Problemas do Futuro

Qual é a significação do capitulo precedente? Que é que aconteceu? Arrependimento, evolução, contradição? será outro o autor que fala? Que significa no lógico desenvolvimento construtivo resultante dos volumes precedentes, essa tão diversa voz destruidora, que lembra Nietzsche e parecida com a do mal? Ela exprime uma mentalidade que se encontra nos antípodas daquela dos escritos anteriores, uma psicologia não de quem se eleva, mas do homem que se encerra no seu egoísmo e tudo encara em posição egocêntrica. Como, depois de tanto caminhar, encontramos aqui, aceita e levada a primeiro plano, como verdade, a filosofia do involuído?

Observemos o fenômeno. Não podemos, por ora, demorar-nos na refutação das observações precedentes. Somente o leitor superficial pode vir a ser persuadido. Basta aprofundar um pouco a questão, para obter pontos de vista e soluções diversas e mais satisfatórias. Essas são dadas a cada passo nos volumes precedentes, dos quais este é a continuação. O problema que agora se nos defronta é o de explicar como o autor possa ter possuído, seja mesmo naquele breve tempo, uma verdade tão diversa da sua habitual, como lhe puderam parecer verdadeiras por um pouco as vias da descida, em vez daquelas da ascensão, em que geralmente se move. Assim, é bom esclarecê-lo, as páginas do capítulo precedente não constituem ficção literária, mas foram verdadeiramente sentidas como verdade, por quem aqui escreve. Devo também explicar que falo de mim mesmo na terceira pessoa, pois que me separo completamente do meu caso, que observo, destacando-o de mim e tornando-o independente, como se o fenômeno se passasse com outra pessoa. Para compreendê-lo me é necessário saber mudar a posição psicológica, observando as coisas sob diversos pontos de vista. Agora o problema está em conhecer como uma mesma personalidade possa existir sucessivamente em diversos planos do concebível, tomar deles exata consciência e chegar, enfim, à visão de outras verdades. Para chegar a isto é necessário, primeiro, compreender o fenômeno da personalidade oscilante.

Os fenômenos biológicos são rítmicos. A onda, segundo a qual a trajetória do seu desenvolvimento caminha, desenvolve-se por vértices e depressões, por máximos e mínimos de intensidade e, períodos de atividade e de repouso. Essa é uma lei de oscilação que já observamos no desenvolvimento e decadência das civilizações, no nascimento, juventude e senilidade-morte do indivíduo etc. Tratando-se de um sistema de forças equilibrado, há de haver proporção entre as duas fases que, se são opostas, são, também, complementares. É natural, enfim, que quanto maior é a altura atingida pelo vértice da onda, tanto maior é a profundidade da sua descida. Ora, as superiores realidades do espírito não se atingem senão nas horas de graça, em que a vida oscila de tensão e potencial até alcançar o ponto mais alto da evolução atingida, isto é, no período de máxima intensidade psíquica, no vértice da onda; período ao qual deve, depois, seguir a descida da luz nas trevas, um precipitar da consciência, o desabar de um mundo. O ciclo completo resulta do período evolutivamente elevado, da afirmação, e o baixo, da negação. De resto, a consciência não é fenômeno constante e, segundo o princípio da dualidade que rege tantos fenômenos, compõe-se da sua fase lúcida e da obscura, que se completam reciprocamente, com funções opostas, a primeira de intuição sintética, a segunda de elaboração analítica e de controle.

Assim, as grandes verdades e os ideais representam uma alta meta longínqua, uma antecipação da evolução, a ser atingida acima da realidade biológica em ato; representam mais o futuro que o presente, e o cântico do futuro é um som débil no presente. Para ouvi-lo é preciso aguçar a audição psíquica, é preciso levar a própria consciência até ao alto potencial e às altas freqüências de onda, somente nas quais se podem perceber as grandes vozes longínquas. Para antecipar o futuro biológico, para registrar a visão do mundo espiritual do futuro, é preciso atingir a alta tensão nervosa que abrasa e esgota. Só quem vive esses fenômenos pode compreender que dinamismo biológico e que ímpeto de sensações eles representam; porém, se eles o enchem de entusiasmo, dando-lhe na hora inspirativa o senso de uma inusitada plenitude de vida, deixam-no, depois, desfeito como incinerado pelo incêndio vivido. Não é o espírito que se cansa, a parte do ser que está no ápice da zona evolutiva, mas é a parte orgânica, inferior, que está situada no fundo dessa zona evolutiva. Cansaço pelo trabalho da catarse que mais sensível é onde a vida vem a ser abandonada, embaixo, em correspondência com a que paralelamente é conquistada no alto. Mas o equilibrado dualismo do fenômeno não se faz sentir só nessa direção. Pela mesma lei de equilíbrio e dualidade, esse estado de hipertensão deve depois compensar-se em um estado de hipofunção, isto é, o período de alto com o de baixo potencial. Assim, à alta tensão que, prolongada, queimaria o organismo físico, segue um período de relaxamento e de repouso. Tudo isto é lógico e de acordo com leis da vida.

Um tipo normal, em geral, é evolutivamente inerte e estático, equilibrado, portanto, estavelmente na sua fase animal e não na fase de transformação intensa; não é lançado para formas de vida mais elevadas. Não se ressente, enfim, de oscilações e desequilíbrios que, se podem parecer anormais, são os verdadeiramente criadores. O tipo corrente, que não toca as alturas do espírito, não pode, mesmo, cair nesses estados de depressão, que são bem outra coisa do que patológicos; somente quem não compreendeu o fenômeno pode fazer esta afirmação. Para o homem comum, as oscilações da onda são levíssimas, a sua consciência se mantém mais ou menos estática no mesmo nível e, portanto, a sua visão é constante, de uma realidade que assim lhe aparece única e sem contradições. A sua inteligência não tem oscilações entre o supernormal e o subnormal. Ela é para ele quase exclusivamente o instrumento da luta pela vida, e esgota a sua função na defesa do corpo. Ele está armado para esta e não para as conquistas biológicas, construído para conservar-se tal qual é, mais que para se arriscar nas grandes aventuras da evolução. Ele é mediocremente inteligente, mas o é, mais ou menos, constantemente, a todo momento. Ele não encontra na experiência das suas sensações esse fenômeno de oscilação, devido a posições de transição e a tensões criadoras que estão fora do seu campo biológico.

A verdade do capítulo precedente é, também ela, uma verdade, mas exclusiva do mundo inferior da terra. O autor a sentiu verdadeira numa hora de baixa tensão, na qual ele viveu naquele plano evolutivo. Isto nos antípodas das horas inspirativas em que ele pôde, ao contrário, sentir e registrar as verdades superiores do espírito, as que fazem parte do futuro da evolução, expostas em A Grande Síntese. Ora, se essas oscilações de potencial nervoso e psíquico não estão corretamente adaptadas para ajudar na luta pela vida, todavia são condição necessária para atingir planos evolutivos mais altos, de onde os normais, equilibrados no seu plano, são excluídos, ao menos até alcançarem superações biológicas no futuro. Se essa oscilação pode ser também dolorosa pelo permanente sentido de tempestade que dá a vida, pelo contínuo acúmulo de criações e de ruínas, num estado de elaboração ascensional que, se queima as etapas da evolução, queima também a vida orgânica, todavia, somente assim, por esse excepcional esforço é que pode nascer a possibilidade, de outro modo muito afastada, de atingir diversos aspectos da consciência em diversos planos evolutivos, e, enfim, a visão de mais verdades e o seu confronto. Lá onde o homem comum está fechado na concepção de uma só verdade, limitada ao seu plano de vida com poucos elementos de apreciação, em nosso caso podemos obter uma vastíssima escala.

Com o avançar na evolução, essas ondas, em que se acumulam os períodos de luz e de treva, se elevam sempre mais, embora conservando a sua amplitude, o que lhes permite atingir vértices sempre mais altos, avançando assim de conquista em conquista para verdades sempre mais vastas e profundas. O pobre organismo físico segue, arquejando, esse vertiginoso curso de ascensão que se faz cada vez mais cerrado e dessa forma, para adaptar-se às novas exigências da vida impostas ao espírito, também ele deve sofrer a sua catarse. Mas essa, por sua vez, permite ao espírito avançar sempre mais, pois que devendo arrastar consigo um corpo ao qual está ligado, este, transformando-se pela adaptação, torna-se sempre menos inapto para a respiração nas altas atmosferas rarefeitas e à vida de alta potencialidade. Quem escreve fala de experiências vividas, por ele controladas experimentalmente cada dia, pois que esta é a grande aventura biológica que forma o conteúdo da sua vida. Trata-se todavia de sensações e experiências intransferíveis de homem para homem e quem não se encontra nessa posição evolutiva não pode experimentá-las. Por isto, elas fogem à ciência positiva de hoje.

Assim se explica a contradição entre a verdade exposta no capítulo precedente e as que nestes escritos foram expostas anteriormente ou o serão depois. A contradição é dada pelo contraste entre posições diversas, o que é coisa tão natural que normalmente constitui a base da percepção. Só assim se podem perceber verdades evolutivamente futuras, a que a maioria chegará somente mais tarde. Mas justamente porque o autor não é estático em nenhum plano, nem mesmo no alto, a sua consciência pôde completar a oscilação que o levou ao máximo de depressão da onda, isto é, ao plano da consciência terrena daquele homem que é, ainda em grande parte, animal. Porém não sendo este para o autor senão o ponto mais baixo da sua oscilação, o próprio fenômeno o leva logo a remontar aos planos mais Altos e à sensação e afirmação de verdades superiores. Ao leitor oferecemos, justamente, junto à análise do fenômeno, a possibilidade de assistir a essa retomada ascensional de consciência. Veremos, assim, no desenvolvimento conceptual que segue, reconstituir-se lentamente a tensão e reaparecerem sempre mais nítidas e vizinhas as verdades do espírito, de que se havia afastado, apenas, por um momentâneo colapso. O exame de tal desenvolvimento constitui o esqueleto deste volume, cujo andamento por isso é ascensional; será assim, a exposição de ângulos visuais progressivamente salientes ainda que, mais adiante, acabado o estudo do fenômeno psicológico, não nos ocuparemos mais da causa que o determina, mas somente de pôr em evidência o seu resultado conceptual.

Veremos, dessa maneira, uma verdade continuamente progressiva, que se eleva, aos poucos, até o vértice em que contemplaremos no seu conjunto o Criador e a Sua criação, para descer, depois, aos problemas particulares, da síntese a análise. Isto porque a consciência não pode se manter longamente na alta tensão da síntese máxima e deve, depois, relaxar-se para repousar nas menores visões da análise. Na ascensão, o espírito aponta para a unidade, o absoluto, com concepções sintéticas; na descida, ele vê, mais que o conjunto, o particular, o relativo, com concepção analítica. No fundo ele não faz mais que percorrer, ao longo da escada da evolução, o caminho de ida ou de retorno que o ser percorre ascendendo para Deus ou descendo d‘Ele. Nesse caso particular que agora observamos neste volume, vemos refletido o esquema da estrutura do universo, o que confirma quanto dissemos muitas vezes, que ele está construído por esquemas únicos, de modo que o esquema máximo Deus-universo, o vemos reaparecer reproduzido em todo caso menor e em toda altura. O crescendo conceptual que se seguirá não é, enfim, mais do que a expressão da maior lei da vida, que é a ascensão de todos os seres para Deus.

Mas se esta é a meta, para a qual se caminha, pela própria mutação das visões que se obtêm na ascensão, poderemos dar-nos conta da relatividade da nossa verdade. Não dizemos, com isso, que não exista uma verdade absoluta e que ela mude à medida que progredimos. A verdade absoluta existe, mas o que muda é a nossa percepção dela, é o aspecto subjetivo daquele fato objetivo. Assim é que para cada plano evolutivo que atravessamos, achamos para nós uma verdade relativa diversa, dependente do nosso ponto de vista e da sua variação. Essas verdades relativas parecem contradizer-se; entretanto, completam-se. É preciso compreender esse conceito da relatividade das nossas verdades, que estão em função do ponto de vista dado pela nossa posição ao longo da escala da evolução. A verdade absoluta, total, completa, nos escapa. Ela está em Deus, não no homem. É a visão contemporânea de todos os pontos e posições ao longo da escala da ascensão. O homem situado no relativo não pode perceber mais que uma verdade particular e relativa, aproximada e progressiva, mas, justamente por isto, em movimento e relacionada com a outra, que é absoluta e imóvel. O homem não pode, dessa forma, compreender, se não por sucessivas aproximações, a mesma única verdade que está somente em Deus.

Dessa maneira, todo plano tem a sua verdade, a qual na sua forma relativa continuamente se retifica e aperfeiçoa. Assim uma forma que em dado nível pode ser justa pode tornar-se injusta em outro mais elevado. Os valores e, pois, os juízos são diversos nos vários planos. Quem é sábio no plano da matéria, pode ser tolo no do espírito e ao contrário. Dessarte, um não-valor pode se tornar um valor máximo e ao contrário, segundo a altura evolutiva da qual é observado e o mundo ao qual ele se aplica. É assim que se explica a inversão evangélica dos valores. O que na terra é dor e derrota, mais no alto pode significar redenção e salvação. Evoluindo, o valor das coisas muda, como muda a verdade da qual ele depende. O corpo pertence a um mundo, o espírito a outro plano de vida. Eles têm duas verdades e leis diversas O antagonismo que está em nós, quando o espírito é forte, pode assumir violência tremenda. São duas vidas em luta, na qual a mais poderosa vence. Na maior parte dos casos, o espírito dorme e, se acorda, é para o serviço do corpo. Mas no caso contrário, em que o espírito domina, nascem tempestades apocalípticas que o homem comum não imagina.

