Problemas do Futuro

"A glória d‘Aquele, que tudo movimenta no universo, penetra e resplende, numa parte, mais, noutra menos".

Em nossa ascensão tentamos, agora, por outra via, avizinhar-nos sempre mais da concepção de Deus e do universo, que em breve teremos de enfrentar; concepção que sinto chegar e que vamos preparando e amadurecendo em nosso pensamento. Estamos bem longe da verdade do lº. capítulo.

O    homem normal não forma a idéia do universo de maravilhosos equilíbrios onde ele vive. Acredita que as harmonias da ordem divina se encontrem somente no alto, no chamado paraíso. Não Aquela ordem, expressão de Deus, está em qualquer lugar, também no inferno terrestre. O homem a tem, pois, toda à sua volta, nas pequenas coisas do seu mundo, em meio às duras necessidades do contingente É verdade que a maioria humana é involuída, nada sabe, dessa ordem divina, da sua beleza, da riqueza que ela representa, da potência que confere o conhecê-la e o saber harmonizar-se com ela. A maioria involuída está, pois, mais atenta a violar continuamente essa ordem, o que redunda em seu prejuízo e não da ordem que, na sua perfeição, possui essa característica: a de saber tornar automaticamente a reconstituir-se, não obstante toda violação. Assim o homem está ativamente ocupado em procurar, sem descanso, somente o próprio dano e a própria dor. Mas isto é necessário para que ele, mesmo ficando livre, aprenda. E assim, na sabedoria divina, a desordem voluntária da inconsciência humana se transforma em uma mais alta ordem futura, e a dor, que deriva daquela desordem, se torna um meio de ascensão para uma felicidade mais completa. De certo, o homem atual não imagina que haja no universo ao alcance de sua mão uma riqueza, poder e felicidade imensas  Delas se acha afastado pela sua involução, que é ignorância; e para conhecer, é preciso evoluir, isto é, lutar e sofrer. A mente, que no aparente caos humano sabe recolocar cada coisa em seu lugar, verá um desenho maravilhoso de que ele faz parte, verá que tudo é lógico e ordenado para o  bem, conquanto tristes possam ser as condições do indivíduo e do momento. O evoluído vê as metas de tudo e a íntima e tenaz reconstituição da ordem, a despeito da desordem vitoriosa, que está somente no exterior, na superfície, relativa e transitória. Otimismo, pois, um otimismo de ferro, de bases graníticas dadas por um profundo conhecimento científico da vida e de suas leis, otimismo em todo caso, ainda quando as coisas vão mal, ainda diante da triste verificação de que toda descoberta científica e todo progresso no conhecimento venham a ser usados pelo homem em primeiro lugar para praticar o mal. A Lei quer que, quem pratica o mal, involua, tenda a aprofundar-se em ignorância sempre maior e dor, até à autodestruição. E quer que, quem faz o bem, evolua, tenda a subir para uma sempre maior sabedoria e felicidade, até à fusão em Deus. Não obstante as aparências infernais de alguns mundos como a terra, tudo é ordem, é bem, é feito para a felicidade dos bons e o triunfo da justiça. Quem quer, esteja onde estiver, pode sempre salvar-se: Quem compreende, eleva um cântico de amor e gratidão a Deus e bendiz sempre a vida.

É desta ordem que, agora, queremos ocupar-nos aqui, não nos longínquos planos celestes, considerados de pouca utilidade, porque longínquos, mas nos seus reflexos terrenos, no seu funcionamento entre nós, humanos, nas suas conseqüências e aplicações práticas. Somente assim poderemos ser compreendidos. É lei geral no universo o princípio de dualidade, pelo qual cada unidade ou individualização do ser é dúplice, isto é, separada e no entanto soldada no seu intimo, em duas metades contrárias, inversas e complementares, que se combatem e se procuram, se anulam e se completam e, na oposição de dois termos opostos e contrastantes, se constitui em sistema equilibrado, isto é, em unidade e indivíduo. Lei já demonstrada em outros escritos meus. Mas há mais. Os dois elementos do dualismo, constituindo toda individualização, não assumem somente a forma estática, de equilíbrio estável, mas ainda a forma dinâmica de um sistema de forças, pelo qual os dois termos não são simplesmente contrapostos em equilíbrio, mas um deles, de valor positivo, se põe no centro do sistema e um ou mais elementos de sinal oposto ou valor negativo vem a rodar-lhe em torno, dispondo-se na periferia. O número deles é variável em relação ao seu potencial dinâmico e ao do elemento central. Quanto mais esse núcleo é potente, maior é a sua capacidade de irradiar e, portanto, o poder de reger um maior número de elementos satélites. Paralelamente, quanto menor é a amplitude ou capacidade negativa de receber carga positiva do núcleo da parte dos elementos satélites, tanto maior é o número que o sistema pode suportar. E por uma razão: cada um dos dois termos se põe, no sistema, em relação ao outro e, pela estabilidade e equilíbrio deste, eles se devem harmonizar.

Observemos como esse princípio, sobretudo em nossa realidade, tem influência. Comecemos pelo caso máximo. O universo todo é dúplice. Deus, princípio espiritual, positivo, está no centro; a forma matéria, negativa, está na periferia De um lado o motor, ativo, criador, do outro a manifestação, passiva, criada, efeito daquela causa. Os dois termos têm caracteres opostos. Deus é o espírito, o absoluto, o imóvel, o imutável, o pensamento diretor, o comando. O universo que vemos é a forma, o relativo, o móvel, o transitório, a expressão, a obediência à Lei. Transcendência e imanência não são senão os dois termos opostos de um par no qual eles se unem em estreita unidade, ligados no mesmo sistema em inseparável monismo. Esse esquema único ecoa e se repete em todo o universo, até à sua última pulverização, todo fenômeno é um tornar-se ligado ao par causa-efeito. Assim todo pensamento ou ato contém em si, conforme a sua natureza, as suas conseqüências. Assim o efeito gira em torno de sua causa até que esta se exaure nele.
   
Casos menores. O sol, núcleo do sistema solar, tem, como verdadeiro macho no harém, nove esposas nos seus planetas. Elas o seguem obedientes em todo o seu curso através da Galáxia. O mundo atômico é regulado pelos mesmos princípios. Em torno do elemento central do átomo (núcleo) de carga eletropositiva, rodam tantos elétrons de carga eletronegativa, quantos o elemento central possa reger. Temos, assim, no microcosmo atômico, um verdadeiro sistema planetário em que o núcleo representa o sol. E todo sistema planetário não é senão o átomo de uma química astronômica do macrocosmo. Na terra temos 92 elementos, ou corpos simples, que vão do Hidrogênio (H) ao Urânio (U); unidades atômicas em que o número dos elétrons, que giram em torno do núcleo, sobe de 1 no H a 92 no U. Isto quer dizer que o núcleo de H representa um potencial capaz de reger um só planeta e o de U o de reger 92.

No mundo orgânico. A distinção sexual, antes de chegar às suas manifestações somáticas e psíquicas, existe na célula e precisamente conforme os mencionados princípios. A célula é um microcosmo formado como um sistema planetário, cujo centro é constituído pelo núcleo, elemento positivo, masculino, e a periferia, ou corte, ou harém eletrônico, é constituída pelo protoplasma, elemento negativo, feminino. Os dois dinamismos são inversos e complementares, reciprocamente contrários e equilibrados. E eis-nos chegados às aplicações práticas que mais interessam ao leitor.

A saúde, a resistência orgânica, que tanta parte representam na luta pela vida, dependem em grande parte do equilíbrio entre núcleo e protoplasma. Pelo mencionado principio, dado o seu dinamismo inverso, eles representam funções inversas e complementares. O núcleo é ativo, portanto, dinamizante, ao ponto de, se não encontrar no par o elemento contrário como função compensadora e de equilíbrio, torna-se destrutivo. Ele tende a transformar tudo em energia e, por isto, a queimar o material orgânico; é o verdadeiro motor da vida e agente da evolução, o catalisador, o princípio do vir-a-ser e da transformação. Ele tende a dissolver, a consumir e, quando não freiado, a queimar e destruir. A sua ação é oxidante e dissolvente da matéria nutritiva acumulada no protoplasma, para reduzi-la à energia. Ele é em suma o Deus animador da célula e, portanto, da vida, representa a função da combustão e da troca, a função de governo e de comando. Como o sol rege, guia e faz avançar os seus planetas, ao núcleo pertence a tarefa da direção e da ascensão. Essa função toda masculina e divinamente criadora recorda e repete num plano mais elevado o motivo da gênese da energia por desintegração atômica que se verifica nas mais complexas formas da individualização química. Como o sol, o núcleo arde, aquece e arrasta consigo todo o sistema que comanda, e se entrega, irradia e sustém. Ele representa e reproduz em proporção de sua potência o esquema geral do universo, esquema que é único em qualquer lugar; ele reflete e repete no seu plano as funções diretoras do principio geral do cosmo, que conforme a mesma e única lei (monismo) retorna em todos os menores sistemas componentes até à infinitesimal ramificação, os quais, por sua vez, irmanam-se por reagrupamentos graduais e progressivos, segundo a lei das unidades coletivas múltiplas, e se estendem todos no centro, para se reencontrarem e recomporem em unidade.

