo de unidades maiores só se pode encontrar em quem concebe a vida como um encargo altruístico. Só uma massa de semelhantes indivíduos pode formar um organismo social. Querer organizar um coletivismo real com o tipo biológico involuído é mera utopia.

É neste coletivismo, atingido não por imposição exterior de força, mas pela dita maturação, que se pode verdadeiramente valorizar o eu, e não pelo domínio do próximo, como ainda hoje se compreende na terra. A hipertrofia da personalidade de um indivíduo a expensas dos outros representa o triunfo do princípio separatista, exprime um estado de pulverização da unidade. Se for obtida com a tirania, será apenas uma unidade às avessas, uma construção forçada, em equilíbrio instável, sempre pronta a desagregar-se. Tais são as pseudo-unidades, só na aparência construtivas, mas substancialmente destrutivas, obras de Satã. Nelas, o eu, por mais poderoso que seja, esta sempre entrincheirado no próprio separatismo, permanece um centro isolado e jamais abre as portas do amor para unir-se, a outros seres. Os liames impostos pela força são superficiais, não substanciam e só perduram enquanto existem forças para mantê-los. Em profundidade eles não ligam coisa alguma. Não é considerando todas as coisas apenas em função de si mesmas que estes liames se podem estabelecer, mas só considerando-as em função dos outros. Como se vê, os sistemas atuais empregados na formação de grandes unidades coletivas poderão servir como tentativas, como experiência e mesmo como meio educativo pela penetração de conceitos novos. Mas para atingir a sua real atuação mister se torna outro método inteiramente diverso: o da compreensão. Para tal fim é necessário um tipo humano diferente e outro caminho não existe para conseguir-se esta compreensão senão a que conduz à formação desse tipo. O mais acirrado adversário da unificação dos homens em um plano de justiça social é exatamente o homem hodierno, aquele que para servir a fins próprios mais a preconiza, mas que na realidade menos crê nela. Os programas professados e realizados com tal psicologia manifestam-se na realidade às avessas e efetivamente ocultam, sob bela roupagem, a luta comum pela vida, pela substituição de pessoas nas mesmas posições de domínio ou de subjugação. A isto não se pode chamar progresso, porque é falência da unidade. A verdadeira unidade não  repousa no equilíbrio instável carregado de reações, como o imposto pela força, mas na adesão livre e convicta.

Quando o eu intenta construir apenas pela via do egoísmo, ele tende, mais do que construir em unidade, a desfazer-se no separatismo. Quando o eu se torna centro no lugar de Deus e se apossa de tudo então caminha-se para Satanás e não para Deus. De tal método não podem surgir senão rivalidades e antagonismos, que só oferecem uma solução possível: a destruição de um dos contendores. Mas a isto não se pode chamar vitória, porque na realidade se trata de uma ilusão, visto que em uma guerra todos são prejudicados e vencidos. Isto é natural, de vez que nos mundos inferiores reina a traição. Tais métodos são próprios destes mundos inferiores, como o é o mal e é por isso que, carregados de atritos, dado que a força é a sua base, não podem resolver-se senão em destruição e dor, por mais que apregoem construção e felicidade. Este é o destino fatal de quem se encaminha para a matéria. Estas são as leis da vida que funcionam igualmente no campo das realizações sociais, pois que seria certamente ingenuidade supô-las excluídas do funcionamento orgânico do universo, onde seriam arbitrariamente plasmadas apenas pelo capricho do homem. Se este é invadido pela pretensão de tudo dominar, nem por isso o pode diante dos fatos. As leis da vida deixam ao homem também a faculdade de crer no que entenda, mas nos fatos elas agem de acordo com as próprias diretivas. Cada um pode crer e dizer o que queira, mas no modo de agir revelará sempre aquilo que realmente é. Se acredita na força e age de acordo com ela, é um involuído que nela encontra a sua lei. Se a redita e age na solidariedade, é um evoluído que na unidade encontra a própria lei. Força e justiça são dois extremos irreconciliáveis. Uma exclui a outra. Elas representam a lei e o sistema de dois planos de vida diferentes. Quem recorrer a uma não pode apelar para a outra.

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1 Problemas do Futuro. (N. do T.)

2 O Autor refere-se ao livro Problemas do Futuro. (N. do T.)