A psicologia do capitulo precedente é a terrena, é a do involuído que ignora as leis da vida, que está cego diante da. grande harmonia do universo, que é incapaz de agarrar as maiores forças que lhe fogem, que está fechado em uma pequena verdade limitada ao plano terrestre animal da evolução. Para poder fazer confrontos e dar-se conta de uma parte maior da verdade universal, o autor devia conhecer também aquela, atravessando-a toda, mesmo que fosse por um momento. Somente essa sua possibilidade de ter consciência em planos evolutivos diversos lhe pode permitir coligar as diversas verdades e levar para o plano humano verdades próprias de planos superiores, que naquele momento parecem erradas ou parecem ser utopias, com isso se pode ajudar a evolução, antecipando verdades que hoje estão ainda evolutivamente longínquas, próprias de um futuro biológico não ainda alcançado. O produto da vidência de alta potencialidade pode ser imitado nas concepções mais turvas e menos ativas do plano de baixa potencialidade ou de cegueira relativamente àquela vidência.

É natural que a verdade mais baixa se revele feroz e infernal quando vista de um plano mais alto, enquanto pode parecer justa para quem, por evolução e sensibilidade, está proporcionado àquela ferocidade. Assim se explica como a terra pode se assemelhar a um inferno aos mais evoluídos e como, da terra, o céu pode parecer utopia; e explica-se como a verdade inferior, que parece tão verdadeira no seu plano, caia para o absurdo, tão logo fique em contato com realidades superiores. E que faria a primeira por si só? Permaneceria sem esperança, sem futuro. E esse futuro está fatalmente implícito na instintiva insatisfação humana que exprime o impulso da evolução e quer, cedo ou tarde, que tudo seja superado. A vantagem está em saber achar a passagem da verdade inferior para a superior e essa é a função e missão dos mais evoluídos, condenados a viver no inferno terrestre. Trata-se de passar para mais elevadas ormas mentais e nisto só pode consistir o progresso para mais altas civilizações.

A medida que se evolui, a vida torna-se mais vasta e potente, se ampliam os horizontes do conhecimento e, portanto, do domínio. O involuído vive, dia a dia, das pequenas coisas imediatas, imprevidente, impulsivo, sem sabedoria e sem senso. O evoluído domina a vida, sabe e calcula causas e efeitos longínquos, é previdente, reflexivo, sábio e sensato. O campo do seu conhecimento e, portanto, de seu domínio, é muito mais vasto. Ele sente, enfrenta e resolve problemas dos quais o involuído não cogita. Este nem mesmo suspeita a presença de um mundo imenso que está além da sua pequena consciência. Nele há algum germe, apenas assinalado, não ainda conquistado, perdido no inconcebível. Se bem que ele não compreenda tudo o que o evoluído faz e diz, ainda assim este tem muitas coisas a dizer-lhe, porque ele vê onde o outro ainda não vê e está mais adiantado no caminho da evolução que todos devemos percorrer. Ainda que estranha, incompreendida e desprezada, a palavra do evoluído tem o valor e a potência de uma revelação, porque manifesta novas zonas do pensamento do universo, traz para a luz o que está recôndito e descobre o mistério. E o saber nos guia ao poder. Conhecer os porquês da vida, possuir a solução dos problemas, agir com ordem, em vez de ao acaso, orientado e não desorientado, representa uma posição de grande vantagem também para Os fins práticos da defesa e da conquista. O involuído que se apoia na força não sabe que o pensamento é o maior poder, capaz de vencer a própria força. Esta é obtusa por si mesma, é um desencadeamento brutal sem rendimento, perdendo-se em erros e atritos. E a inteligência vence. O pensamento é criador e, pertencendo a planos mais altos, domina tudo o que lhe está abaixo porque, evolutivamente, inferior. O poder que procuramos com tanta fadiga na terra vem a nós espontaneamente assim que saibamos subir.

Assim, o evoluído pode representar, em favor dos involuídos, uma verdadeira função biológica, antecipadora e criadora de valores. A vida o produz para esse fim e lhe confia a correspondente missão. Desse modo, ainda que o seu sacrifício pela utopia possa parecer tolice, é sempre um testemunho necessário para dar impulso à vida. E se esta o deixa morrer, é somente para fazê-lo frutificar. Assim a vida salva a melhor parte e para seus fins universais consegue o rendimento maior. Desse seu método de agir se conclui qual a importância dada à evolução. Se nenhuma posição é criadora mais do que a do macho, ninguém mais do que ele se arrisca a ser esmagado. E ninguém é mais macho do que o evoluído, que representa a potência ultra-viril do pensamento, a função criadora e diretriz, colocada na direção da ascensão, sem a qual as outras duas grandes funções da vida, a conservação e a reprodução, tornar-se-iam estéreis.    

A evolução tem os seus arautos que ela manda à frente, armando-os mais do que os normais, a fim de que tentem o ignoto com risco e perigo seus. A natureza não os protege exteriormente, modificando o ambiente para eles, mas os mune e premune interiormente. A vida faz deles especializados em funções evolutivas, como antenas investigadoras e antecipadoras. Para esse fim, ela produz poucos exemplares de exceção, enquanto prudentemente a maioria se mantém em posições mais recuadas e mais seguras. Ela depois os lança para uma luta que não é a da competição recíproca entre homem e homem para a formação de qualidades humanas, mas é uma luta direta contra o mistério e as forças biológicas, para avançar conquistando campos inexplorados. Assim é que o progresso avança com a colaboração entre os mais e os menos evoluídos. A vastidão e a profundidade aos problemas que o homem se propõe e que resolve, a elevação dos mundos com que ele chega a ser pôr em contato e a viver, são índice de seu grau de evolução. O que significa ainda o grau de autonomia, de poder, de segurança e de felicidade que o homem alcançou. A vida é sempre utilitária e o progresso, que também custa fadigas e riscos, deve trazer uma melhoria A sabedoria e a sensatez não constituem um fim em si mesmas, mas um meio para vir a serem modelo, dado que o poder e domínio não podem ser concedidos senão a quem deles fizer bom uso. É dessa forma que a Lei quer que a vida floresça.

Com a evolução, o jogo da vida, de curto e míope, qual é para o involuído limitado aos planos inferiores, se transforma em um jogo sempre mais amplo e complexo de longas e amplas realizações. O homem, então, passa a viver em função de um sempre maior círculo de seres. A sua esfera de ação se expande no espaço e no tempo, e desce sempre mais profunda para a essência das coisas. O involuído é impotente para viver uma vida assim vasta. Ele não sabe usar senão dos poucos elementos de que dispõe e nada mais. Enquanto ele, assimilando as experiências tão necessárias, não estiver amadurecido para novas formas de vida, delas estará excluído. Ignorando o jogo complexo das forças do seu destino e a técnica do seu funcionamento, ele deverá aceitá-lo sem o compreender nem assimilar, como inexorável fado, enquanto, quem sabe, dele é senhor. Ignorando os fios que ligam causas e efeitos não sabe estabelecer aquelas conexões que explicam tantos fatos e que para outros permitem a previsão. O homem de hoje ignora a solução dos problemas fundamentais da vida, de modo que possui bem poucos meios para defender-se dos dolorosos efeitos de seus contínuos erros. Estes, dessa maneira, não são resolvidos e eliminados, ensejando venham continuamente sendo semeadas novas causas. O homem de hoje as vai procurando, quem sabe onde, nos outros, também em Deus que chama de injusto, e não sabe que elas estão nele próprio. Ele cria à sua volta um caos, perde toda a confiança na ordem do universo, na bondade e sabedoria das leis da vida, e procura a salvação na psicologia da vantagem imediata. Então resultam posições instáveis, porque usurpadas, desequilíbrios e ruínas, ilusões e dores. A vantagem imediata, o sucesso rápido, e que não foi ganho antes, não pode ser senão traição. Assim, em baixo, há sempre mais o estridor da luta, enquanto, no alto, a Lei exprime as grandes harmonias da criação.

Não! Nada é verdade! Com este brado de desespero, abre-se este volume. O ideal, que dos escritos precedentes perseguimos até aqui, é uma ilusão, a verdade sonhada é utopia, as nobres afirmações são falsas e, já que não correspondem, por nada, à realidade da vida, constituem uma traição. O leitor foi enganado. É preciso ter a coragem de confessá-lo e mudar de rota a tempo! Os fatos desmentem em cheio as conclusões destiladas pelos trabalhosos raciocínios! Esses fatos se repetem a cada passo, em quotidiana evidência, que não é o bem, mas o mal que vence e domina em nosso mundo, que o mais forte e o mais astuto é que triunfam e não o mais justo; e quem crê de outro modo é um néscio que sonha e pagará caro o seu sonho, porque será subjugado e eliminado. Mas é preciso ser cego para não ver que a realidade biológica zomba de todos os ideais e de todos os idealistas, para não compreender que, enquanto estes últimos intentam construir com palavras as suas belas teorias, a vida os circunda e assalta com os fatos para os esmagar e suprimir! Mas quem é que não sabe que enquanto eles sonham bondade e justiça, na prática a realidade biológica premia com alegrias imediatas o mais ousado e egoísta que, livre dos liames do dever, sabe procurá-las com todos os meios? Mas o próprio instinto da vida, que fala e se revela na mulher, naquele momento decisivo para a seleção e para a raça, da escolha sexual, ri-se do homem honesto e sábio, escravo do dever, aplaudindo o audacioso para o qual tudo se faz licito quando demonstre saber vencer. Isto prova que a vida marcha para a bestialidade e não para a espiritualidade.
   
Mas que evolução! Na terra há que pensar em não se deixar subjugar. E quem esquece, morre. A vida nos quer fortes, audazes, egoístas, sem escrúpulos, sem moral, e pune como fracos os que não o são. o ideal biológico terrestre, que a mulher adora e o homem respeita, é o delinqüente, naturalmente aquele astuto, esperto, que vence, não aquele que perde. Hoje caiu também a medieval tentativa da Cavalaria, que procurava disciplinar e nobilitar o furto e o assassínio; aqueles que saibam perpetrá-los legalmente, e com êxito, são admirados, dando prova de engenho. Estes são os valores da vida real: os outros, aqueles tão declamados do espírito, são falsos. De fato, na prática, quem neles crê, quem os usa? São usados como uma bela mentira com a qual os astutos, que são aqueles que mais valem, sabem cobrir o seu jogo para sua vantagem e para dano dos que neles acreditem. Mas que ideal! Enquanto sonhas bondade e justiça, o próximo te espia e estuda como te possa despedaçar e, apenas te distraias da luta para seguir o ideal, salta sobre ti para acabar contigo. O mundo não está sob um controle moral de sabedoria, mas sob um controle brutal de força. O Evangelho se apresenta inerme. E quem hoje pode tomar a sério quem está sem armas? A vida é de ferro e quem não é forte deve perecer. É inútil querer dar-nos a entender outras verdades. Esta é a única verdadeira. As outras são astúcias para esconder a luta pela vida, são uma das tantas armas sutis para subjugar e vencer os ingênuos e os fracos.

A realidade é que o indivíduo quer egoisticamente viver e crescer, que a fêmea é prêmio ao esforço do macho que a quer possuir para gozá-la e multiplicar-se, que as alegrias da vida se exaurem na terra e que só aqui hão de ser procuradas, que as superações, as evasões, o céu são utopias para loucos, que o homem são se lança pelo mundo contra todos para robustecer-se na luta e colher, com qualquer meio, todas as alegrias que quer. Não importa se o herói é um semeador de carnificinas, basta que vença. Não importa quantos vêm a ser prejudicados por ele. A grandeza humana consiste justamente em saber pisar nos outros e elevar-se sobre as ruínas: ela deve ser fabricada sobre o sangue. Oh! a ingenuidade de proceder por persuasão e por fé em um mundo onde não existem senão vencedores e vencidos! Para o forte, tudo. Para o honesto não restam senão belas e estéreis palavras que lhe são jogadas pelo filantropo por compaixão simulada, extremo insulto da hipocrisia humana. Assim é que o justo é defendido com belas palavras por todos os paladinos do bem, que se regozijam do seu ato magnânimo, distribuído gratuitamente. Isto chega a dar-lhes ótima aparência, não oferece perigo, porque quem o recebe não sabe e não se pode defender, e enfim, fornece-lhes a ilusão de ter feito alguma coisa em desagravo da própria consciência. Como renunciar a tantas vantagens? Florescem, assim, os teóricos do amor fraterno e os idealismos confortantes que hipotecam o futuro e o outro lado da vida em que acham, para os outros, compensação para a derrota e a escravidão terrena de que, no entanto, se aproveitam e gozam. Para melhor e mais longamente aproveitar-se deles, adormecem-se as vítimas com o narcótico do ideal. Assim, os bons são preciosos, porque mais desfrutáveis, os sinceros são preferidos e amados porque, com astúcia, são enganados, tornando-se úteis e poupados à fadiga da luta. A exploração do honesto organiza-se então como uma indústria, este homem é procurado (a caça ao simplório): querer-se-ia criá-lo em uma cultura intensiva se a própria exploração não tivesse, ao contrário, a tendência de eliminá-lo; chegar-se-ia a curá-lo e a protegê-lo como se faz com os animais domésticos, para melhor utilizá-lo. Desse modo é que se formam as religiões e as respectivas castas sacerdotais; dessa maneira se formam o estado, os governos e respectivos grupos dominantes, bem como o poder, a autoridade, as instituições, as leis, tudo. E todas essas coisas para dominar, sempre a expensas de alguém, um ente mais fraco a ser dominado. Cada um desses grupos tem o seu tipo-modelo e outros tantos campeões que se exploram, tornando-os estandartes e tudo isto para manter e multiplicar o tipo do simplório que acredita neles, e, assim, obedece e serve. Mas o povo-rebanho começa a despertar e a inquirir das razões mais verdadeiras que lhe impunham obediência, que não aquelas que até hoje bastaram para dominar; e os dominadores não as sabem dar. Novas astúcias eles terão que estudar para que não se descubra o seu jogo.

Outro significado não pode ter o pregar honestidade e bondade num mundo no qual o esmagamento ao próximo é prova de valor e a culpa do furto não é atribuída ao ladrão que é considerado esperto, mas ao imbecil que se deixa roubar. Qual iluminar e melhorar! A ignorância deve ser mantida nos outros, a fim de que se possa explorá-la. Qual sanear o mal de tanta algazarra humana! É preciso pisar os outros e triunfar, embora semeando lágrimas e sangue. Que importa? Tudo isto é para os outros. A vida nos quer vencedores, isto é, heróis da destruição, mestres da esperteza. Mas certo é que a bondade é útil na terra e por isso tanto a proclamam e inculcam; justamente porque desarma, domestica e serviliza, e, inculcando-a, melhor se comanda. E de outro modo, para que serviria? Diante do caminho tortuoso das mentiras humanas, não é bela a pura simplicidade dessas palavras?