Que faz o protoplasma, pelo seu lado? Logicamente., as suas características e funções devem ser opostas. Ah, se o princípio da inovação não fosse equilibrado por aquele da conservação! Nem nos surpreenda reencontrar na estrutura da célula os princípios contrastantes do misoneísmo e do progresso, próprios da vida social. Para quem compreendeu a unidade do universo, são lógicas e verdadeiras essas relações entre a estrutura da célula e os movimentos coletivos e acontecimentos históricos, que também derivam da íntima constituição do ser humano. Pelo contrário, somente assim é que se pode verdadeiramente compreender a história. O poder do protoplasma é todo construtivo de material orgânico, integrante das perdas, fornecedor do combustível a ser queimado. Ele tende à economia, à conservação, a acumular as substâncias orgânicas, a armazenar reservas nutritivas, à engorda, em suma. O protoplasma é a fêmea a qual serve o macho, para que este, com o material recolhido por ela, possa, através do poder óxido-redutivo do núcleo, isto é, das oxidações operadas por ele como núcleo, criar a energia vital. Reencontramos aqui um momento do físio-dínamo-psiquismo universal. O núcleo está incumbido de criar energia, destruindo matéria; é, no seu plano e sistema, o agente do transformismo fenômeno universal, em que a substância assume formas diversas. Em paralelo a essa função, o protoplasma é todo substância a ser plasmado, em expectativa de receber impressões para as conservar (misoneísmo), diante do agente é o material da vida, é portanto feito todo para a construção e reintegração deste, para preencher todas as perdas nele verificadas por força do incêndio produzido pelo núcleo.

Esta é a base do metabolismo orgânico. A vida se apoia nesses equilíbrios. A própria agricultura está sujeita a essas leis. A semente é o núcleo, princípio ativo, a terra representa o protoplasma, princípio passivo, acumulador de materiais que a semente toma em círculo no seu sistema. Há uma troca no terreno, regulado pelas plantas que nele vivem. A cultura intensiva, com base na adubação química, alterou, com a destruição da flora bacteriana essa permuta, pelo que hoje, ou se torna a fornecê-la à terra ou se deixará esta descansar, para ter tempo de reconstituir a flora e recuperar assim os materiais nutritivos dos quais a exploração intensiva a depauperou, ou teremos uma produção agrícola progressivamente menor.

No metabolismo orgânico o protoplasma trabalha para o núcleo, mas dele recebe a energia para trabalhar para ele. A fêmea é a serva do macho, mas dele recebe guia e defesa. Se os dois impulsos contrários não se compensassem e equilibrassem, e se, lutando um contra o outro, não se penetrassem e combinassem extinguindo a colaboração, seria o fim. O núcleo, sozinho, queimaria todo o material em energia, o protoplasma, sozinho, cristalizaria a célula, sufocando as reservas do núcleo e, paralisando assim a sua obra dissolvente e reduzida, apodreceria tudo, insensivelmente, na mais indolente das inércias. No primeiro caso, haveria uma troca demasiado violenta e, com isto, o rápido exaurir dos capitais da célula, das reservas do protoplasma, enfim, a ruína do sistema orgânico e a morte por consumição. No segundo caso, teremos uma redução de potencial vital da célula, e pois, afrouxamento das trocas e uma atividade celular orgânica reduzida. Isto produzirá excessivas e insuportáveis escórias na troca, auto-intoxicações, e preparará o terreno orgânico onde medram e prosperam os micróbios, ensejando o desenvolvimento de doenças infecciosas, a disfunção dos órgãos, até a morte.

Vê-se, pois, como temos em casa, antes em nosso próprio corpo, aqueles longínquos equilíbrios cósmicos pelos quais não nos interessamos, porque nos parecem muito afastados. Temos, ao contrário, em nós, e nos revelamos, como tudo, o mesmo esquema do universo. E a ordem está em nós e em todas as coisas e a essa ordem devemos nós, e tudo deve, a existência. Na admirável distribuição de funções da economia da natureza, é ao princípio masculino que cabe a ação de precipitar, neutralizar e expelir tóxicos, toxinas, qualquer inimigo, todo resíduo da troca. A ele é confiada a luta para a defesa orgânica. Por isto os temperamentos nervosamente fortes, de mais alto potencial nervoso, tem maior resistência orgânica. Mas aí, se a sua função não fosse freiada e equilibrada pelo princípio oposto! Vimos o que sucede logo que os dois processos celulares de síntese e redução não se equilibram. Também o nosso metabolismo orgânico é uma luta, mas uma luta equilibrada. O princípio de dualidade e o esquema desse sistema de forças centrais e periféricas são uma lei universal. É esta universalidade que dá a toda manifestação do ser a forma de luta. Compreende-se assim como o próprio homem não possa fazer nada senão em forma de luta e como toda atividade assuma e não possa assumir senão essa forma. Ela nos indica a impossibilidade e o absurdo de querer eximir-se do esforço de medir-se com o próprio antagonista e como cada ser tem, naturalmente, conforme sua natureza, o seu próprio. Assim se explica como sem luta a vida se extingue. A gênese das defesas e da força que nos robustece está na luta. Conforme o que cada um é tem o seu paralelo e proporcionado antagonista, que o atrai e se deve medir com ele, para que se forme logo a hierarquia de quem manda e de quem obedece, segundo o seu valor, porque sempre e em qualquer parte as forças se dispõem naturalmente segundo o mencionado esquema sideral atômico. Essa é a lei do cosmo. Não há, portanto, outro recurso senão sermos fortes e premunidos, como nos quer a própria luta. Ou lutar e lutando ficar forte e vencer; ou servir e suportar, adaptar-se e, no caso extremo, morrer.

Esse diálogo do núcleo e protoplasma não é senão o diálogo do sexo, isto é, do macho e da fêmea. E também esse é um equilíbrio cósmico que está em nós. Não é por acaso, mas é em harmonia e obediência a esse sistema universal, que o macho e a fêmea possuem determinadas características, distribuindo-se-lhes diversas funções. Não é por acaso. mas é conforme à lógica e à sábia economia da vida, que o macho está apto para a guerra e a fêmea para a reprodução, que o primeiro mata para criar, e a segunda gera e acumula para que ele possa matar e destruir para criar. Isto demonstra que a vida não é um fim em si mesmo, mas meio para evoluir. E se o primeiro é inovador até à distribuição, e a segunda é conservadora até à extinção por inércia, a divina sabedoria os colocou juntos de propósito para se compensarem. Uma humanidade toda de homens matar-se-ia na luta; uma humanidade toda de mulheres acabar-se-ia na estagnação. Nenhum dos dois princípios saberia viver e poderia sobreviver sozinho. E eis-nos entre as paredes domésticas. O homem trabalha fora e leva para casa o fruto do seu trabalho, a mulher t abalha em casa e elabora aquele fruto, nos alimentos, cuidados e criação dos filhos. Este é o modelo, segundo o esquema da vida. A mulher operária, empregada, política, que luta contra o homem, é um aborto moderno, contra a natureza. Que o planeta se torne sol, o elétron vá ao centro do átomo, que o protoplasma se faça núcleo, isto é patológico, é subversão. Mas há compensação também aqui e o equilíbrio é salvo. O século atual, em que as mulheres são machos, deve compensar o do século do Setecentos, em que os machos de perucas e empoados eram fêmeas. Mas isto passará e retornar-se-á ao romantismo e então rir-se-á da atual mulher-macho, como hoje se ri do macho-mulher do século dezoito. Tudo se equilibra.

A coletividade tem a sua forma de vida masculina e feminina. Nos períodos de grande esforço inovador e evolutivo, tudo se dinamiza e se torna macho. E assim a fêmea. Nos períodos de estagnação no bem-estar, em que se colhe o fruto do esforço precedente, se assimilam e fixam os resultados, tudo se harmoniza, embeleza e refina e se torna fêmea; e assim o macho. Enquanto antes tudo era forte, mas rude, depois tudo se aperfeiçoa, torna-se gentil, mas também se debilita. Primeiro, a guerra e as revoluções, a vontade e a conquista, depois na paz as artes, a beleza e o amor. Assim se alternam, como o dia e a noite, fadiga e repouso, criação e assimilação, e com alternado trabalho, cada um repousando enquanto o outro se cansa, avançam espírito e matéria. O contínuo alternar-se dos dois períodos históricos, clássico e romântico, responde precisamente à lei do dualismo universal que reencontramos nos dois sexos. Trata-se de desequilíbrios sucessivos, necessários para o movimento evolutivo, que, porém, se compensando, sempre se equilibram. O mundo está hoje dividido neste sentido. De um. lado um totalitarismo tirânico, revolucionário, guerreiro, pobre e conquistador, do outro lado as livres democracias, pacificas, fartas e acumuladoras. De um lado o princípio comunista para tomar, de outro o princípio capitalista para conservar.

Ora, considerada em posição de equilíbrio e não como fase de transição, a vida da mulher, por sua natureza, reflexa, procura todos os seus motivos no macho em função do qual, como verdadeiro satélite, vive e funciona. Essa é a sua posição natural, o seu equilíbrio a que ela, naturalmente, sempre tem tendência para retornar. Somente ao macho a natureza dá a iniciativa. Ao satélite-fêmea cabe a obediência. E se, transitoriamente, arrastados pelo prevalecer do impulso oposto, o macho se adapta a funcionar como fêmea e ao contrário, isto sempre se dá por substituição. O deslocamento é acidental e transitório. A verdadeira mulher ama, o verdadeiro homem conquista. Na evolução, à frente está o macho e, atrás, seguem os satélites. Na ponta do trem está a máquina e não os vagões que, ao contrário, se deixam arrastar. Já que há tantas formas de evolução e tantas diversas altitudes, o progresso depende do que esse macho compreende. Se ele é ainda um involuído, fará a luta do animal para a seleção de um mais forte tipo animal. Se ele for evoluído, fará uma luta mais inteligente e civil, para a seleção de um tipo biológico mais elevado. Mas, em cada caso, a mulher não pode senão inserir-se no sistema do macho, senão seguir passivamente o elemento ativo. Quando quer se tornar ativa, fica naturalmente fora de fase e, não sendo munida pela natureza para essa função e luta, vem a encontrar-se em condições de inferioridade e naturalmente sofre. Se é mulher, não pode funcionar como núcleo. Isto é inato nela até nas profundezas celulares do seu organismo. O fato de ser escasso o poder oxidante da sua célula e, pois, reduzido o volume de energia que dela brota, constitui uma carência natural, insuprimível, até às suas últimas conseqüências, também nos planos superiores da psique. Por isto a mulher, essencialmente protoplásmica, tem necessidade de se completar, pedindo o poder dinamizante ao princípio nuclear masculino.

Eis-nos diante de novas e mais próximas aplicações do princípio de equilíbrio universal. Como compensa a mulher as suas reduzidas capacidades metabólicas, como vivifica a sua troca que é toda poupança, como age a sua célula acumuladora para tornar a se carregar de energia? Como pode comunicar com o princípio oposto para se recarregar? E ao contrário como pode aquele princípio oposto se descarregar nela? E qual o princípio regulador dessas trocas de opostos recursos e cargas? É evidente que os dois princípios opostos, o positivo e o negativo, para poder reciprocamente se compensar e, com isto, formar o equilíbrio, devem ser comunicantes. Vejamos como isto se dá. No mundo orgânico são os hormônios que, mais ou menos, excitam e, portanto, regulam o metabolismo e a atividade funcional de todo órgão. Eles são produtos das várias glândulas de secreção interna, mas sobretudo dos ovários e dos testículos. Os primeiros produzem os hormônios ovarianos aptos a excitar a função de reintegração e construção orgânica, os segundos produzem hormônios de grande potência oxidativa, dinamizante. A atração sexual é dada de um lado pela carência e, de outro, pela abundância desses hormônios e ao contrário para as de tipo oposto. Para atingir, através da compensação, o equilíbrio, eles tendem naturalmente para a troca. Reencontramos aqui, também nas leis do amor, aquele universal princípio de equilíbrio que tudo rege, nele reencontramos até o equilibrar-se da procura e da oferta, que é a base das nossas trocas e da ciência econômica. Para cada um, conforme o seu sexo e tipo, trata-se de adquirir de quem os possua em excesso os elementos necessários que lhe faltam, e de ceder os de que tem abundância a quem deles tem carência. Somente assim, cada um pode atingir um bom reajustamento da própria troca e de todas as conseqüentes funções vitais. Somente assim os dois desequilíbrios se reequilibram e as recíprocas carências se suprem e se saciam. Entre iguais (mesmo sexo) ou semelhantes (mesma família) não há atração, mas repulsão ou indiferença. É a troca que, através do ato sexual, em que se dá a absorção, permite a cada um dos dois sexos descarregar o próprio tipo de hormônios supérfluos e se refornecer dos hormônios de tipo e ação oposta. É através da troca sexual que a célula consegue pôr água no vinho e vinho na água, conforme sua natureza e necessidades, e assim regular o seu metabolismo, a sua vitalidade e funcionamento orgânico. Aqui não há espaço para expor em particular a modalidade dessa troca. Baste notar aqui as relações entre um não sábio uso do sexo e as alterações da troca e como, por excesso ou por defeito, se possa chegar a acumulações de escórias, a auto-intoxicações e enfim à debilidade e vulnerabilidade orgânicas, que, somando-se com a hereditariedade, vêm a constituir grande parte daquelas carências e predisposições ao assalto microbiano, que representam a hodierna delícia do mundo. Todo fato, também uma doença infecciosa, é sempre conexo às suas mais longínquas raízes.

Os erros, os abusos, em cada campo, justamente por essa lei de equilíbrio, é natural que se paguem. De qualquer natureza que sejam, exatamente porque são desequilíbrios, se devem reequilibrar. E reequilibram-se laboriosamente, saneando a própria desarmonia com esforço. Aquela é dor, este é fadiga e dor. Esta grande mestra da vida tudo sana e nos faz compreender. Essa é a medicina na ordem divina. Ela é amarga, mas é justa e cura. E nenhuma coisa é mais criadora do que uma dor compreendida. Onde quer que lancemos o olhar, encontraremos o bem e equilíbrio. Nestes exemplos, tomados ao acaso, temos visto atuar-se sempre o esquema universal de forças antagônicas e complementares, do problema máximo que parece ser o mais longínquo, ao sexual que está mais perto de nós. Somente enquadrados assim nos esquemas universais se podem compreender os problemas particulares.

Façamos uma última aplicação no campo espiritual. Todo chefe, em qualquer campo em que opere, é sempre um núcleo em torno do qual gravitam discípulos, súditos, exércitos, imitadores, clientes. Em toda manifestação coletiva, social, política, religiosa, econômica, intelectual, também as forças espirituais se distribuem metodicamente, segundo o esquema habitual de núcleo central e elétrons periféricos, rodando em torno à guisa de sistema planetário. O chefe, à semelhança de sol, sempre arrasta atrás de si a sua corte de satélites. O esquema de distribuição de forças no sistema do átomo, da célula, como no solar, é o mesmo, também nos sistemas políticos nos quais se ordena a sociedade humana. Os povos giram em torno de seu governo. Os dois são opostos e complementares, no âmbito da nação, eles lutam entre si, mas formam a nação que é uma unidade. Para que o sistema de forças se possa formar, é necessário que os dois termos sejam reciprocamente proporcionais e qualitativamente afins, de outro modo o equilíbrio e a simbiose não se formam ou se desmancham. Por isso os povos têm os governos que merecem e ao contrário. No grande organismo coletivo, nova unidade biológica do porvir, hoje em formação, o povo representa o protoplasma, a massa demográfica acumuladora de carne e de bens. O chefe é o núcleo que tudo move e dinamiza, mas que está, também, pronto a tudo queimar, para o progresso, nas guerras e revoluções. Dessa forma os dois termos se condicionam, se freiam, se equilibram reciprocamente. Depois de um esforço bélico ou revolucionário, os povos se recusam ao movimento inovador e se concentram, exaurido o esforço expansionista, na função de acumular. Chefes e massas funcionam subordinados e, como macho e fêmea, não se sabe quem mais comanda. Algumas vezes os povos mandam e os chefes obedecem. Quem guia a história não são, pois, nem uns nem outros, mas as leis da vida que guiam todos. Não há vontade humana que nos possa fazer sair desses equilíbrios e ordem. No interior de cada unidade há sempre luta e contraste, cada Eu (núcleo) está abraçado à sua contradição, e quanto mais ele é forte, tanto maior é a sua atração e tanto mais numerosa é a corte dos seus satélites, que são seus sequazes e também inimigos. Ao vencedor, todos rendem o obséquio da fêmea ao macho. É a homenagem da vida ao seu mais válido princípio, positivo, dinamizante, aquele a quem é confiada a evolução. Quem vence, é rei. Esta é a lei em todo campo.