Assim é a vida. Cada um há de trazer a sua máscara de mentira. O vencido mais que o vencedor. Este, quando triunfa, joga-a e mostra-se à admiração de todos como o belo campeão que a luta pela seleção criou. Mas o vencido nunca a joga. Sob a máscara o seu rosto está em chagas. Na terra, ai dos vencidos e ai deles se se exibem! A máscara lhes é imposta; a dor é uma derrota e deve pudicamente ser escondida. A dor não é conhecida como um instrumento de redenção, isto é, como uma força e uma glória; não. Ela é uma derrota. Ai, pois, de quem a descobre. O vizinho a goza e está pronto para dela aproveitar-se; se percebe que és um vencido, salta-te logo ao pescoço. A verdadeira face, quanto mais chagada está e sangrenta, tanto mais há de ser cuidadosamente coberta com sorrisos floridos. Quantas máscaras macabras andam assim desconsoladas pelo mundo! A dor que não pode expandir-se escava sempre mais por dentro. Tudo isto para o triunfo do tipo biológico do vencedor, para fazê-lo grande, para que a vida seja sua, toda sua e de nenhum outro. Mas sabe ela sobre quais ruínas avança esse macho triunfador? Parece que nada lhe importa mais do que ele. Os vencidos sofrem e morrem; eles não pesam na balança. A grande aventura da vida está aberta para todos; se tantos não conseguem vencer, pior para eles! Se ao menos morressem! Ao contrário, a luta pela vida, ao lado de poucos selecionados, a quantos não deixa quase como mortos, estropiados fisicamente e, ainda mais, moralmente! É que nem no vencido a vida quer morrer, e a tudo se adapta e deforma-se até à monstruosidade e, assim estropiada, continua, seja mesmo na sombra, à traição, por despeito, nutrindo-se de ódio e de veneno, mas continua, subterrânea e em espasmos, para vingar-se um dia, quem sabe quando, do vencedor. Assim a vida oculta a reação por séculos, adiando-a por gerações à espera da desforra; assim o impulso do mal fixa-se no sangue e nos corações e torna-se instinto, um automatismo do subconsciente. Tudo grava-se em nós e a nós retorna, até que os longínquos descendentes do vencedor sejam um dia esganados pelos descendentes do vencido. Na realidade, não se chega, assim, à seleção do melhor, mas a uma multiplicação de adaptados, de mutilados, de feridos, de malvados, de monstros. O resultado não é um número de selecionados, mas de estropiados na luta. E o vencedor mesmo não é o mais forte, porém o mais astuto e traidor. A vida, pois, segue para o mal e não para o bem. Abala-se o edifício da evolução. Essa luta não e, então, instrumento de seleção, mas, um atentado à vida, um esforço para subjugá-la, deformá-la, pelo que ela se dirige para o pior, em vez de para o melhor. Os poucos vencedores triunfam enquanto há uma multidão de vencidos que os sustêm no alto, de cuja derrota eles se fazem grandes; o herói é sempre, mais ou menos, um carrasco; cada alegria é extorquida de um desgraçado, que paga o seu quinhão por conhecê-lo; é um carro triunfal que avança por cima de todos os outros que ficam abatidos ao longo de um caminho de dores. A luta não representa mais que um assalto das forças negativas da vida, a que ela própria freqüentemente fica submissa; representa a sua negação culminante na morte. A vida assim decai e não se eleva. Isto prova como todo ideal de ascensão humana seja falso e absurdo.

Evolução! E quem paga o seu custo? Onde está, na economia da vida, a compensação para um esforço similar? Longínquo e hipotético. O problema da evolução é um problema de energia. Quando, para o dever e a virtude, nos impomos limites, sacrifícios e obrigações; onde e como achamos compensação? A vida não se lança para tentativas de novas criações senão quando há a margem de superabundância de energias e de meios. E deveríamos arriscar um capital biológico precioso e duramente conseguido em semelhantes aventuras com o risco de tudo perder? Evoluir é a mais ousada experiência da vida, na qual se investem e se arriscam todos os capitais acumulados com o perigo de estragá-los; e depois sabemos que, para quem estiver assim enfraquecido, não há piedade. Se perdermos a força, única defesa nossa, a vida nos pune sem perguntar se aquela força a gastamos por um ideal. Não. A luta para viver é um trabalho mais que suficiente para tudo absorver, sem que haja necessidade de acrescentar-se-lhe mais. Não há margem de energia supérflua para isto, e nos raros casos em que possa haver, nós preferimos aproveitá-la para gozar, mais do que para evoluir; o sábio se recusa a lançar-se nas aventuras da evolução. Por que se há de encontrar fadiga para o que constitui uma incógnita? Nenhum homem até agora experimentou o futuro e o que está fora da experiência não merece crédito. A vida é prudente e a sua prudência ensina a não conceder antecipações de confiança. Quem garante que o seu resultado valha a fadiga que custa? A dura experiência ensinou ao homem a desconfiança. Ele não possui reservas e recursos que possa dissipar em especulações espirituais. É melhor não tentar o ignoto. Tudo em torno não é senão mistério que pode conter infinitos perigos. É melhor não sair das velhas sendas que, embora pequenas, são conhecidas e seguras; melhor é desinteressar-se das grandes coisas, tanto se sabe que não são feitas para o homem comum, que não está preparada, nem encaminhado para elas. Esta, embora seja a psicologia do involuído que se fecha no seu egoísmo, é a única que oferece segurança.

Mas, que liberdade! O homem está adaptado e apto para esta vida terrena que é a sua, com suas alegrias e dores e outra coisa não quer. Para que voar quando não se sabe voar, quando tentá-lo é perigoso e para tanto não se tem nenhum desejo? O involuído não sabe o que fazer do paraíso dos místicos, das glórias do herói, dos triunfos do gênio. Essas ascensões vertiginosas perturbariam a sua consciência. Ele sabe contentar-se com alegrias bem menores, seguras e ao alcance de sua mão, sem necessidade de grandes fadigas Ele diz: —   "Há um limite para o conhecimento e a conquista Respeitemos o limite, não nos arrisquemos, não dissipemos em pompas e grandezas de super-homens, contentemo-nos, permaneçamos no certo, nunca antecipemos nada por simples confiança". Não são belas estas palavras cheias de bom senso?

Que evoluídos e super-homens! Loucuras. A humanidade é feita de almas pequenas, míopes, fracas, apegadas a coisas pequenas. Cada um tem o que lhe basta para o seu pequeno drama da vida, da sua dor a suportar, do seu problema a resolver, do seu destino a cumprir. Ninguém sente a necessidade de trazer para casa o super normal, o mistério, os enfados e os perigos das ascensões espirituais. Está fora de propósito propor um esforço evolutivo, um aumento de fadiga, o peso dos ideais, do dever, da virtude. Para evoluir é preciso sofrer e já se sofre demais! Qual sofrer! A vida, ao contrário, quer gozar. Por que se deveria ir contra isto, que é o seu instinto fundamental? Quando a vida alcançou os seus fins, ela se recusa a tentar novos caminhos e a cumprir novos esforços. O normal está satisfeito no seu mundo, acha nele tudo o que deseja e não faz caso da evolução. Aliás, que faria ele num mundo sábio, no qual fosse eliminada a sua principal ocupação de subjugar na luta o próximo para submetê-lo, no que encontra a sua alegria! Que faria ele num mundo melhor, não sabendo fazer nada melhor? A sua miséria e baixeza, as rivalidades dos atritos já se tornaram ingredientes naturais da sua vida, fazem parte do equilíbrio desta, certas resistências estúpidas lhe são necessárias. A libertação alteraria aquela certa ordem que de qualquer modo se formou entre as forças da sua existência no seu plano. Muitas vezes houve pobres que tirados da miséria a que estavam habituados, se sucumbiram por isso. Demais, para evoluir há de se ter tanta vontade, audácia, tenacidade, esforço, inteligência, e quem dá ao homem tudo isto? Mas como pretender que estes escritos incendiários possam sacudir o animal humano que, por hábito milenário, está curvado na terra onde está o seu pasto? É natural que ele não compreenda e jogue para longe essas fastidiosas questões e torne a olhar para a terra onde estão todas as suas alegrias das quais não pretende abrir mão. O mundo do evoluído é para ele super-concebível, que não lhe desperta nenhuma ressonância, nenhum desejo. É inútil mostrar a um jumento os quadros de Rafael. Estes não lhe dizem respeito, estão fora da sua órbita e ele voltaria para a sua cocheira. E para ressurgir no espírito, coisa longínqua e incompreensível, teria o homem de enfrentar a consumação do corpo até à morte, daquele corpo que para ele é toda a vida? Loucuras.

Mas quando o evoluído pretende escapar da dor, escapará de verdade? Como escapará se a sua vida é a mais espinhosa, se é toda feita de renúncias e de dores? Que vida é a sua, se se baseia na destruição de tudo o que é humano? Começa-se não com um abrandamento, mas com um redobrado peso de sacrifício. A dor fica, aumenta até; a evasão é um sonho, ninguém foge. Começa-se mal e a coisa ameaça acabar pior. Como se pode pretender que gente de bom senso siga semelhante caminho? É natural que ninguém pense assim. As ilusões da terra podem ser ilusões, mas também o são as do céu e então tudo dá na mesma e uma coisa vale a outra. O evoluído diz que vence. Mas vence verdadeiramente? A vitória vem depois da morte, no mistério, em um mundo muito problemático. E se, ao contrário, ele perde? Quem controla tudo e nos assegura algo? Quem nos indeniza dos danos? Que lástima então haver-se sacrificado por nada! Ao menos quem gozou, gozou e isto conquanto seja pouco, ninguém lhe pode tirar, seja o que for que depois aconteça no futuro. É tão intrincado o problema da vida! Nada há de seguro. Tem razão então o epicurista em arrancar os maiores prazeres que possa desta vida avara. e amarga, em querer gozar logo, haja o que houver depois. Há uma lógica e que lógica na sua filosofia! E, depois, tanto para o evoluído como para o involuído, tudo tende a resolver-se na dor. O gozo será uma alegria roubada; mas dado que outra coisa não é possível obter e que uma felicidade completa e eterna não é alcançável, faz-se o que se pode. Enfim, tudo é ilusão para todos. Se a evolução, em lugar de uma alegria longínqua e hipotética do lado de lá, com uma barreira de dor maior, oferecesse logo uma alegria vizinha e segura, acima de tudo segura e sem aquela barreira, é natural que todos correriam para ela. Mas essa evolução se opõe à natureza humana e aos seus instintos fundamentais. Lógico é que, assim, seja evitada, pois que não oferece senão fadiga e dor. Dessa mercadoria temos superabundância. Formou-se a natureza, humana para ser levada à alegria. Como se pode pretender que vá para uma alegria que, ao menos nos seus primeiros graus, é feita de dor? Esse é um contra-senso inaceitável. É natural que o homem ache que a evolução é extremamente repugnante. Nem é sua a culpa se o mundo e ele próprio foram construídos assim.

Mas, enfim, somos feitos de estômago. Para que nega-lo? As nossas principais funções são animais, não espirituais. O corpo, se o temos, templo para o gozar, não para atormentá-lo ou sufocá-lo. É verdade que, à força de experimentar com esses meios e nessa linha, um dia nos cansaremos e a humana insatisfação procurará algo, além. Mas que importa o amanhã! Somos positivos e atentamos no que é hoje e hoje é assim. Que nos importa se num dia longínquo virá um reino do céu, onde impere o bem? Hoje vivemos no reino da terra, onde impera o mal. Já que aqui estamos e não escolhemos para aqui vir, devemos aprender a saber viver neste reino do mal. Mas que heroísmo haveis de pretender desses homens que não são mais que ventres ambulantes! A maior parte das pessoas, a parte sã e equilibrada da sociedade, nem cogita desses problemas. Ela é como Deus a fez, carne que vegeta. As vezes aparece aqui ou ali uma pequena chamazinha de espírito, mas é logo utilizada com bom senso, para fins práticos e utilitários! Sim! Há os ideais, mas exatamente porque se tornam utilíssimos para enganar a gente. Quantos não se fazem seus intérpretes e divulgadores com esse fim! É tão lógico isto, tão justificado, em um mundo utilitário como o é o nosso! Tudo deve servir para dominar e para tanto os ideais são utilíssimos. Assim, é natural que cada um sustente só aquele ideal com que se pode enaltecer, condenando-se os outros, desde que tudo deve servir para si e não para os outros. Também é natural que dos princípios do bem se haja de fazer estrita observância da e execução, sobretudo nos outros; que a aplicação da virtude comece sempre neles, para, assim, serem facilmente subjugados. Há as religiões, dádivas do céu, para guiar os homens para a salvação. Mas nesta baixa atmosfera terrena, se querem sobreviver, também elas tiveram que se adaptar à baixeza humana que, aqui embaixo, queira-se ou não, é a mistura de todas as coisas. Não é conveniente destruir essa acomodação que é resultado de um trabalho milenário de tantas gerações e que corresponde ao fim, que aliás não é facilmente alcançado, de tornar suportáveis na terra as utopias do céu. Não falemos de tantos espiritualismos, reduzidos hoje a um aristocrático esporte de moda, a um substituto erótico, para distração de salões.