Como vimos, tudo gira em torno de um centro. Deus, centro máximo, se reflete em infinitos centros menores, para baixo, até ao infinitesimal. Assim toda individualização reflete a Sua imagem e Ele é verdadeiramente presente em qualquer parte, até à última poeira do universo. O mais absoluto monismo é expresso na repetição do idêntico esquema, em todas as gradações e planos do ser, em todas as alturas da evolução. Assim o homem é feito à imagem e semelhança de Deus e em Deus o universo diz: "Eu", embora espedaçando-se em infinitas formas. Mas é no próprio Eu que está em tudo o que existe, que o ser encontra o seu centro absoluto e eterno, a sua divindade, momento e reflexo da Divindade Suprema, não importa quais e quantas formas transitórias ele possa assumir no tempo. Dizer que a forma está na periferia e o princípio animador no centro, significa que a forma gira em torno da substância, a criação em torno do criador, a matéria em torno do espirito, a manifestação em torno do ser, o efeito em torno da causa, o relativo em torno do absoluto, o móvel em torno do imóvel, o transitório em torno do eterno, a obediência em torno do comando da Lei de Deus. É tão universal esse esquema do ser que Deus mesmo o representa e nessa forma se nos manifesta. Assim Ele tem o seu termo oposto e complementar em Satanás, que o combate e no entanto gira em torno dele, e por Deus único motor, é arrastado. Satanás é o mal, é a negação que não pode existir senão em função do bem, a afirmação. Assim o mal gira em torno do bem e o erro em torno da verdade. Eles se condicionam reciprocamente. O mal é a condição da afirmação do bem, enquanto este é a condição da negação e destruição do mal. O bem, a verdade, está no centro, na substância, em Deus; o mal, o erro está na periferia, na forma, em Satanás. O dualismo que traz cisão e luta está na base do universo. Ele é dor, mas é também possibilidade de movimento e de ascensão: Ele nos aparece como uma fratura, mas o universo, com a evolução que vai de Satanás a Deus, tende ao próprio saneamento. Veremos, assim, que Deus dolorosamente se despedaçou para dar vida, em supremo ato de amor, a uma infinidade de seres que, por sua natureza não podem, verdadeiros satélites, fazer mais do que rodeá-lo, sempre atraídos e desejosos de se fundirem nele, de cair sobre seu próprio sol. O próprio Satanás, no extremo periférico oposto, não pode existir senão em função de Deus. Tirai Deus de Satanás: que é que este negaria? Tirai o bem ao mal: que é que este destruiria? Satanás é atado a Deus pela sua mesma existência e não pode existir senão como executor da lei de Deus. É ela, que confiou a Satanás a tarefa negativa da resistência, é ela que lhe manda, o enquadra na sua ordem, o constrange para os seus fins. No fundo, Satanás é o servo de Deus, como o mal é o servo do bem. Se bem que ao avesso, em forma de ódio e de revolta, Satanás é sempre um satélite ligado ao seu sol, que é a sua razão de existir.

Um último esclarecimento, antes de concluir. Se o sistema de forças é equilibrado segundo o esquema mencionado, como pode ele permitir o transformismo da evolução? Na realidade os dois impulsos opostos nunca se compensam exatamente e o equilíbrio jamais é perfeito.. Neste caso, ter-se-ia a estagnação. O equilíbrio ao contrário é oscilante, donde nasce o movimento. Entre os dois princípios, não há compensação perfeita, mas sempre uma carência que jamais se enche e se satisfaz, invoca o seu termo complementar, que persegue sempre sem nunca o alcançar. O que poderá parecer uma dor e uma condenação, é, ao contrário, a base do movimento e da evolução. O que parece um mal é um bem, porque representa uma infinita possibilidade de saneamento. A congênita insatisfação humana, essa dose de descontentamento que fica no fundo de cada prazer, está ali para nos indicar que ele nunca é o último termo da satisfação e que há outro mais adiante e que é preciso subir para uma felicidade sempre maior. Se houvesse a felicidade com que se sonha e a saciedade completa como se quereria, tudo então, pararia. No momento em que os dois opostos se atingissem plenamente, as carências e lacunas estariam preenchidas; naquele momento, cessaria o movimento, a vida, a ascensão, tudo. Um pequeno desequilíbrio é necessário no sistema, mas também este é dosado para atingir os fins para os quais existe. Se o sistema de forças se rege e "é", enquanto é equilíbrio, como unidade estática, ele se move e se pode transformar enquanto é também, numa dada proporção, desequilíbrio (unidade dinâmica). Proporção regulada por ela, resíduo dosado em relação aos impulsos do sistema.

Uma conseqüência, como conclusão. No nosso mundo tudo é carecente, incompleto, mas há ao mesmo tempo tudo quanto basta para suprir a carência e completar o incompleto. Basta procurá-lo. A solicitação é feita para ser satisfeita em grande parte, menos um resíduo de carência sempre não preenchido que forma aquele desequilíbrio e movimento necessário para evolver. Do completamento surgiria a felicidade que é a resultante da harmonia. Mas uma vez que esta nunca se alcança de todo, porém está sempre em formação, assim é para a felicidade. Se tudo existe e basta encontrá-lo, o caminho para suprir, se não todas, ao menos grande parte de nossas carências, está aberto. Ele é a vida das permutas. Dai a sua necessidade e utilidade. Todos têm necessidade de receber alguma coisa, mas têm também algo a dar. Procurar é achar. A permuta corresponde aos princípios de equilíbrio e harmonia que regem o universo. Trocas de todo gênero, agrícolas, econômicas, intelectuais, orgânicas. O isolamento egoísta mata. A permuta é genética. É através dela que a vida se recupera e reconstitui suas perdas. O principio utilitário corresponde, nesse caso, a um princípio de fraternidade e de solidariedade. O método evangélico corresponde à grande lei do equilíbrio universal e exprime uma insuprimível necessidade bio ógica. Sinergismo cósmico, divino monismo do todo. Cada um necessita do próximo e quem não o ama dele se afasta. Para receber, é preciso dar e ilimitadamente receberá quem ilimitadamente tiver dado. De um modo ou de outro, todos se procuram para se fundirem. E quando se odeiam e se combatem, é porque eles se procuram sem ainda se conhecerem; mas não reconhecendo ainda, não sabem fundir-se, porque não acharam a sintonia, a nota comum da simbiose. Também os dois sexos lutam para conseguir a fusão. A vida é regida pelo amor, e o ódio não é senão amor malogrado. Na luta corpo a corpo, como no amor, termina-se, igualmente, em abraços e com espasmo. A lei do ódio é a mesma lei do amor, seja embora do lado negativo, de corrente invertida, mas o princípio é uno. Tudo gira, no direito e no avesso, em torno de um mesmo centro e qualquer que seja a direção do seu giro, tende e quer, por lei divina, seja pelo caminho do amor positivo, seja pelo negativo, unificar-se em Deus.

Quem chega a penetrar no mundo das causas e nele descobre a substância das coisas, fica atordoado pela maravilhosa perfeição com a qual tudo harmonicamente funciona, do plano da matéria (equilíbrio) ao do espírito (justiça). Todavia o homem comum pode levantar muitas dúvidas a respeito da liberdade da semeadura por parte do espírito, da qual depois tudo depende de nós até à última conseqüência. A filosofia se debate entre os dois escolhos do determinismo e do livre-arbítrio sem saber se decidir exclusivamente por nenhum dos dois. O problema é solúvel somente tendo-se em conta que a evolução desloca a vida ao longo de vários planos de existência, e que há leis imperantes em cada um deles, pelas quais o determinismo próprio da matéria evolui na liberdade própria do espírito e ao contrário. A liberdade é concedida ao conhecimento, à consciência e sabedoria, o caminho forçado é ligado à ignorância, à inconsciência capaz de abuso. Determinismo e livre-arbítrio não representam senão os dois extremos da escala evolutiva que o homem percorre, a qual, partindo da matéria, atinge o espírito.

Já vimos no cap. 13: "Problemas últimos", do volume: A Nova Civilização do Terceiro Milênio, que, se evoluindo se vai sempre mais para a liberdade própria do espírito, aumentando com isto, também, o conhecimento, essa liberdade sempre maior se resolve em uma sempre maior aderência à Lei. E vimos, também, que, se involuindo se vai sempre mais para o determinismo, próprio da matéria, e com isto se perde liberdade e conhecimento, ainda, deste lado, tende-se para uma posição sempre menos livre e mais determinista. A tendência de ambos os lados, seja na subida, seja na descida, é que a liberdade se resolva em determinismo. Esta parece uma característica da fase experimental da evolução, quase um parêntese no universal determinismo da Lei. Porém os dois determinismos, o positivo do ser consciente que perde espontaneamente a sua liberdade para se fundir na vontade da Lei de Deus, e o negativo do ser inconsciente que a perde compulsoriamente, porque aniquilado qual rebelde à Lei de Deus. Estão nos antípodas duas fases extremas, igualmente resolutivas, mas em posições opostas. De modo que, como suspenso entre esses dois extremos em um universo determinístico, o ser oscila dentro de um campo de relativa liberdade limitado às necessidades da sua experimentação, formadora da sua personalidade. Acima dele, evolutivamente mais no alto, há o determinismo do evoluído que, tendo compreendido toda a sabedoria da Lei, não pode fazer outra coisa pelo princípio do mínimo meio e maior rendimento do que se uniformizar com ela. Abaixo dela, evolutivamente mais embaixo, o ser tem o determinismo da matéria que, nada sabendo da Lei, não pode dela fazer mais do que lhe obedecer cegamente, arrastado por ela.

É assim que, não obstante o desejo humano, ilimitado, de liberdade, ele encontra limites a cada passo. O primeiro limite ao livre-arbítrio é a nossa ignorância. Voltamos à dúvida inicial. Como escolher quando não se conhece? Pelo menos tudo é limitado ao pequeno campo do conhecimento humano. Se conheço o princípio de causalidade, não posso saber qual será o efeito preciso de uma determinada motivação minha. Embora eu preveja e calcule, nunca poderei saber com exatidão aonde, partindo daquele meu primeiro impulso, irei acabar, tantos outros impulsos desconhecidos agem sempre na determinação dos efeitos.

Um segundo limite é dado pelo desenvolvimento determinístico imposto pelo princípio de causalidade. Todo estado precedente, amadurecendo, tende fatalmente a produzir um efeito conseqüente; o que é conhecido e existe há de desenvolver-se na forma em que foi gerado e à qual está ligado. Uma força, uma vez lançada, não pode parar senão até chegar à sua exaustão. Desse fato nenhum livre-arbítrio pode fugir. Todo o passado, pois, nos liga ao que fornos e ao que fizemos. O que semeamos, devemos colher. Assim se forma a base determinística e fatal da vida, que se chama destino, que nós mesmos, no passado, deixamos como nosso legado, e que hoje reaparece ligado a nós, qual férrea necessidade.

Um terceiro limite é dado pelo determinismo de lei das coisas materiais. O ambiente representa um feixe de impulsos exteriores e estranhos ao Eu agente, os quais vão inexoravelmente pela sua estrada, muitas vezes lhe barram o caminho e lhe impõem desvio, atravessando a sua trajetória.

O    que permanece livre dessas amarras constitui o livre-arbítrio. É todavia certo que o Eu representa um impulso autônomo, ainda que no seu manifestar-se deva ele sofrer tantas limitações. Mas que pode fazer uma força em ação entre outras tantas forças em ação senão agir, ressentir-se e reagir com elas, combinando-se? Ninguém, porém, pode impedir ao originário livre impulso humano dar à ação um cunho próprio, qualquer que seja depois a modalidade em que se deva desenvolver ou venha a ser torcido pelos limites que assediam o seu livre desenvolvimento. Todo ato nosso fica sem dúvida individualizado com características fundamentais, pelo primeiro livre impulso que, portanto, continuará a acompanhá-lo até o fim, se qualquer fato depois não vier desviá-lo da rota. Qualquer coisa de semelhante acontece na formação dos cristais, que mantém o seu tipo ainda que impedidos pelo ambiente. Assim das características originárias de todo ato nosso dependerá também a natureza das forças atraídas e das reações estimuladas, de modo que daquelas características nada se perde, ainda que devam depois ser alteradas. Em suma, há uma luta de forças e a mais forte vence. Se a nossa vontade fosse verdadeiramente potente e iluminada, então o livre-arbítrio poderia vencer tudo. Como se vê, esta não é questão abstrata de liberdade, mas também de poder.

Se refletirmos, veremos que esses limites são providenciais, desejados por uma Lei sábia que tudo guia para o bem. Se o primeiro impulso do livre-arbítrio humano foi lançado conforme a ordem das coisas, ele será enquadrado nessa ordem como num seu natural elemento e com isto encontrará todos os caminhos abertos para o seu desenvolvimento. Se, ao contrário, aquele primeiro impulso houver sido contrário à ordem das coisas, ele será contrastado por forças que o procurarão corrigir, forçando-o e levando-o àquela ordem. Isto significa um processo de correção do erro; poderá constituir dor, mas é uma vantagem e uma salvação para o caminho do bem, que deve fatalmente triunfar conforme está estatuído. É preciso compreender que tudo está sabiamente dirigido por uma lei sábia e que ser reconduzido a ela embora pelo caminho da dor, significa salvação. Aquela central genética, que é a nossa livre vontade, não pode, não deve, para o nosso bem, produzir impulsos de desordem na ordem universal e, se os produz pela sua ignorância, eles devem ser corrigidos e reconduzidos para a ordem. Não pode ser permitido que eles invertam a ordem universal. Se o homem, nessa sua livre gênese de atos, repete o gesto criador de Deus, esse gesto deve ser disciplinado para colaborar no plano da criação e não tender a invertê-lo. Eis por que esses limites e liames do livre-arbítrio são salutares. Ele, pois, há de ser sempre entendido em função da ordem universal, que não é possível violar, e jamais como arbítrio desordenado e absoluto.

Como se vê, o problema está conexo com outros, como aquele do timbre e da potência do nosso querer (impulso originário), o da inflexibilidade da ordem da Lei, enfim, o que disto deriva, da responsabilidade e conseqüências. Certo é que o gesto criador do homem, que repete em ponto pequeno o princípio da criação, pode também assumir na sua liberdade a forma de rebelião, de anti-Lei e anti-Deus. Se o poder do querer da criatura é grande, então se torna também grande o conflito com a inflexibilidade da Lei e surge uma luta na qual esta vence e o rebelde, se não se modifica, fica autodestruido. E aqui o problema se coliga com o do bem e o do mal, bem como com a sua função final, conforme já temos tratado alhures. Agora, postos os dois termos, livre vontade humana e universal Lei inflexível, e a possibilidade de um conflito entre elas, dessa realidade deriva a responsabilidade humana, pela qual, se a liberdade ofende a Lei, esta corrige suas conseqüências. Essa responsabilidade nasce do princípio de ordem e de reação da Lei à desordem, o que conduz às sanções. A responsabilidade é proporcional à liberdade, isto é, a possibilidade de violação; mas se a liberdade for bem usada, não contrariando, mas seguindo a Lei, então a responsabilidade jamais conduz a reações dolorosas. Não pode ser de outro modo na lógica do sistema.

Um exemplo. O primeiro momento da ação é o desejo e a motivação. Um é dado pelo meu temperamento, a outra é limitada pelo meu conhecimento. Todavia nos limites desse determinismo dado pelo meu passado, do qual derivo, e dentro daqueles do meu conhecimento, sou livre. Escolherei naquele âmbito um determinado tipo de força e o lançarei em uma dada direção. Se esta escolha deriva dos meus precedentes, dela por sua vez dependem todas as conseqüências. Minha responsabilidade cobrirá o campo de todo esse interesse composto. E isto é justo porque, se tudo hoje se origina, como conseqüência, de precedentes aos quais está ligado o efeito por princípio de causalidade, no seu início aqueles precedentes foram sempre livremente desejados. Com isto determinamos os limites da responsabilidade, os quais, seja também na forma do interesse composto, não vão jamais além do que foi livremente desejado. Intervém, então, o determinismo do ambiente com a influência dos seus impulsos. Dar-se-á o encontro e a resultante será dada pela natureza e potência do meu impulso e pela natureza e potência dos impulsos do ambiente, tudo combinado juntamente. Toda força tende a seguir o desenvolvimento da sua trajetória, conforme sua potência e natureza, e todas interferem, combinam-se e não permanece senão a resultante de todos os seus encontros. O desenvolvimento é sempre e em todo lugar disciplinado pela Lei que ferreamente enquadra no determinismo universal toda oscilação do caso individual, a qual é admitida somente pela necessidade da experimentação indispensável à formação da consciência. Assim a ignorância de quem lança o primeiro impulso é prevista no sistema e, se ela leva para a desordem e o mal, é logo corrigida com a dor que ensina, educa e restabelece a ordem. É assim que se elimina a ignorância do ser que caminhou para o seu mal, sem o saber.

Desse modo, ele escolherá depois os melhores caminhos do bem, sempre mais, à medida que através desta escola cresce o conhecimento.