Dizeis vós, idealistas, que possuís a verdade e a anunciais ao mundo. Mas que verdade? Ela é bem diversa nos fatos. O mundo possui uma verdade sua, e bem diversa. Na terra ela é simplíssima: destrói-se quem a contraria e dela discorda. A verdade está em que o vencedor tem razão e quem perde está errado; possui a razão só pelo fato de ter sabido com a força fazer calar o mais fraco. Este não tem mais voz, não pode mais falar, é inútil, enfim, que ele tenha um pensamento próprio. A vida discute, despedaçando; faz calar, estrangulando. Lógica estridente. As proposições do raciocínio constituem outros tantos golpes e se alcançam as conclusões esmagando o antagonista. Método persuasivo. O direito de ditar lei e fazer as normas compete ao vencedor; dele é o direito de fazer a verdade a seu modo e a vantagem de impô-la. A única verdade dominante na terra é a do vencedor. Não existem verdades absolutas e universais, mas só particulares, relativas aos interesses de quem possuí os meios para impô-las, são feitas por ele e para ele. Será esta a lógica da besta, mas o vencedor com qualquer meio, aquele que há demonstrado ser o mais forte, é o que verdadeiramente tem razão na vida. Ele representa a verdade, e por quê? Somente porque venceu. A obediência lhe é devida, pertence-lhe de direito. Segundo a lógica animal do plano biológico humano, compete-lhe a fixação dos valores. A vida procura o vencedor e tudo lhe concede porque dele espera tudo. Biologicamente a verdade é a afirmação egoísta do próprio eu. Por que se deve condenar e combater o egoísmo num universo egocêntrico por sua própria natureza, no qual tudo vai ter a Deus? Não é o homem feito à sua imagem e semelhança? Pois bem, na sua pequenez, ele o imita. O homem que, com qualquer meio, triunfar sobre todos, será o herói e virá a ser deificado. Os vencidos beijarão seus pés Esta é a lei da terra. A ele pertence o direito de ter razão e de fazer a verdade, de modo egoísta e exclusivista, deus da luta e da vitória, intransigente e ciumento como o antigo Deus da Bíblia. Uma vez, também, o Deus único era feito assim. Pois bem, igualmente o homem pode ser feito assim, conforme as mesmas leis. Diante dele a vida prostra-se e adora pelo mesmo princípio único do mais forte; princípio que na fase involuída o homem aplicou a si como a Deus, a quem o homem faz à própria imagem e semelhança. Os mais fracos, os vencidos, ficam verdadeiramente persuadidos, nesse mundo, que o mais forte, o vencedor, é o melhor e possa, enfim, representar a verdade. E ainda em nossos tempos, igualmente involuídos, o vencedor com o poder da imprensa, do rádio e de todos os meios de divulgação do pensamento, tem razão pelo simples fato de ter sabido fazer a coisa e por ter demonstrado, assim, ser o mais forte e o mais esperto. Basta isto para que ele adquira o direito de lançar as idéias que mais lhe convêm, não importa que tenham ou não qualquer valor ou significação, e de incutir nas massas as verdades que quer, não importando redundem em proveito ou em malefício. As massas não possuem idéias próprias, não compreendem por si mesmas, nem distinguem qualquer verdade, estão indiferentemente prontas a aceitar tudo; aceitar enquanto debaixo delas haja a do vencedor, a real, aquela que as massas bem compreendem por instinto e pelo que lhe dão razão, aquela que está debaixo de todas as verdades e que as sustenta, isto é, o fato de que aquela e a voz do mais forte, daquele que venceu. Eis a verdade.

Esse é o mundo real, sólido e resistente e o querer refazê-lo constitui verdadeira loucura. Se está feito assim, é sinal que assim deve ser feito. Uma das provas está em que não se deixa mudar. Não pode dar-nos altruísmo, porque está construído sobre o egoísmo; paz, porque se baseia na luta; verdade, porque é feito de mentira. Não peçamos a esse mundo justiça, porque nele reina a força, nem uma economia de justiça, porque nele os bens vão naturalmente às mãos dos maiores ladrões. Como pretender ordem e disciplina se nesse lugar o maior merecimento está em rebelar-se e estar na oposição? Esse poderá ser o reino do mal. Mas onde está o reino do bem? Sim! Consumir-se-á o justo no caminho do dever; não obstante, tudo acabará em destruição. Inútil. Tenta-se o vôo para recair na terra. Procuram-se vitórias, libertação, quer-se sair da prisão da vida e sempre se recai nela. A vida é esta. Inútil debater-se. Além dos seus limites não se pode ir. Ela é tudo para nós. Não se sabe viver senão dela. Idealismos piedosos e ridículos! As grandes verdades não servem para nada. A vida esconde o seu mistério. Ela age sem falar, sem nos dar explicações. Quando quer, fere como quer, sem nos dizer o porquê. É inútil pensar, não se subtrai nada. O pensamento é uma doença do espírito, o psiquismo do evoluído é uma hipertrofia patológica, um desequilíbrio. É preciso matar o espírito, suprimir o olho da consciência que nos enfada com as exigências morais e investiga tantos males humanos, tão-só para assim torná-los mais sensíveis, sem, porém, saber oferecer remédio. É inútil pretender poder e saber intervir num mundo de leis fatais. Tem razão a nossa civilização que tende a nos estupidificar com a mecanização da vida e a nos barbarizar completamente, cientificamente, com todos os meios da técnica e da razão. O pensamento desenvolve-se para acabar providencialmente suicida. A inteligência superior que nos conduz para fora da realidade terrestre não só não serve, mas é um perigo para a vida. É preciso vencer no plano material onde hoje está toda a vida. Vencer de maneira mais elevada não tem sentido; é inútil para quem deve viver na terra. Importa resolver primeiramente os nossos problemas imediatos e depois os do universo, que estão longe. Este deve estar em função nossa e não nós em função dele. Melhor, pois, é não pensar, não revelar, não descobrir. Tanto assim é que os resultados da ciência não servem senão para destruir. Melhor é gozar. Tudo o que existe vale tão-só enquanto serve ao nosso prazer. As grandes coisas do espírito estão afastadas, as pequenas da terra estão perto. Na prática, estas são as maiores, porque estão vizinhas. E preciso nutrir-se, viver e gozar. Há tantos meios para gozar e olvidar! Quando tu, que queres subir, tiveres gasto todas as tuas energias pelo ideal e ficares abatido na terra, o ideal abandonar-te-á, a vida rir-se-á de ti, como é natural para com os vencidos, e esmagar-te-á. Besta és e a besta torna à terra. O brado da tua alma é vão. A vida escarnece das tuas explosões. E na luta entre a besta e o anjo, pode acontecer que, em vez de o anjo matar a besta, a besta mate o anjo.

Era tempo de abandonar os sonhos e de não enganar mais o leitor com utopias. Era tempo de dizer esta verdade, mais verdadeira, que além das palavras está nos fatos. As religiões, a cultura, a política, toda atividade material e espiritual, individual e social, tudo é uma mentira, um pretexto, um modo de camuflar a luta pela vida em procura do único fim, o próprio bem-estar. Todas essas coisas são astúcias para mascarar com um jogo simulado o jogo verdadeiro. E os ideais fazem parte do jogo. Forma-se assim um consenso universal no desejo de nô-los dar a entender, sem qualquer êxito. Um consenso na mentira, em vantagem própria que daí deriva, está formado e isto basta para constituir a base de tantas instituições. Assim, a autoridade e poder que, em teoria, deveriam ser função e missão, na realidade não são senão meios de exploração. Não se explicaria de outro modo como as posições de comando são tão cobiçadas e se travem tão ásperas lutas para conquistá-las. Isto não se faz por certo, por amor ao próximo. É assim que autoridade e poder muitas vezes são parasitários, não obstante aqueles que os detêm procurarem dar a entender serem úteis, protetores e produtores insubstituíveis, justamente porque só assim podem, aparentando função e missão, justificar suas posições. Se depois os ocupantes do poder caem, fica-se deveras surpreendido pela verificação de que as coisas prosseguem igualmente mesmo depois de desaparecidos os tidos como insubstituíveis.

Assim se prega fé, honestidade, ordem, confiança, sacrifício, altruísmo, porque são úteis para o domínio. O ideal verdadeiro é o rebanho a mugir, rebanho passivo que se comanda com menor esforço. O próximo não é um irmão, mas um inimigo. O próximo que mais se ama é o mais imbecil, é aquele que é mais facilmente vencido. Qual fraternidade e amor! A vida é rivalidade desapiedada. Para alcançarmos um posto devemos tirá-lo do vizinho. Ao menos confessamo-lo, não mentimos, temos a coragem de jogar com cartas descobertas. Se Deus existe, Ele está no céu; por certo que não está na terra. A sua ordem, harmonia e bondade não estão aqui embaixo  Ele está longe de nós e nós d‘Ele. É preciso saber viver sem Ele. Chamais-nos de involuídos? Pois bem, este é o nosso orgulho. Somos feras, mas fortes e audazes como as feras. É com a força que o homem conquistou o mundo e não com a piedade. Seremos demônios, mas também é grande a nossa força e belo este nosso poder selvagem. Esta é a vida do nosso nível e como tal a aceitamos. E, com alegria, pomos o calcanhar sobre a cabeça do idealista que, traído por seus sonhos, cai na terra desfalecido... Temos esse direito, porque no nosso mundo onde vive, ele é um vencido. Esta é a verdade. Hoje estamos na época da liquidação dos idealistas, liquidação dos que crêem em qualquer coisa que não seja o próprio desapiedado egoísmo. É inútil ser forte no espírito. Quem é fraco no plano animal na terra onde está a vida, há de ser esmagado e suprimido. A destruição material, pela guerra, nada é comparável à destruição maior, que é a das almas. Se há loucos que seguem em sentido contrário, pior para eles; tão logo estejam cansados, acabaremos com eles. Quem pretende sair dos limites assinalados biologicamente, do ataque e da defesa para sua vantagem, para se gravar, então, com o peso inútil do ideal, biologicamente passivo, luxo inadmissível, vai contra a vida e justo é que esta o elimine.

A verdade destas afirmações é evidente, muito mais do que as elevadas construções dos volumes precedentes. Muitos leitores regozijar-se-ão agora ao verificar o arrependimento do autor. E irão dizer: finalmente compreendeu também ele ter errado Não é um espetáculo comum de um autor, réu confesso, reconhecer o seu erro. E assim, tudo caiu de chofre, do grande sonho nada resta, a realidade da vida retomou as rédeas e fez valer os seus direitos, nivelou e devorou a superconstrução tentada Foi uma ilusão, uma mentira. Enfim, a loucura não é grande culpa. A ilusão lubrifica a vida; a terra é lugar de traições. O homem pode encontrar-se em quatro posições: a de vencedor que acredita vencer, do desgraçado que se perde, do imbecil que se contenta, do evoluído que se sacrifica. Pois bem, cada posição se resolve igualmente em uma traição. Também o autor foi traído; é natural. Mas, dessarte, desceu do céu e compreendeu uma realidade que antes lhe escapava, sobre a qual ele hoje baseia a sua novíssima concepção da vida.

Iniciando o presente volume, que se abre no limiar da terceira trilogia, é necessária uma pausa para nossa orientação. Cada um desses livros uma jornada, cada trilogia representa uma volta na maturação do destino daquele que escreve e no desenvolvimento do seu pensamento traçado nesta obra, em paralelo com o desenvolver do pensamento da própria vida, conforme esta se expressa pela ação, na fase histórica que estamos atravessando  Façamos isso, portanto, para que nos possamos orientar nesses aspectos, os quais se acham intimamente entrelaçados e se desenvolvem em ressonância, formando uma perfeita sinfonia, no mais unitário sentido da vida. Isto não é somente afirmado em cada palavra, mas também vivido, profundamente.

O enquadramento formal dos seis volumes, que compõem a primeira e segunda trilogias, já se encontra no prefácio do trabalho precedente: A Nova Civilização do Terceiro Milênio. Vamos repetir, entretanto, para o leitor novo que ainda não conhece o argumento. A primeira trilogia compreende: 1) Mensagens1  e A Grande Síntese; 2) As Noúres; 3) Ascese Mística. A segunda trilogia é formada de: 1) História de um Homem; 2) Fragmentos de Pensamento e de Paixão; 3) A Nova Civilização do Terceiro Milênio. A terceira trilogia inicia-se com Problemas do Futuro. No capítulo XVIII, do volume precedente, acha-se sumariamente explanada a significação dessas etapas.

O    autor é um viandante da vida, de uma vida em ascensão, na qual ele se eleva penosamente, degrau por degrau. Nessa subida, realiza uma série apocalíptica de experiências espirituais, que se lhe mostram muito graves e decisivas, no mundo biológico, que o deixam tão espantado, por transcenderem a vida comum, que não pode furtar-se à necessidade de analisá-las. Se as palavras que escreve foram por ele vividas com luta e sofrimento, compreender-se-á como atrás do desenvolvimento do pensamento racional se encontre o desenvolvimento de um destino, e como a batalha dos conceitos foi, primeiramente, batalha de paixão. Pode-se dizer, pois, que cada palavra aqui escrita ainda está sangrando de dor, vibrando em conseqüência da luta travada. No fundo, trata-se propriamente de uma biografia, vista em sua profundidade, de um caso real, em que é a vida que fala e se revela, com a experiência de um para proveito de todos. É natural que, assim sendo, o pensamento explanado nestas páginas tem de estar estreitamente unido à manifestação histórica dessa mesma vida, porque ela é sempre una e indivisível.

Foi afirmado já, na conclusão da precedente segunda trilogia, que o ciclo da primeira é explosivo e o da segunda é reflexivo. É a assimilação que se segue à inspiração. É uma espécie de recuo sobre a primeira impetuosa revelação, para que possa ser melhor compreendida e disciplinada, racionalmente por todos. É uma assimilação necessária para se poder subir ainda mais, depois de terem sido racionalmente consideradas e consolidadas as posições alcançadas por inspiração. Foi muito forte e muito rápido o passo até à Ascese Mística. Havia necessidade de disciplinar tudo e enquadrá-lo para atingir as alturas místicas. O filósofo não achará nesse caminho exposição sistemática. Esta foi evitada, para que a própria vida falasse com o seu dinamismo e não apenas com um cerebralismo artificioso, construtor de sistemas. A organicidade, mais do que os esquemas conceptuais da exposição, está inserida na sempre presente substância do argumento, eloqüente estrutura orgânica do universo. Fundamentalmente, é o mesmo processo evolutivo que falou em muitos, como em Beethoven, na Nona Sinfonia, ou em Wagner, no Parsifal.

Esse processo evolutivo implica a retomada dos motivos da primeira explosão, apenas sinteticamente expressos para se proceder depois ao seu desenvolvimento analítico. Por isso é que, no volume precedente, A Nova Civilização do Terceiro Milênio, se encontra o subtítulo: "Análise e Desenvolvimento de A Grande Síntese". Esta, como escrito inspirado, permanece fundamental, mas sempre parece mais um esquema do que um verdadeiro e exaustivo tratado. Dai a necessidade de desenvolvê-lo, de ultrapassar sua vastidão sintética, descendo-se à profundeza analítica.

As características da terceira trilogia não se tornarão completamente evidentes senão quando o processo for completado. Não podemos prever, senão no conjunto, aquilo que a vida poderá dizer nessa dada fase de um seu caso. O certo é que este primeiro volume da terceira trilogia se inicia com um retorno à obra, A Grande Síntese, com um desdobramento reflexivo sobre a sua parte mais difícil que é a inicial, a científica. O alforje do autor, caminhante da vida, tem se tornado sempre mais cheio de experiências. Ele está cansado de palavreado inútil e tem pressa em concluir a demonstração da doutrina de A Grande Síntese, com provas resolutivas. Ele sente toda a vacuidade e a corrosão das polêmicas filosóficas e religiosas. Preocupa-o o que é consistente para provocar no involuído o abalo decisivo, na hora histórica também decisiva. Por isso ele se dirige à ciência, procurando o motivo da vida na origem e na psicologia do homem, para então desenvolver o presente volume.

Mas o caminhar continua sempre, também aqui, como segue a vida da matéria para o espírito. E o presente livro não é, pois, como os outros, senão uma diversa sinfonia da ascensão. Mesmo retomando de baixo, o traçado é sempre o mesmo, pelo que, embora não se possa exatamente prever o conteúdo desta terceira trilogia, porque a vida fala com os fatos e se expressa de forma concreta e real em formas vividas, todavia, a lógica do desenvolvimento e o pressentimento de intuição dizem que, como a nota dominante da primeira trilogia foi explosão, a da segunda assimilação, assim a da terceira será: sublimação.

Dados esses graus de desenvolvimento, é natural que a nota inspiradora tenha dominado no primeiro tempo (primeira trilogia). Daí os qualificativos de médium, ultrafano2 ,  inspirado e místico, aplicados ao autor. De fato, ele falou em nome de outra personalidade, em forma ultrafânica, em Mensagens e A Grande Síntese. No seu segundo volume, As Noúres, ele se pôs logo a observar a si mesmo, para poder compreender o fenômeno da inspiração e suas conseqüências, a fim de que tudo viesse a ser controlado com responsabilidade e plena consciência. Porém, o ímpeto da explosão não pôde deixar de levá-lo até à altura do terceiro volume: Ascese Mística. No segundo tempo (segunda trilogia) a nota inspirativa, tratando-se de um período reflexo, se atenua e com o primeiro livro aparece um retorno autobiográfico História de um Homem — no qual o autor procura a si mesmo. O segundo volume é uma coletânea de artigos que expunham de forma dispersa o seu pensamento e foram publicados em revistas, e o terceiro é, como foi dito antes, uma retomada e um desenvolvimento dos problemas mais humanos de A Grande Síntese, decisivamente, apontando para a meta de toda a obra, que é a Nova civilização do espírito, o grande motivo apenas assinalado anteriormente. Retornos necessários, sem os quais o desenvolvimento não é possível; e, embora ao leitor menos avisado possa parecer apenas repetição, é método conscientemente adotado.

Assim, cada volume, significando uma etapa do caminho, exprimindo uma fase de vida à qual adere, tem sua característica própria, que o distingue, como se dá, por exemplo, com as sinfonias de Beethoven. Assim, o terceiro tempo (terceira trilogia) que podemos chamar de sublimação, inicia-se com este primeiro volume, no qual é profundamente feito antes o exame da personalidade humana, já começado no precedente; abarca-se, depois, a ciência da matéria para levá-la por fim até à fé e ao espírito, seguindo um método ultramoderno de renovação que a faz, não mais uma ciência materialista, mas, alcançando uma visão mais profunda do universo, um grande motivo da sublimação, que não poderá deixar de constituir o final místico de toda a obra, nos ulteriores volumes. Final místico da obra que, para o autor, significa a última sublimação do seu destino, e, para o mundo, o despontar da aurora da nova civilização do espírito. Nestas três formas estreitamente ligadas: exposição conceptual, caso individual de evolução espiritual e ascensão coletiva do homem, a vida fala, exprimindo o mesmo pensamento. Na tempestade dos conceitos, nos dramas de paixão e de dor de quem escreve, como nas lutas do inundo, a mesma elevação, a purificação criadora que da matéria leva ao espírito, a sublimação na dor que redime.

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Nesta curva da vida do autor, da exposição que constitui sua obra e do próprio destino do mundo — três fatos sintonizados no mesmo ritmo ascensional, é necessário aprofundar os conceitos acima expostos, com coragem e sinceridade, para em proveito de todos. Que significa, nesses seus três aspectos, essa sublimação que caracteriza a terceira trilogia? Comecemos pelo primeiro.

Para o autor isto significa aprofundar sempre mais a consciência do próprio destino, quer dizer, manter sempre mais estreito o contato com o infinito. É o completar-se da purificação. Há muitos anos o misterioso processo biológico da maturação vem-se realizando, sem ser visto exteriormente nem compreendido, através de uma profunda e dilacerante maceração, sob múltiplas formas. Trabalho intenso, dor, renúncia, pobreza. Um continuo afastamento de si mesmo, de tudo o que é humano, a própria carne viva arrancada pedaço por pedaço, lentamente, para não acabar morto. Sim, e tudo isto endossado pela vestimenta exterior do imbecil que não sabe conduzir seus negócios, pela máscara do homem educado que deve sorrir para não incomodar, mas intimamente acompanhando o progressivo esclarecimento da consciência do seu próprio destino, num crescente senso da missão que deve desempenhar, numa afirmação no plano do espírito. A grande experimentação evangélica da qual nasceram os volumes precedentes não foi para o autor literatura, mas um fato vivido, carregado de frutos vivos. Ele, que tinha em vão procurado livrar-se do peso da riqueza, que constituía um embaraço à marcha encetada, acabou por enfrentar o dilema: ou cuidar de seus próprios negócios ou renunciar à sua missão. Conciliar duas coisas das quais cada uma exige totalmente o homem, era impossível. E o senso da missão a cumprir, cada dia que passava, mais se acentuava em seu intimo e mais forte gritava. Precisava então abandonar os interesses materiais, deixando-os à mercê do assalto de todos.

Eis o dilema: salvar os valores do espírito ou os da matéria. Ora, desde que neste nosso mundo se encontra aquele que sempre está pronto a levar o que não é guardado nem defendido, e desde que é impossível confiar em outros porque quem sabe desincumbir-se de seus negócios, em geral, só o sabe para si mesmo, o ocupar-se dos valores do espírito significava pobreza. Precisava escolher.  Vivemos em um mundo no qual os involuídos são ativíssimos em realizar sua vida com seu próprio método, a qualquer preço. O homem de espírito, que nesse campo é inepto, facilmente é eliminado. Então, a escolha foi feita e foi iniciada a experimentação evangélica. O autor pôde descrevê-la nos volumes anteriores, porque a estudou de perto, porque a viveu. Evangelho experimental. Essas coisas só assim se podem verdadeiramente compreender e fazer com que sejam compreendidas, quando as pregamos. De outro modo não passariam de retórica; experimentação que verdadeiramente inverte os valores e refaz o homem; catarse que penetra até os ossos. É um avanço que parece de loucos, nas trevas rasgadas pelo lampejar de uma alucinante luminosidade interior, em meio da qual o Evangelho, como sentinela ao longe, grita: "Ocupai-vos das coisas do espírito e tudo o mais vos será dado".

Se soubermos, pois, inverter os valores correntes e realmente viver a utopia do Evangelho, entraremos no mundo dos prodígios, tornando atual a já descrita economia do evoluído, baseada na Providência. O milagre consiste nisto: aquela vida que, humanamente, parecia ter que findar no desespero da miséria e da fome, deságua, ao contrário, num confiante abandono em Deus, confiante enfim não só pela fé mas também pela prova experimental, que com os fatos demonstra que apoio nunca falta a quem verdadeiramente crê no Evangelho, praticando-o.

Quando é superada a grande barreira que nos separa da inversão dos valores correntes, desenvolve-se a série dos milagres. A percepção do mundo que nos circunda é dada pela nossa natureza; se nós mudamos, tudo muda. Assim, com a nossa elevação no espírito, tudo tende a sublimar-se; o que antes era dor, transforma-se em regozijo. Então o trabalho, hoje transformado em condenação pela máquina e pela avidez humana, torna-se um livre alegre ato da criação, no qual o homem é chamado a colaborar no funcionamento do universo e operar, à semelhança de Deus, imitando-o em Sua perene ação criadora. Toda renúncia na matéria aparece no lado positivo, construtivo do Eu, isto é, como conquista e afirmação no espírito. A solidão se povoa de forças amigas que nos estendem os braços e nos ajudam; as provações se suavizam e se tornam criadoras de nós mesmos.

Eis as maravilhas da ascensão, o milagre experimentado pelo autor. O valor destes escritos não se baseia na novidade de conceitos que são velhos como a vida, mas sobre o fato de que eles foram experimentalmente vividos e não apenas repetidos, ainda que em perfeita ortodoxia de forma. É certo que a América existia antes de Colombo a descobrir. Todavia, aquela foi, no seu tempo, a maior descoberta do século. Assim, hoje, se o homem, verdadeiramente, descobrisse o Evangelho, vivendo-o experimentalmente, tocando-o com as mãos como fez Colombo com a América, esta seria também a maior descoberta do século.

Atingindo pela evolução o plano do espírito, tem-se a sensação de que emergimos de um fétido mar de lama. Liberdade no infinito. Entre tantas imperfeições dolorosas, se percebe, de outro lado, a harmoniosa perfeição da obra de Deus. No plano do universo, percebe-se a lógica do próprio destino, que é assim aceito, porque se verifica que ele nos conduz "sempre" para o encontro daquilo que representa o nosso bem. Compreende-se a maravilhosa urdidura da vida, admira-se tudo e bendiz-se a Deus. É verdade que há as provações, mas, depois de superá-las, se compreende o respectivo sentido e o seu valor criador; adquire-se, então, uma visão profunda, que vê o porquê de cada uma das vicissitudes humanas. Tudo se vai revelando completamente, a dor se faz instrumento de redenção e cada acontecimento de nossa vida se torna um amigo, porque é para nós, sempre, o melhor possível. O grande milagre da ascensão é a nossa progressiva libertação da dor e do mal. Todo assalto destruidor se transforma em meio de criação. E a força de cada ocorrência nos fará sempre sentir perto de nós a mão operante de Deus, imanente em nós!

Então, o caminhante da vida, carregado de recordações, nas quais o futuro, antes um tanto vago, se transformou em passado, vê e compreende. Compreende como cada golpe da adversidade provocou como reação uma nova luz, como cada obstáculo o havia estimulado, como cada provação o havia instruído e toda vicissitude se havia transformado em forças criadoras. Então ama-se tudo o que antes desagradava e pesava, porque já se sabe que tudo serve para edificar o espírito. A catarse é de todo o ser, mesmo das suas qualidades, das suas necessidades e desejos, bem como da sua dor. Tudo se sublima nele, e nele e com ele se distila e transmuda. E isto o faz verdadeiramente rei da vida. É o superamento de todo um mundo para entrar em outro mais alto. O ser é levantado para o céu, por esta sua sublimação acima de todos os males e dores humanas. Eis o conceito dominante na terceira trilogia.


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Com relação a este conceito, observaremos agora a obra escrita, a série de volumes que dele são conseqüência. O processo evolutivo do autor não pôde deixar de produzir nele um relampejar da mente, um clarão de conceitos que, regularmente registrados e depois publicados, têm dado lugar a várias interpretações. No princípio, no período explosivo da primeira tril gia, esse clarão foi tão forte, misterioso e imprevisto, que tomou o aspecto de verdadeira mediunidade. O autor foi, pela necessidade bem humana do enquadramento, catalogado logo no campo mediúnico (primeiro período das Mensagens e de A Grande Síntese). Mas, saberemos nós o que seja, verdadeiramente, a mediunidade?

O    autor passou, pois, a procurar por si mesmo, tentando aprofundar a visão nesse abismo, que é o mistério da. personalidade humana, que está, até hoje, bem longe de ser plenamente conhecida. Assim, começou a compreender o seu caso e procurou defini-lo (segundo volume: As Noúres) Pôde, então, precisar que se tratava de mediunidade inspirada, ativa e consciente. Nenhum transe, inconsciência ou cessão passiva de seu próprio eu a qualquer entidade incorpórea ou forças estranhas. Ele, permanecendo consciente, captava a onda (noúre), registrava, escolhendo com pleno conhecimento, como a antena que capta porque quer sintonizar-se com a transmissora que conhece e que quer livremente ouvir por relação voluntária de ressonância. A mediunidade torna-se assim inspirativa, isto é, não mediunidade de efeitos físicos, nunca praticada e sempre evitada pelo autor como barôntica3 , mas ultrafania, embora mesmo sem transe, mas ativa e consciente. E assim foi ele tido por ultrafano. A vista disto, os seus escritos foram considerados suspeitos pela Igreja e aceitos no campo espírita.

Mas, eis que no fim do primeiro período, com o seu terceiro volume Ascese Mística, o autor supera também o campo ultrafânico e deixando atrás o espiritismo, que o havia catalogado entre os seus, se transforma em inspirado e, enfim, em místico, entrando num campo apropriado, sobretudo, às religiões.

Os trabalhos que compõem a segunda trilogia perderam a vestimenta mediúnica, ultrafânica ou inspirativa e falam a linguagem normal. Assim é o presente volume. Ora, muitos perguntam se esses novos livros que se expressam corno falam todos e não com tonalidade extra ou sobrenatural, são ou não inspirados. Os leitores, em geral, estão habituados, como os demais, a tratar com o homem normal de tipo único e constante, de enquadramento estável e não com o tipo múltiplo, em contínua evolução, que não pode ser, por isso mesmo, enquadrado em esquemas fixos, como é o nosso caso.