É assim que, evoluindo o ser, aumenta a sua possibilidade de agir livremente sem dano, isto é, conforme a Lei. Aumentando com a ascensão a potência e o conhecimento, também aumenta a liberdade, que de fato se sente ser uma qualidade do espírito e não da matéria. Mas trata-se de uma liberdade consciente, por isto espontaneamente aderente à Lei, pela qual a evolução consiste na passagem do determinismo físico dos mundos inferiores ao determinismo espiritual  dos mundos superiores através de uma oscilação, dita livre-arbítrio, permitida com fim educativo. Se o ser involui, está retrocedendo para um determinismo sempre mais férreo, de reações sempre mais enérgicas, mais adequadas à ignorância e insensibilidade do involuído que, dessa forma, pode ser abalado com golpes proporcionalmente violentos e que somente por estes pode ser induzido a evoluir. De fato, se o homem atual encarna na matéria, é porque ele ali encontra as resistências bem duras que lhe são adaptadas, para que nelas se possa exercitar e temperar. Disto decorre o quotidiano contraste, de todos bem conhecido, entre aspirações e ilusões em um ambiente que dificilmente se deixa vencer. De tudo isto se compreende que enorme vantagem represente, para alcançar a alegria e evitar a dor, o adquirir consciência da Lei, para saber depois movimentá-la, vivendo-a. Por isto é que nestes escritos se repisa tanto este ponto, que é o problema fundamental da vida e o único remédio a todos os males. Quem compreendeu não pratica mais o mal e assim se livra da dor. Eis a solução de todos os problemas. O homem é destinado ao domínio, mas é preciso que aprenda antes a mandar.

Compreende-se então como com o conhecimento aumenta a responsabilidade e com o poder a grandeza dos efeitos do erro. Mas igualmente aumenta a ilogicidade da prática do mal, o seu absurdo, que o torna sempre menos possível, porque quanto mais se sobe tanto mais se sabe que ele leva à dor e o instinto da alegria está escrito no ser. De modo que esse aumento de responsabilidade, que poderia produzir eleitos desastrosos para o involuído, que se entrega ao mal, na prática não é perigoso porque e equilibrado pelo conhecimento que tudo guia e ilumina. Com este o homem compreende a bondade da Lei e o próprio interesse em segui-la; torna-se desse modo, ao invés de antagonista de Deus, cada vez mais Seu colaborador. Esse é o sistema da Lei que, assim, tudo atrai a Deus. Dada esta estrutura, isto se torna fatal. É assim que o ser passa do determinismo coagido e inconsciente da matéria, ao determinismo livre e consciente da Lei de Deus, que impera e triunfa em qualquer parte. No fundo reina sempre o absoluto; e o determinismo que o exprime não faz senão mudar de forma. O ser que evolui em conhecimento tende automaticamente a limitar a maior liberdade que dele resulta e, em vez de servir-se dela para cair na anarquia, reorganiza os seus livres atos de acordo com a Lei. É assim que o maior poder e liberdade conexos ao conhecimento não se resolvem em desordem, mas em uma ordem sempre mais elevada. Tudo, pois, se reduz à passagem de um determinismo coagido e inconsciente, como convém a quem não sabe, a um determinismo livre e consciente, como convém a quem sabe. Então o ser faz para si a vontade de Deus, seguindo-a livremente.

O    sistema é tão perfeito que a liberdade não pode nunca trazer desordem, pois que ela nasce sempre em proporção ao conhecimento. Logo que a liberdade, porém, seja usada em sentido contrário a ele, nasce o erro e, pois, a dor que reconduz o indivíduo para a Lei e assim, automática e fatalmente, toda liberdade de que se haja abusado fica mutilada e reconduzida aos mais restritos limites precedentes. Mas, por esta experiência de dor o conhecimento se dilatará, permitindo uma amplificação da liberdade que ficará dilatada se dela não se fizer mau uso, renegando o conhecimento adquirido. O sistema de forças, com suas sábias reações, constitui o trilho e contém a escala automática da evolução.
   
A liberdade, como é usualmente entendida, como arbítrio, sem conhecimento, não pode levar senão ao erro e à dor enfim à sua perda automática. Muitos procuram a liberdade no abuso e na licença. A sua ignorância os faz cair na cilada. A Lei de Deus os espera na passagem; espera-os o erro, a dor e a perda de liberdade. O melhoramento esperado torna-se ilusão. Dentro da Lei, com a força não se sobe, mas com o mérito; inútil é impor-se, quando não se sabe agir. Não se vê a lei, ela se esquiva ao ignorante; mas não se pode fraudá-la. O rebelde, pois, é destinado a recair na dor para aprender. Assim quer a Lei na sua bondade; repele-o para o seu plano, para o seu bem. A Ordem sempre vence Qualquer que seja a força e maldade humana, a justiça triunfa; Satanás, o rebelde, está confinado no seu inferno. Cada liberdade desproporcional, perigosa para o ser, porque é superior ao seu conhecimento, lhe é imediatamente retirada. Satanás tem poder apenas até onde Deus quer; é escravo do mal e é ignorante diante do céu. Logo que o ser abusa da liberdade, é levado de novo pelo seu próprio erro ao esforço da experimentação, porque através dessa única via ele pode subir pelo caminho do conhecimento e da liberdade. A quantas dores se poderiam libertar os involuídos, se conhecessem esse simples mecanismo da Lei! E quanta bondade e sabedoria esta demonstra ao constranger o homem, sob o seu látego, a ascender em direção ao seu bem e à sua felicidade! Quanta sabedoria ao tirar dos inferiores uma liberdade que, sem conhecimento, seria para eles um perigo! É salutar que quem vai em op sição à Lei, mesmo quando domine, não encerre em seu punho senão ilusões. Negar liberdade aos inconscientes, significa salvá-los do perigo de um mais grave abuso, portanto de um desastrado erro e de uma terrível dor. Há nisto, ainda, uma admirável economia dinâmica. Nova liberdade é concedida somente quando o ser, por exuberância de forças, se permite esse risco; pode, pois, após um período de bem-estar, enfrentar novas dores construtivas (guerras e revoluções) quando então possui, em suma, uma margem de forças suficientes para submeter-se ao duro trabalho da experiência para conquistar nova consciência.

Esta nova concepção do livre-arbítrio, entendido como limitada oscilação da atividade do ser, num universo absolutamente determinista, nos permite compreender os últimos resultados da ciência. O problema do livre-arbítrio e determinismo pode ser situado, e a estrutura unitária e analógica do universo no-lo permite, também na mais moderna física estatística e quantística. Estabelecido o paralelo entre o mundo espiritual e material, poderemos dizer que a liberdade de ação do homem no seio das leis que o governam corresponde à liberdade de movimentos dos elementos componentes no mundo da física atômica. Em ambos os casos, trata-se de uma oscilação em campo limitado, de uma liberdade relativa que desaparece no determinismo, logo que a observação seja levada, do caso particular (observação ultramicroscópica) ao da unidade coletiva do qual ele faz parte (observação macroscópica). Eis que em todo caso o livre-arbítrio, propriedade de cada elemento, está fechado em um determinismo macroscópico que aparece imediatamente logo se suba das pequenas diferenças individuais até colher as características comuns que reúnem em uma só lei todos os elementos componentes. Ela é a lei dos grandes números, própria da massa e não do indivíduo revelada estatisticamente. Assim se explica como, sob o determinismo da velha física mecanicista clássica. se esconda uma aparente livre desordem. O ser, deixado livremente à sua experimentação, É retomado na ordem do determinismo, em um plano mais alto. Assim, por exemplo, cada um come a seu modo. mas todos comem. Das folhas de uma árvore, não há duas idênticas, mas todas são do mesmo tipo, modelo e princípio. A oscilação individual não pode mais alterar o determinismo da Lei, na qual fica sempre enquadrada toda liberdade do indivíduo.

Tudo isto significa que, se na natureza individual estão escritas pequenas diferenças na aplicação e formulação da Lei geral, que é determinista, no indivíduo está, todavia, escrita, muito mais a fundo, também a substância da Lei que dessa forma reconduz todos a ela através das características dominantes, que a exprimem. Ora, pelo princípio das unidades coletivas, sendo as individualizações do ser ordenadas hierarquicamente, com os grupos, o são hierarquicamente também as  respectivas leis, de plano em plano de existência, de modo que o campo de oscilação livre de cada caso é sempre relativo à unidade    individual. Entende-se que, em qualquer nível, esta é individual diante da unidade coletiva do plano superior, enquanto é coletiva diante da unidade individual do plano inferior. Liberdade que está sempre enquadrada no determinismo da unidade superior, e que é livre somente enquanto é elemento inferior componente de uma outra unidade superior, que, relativamente ao inferior, é sempre determinista. Tal é a lei do grupo, enquanto livre é a do indivíduo. Assim em toda unificação se verifica uma reordenação determinista e cada ascensão para Deus constitui uma mais firme adesão à Sua vontade absoluta.

Tem-se, assim, aos poucos, o tecido que forma esse grande organismo, que é o universo. Como o elétron é o elemento componente do átomo, este da molécula, esta da célula, esta dos tecidos e estes do organismo, assim o pensamento de um indivíduo na sociedade humana é o elemento de um mais vasto pensamento coletivo no qual se somam as características psicológicas dominantes nos componentes. Te-    remos, então, u‘a massa humana que sente com um pensamento e uma única psique, e muito mais de forma determinista que no caso do indivíduo singular. Uma observação macroscópica não nos daria senão os resultados deterministas da psicologia coletiva, enquanto uma microscópica nos daria aqueles livres da psicologia individual. Pode-se, portanto, observar com diversa amplitude visual, não somente a matéria, mas qualquer outra unidade coletiva, obtendo-se os mesmos resultados, quer dizer: livre e limitada oscilação no caso singular da unidade inferior e determinismo no caso coletivo da unidade superior. Isto conforme a sua estrutura hierárquica, em todo nível evolutivo, para todas as unidades.

Compreendidos esses princípios, cada um os poderá controlar nos fatos e deles tirar conseqüências. Aplicando os conceitos sobre o livre-arbítrio à estrutura da matéria, pudemos conciliar, como acima mencionado, o determinismo da velha física mecanicista clássica com a indisciplinada irregularidade de ação que nos aparece no fundo da matéria, segundo a moderna física estatística e quantística. Pudemos compreender, outrossim, como se pode passar de um campo de forças regulado, conforme o princípio do livre-arbítrio a um regulado pelo determinismo. Com isto desenvolvemos estes dois conceitos já assinalados em A Grande Síntese, no cap. 66: "Rumo às supremas ascensões biológicas" e em A Nova Civilização do Terceiro Milênio, no cap. 24: "O nosso livre destino".

Uma última conseqüência que nos toca de perto. Tínhamos dito que um dos limites do nosso livre-arbítrio é o princípio de causalidade ao qual o nosso passado nos liga e o que semeamos devemos colher (segundo limite). Dado que todo momento é o efeito do precedente, como é causa do seguinte, nós não estamos, apenas, livres como causa, mas estamos, ainda, ligados como efeito. Esta é, em nossa vida, uma zona de determinismo. Ora esta se manifesta através dos instintos que representam as qualidades adquiridas, no bem ou no mal, no passado com a própria experimentação. A parte da vida mais sujeita a funcionar por instinto, a menos reflexiva, é a primeira, isto é, a juventude. Então, pode-se dizer que na primeira metade da vida o homem antes obedece fatalmente às conseqüências do passado e não está em estado de iniciar lançamentos de novos impulsos. De modo que, enquanto na juventude espontânea e irrefletida se age impulsivamente, como efeito do passado, aplicando-se somente os resultados ou os totais de fechamento do balanço da vida precedente, na maturidade, que é mais consciente e reflexa, se age mais como causa nova, semeando-se para o próprio futuro, mais que suportando-se as conseqüências do passado; age-se corrigindo as trajetórias e iniciando o lançamento de novos impulsos causais. As ações dessa segunda metade da vida obedecem, pois, melhor ao livre-arbítrio, enquanto as da primeira metade ao determinismo.

Como que sendo quase a confirmação de tudo isso, encontramos uma confrontação em correspondentes formas analógicas no plano físico. O indivíduo recebe por hereditariedade e adota um organismo para o qual a sua personalidade espiritual foi atraída por afinidade, mas que é o resultado da evolução biológica, uma espécie já de determinismo orgânico hereditário, isto é, um organismo físico já fixado em uma forma, como, em outro plano, é o seu destino que exprime o seu passado. Então, como no caso acima exposto, também aqui o indivíduo suporta essa forma física hereditária na primeira parte de sua vida, para transformá-la com a contínua pressão do seu espírito, pelo que as suas idéias dominantes acabam por se imprimir na carne, exprimindo-se em características somáticas. Assim, como é corrigido, conforme a nova vida quer, o precedente resultado espiritual agora fixado no destino, é corrigido também o precedente resultado material fixado no organismo físico. Sempre em qualquer parte, paralelismos e analogias. De modo que, como na vida a vontade pode corrigir um destino adverso, assim pode corrigir também uma fisionomia triste, fazendo nela transparecer finalmente a interior beleza, se esta verdadeiramente existe, e ao contrário. Assim a nova vida seja espiritual, seja física, se implanta diretamente nas conseqüências da precedente, e é lógico que a nova seja a continuação direta da velha, segundo um mesmo e contínuo desenvolvimento de forças. Desta sorte, a maturidade, mesmo recolhendo, fixadas no período atual de existência, as conseqüências da precedente, pode, na plenitude das suas forças e da consciência adquirida, melhor corrigi-las, seja guiando-as, seja sobrepondo-lhes iniciativas novas. Poder-se-ia, assim, chegar ao conceito que a massa biológica, isto é, dos corpos ou formas da vida, seja um material biológico comum que evolui porque progressivamente elaborado por todos os Eus que, sucessivamente, com eles vestindo-se em suas vidas, assumem a forma da sua manifestação. E isto exprimiria a ação evolutiva do espírito sobre a matéria e a razão da necessidade de esposá-la na vida física, porque o espírito está à testa e tudo ele deve fazer subir consigo para Deus. Quando se compreende a estrutura do sistema universal, tudo parece justo e lógico — e a limitada concepção de uma vida, curta, fechada entre a vida e a morte, é substituída por outra, vasta, de uma vida eterna.

Concluindo esta visão, antes de passar a outras, o livre-arbítrio nos aparece, pois, como uma pequena irregularidade que não viola o determinismo universal. É no seu seio e enquadrada no seu âmbito que é admitida esta limitada anomalia própria da imperfeição que deve ainda operar a perfeição e que através da incerteza da experimentação a vai procurando. Existem dois mundos, o absoluto e o relativo, o perfeito e o imperfeito. Parece que o determinismo próprio do primeiro se despedaça no segundo para escopos contingentes e transitórios, superados os quais ele volta a unificar-se no próprio determinismo. O livre-arbítrio domina a zona das formações e depois cessa, correspondendo à zona da consciência, que é também das formações, fechada também ela no inconsciente humano, subconsciente embaixo, superconsciente no alto, mas sempre inconsciente, isto é, abandonado à sabedoria da Lei. Semelhantemente, o infinito, verdadeira dimensão universal, se avizinha da nossa mente, deixa-se perceber e medir, tornando-se nosso domínio no breve trecho limitado do infinito, para depois fugir-nos de novo como infinito, do lado oposto de onde veio. O finito, como a humana consciência que, no fundo, diante da sabedoria de Deus, é inconsciência, como o livre-arbítrio, não é senão uma nossa dimensão relativa e transitória, diante da verdadeira, na qual ela está fechada e em que tudo recai e se completa. Eles não representam senão a dimensão-limite, diante da dimensão sem limite, que é o infinito, a consciência da Lei ou sabedoria de Deus, o determinismo. De um lado o limite e do outro o sem-limite. A nossa perspectiva parte do limite e o lado oposto nos aparece negativo, um sem-limite. Não sabemos conceber o infinito senão pelo lado negativo, senão como um não-finito Assim a consciência humana não pode conceber senão no limite. Ela representa um ponto de conhecimento que, diante de uma infinita sabedoria divina, é ignorância, como o finito é sempre inadequado diante do infinito. O verdadeiro, à  semelhança dos aspectos observados, provindo do infinito da intuição, fecha-se diante de nós, em uma seção sua, em nosso pequeno campo racional, que lhe analisa os particulares, sem capacidade de síntese. Embaixo e acima do racional, há a intuição; embaixo, há aquela axiomática das premissas; no alto, há aquela sintético-conclusiva do gênio. Ela pertence ao segundo mundo, o do infinito, da consciência da Lei, do determinismo, do absoluto, de Deus.