Em se tratando desta trilogia, era necessário responder a esta pergunta, esclarecendo dúvidas. O autor agora se acha cônscio de haver completado seu misticismo na forma ativa de sua missão e tem estudado em si mesmo, com auxilio de outros místicos, de tal maneira que o seu caso embora esteja ainda longe de tocar o fundo de um mistério (que aliás não pode findar) através de um contínuo controle racional do fenômeno de sua intuição e dos seus produtos, por ele registrados, transformou a sua própria inspiração em técnica regular de pesquisa, que ele chama o método da intuição, não tendo mais o que fazer com a ultrafania em transe e muito menos com o mediunismo de efeitos físicos. A finalidade da vida do autor, como acima ficou dito, não é de nenhuma maneira o estudo dos fenômenos mediúnicos e o espiritismo lhe interessa relativamente. Sua vida é missão e seu escopo não é a experimentação espirítica, mas a evangélica, não a indagação do além-túmulo, mas a ascensão espiritual. O grande problema é a conquista da felicidade e o que transforma tudo em nós, para o bem e a alegria, não é o além-túmulo, mas a evolução, a catarse da vida, elevando-nos do plano animal humano ao super-humano. O que importa é a sublimação, sem a qual tudo permanece cego, inferior, doloroso, seja aqui ou acolá E o mediunismo de efeitos físicos ocupa-se bem pouco da sublimação. Ele visa problemas particulares, secundários mesmo, em relação ao problema de apresentar sempre o melhor como contribuição para a salvação do mundo, na atual e tremenda hora histórica.

Se o misticismo é, para o autor, o vértice da ascensão, o método da intuição (isto é, a inspiração reduzida a método) é a sua disciplina que organiza e racionaliza a inspiração, dirigindo-a metodicamente à conquista do conhecimento para resolver os mais variados problemas, inclusive os da ciência, com o objetivo de melhorar o homem, para seu próprio bem. A sublimação atua então em dois sentidos: o do sentimento levando ao misticismo e o da mente levando à disciplina orgânica e racional da inspiração: disciplina da técnica receptiva, após haver feito a sua análise, e organização de uma doutrina racional, com os dados obtidos pela inspiração. Nesse trabalho múltiplo e complexo se cumpre a missão do autor. Com o progresso da sua maturação, ele, enquanto, por um lado, se sublima como paixão no misticismo, por outro se assenhoreia cada vez mais da técnica receptiva e da sistematização orgânica e racional dos resultados, de modo a poder expô-los em linguagem normal. E isto, ainda que não possa agradar aos espiritistas, era necessário dizer para que estes escritos fossem aceitos pela ciência, pela cultura séria, pelos que têm prevenções antiultrafânicas e para os quais todas as coisas expressas em tais roupagens inspirativas não são sérias nem aceitáveis.

Certo é que a inspiração subsiste ainda na segunda e terceira trilogias, mas é normalizada em veste comum A mesma característica não mais explosiva (primeira trilogia) mas reflexiva, de assimilação e análise (segunda trilogia) leva a esta conclusão. Não é por isto que o autor perde o contato com a fonte da inspiração. Ao contrário, na sua ascensão mística, o seu contato é normalizado, a sintonia estabilizada, a distinção no uníssono das vozes se torna, assim, sempre menos sensível. A catarse é, de fato, uma sublimação também neste sentido: é sempre mais estreita a união com a fonte. A recepção, que no ultrafano é em geral salteada e inconsciente, aqui é contínua e consciente, é um colóquio, um contato, uma comunhão que tende à unificação. A recepção aqui se torna prece, religião, misticismo, amor de Deus. A terceira trilogia, que representa a fase da sublimação, não pode acabar senão em pleno misticismo. Assim, sempre progredindo, fecha-se o caminho iniciado com manifestações que foram chamadas mediúnicas, alcançando resultados que são bem diversos como técnica receptiva, e longínquos, como conteúdo, da mensagem ultrafânica usual em função de certa entidade. Aqui, a mensagem é uma obra orgânica, racional que já atinge o oitavo volume; a mediunidade é uma missão que se apossa de uma dada hora histórica e de toda a vida de um homem. Como se vê, os conceitos espíritas comuns não são mais suficientes para conter estes resultados.

Chegamos aqui a uma disciplina consciente e racional, que analisa e põe em ordem, organicamente, os produtos da intuição. Em geral, todos, mais ou menos, possuem intuição, mas de um modo vago e sumário, sem a crítica e a precisão de um método. Em nosso caso, a intuição não só se faz método de investigação cientificamente exata e vasta ao ponto de fazer compreender e orientar todos os problemas do conhecimento, mas, ainda, o seu natural funcionamento, por clarões sintéticos e intermitentes, é traduzido em termos de exposição contínua e de análise racional. Tudo, se antes é sentido por via intuitiva, como síntese, conclusão e solução dos problemas deve ser, depois, analiticamente demonstrado pela força da lógica para uso da forma mental corrente, que não é intuitiva. Trabalho reflexivo, de coordenação, útil e necessário para ser compreendido, precisão analítica e cultural, sem o que a mensagem inspirativa ficaria confusa e distante. A mensagem provém de superiores dimensões conceptuais e é necessário reduzi-la à nossa dimensão racional. Trabalho, antes, de audição e compreensão, e, depois, de elaboração dos dados da inspiração, desconhecido assim do ultrafano comum.

Em nosso caso, a inspiração, embora se possa dizer que controla como guia a mente do sujeito, todavia é por este controlada. Mais do que de recepção, pode-se, neste caso, falar de colaboração consciente de ambas as partes, sem, com isto, desconhecer quanto mais sábia e potente é a transmissora. Quando se fala do fenômeno, que não é novo, da união mística, e quando ele pela catarse do sujeito se torna progressivamente sempre mais intenso, compreende-se como se lhe torna sempre mais difícil distinguir o transmissor do receptor, fundidos que estão num mesmo ritmo de pensamento, difícil de isolar-se de uma fonte em que a sua personalidade, distinta no sentido humano, se sente como que diluir em sublime alegria. De fato, uma das mais perturbadoras sensações que a elevação mística produz, é da dissolução do próprio eu como unidade egocêntrica. Na alta psicologia, como na alta matemática, os conceitos comuns não têm mais sentido. Tudo isto transforma o fenômeno, neste nosso caso, distanciando-o cada vez mais da ultrafania e aproximando-o da inspiração do artista, do sábio, do místico, daquele enfim que cria no espírito em todo campo. Em nosso caso, a sensibilidade ultrafânica veio tornar-se um método preciso de pesquisa, que encara os problemas com o velho método experimental analítico só num segundo tempo de controle, mas, num primeiro tempo, os perlustra por vias intuitivas, sintéticas, alcançáveis só por um hipersensitivo, tornado tal pela evolução do instrumento humano. Este será o método de indagação do amanhã, que só um tipo humano mais evoluído saberá empregar.

Mas não há só este trabalho de controle da recepção, da coordenação e organização dos resultados, de precisão analítica racional e cultural. Em geral, os leitores crêem que a inspiração representa qualquer coisa concedida gratuitamente; no entanto, ela é conquistada com trabalho e fadiga. É necessário procurar ardentemente, porque Deus não se revela senão àquele que o procura e o chama. É preciso subir com o próprio esforço para chegar a escutar, é preciso duramente maturar-se e merecer para ter resposta. É necessária uma fé positiva, que saiba vencer todos os obstáculos. E quando a inspiração chega, é preciso segui-la a todo custo e em qualquer condição, no seu arremesso impetuoso, ainda que estejamos atordoados por tantas exigências de um mundo que pretende andar por estrada bem diferente.

Ainda que haja sofrimento, é preciso escrever; se extenuado ou doente, mesmo assim é preciso escrever; se há falta de tudo, escreve-se; se os interesses materiais estão a caminho da derrocada, se os involuídos roubam tudo, não importa, escreve-se; se a casa cai, se o mundo explode, não importa; se se está perto do fim, escreve-se, até o último suspiro. É necessária uma vida concentrada toda em um ponto: registrar esse pensamento que nasce dentro de clarões, de turbilhões, como um furacão que grita, canta, arrebata e atordoa. Registrar tudo, nos mínimos detalhes, na potencialidade como na doçura, seja como conceito, seja como paixão. Deve-se muitas vezes exprimir o inexprimível; abandonar-se ao irresistível e no entanto manter-se em forma; viver as teorias expostas, fazer-se campo experimental e com as provações trazidas por elas confirmar á exposição. Com uma vida elevada de sacrifício, se deve manter em permanente sintonização, fazendo de tudo isto uma missão para o bem dos outros e vivê-la em abrasamento, como o cumprimento de um destino. Levar tudo isto adiante, ardendo sempre mais e não ceder nunca, fiéis a Deus até à morte.

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Agora, que vimos o significado da terceira trilogia, relativamente à maturação do autor e à natureza de sua produção intelectual, observemos tudo isto e vejamos a conexão que pode ter com a atual hora histórica, como contribuição e como missão.

Em nosso caso, não há só a catarse do autor, a criação efetuada pelo fenômeno inspirativo, mas há também o fato da compreensão sempre maior por parte do público. De que deriva isto? Nota-se que, no leitor que lê estes volumes, nasce um senso íntimo de convicção que não é apenas racional. Quem lê, geralmente muito mais do que pelos processos lógicos, fica persuadido pela ressonância intima, pela convicção segura de quem escreve, pela sua sincera paixão, pela misteriosa formação daquelas sintonias que estão na base da compreensão e sem a qual esta não se verifica. Que é então que determina o aparecimento dessa sintonia? De onde desponta essa vibração que une quem lê e quem escreve?

O fenômeno inspirativo ao qual se deve a primeira gênese destes escritos coloca o autor em uma posição especial que não é aquela do escritor comum, que exprime só a si mesmo, quando não faz coisa menos sincera e verdadeira, como uma criação de fantasia. Em nosso caso, a inspiração permite ao autor colóquios diretos com a vida, com o pensamento de Deus, ouvindo a voz de todos os seres, em todas as suas formas, da pedra ao gênio, sempre mais alto, pelas sendas do misticismo até às dimensões do super-concebível. Aquele que aqui escreve não inventa nada, mas simplesmente, lê no grande livro da vida universal, é o espectador da sabedoria infinita de Deus que ele contempla em visões, que exprime em livros. Quando, assim, não é o indivíduo, mas a própria vida que fala, o pensamento não envelhece. O mundo está repleto de idéias cansadas, que têm exaurido seu dinamismo e sua função. Lá onde é a vida que fala, a idéia é sempre jovem e viva. Sendo aquele que escreve simplesmente um revelador do que já está escrito e que instintivamente fala, ainda que de modo impreciso, no íntimo de todos, é natural que o fundo comum, o elemento base da sintonia, já preexista, e poderosamente. Então o leitor sente em seu instinto, no qual a vida fala, reconhece aquela voz como sendo a voz da verdade e, se ainda não pôde compreender o porquê, aprova com um irresistível senso de íntima convicção. Eis a sintonia e o consentimento pleno. O leitor, mais do que isso, sente alegria ao encontrar um intérprete exato de seus vagos sentimentos, que ele mesmo tentava precisar, mas que não conseguia levar à plena luz de sua consciência, sente-se feliz em encontrar feito o esforço que a vida lhe pedia, de levantar o véu do mistério, regozija-se por encontrar pronta uma resposta a tantos porquês que o torturavam, por ver assim resolvidos os seus mais tormentosos problemas.

Parece então ao leitor tornar a ouvir a sua própria voz, clara e engrandecida, tão perfeita é a sintonia dada pela mesma lei de vida que a todos anima. Há uma aproximação com aquele que lê, um retorno de alma para alma, que pela sintonia e convicção que se seguem, se reforça em admiração, gratidão, simpatia, amizade. Estes livros terminam assim em afetuoso liame, em vínculo não só de compreensão, mas de ação e de missão. No campo social, esse é o resultado do terceiro tempo, da trilogia com a qual a obra se concluirá, e essa é a estrada pela qual o autor, pelo caminho da livre e espontânea convicção, quer dar a sua contribuição para o advento da nova civilização do espírito.
   
Porém há mais. A expressão da voz da vida, captada pelo autor por via inspirativa, não é vaga e genérica, mas, sim, precisa na forma do atual momento histórico, falando aos homens do amanhã próximo, em função de acontecimentos iminentes. Eis então que todos os sensitivos que já verificam o fermento da hora prestes a soar, se incendeiam na leitura como diante de uma revelação. O fato é que estes livros são estreitamente ligados ao nosso tempo, são expressões da vida,. que tem de dizer alguma coisa de muito grave, e se apressa a dizê-lo aos que têm ouvidos para ouvir. Estes escritos são ligados à história e à evolução biológica cujo drama atual exprimem e às quais desejam dar uma contribuição efetiva. Eles, mais  exatamente, são os reveladores das correntes biopsíquicas que dominarão no dia de amanhã, que o anunciam e o preparam. Quem os escreve realiza a função de antena biológica, isto é, a de captar a antecipação do futuro. Muitos já o pressentem, mas não conseguem precisar tudo; porém estão aptos a reconhecer qual é a voz da vida, porque esta fala neles e eles, com ânsia, já aguardam quem se levante para exprimi-la e com paixão a abraçam quando se encontram com a sua revelação. Os homens respondem a um apelo somente quando ele já se acha neles e a vida já lhes está bradando no interior. De outro modo ficam mudos, sem compreender. Somente então se forma a corrent coletiva, que é uma corrente das forças da vida que quer atingir, assim, os seus objetivos, corrente que pertence a todos e a todos vai arrastando. O revelador da idéia, que parece o seu criador, não é mais que um expoente exterior, não é mais que o representante de um pensamento que não é seu, que ele tem a função de sentir antes, para depois exprimir e divulgar. Não é outra coisa. Na vida, mais que o indivíduo, importa a sua função.

Se muitos não ouvem o chamamento da vida, se estão fora de tais correntes, que impelem a evoluir, não podem sintonizar-se com ela, e enfim, se são surdos a ela, não importa. A grande massa dos involuídos, daqueles que, podemos dizer, servem como lastro, a vida não tem confiado funções de antecipação e criação. Esses têm que ser impelidos, para depois chegarem por último. Os inferiores são os que mais opõem resistência e, no entanto, são os que mais precisam ser ajudados para evoluir.

Se compreendermos a estrutura e a gravidade da atual hora histórica, justamente porque involuída, veremos que tal contribuição é hoje necessária. Os valores do domínio autoritário da vitória baseada somente na força, se é que há ainda quem pense ter domínio próprio, já substancialmente caíram, porque, depois dos desastres gerais, para vencedores e vencidos, na última guerra, diminui sempre o numero dos que neles acreditam. Os valores da riqueza subsistem ainda, mas sob a ameaça de tamanhos golpes, que já vacilam, inspirando sempre menor confiança. A que valores se prenderá então o mundo assim abalado, senão aos únicos que restam, os do espírito? Onde se poderá achar de outra maneira aquela solidez e invulnerabilidade que a humanidade demonstrou não possuir? O mundo está desiludido e tem fome de uma fé, porque não se pode viver sem esperar alguma coisa e sem crer no amanhã. As filosofias não servem, as religiões devem se adaptar às massas involuídas e supersticiosas. Mas o motivo do espírito já desponta nas conclusões dos grandes intelectuais da ciência que começa a emergir de seu velho materialismo. Eis aí alguns sintomas, que não são os únicos.

A vida é uma viagem. Parar é morrer. Mas não se pode conceber caminho sem meta. A vida tem, portanto, absoluta necessidade de uma tábua de valores e de subir para planos mais elevados a fim de realizar a evolução, que é o imperativo absoluto. A culpa mais grave e que se paga mais caro é a de furtar-se à ascensão, é a de não atender à lei da evolução.

A nova aristocracia não poderá ser, por certo, a da força ou a da riqueza, porque de tais aristocracias, até hoje, o mundo já teve superabundância. Tais formas têm exaurido a sua experiência e dado o seu rendimento biológico. A vida não alimenta senão aquelas formas que têm uma função e um objetivo definidos; liquidará, por isto, esses tipos de classes dirigentes. Ela tem necessidade de outras formas para outro trabalho. O tipo dos novos condutores não será o bélico, político ou econômico, mas um tipo completo, que além de religioso, seja sábio e justo. Depois da falência dos chefes armados, o advento dos chefes espirituais, o dos profetas desarmados. A vida tem necessidade também dos valores hoje mais desprezados, que são os da vida interior. Deles tem necessidade para reequilibrar-se, justamente porque deles hoje há extrema carência. O homem tem fome deles. As novas classes dirigentes não poderão, pois, formar-se segundo o nascimento, o poder, ou apenas inteligência, mas deverão basear-se nos valores espirituais, naqueles que superam a animalidade, nos valores da sensibilidade psíquica e moral, da sabedoria, da sensatez, do altruísmo, da caridade e do amor, da bondade, do desprendimento das riquezas, da renúncia a toda forma de excesso. A vida pede ao homem muitas vitórias, principalmente sobre o ódio e a cobiça que hoje envenenam a vida. Deve aparecer um novo tipo de lutador, o evangélico, desprendido e desarmado, mas inteligente e consciente, muito mais poderoso que o rude e violento de hoje. Há bem maiores revoluções para fazer do que aquelas que o homem atual concebe.

Tudo isto, hoje, pode parecer muito longínquo, e, portanto, de escasso interesse. Mas todo amanhã é feito para tornar-se depressa o hoje. Quando o homem tiver realizado as suas necessidades e desejos de hoje, que fará? Quando o homem, com a máquina e a técnica, com suas novas teorias econômicas e distributivas tiver resolvido o problema do bem-estar material para todos, quais os problemas que encontrará pela frente? Quando o progresso científico e social houver podido reduzir, para todos, o dia de trabalho a poucas horas, e as dificuldades da vida material resolvidas para todos, ao menos quanto a um mínimo necessário, como ocupará o homem o supérfluo de seu tempo e de suas energias? É certo que ele se aproveitará disto para abandonar a luta, e em vez de continuá-la em um plano superior para conquistas mais altas, deixar-se-á quedar no ócio, em busca de prazeres e vícios, chegando assim ao destino de todas as aristocracias e dos povos ricos e preguiçosos, que é o do esfacelamento. A vida fere quem dorme sobre as conquistas feitas. Ela hoje caminha com rapidez e essas conquistas estão mais perto do que possa parecer. Todo futuro é feito para tornar-se presente; assim a utopia se transforma em realidade. Nenhuma utopia é maior que a do Evangelho; entretanto, se ele foi pregado, não o foi, decerto, para permanecer como utopia, mas para se transformar em realidade.

A atual hora apocalíptica prepara, através de grandes lutas e crises, novas condições de vida. Entre tantos homens que pensam somente no presente, é necessário que haja alguém que enxergue mais longe no futuro e tenha a intuição desse futuro, o anuncie, o prepare. Decerto há outros problemas além dos atuais, do dinheiro e do estômago, e os problemas são feitos para encontrarem solução, e esses também a encontrarão. E depois? Nas grandes voltas da história, quais as de hoje, não bastam os homens de ação que seguem perspectivas imediatas e realizações vizinhas, os administradores, mas é necessário que ainda haja homens de pensamento, capazes de se orientarem segundo óticas mais amplas em correlação não só ao que é contingente, mas a todo o funcionamento orgânico da história e da vida. É da compreensão da extrema gravidade da hora, da necessidade de preparar um amanhã que se avizinha rápido, é da consciência do dever de dar a contribuição necessária, que nasce em alguns pioneiros de sensibilidade apurada e aptos para esse fim, o senso de missão. Missão que lhes confiou a vida, que neles escolhe os seus meios para fazer ouvir a sua voz. Meios que, por serem evoluídos, hão superado o egocentrismo animal e somente sabem viver fundidos no amor ao próximo. Missão fatal para eles, que outro conteúdo não sabem dar à vida, senão esse.

Eis em particular o significado deste volume: Problemas do Futuro e da terceira trilogia que ele inicia, como de toda a obra. Com o novo milênio, o homem entra em um novo ciclo histórico e biológico. É preciso fazê-lo compreender essa imensa realidade e o que o espera. É necessário incendiá-lo, enfim, com uma fé e com um impulso proporcionado ao esforço que hoje a vida lhe pede para que saiba conquistar essa realidade. A vida nunca dá presentes, mas ajuda-nos e convida-nos a merecermos tudo. Há perigos, mas há também, ilimitados horizontes. É preciso orientar o homem. Ele hoje procura sua realização e alegria fora de seu verdadeiro lugar e fica desiludido. É  preciso transformá-lo de involuído em evoluído. Quem escreve deve ter vivido, antes, pessoalmente a sublimação da vida para depois ensiná-la aos outros, oferecendo-lhes gratuitamente a sua conquista biológica, um precioso produto experimental, fruto de tremendas lutas.

O nosso mundo atual está em estado de colapso espiritual. O homem moderno, enfunado de descobertas, é um abstêmio do espírito. A fase de onda atual representa a inércia das qualidades mais nobres da alma. A imprensa gosta de destacar os delitos e todas as piores baixezas humanas. A arte se está degenerando em todos os seus aspectos. Mesmo debaixo das aparências mais intelectuais, respira-se sempre um ar de depravação. Parece mesmo que tudo há de ter hoje esse sabor fundamental. Mas é preciso reagir e salvar-se. Há uma quantidade apreciável de valores superiores que nos podem tornar muito poderosos e ricos. O que é preciso é descobrir esses novos continentes do espírito para desfrutá-los. É preciso aprender a substituir por esses valores superiores os inferiores da riqueza material, para tornarmo-nos independentes dela o mais que pudermos, de todos os dissabores que dela se originam. Dá-se tanto valor ao dinheiro, que não se pode resolver o problema espiritual se não for antes resolvido o material. É verdade. Mas o grande erro consiste em considerarem-se as coisas do espírito como artigo de luxo, supérfluo, ao qual se recorre somente quando se está saciado de tudo e não se sabe mais desejar outra coisa; entretanto, são elas as coisas de primeira necessidade. É ainda verdade que o bem-estar econômico por si só não basta e que o problema da vida não é de solução assim tão simples, como o crê a moderna psicologia utilitária e materialista. Nenhum problema está isolado na vida e nada se resolve isoladamente; assim é com o material e com o espiritual, tanto que se pode dizer o contrário do que dizem todos, isto é, que o problema material não pode ser resolvido se antes não foi resolvido o espiritual. A riqueza pode ser nociva para quem dela não sabe fazer bom uso.


A riqueza pode ser nociva para quem dela não sabe fazer bom uso.Hoje não se crê senão nela e se tem horror da pobreza. Hoje não se compreende uma pobreza que não é miséria, mas um estado de poucas necessidades materiais e de grandes riquezas espirituais, a ponto de poder, aquele que as possui, tornar-se mais rico do que os ricos. Essa pobreza de vastos horizontes, bem diversa da miséria que o é também. de alma, pode transformar-se em terreno das grandes conquistas espirituais que são afastadas pela riqueza, porque esta nos adormece nas comodidades. É necessário que falte alguma coisa em baixo para sermos induzidos a procurá-las mais no alto. Quem está saciado, não procura. Para progredir é preciso viver com o ânimo vibrante e não satisfeito. Para poder superar a matéria e enriquecer-se mais elevadamente, não é preciso gozar-lhe os enlevos; para formar desejos e exigências mais espirituais, é preciso que a alma encontre fechada a porta para os gozos materiais. Essa pobreza pode ser um estímulo para alcançar intuições, de outra forma inatingíveis; ela nos ensina a caducidade do nosso apego às coisas terrenas; a riqueza é um resultado vitorioso, mas efêmero. A pobreza a vence neste seu ponto fraco que é a falta de segurança e de paz. E assim é o nosso mundo: sem segurança e sem paz. É preciso vencer e superar esses pontos fracos. Hoje nada se compreende disto e se vive desesperadamente numa luta feroz. Este é o tormento que nos impõe a nossa cobiça. É preciso compreender o valor positivo, o lado que é conquista. dentro da renúncia e do desprendimento. Infelizmente o conceito tradicional de virtude nô-lo mostra no seu lado negativo, de perda e pobreza material, em vez de conquista e riqueza espiritual. É a nossa vacuidade interior que despreza a vida simples e pobre, enquanto esta pode ser ao contrário um meio de superar e de libertar, criando formas de vida superiores, mais ricas e mais poderosas.

É preciso fazer com que o homem suba da matéria ao espírito. Só aqui há salvação. O materialismo centralizou a nossa mente nos bens materiais. A ciência, conquistando e desfrutando as forças naturais, criou uma psicologia de prazer e de poder, em vez de sacrifício e renúncia, roupagem para os tolos e os vencidos. Dai resultou uni homem moralmente fraco, sem resistência nas adversidades, um homem que se sente sempre mais pobre. Uma artificial multiplicação de necessidades inúteis e nocivas está anulando a elevação do nível econômico, o que significa empobrecimento, porque, a riqueza não é absoluta, mas uma relação entre meios e necessidades. Em meio a um bem-estar crescente, adveio um maior senso de miséria, uma vida mais difícil, enfim um estado de angústia pela falta de espaço vital, um abandono das necessidades superiores, única saída da alma assim comprimida, para restringir-se na satisfação de necessidades inferiores, insuficientes para nos satisfazerem, porque se multiplicam a expensas daquele outro estado de alma muito mais vital. Isto é patológico, é anti-vital. Há uma descida para as necessidades mais elementares, que invadiram todo o campo dos desejos humanos. Há uma riqueza econômica que não compensa a carência dos bens espirituais. Há uma capacidade de saber procurar os primeiros e uma incapacidade de saber usufruir os segundos, ainda que vizinhos e gratuitos.

E assim vai tudo por água abaixo. A indústria, com a publicidade, faz do homem um consumidor, das nações um mercado a ser desfrutado. É preciso produzir e depois vender, fazer consumir. Mas é preciso pagar tudo isto, ainda que seja inútil ou supérfluo com o nosso tempo e o nosso fadigoso esforço, com a nossa paz. Cultiva-se assim o consumidor, cria-se e educa-se ele com a propaganda e há sempre novas necessidades, a escravidão das necessidades artificiais. Isto se chama bem-estar e civilização.

Atrai-se o consumidor com prazeres fictícios; ele está viciado e persuadido de que sua alegria e seu bem estão no deixar que o explorem. Assim, novos hábitos sociais vão nascendo, uma determinada moda para cada coisa, sempre mutável para encher tantos cérebros vazios. Na medicina, essa moda e essa psicologia de exploração do consumidor chegam ao ponto de representar um atentado à saúde e um perigo para a raça. A nossa civilização, que é tão sábia no particular (hoje também a ciência é especialização) está desorientada nas grandes linhas, falta-lhe diretriz geral, falta-lhe um guia inteligente. Por ora, o progresso, além das conquistas materiais, não atingiu a alma, onde está o verdadeiro homem, imitando-se a um espantoso excitamento das cobiças animais, com todas as suas conseqüências.

É preciso ensinar ao involuído atual que as alegrias que ele procura no fumo, no álcool, na cocaína, no vicio e, enfim, no furto e no delito, as encontrará, mais belas e mais poderosas, mais no alto, em realizações novas que o moderno caçador de êxitos, sempre ansiado e agitado, perseguido pelo tempo, não conhece. O crescimento do ser em direção da alegria, é direito sagrado, mas deve ser dirigido para volúpias diversas, não precárias, mas vitais, em ordem ascendente e não descendente. É preciso analisar e demolir esses prazeres que intoxicam e desfazem o homem, para ir em busca dos grandes prazeres do espírito. É preciso substituir os gozos destrutivos pelas grandes alegrias construtivas, substituir o sucesso exterior, vão e fictício, em que hoje se crê, por aquele outro, vindo do próprio valor intimo e substancial. O evoluído não renega a vida, mas a enaltece muito mais. Os tempos são maduros e é necessário aprender novos modos de viver. É necessário começar a preparação do terreno para uma nova civilização, fazendo compreender ao homem que ele é muito mais do que um simples animal, é o dono de um destino radioso; fazê-lo compreender que o universo não é somente um campo a ser explorado, mas um sábio organismo de pensamento e de matéria fundidos entre si.

O homem hoje não se realiza, dispersa-se. A felicidade da posse, que ele tanto procura, é primitiva e traidora. Ela é própria de uma dada fase do desenvolvimento e não das fases sucessivas, mais elevadas. Hoje, é preciso aprender a conhecer a felicidade superior que está na criação. Muda, desta sorte, a atual concepção da vida. Assim como o conceito de materialismo, uma vez tido por definitivo, perdeu todo o valor no seu velho significado sensório, assim muda o conceito de trabalho. Este, no nosso mundo de hoje, é condenação; exige, por isto, um salário. Daí as maiores lutas do nosso tempo, daí Capitalismo e Comunismo, guerras e destruições. O trabalho é condenação e sempre maior condenação, porque o temos privado do espírito animador cujo sopro é alegria. A máquina, a indústria, a organização e a cobiça levam ao cálculo do dinheiro e do tempo, ao horário e à e cravização. A descida na matéria sufoca na limitação, que é seu elemento; a elevação no espírito dá liberdade, fora da limitação. A involução humana reduziu o trabalho, que é o mais alegre recurso do ser, a uma condenação oprimente conquanto, realizando e nos desenvolvendo, está entre os mais ativos instrumentos de evolução, isto é, de libertação para a felicidade. Nessa opressora miséria assim se transformou o que acima tínhamos chamado de livre e alegre ato da criação no qual o homem, não só se realiza e se desenvolve, como, também, é chamado a colaborar no funcionamento orgânico do universo e a operar, à semelhança de Deus, imitando-O na sua perene ação criadora.

A evolução é lei de vida e o mundo deverá percorrê-la, como teve de a percorrer quem escreve. Chegar-se-á, com a ascensão, a uma grande transformação de valores. Deve-se logo compreender que se o bem-estar material é muito, por si só não basta para dar felicidade. Na vida há necessidade de muitas outras coisas que hoje matamos, como a fé, o belo, a poesia, a paz interior, o amor elevado, a esperança. e mundo de hoje cresceu no plano físico, como corpo; urge um paralelo desenvolvimento no espírito, porque é extremamente perigoso que um tão grande corpo fique sem o guia de uma alma adequada, em poder de uma mente tão limitada e primitiva. É, exatamente, a hipertrofia técnica e científica que exige, para equilibrar-se, um proporcional desenvolvimento espiritual que assuma a direção, sem o que tudo ameaça acabar em desastre. A ditadura da ciência materialista e da sua psicologia é uma fase superada e o mundo, desesperadamente, invoca uma sistematização diversa, espiritual e moral.

Entre tantas revoluções que o homem moderno deseja, há também aquela contra a asfixia espiritual, contra a nivelação numa animalidade universal, contra o embrutecimento geral, próprio do Capitalismo como do Comunismo, nos problemas do ventre.

Bem outras revoluções hão de realizar-se, não para a conquista dos bens materiais, mas dos bens espirituais, continente inexplorado de riquezas infindáveis, lugar ao sol também este, sol da mente e do coração, de que o homem tem extrema necessidade. É preciso rebelar-se contra a imersão na massa nivelada, opondo-se aos gostos podres das maiorias. A verdadeira revolução far-se-á chegando a compreender os valores de substância, substituindo-os, na própria vida, aos de superfície e de forma, da abastança ou do sucesso, hoje tão em moda. Preciso é conquistar uma potência superior de domínio espiritual e lançá-la à face do mundo como um desafio. Potência de uma riqueza que não é a do dinheiro ou do poder, riqueza que permite ter piedade dos ricos e dos poderosos. Deve-se contrapor à riqueza econômica, hoje supremo ideal, a riqueza da inteligência e do coração, que hoje falta. É preciso mostrar tanto aos ricos do capitalismo, como aos pobres do comunismo, a sua vacuidade espiritual, que os iguala: os mesmos homens em luta no mesmo terreno, com os mesmos fins egoístas e os mesmos instintos de avidez.

É preciso ser os pioneiros de um ideal diverso, de destaque e de libertação, para subtrair-se à obsessão econômica que é o tormento moderno; preciso é ensinar a desfazer as falsas miragens dos prazeres oferecidos por traição pela nossa chamada civilização, a rebelar-se contra a prostituição e o sufocamento do espírito, que ela nos quer impor. É necessário enriquecer-se bem diversamente da maneira como hoje se anseia. É preciso saber colocar-se nesse terreno utilitário tão diverso e compreender-lhe as vantagens superiores. É preciso ensinar a gozar em planos mais altos, a sermos possuidores de alegrias mais refinadas e gratuitas que provêm do íntimo e não do exterior. É preciso alijar o peso do trabalho-pena para amar o trabalho-função e missão, que não é fadiga para uma paga, mas livre espontânea realização. É preciso conquistar a riqueza da tranqüilidade e a riqueza do tempo, hoje perdidas, especialmente pelos ricos. “Não tenho tempo” e a frase moderna, é a sua pobreza. E não há obras de beneficência que permitam doar essa mercadoria, ajudando em sua miséria esses desgraçados pobres de tempo! Essa carência de tempo é uma vingança da matéria que escolhemos como padrão, enquanto o espírito se mantém fora do tempo. Somente no alto há liberdade, que se deve conquistar elevando-se e não roubando a outros escravos seus grilhões de ricos.

A grande luta social hodierna se reduz a esse desejo intenso de roubar esses grilhões, isto é, de roubar aos ricos o tormento imposto pelo medo de perder os próprios bens, pela paixão de aumentá-los, pela necessidade de conservá-los. O mundo atual anseia por essa prisão dourada, que segura e enquadra em seus muros e da qual, depois, é tão difícil e penoso sair. No entanto, também ali dentro se está roído pelo tédio e pela saciedade de tudo, roído pela fome do espírito privado de alimento. Pouco dinheiro valoriza tudo; quanto mais as alegrias são moderadas, tanto mais são prelibadas. Muito dinheiro desvaloriza tudo, alegrias abundantes e repetidas terminam em náusea. Sábias compensações, justas vinganças da vida.

A atual máquina social funciona, em grande parte, pela força. Precisamos ser os pioneiros de um ideal diverso, de amor, convicção e colaboração. Só assim será possível alcançar a ordem necessária, subtraindo-se ao peso da coação Cada forma de poder, hoje, é mais ou menos uma forma de coação contra a precedente, somente para se impor; a autoridade, mais que uma função social a serviço da coletividade, é uma vantagem pessoal a serviço de quem a conquistou. O egoísmo que foi até ontem um elemento útil e necessário para as conquistas materiais e a que estas têm sido devidas, como o é o progresso humano, hoje aquele egoísmo, quando a vida humana entra na fase social orgânica, torna-se um elemento antivital, porque é antisocial, sendo destrutivo e inaceitável na nova coletividade. Hoje, que a técnica tanto progrediu, a caridade se encontra em pleno retrocesso. O progresso não consiste, como hoje se crê e se quer, em uma vã multiplicação de necessidades a que, depois, se ofereça satisfação: isto, assim, redunda numa custosa escravidão da qual é necessário pagar, logo após, o custo com trabalho forçado.

O    atual desenvolvimento dos valores mais baixos não é progresso, mas atraso, não é vitória, mas derrota, que o mundo está pagando caro. Qual o uso que o homem sabe fazer hoje dos melhoramentos econômicos? E se não os sabe empregar no bem, mas só no mal, então não é melhor para ele a pobreza? Quando o homem, com a ciência, a máquina e a justiça social, chegar ao bem-estar material, que uso dele saberá fazer com sua psicologia? Certo é que se não for educado a tempo, não fará mais do que multiplicar e estender a sua atividade abusiva. E se a finalidade da vida é bem outra, o alcance desse tão desejado bem-estar não pode representar, para a humanidade como a de hoje, um dos maiores perigos?

Este é um quadro sumário das condições do nosso tempo. A finalidade destes livros é demonstrar com a razão; o escopo da vida do autor é demonstrar, com o exemplo, a realidade, a utilidade de uma vida superior, no espírito, mais rica e mais feliz. Se, depois disto, outros quiserem compreender com a sua razão e proceder com o seu exemplo, então a idéia de uma nova civilização não será mais utopia.

Já foi afirmado que estes livros não representam nada de novo e que não são mais do que repetições de coisas que já foram ditas. Certamente, não pretendemos oferecer descobertas no sentido moderno, particular e analítico, como invenção técnica e utilitária, como solução de casos isolados. Se isto acontecer, não o será mais que incidentalmente, como conseqüência da realização fundamental, que é bem outra. Esta é o antípoda da atual "forma mentis" humana, e tende, não ao resultado utilitário, no particular, mas à síntese, à orientação, a uma utilidade de conjunto, a uma nova compreensão da organicidade da vida. Há descoberta, mas em sentido diverso do corriqueiro, e é aquela da onipresença de uma lei que tudo guia. A novidade consiste em que, embora essas verdades sejam repetidas muitas vezes, isto se faz mecanicamente, por tradição, por quem não as vive, e que por isso, embora as repita desse modo, não as vivifica, mas as mata.

Dizendo-as e repetindo-as, assim, por hábito e sem senti-las, chega-se ao resultado de torná-las fastidiosas, falsas, inaplicáveis. Entretanto, são aqui ditas por quem as faz viver também em quem as escuta, em vez de serem ditas por quem não as vive e, por isso, as faz morrer em quem as ouve. Esta é a novidade e a descoberta que tentamos fazer. Elas consistem em superar aquela mentira que, enfim, tem invadido toda a nossa vida.

Há, aqui, mais uma coisa nova, e é o método de comando e de governo. Aqui saímos fora do plano humano e de seus sistemas tradicionais; trata-se, portanto, não mais das habituais revoluções de forma, mas de uma revolução de substância. Hoje a sociedade, em geral, é regida por emersão, com o sistema representativo ou totalitário de um chefe que trabalha, antes de tudo, para si; outrossim é regida por um grupo de homens que se coligam em torno dele por força de seus próprios interesses, prontos a se desembaraçarem dele tão logo não satisfaça mais àqueles interesses. O princípio do comando hoje é, no fundo mais ou menos como aquele tradicional da alcatéia de lobos ou da associação bélica, em que é aceito um guia porque serve como colaborador, porque a união faz a força e se torna útil na luta. Baseando-se nisto, a lei humana que nasce de tais associações é, naturalmente, fruto de partido e está, por isto, contra quem está fora do grupo; essa lei, por essa razão, logicamente é fraudada por quem está do lado de fora, quase com um sentido de justa defesa.

A novidade, pois, dos princípios aqui expostos, consiste num método todo diverso. O indivíduo se põe sozinho em face da Lei do ser e deve fazer a sua descoberta chegando a senti-la como atividade própria e em tudo à sua volta. A sociedade não vem a ser regida por nenhum chefe físico e muito menos por suas leis, que temos visto o que são, e tampouco pela força de que ele dispõe. Em face da Lei, que tudo sabe e tudo pode, esses menores poderes humanos não conservam mais do que um valor relativo e subordinado. Se o espírito de grupo subsiste, ele é baseado nas afinidades, com finalidade orgânica de colaboração criadora, segundo as normas da Lei, sem interesses materiais para defender, sem fins utilitários que excluam os que estão fora do grupo. Não se baseando na coação, a força não serve mais, mas somente a convicção. A liberdade que antes havia somente para quem comandava, agora é de quantos são capazes de compreendê-la. Ninguém pensa em fraudar a Lei. Aqui o chefe não tem corpo, mas é uma Lei onipotente e onipresente situada no imponderável que, portanto, não se pode liquidar quando mais não sirva, não se pode coagir ou fraudar, porque ela é a alma das coisas e também o rebelde é formado por ela. Não se pode matar esse chefe por revoluções ou por atentados, não precisa ele de polícia porque é imaterial e indestrutível: é o próprio princípio da vida. A polícia desse governo é perfeita porque em face desse chefe-Lei, cada um deve responder e pagar pessoalmente, se tem violado as suas normas. Essa é uma responsabilidade da qual não é possível eximir-se. O indivíduo, ainda que agindo em coletividade, se acha sempre só e despido diante da Lei, sem poder descartar-se de nenhum modo das suas ações. Cada um, sem hierarquia, está sempre em contato direto com o chefe-Lei que nele sempre funciona. Aqui, o proselitismo com o fim de engrossar a fila, e, com isto, a força do próprio poder contra os contrários não tem sentido, porque os seres não se podem unir, senão fraternizando-se para o bem de todos. Esse bem, qualquer que seja a sua forma humana, que aparecerá como coisa secundária, será o verdadeiro governo do homem evoluído do futuro.

Concluamos. Dissemos que a idéia dominante desta terceira trilogia, que aqui se inicia, é: sublimação. Temo-la aqui projetada em relação à maturação do autor, ao desenvolvimento da exposição e ao do destino do mundo. Sob este aspecto tríplice continuaremos o seu desenvolvimento no presente volume. Esta sublimação que o autor viveu e que tenta exprimir nesta terceira trilogia, está, pela fatalidade da hora histórica, segundo a intuição que tem, para ser projetada no destino do mundo. É uma sublimação da vida que entra em uma de suas mais altas fases de evolução e que arrasta primeiramente os mais sensíveis; é o ingresso do homem em um novo plano de vida, o plano evangélico do Reino de Deus, é a aproximação da nova civilização do Espírito. Este é o significado da sublimação no campo social. Este é o coroamento desta obra, como da vida do autor.

Ter compreendido a hora histórica, explicar o seu significado e a sublimação, lendo os seus traços escritos nas leis da vida, viver essa sublimação e projetá-la nos outros, fazendo-os participar da maravilhosa nova realidade alcançada, oferecer, assim, gratuitamente, uma contribuição para o advento da nova civilização do Espírito; realizar essa sublimação no próprio destino, como no do mundo, eis a significação de toda esta obra em volumes, eis o cumprimento do destino do autor, a realização da sua missão.

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1 Traduzidas em português como Grandes Mensagens. (N. do T.)

2 O que pratica a ultrafania, quer que dizer: luz do além. Ultrafano corresponde ao médium espiritista.(N.do T.)

3 De natureza densa, inferior. (N. do T )