Iniciamos este volume partindo da psicologia do involuído Desse ponto é que se iniciou a nossa ascensão, estudada anteriormente a um simples caso vivido, experimentalmente observado. Depois, para tomar o impulso a uma ascensão mais vasta, dilatamos a observação a  todo o plano inferior da animalidade, para ver suas leis de luta e seleção para a produção do seu tipo mais forte, de acordo com a biologia daquele plano. Enfim, no precedente capitulo, para passar ao plano mais alto e à sua biologia, pusemos em foco a observação do fenômeno da metamorfose do humano ao super-humano, mas não mais, como antes, numa particularidade, mas estendendo o estudo até à visão das leis gerais do fenômeno que o regulam para todos. Alcançado esse ponto, podemos estender o nosso exame à mais íntima técnica do mais vasto fenômeno de toda a evolução. É maravilhoso observar o método pelo qual funciona e se cumpre, pois que ele exprime a técnica do processo da criação, o sistema com o qual se realiza a perene ação criadora de Deus. Este, pois, além de transcendente, é também imanente e presente, qual pensamento que sempre mais perfeitamente se exprime na forma evolvente, em que ele se manifesta. Também este fato é aqui relatado por meio de visões percebidas por intuição. Elas assim se fazem sempre mais vastas e profundas, à medida que o argumento se desenvolve, fazendo-nos ascender de plano em plano, que nos levará a compreender o espírito e a sua estrutura. Do fato que tais concepções são obtidas, não por análises com método racional objetivo, mas por síntese com o método da intuição, deriva a sua força, segundo a qual elas são aqui apresentadas. Enquanto a mente moderna se demora na investigação do particular e na infinita casuística, aqui se concebe por grandes linhas de orientação, indo, assim, diretamente às soluções dos problemas e às raízes dos fenômenos, mostrando seu funcionamento substancial. Assim sendo, a nossa exposição não pode assumir, conforme a hodierna forma mental objetiva, a forma periférica aderente aos efeitos, mas é central, aderente as causas As deduções, as aplicações ao caso particular, o íntimo e incomunicável controle experimental que o autor fez por si mesmo, depois qualquer um poderá fazê-lo em si e por si.

O   precedente exame da metamorfose humana ou catarse físico-espiritual, nos tem levado plenamente ao fenômeno da evolução, de cuja técnica nos propomos agora aprofundar a observação. Devemos aqui presumir o conhecimento do problema da personalidade humana tratado no precedente volume: A Nova Civilização do Terceiro Milênio. Trata-se aqui de desenvolver aqueles conceitos, especialmente com relação à evolução. Vimos que espírito e corpo são os dois extremos de um mesmo organismo, os pólos inversos de uma mesma unidade. As características do corpo são físicas, as do espírito, psíquicas. De um lado qualidades materiais sensorialmente ponderáveis, de outro lado qualidades imateriais, imponderáveis. Assim é pelo princípio universal de dualidade e por lei geral de equilíbrio, simetria e complemento, pelo qual cada individualidade é uma unidade equilibrada e simétrica feita de duas unidades inversas complementares. Essas duas partes do organismo único dividem entre si, conforme sua natureza, o trabalho e a função da vida, sendo opostas e ambas necessárias. Assim, o dinamismo biológico, base da evolução, se divide em dois. O corpo trabalha no exterior, em uma forma de atividade periférica e sensória; ocupa-se pois do registro das experiências e da transmissão ao centro que está no outro polo do ser. O espírito, que é íntimo, central e sensitivo, é o ponto de chegada daquela atividade. Ele trabalha no interior, em forma inversa que completa a primeira, que, sozinha, não teria finalidade. Ele elabora e fixa os registros que lhe são transmitidos, os assimila e os transforma assim em material construtivo da personalidade. Somente dessa maneira a vida física assume um significado e uma meta; e esta é a evolução, que significa contínua conquista da vida.

Os dois termos são necessários um ao outro; o corpo como instrumento do espírito, e o espírito enquanto dá significado, valor e direção à  vida do corpo. A colaboração é possível enquanto os dois   termos e os seus trabalhos são opostos e, ainda que rivais, não valem senão enquanto ficam ligados para se completarem. Esses princípios gerais definem logo a estrutura do complexo humano, no seio da qual podemos assim ver já como funciona o dinamismo biológico do qual se desprende a ascensão evolutiva. Temos então dois campos de força opostos que, como no amor e no ódio, que é o amor no negativo, se abraçam para se sobrepujarem, logo que um dos dois seja menos forte. Também, como nos dois sexos, nenhum pode operar isolado. O espírito sozinho não teria expressão e contatos no plano físico que, embora sendo ilusório, através da ilusão dos sentidos, tem de transmitir à consciência experiências que no seu campo são bem reais e necessárias à consciência para a sua formação. Sem o espírito ao corpo faltaria o dinamismo animador e não seria senão um cadáver. Como sempre, todo trabalho genético não se pode verificar senão por junção dos dois termos contrários.

Qual é a relação entre os dois termos? Eles estão, na correlação de causa e efeito, em íntima colaboração, se bem que contrários. O motor, o princípio centralizador, o Eu uno, sempre o Eu uno através das suas contínuas transformações, é o espírito, intuitivo e sintético. O seu meio e expressão é o corpo, imerso no múltiplo, relativo e contingente, constrangido a uma contínua troca e renovação para suprir a sua caducidade, feito de um contínuo tornar-se e sensorialmente analítico. É justamente essa contradição que os obriga a se unirem e se completarem. É erro, pois, considerar o homem somente como espírito, ignorando e desprezando o corpo como fazem alguns espiritualistas e místicos, ou considerar o homem só como corpo, ignorando e desprezando o espírito, como fazem os materialistas. A vida nunca é unilateral, desequilibrada, assimétrica. E se há contraste entre os dois termos, assim é para um escopo construtivo, uma luta que se deve resolver com a evolução. Se para o normal vigora a norma áurea da "mens sana in corpore sano", para quem vive a metamorfose biológica, a luta é necessária entre espírito e corpo para chegar à vitória do primeiro e passar além da vida do segundo.

A atual biologia se detém no corpo, isto é, no efeito e não penetra as causas que estão em outra biologia, transcendental ou do espírito. Assim a ciência não vai além da que é a forma material, a expressão no mundo físico. Todavia, sendo o corpo uma projeção do espírito, a ciência, adiantando-se sempre mais na observação da íntima estrutura das coisas, não poderá fazer menos do que encontrar o espírito. O corpo existe enquanto há uma causa em si, que ele exprime e revela, como o universo físico exprime e revela o divino pensamento que o anima. O corpo é manifestação do espírito, como o criado é a manifestação de Deus. Ora, se no homem o espírito, que é causa, precede o efeito ou forma que ele plasma à sua imagem e semelhança, o efeito, por sua vez, reage e se torna causa, cujos efeitos depois estão no espírito, tornando-se por sua vez em nova causa e assim prosseguindo. Já vimos isto a propósito do órgão e da função. A vida do corpo é um meio de experimentação que elabora o espírito, mas podemos também dizer que é a potência do espírito que elabora para si o seu corpo. Se é verdade que o espírito se serve do corpo para armazenar os resultados experimentais de um exterior feito de tenazes resistências, ele também os transcende e no seu seio os transforma em qualidades do Eu e em valores espirituais. Estes modificam, assim, a estrutura do campo de forças da personalidade e do dinamismo causal, que lançará correntes sempre diversamente plasmadoras da forma, fazendo assim evoluir também esta como conseqüência da sua mesma evolução. Desse modo, passando-se da causa ao efeito, deste depois se volta à causa como nova causa, e desta, assim modificada, passando-se de novo ao efeito para o modificar ainda, como acontece por ação e reação entre órgão e função e ao contrário, com esse processo lentamente se opera a transformação evolutiva. Os dois impulsos contrários continuam assim a se moverem um para o outro, invertendo as suas posições a cada passo, sempre porém enlaçados numa corrente que é contínua e que forma um mesmo caminho evolutivo. Se no seu íntimo a estrutura do fenômeno é oscilante entre dois pólos opostos de vaivém e ao contrário, no seu conjunto representa uma ascensão constante em que o ritmo interior desaparece.

Assim o dinamismo da vida parte do pólo positivo que é o espírito, ativo, e como corrente positiva, vai para o pólo negativo, que é o corpo, passivo por sua natureza. Daqui aquela corrente animadora retorna em forma negativa ao pólo positivo, fechando o circuito, e dessa maneira prossegue. A carne quer conservar-se e engordar. É fêmea e quer a gênese na carne. O espírito quer renovar e subir. É macho e quer a gênese no espírito. A primeira representa uma expansão horizontal, a segunda, uma vertical. No topo da escada, à testa do caminho evolutivo está sempre o espírito, enquanto no fundo da escada, na cauda do caminho, está a massa indolente dos corpos. O mundo físico está subordinado ao espiritual, como inferior deve ser o servo, e este arrastado por aquele o segue por último na sua ascensão. Sozinho, apodreceria na abundância. Desse modo, a iniciativa de todo movimento está no espírito; no entanto ele é uma conseqüência da resposta que o corpo deu à precedente iniciativa do espírito consolidada pelo meio físico, sendo por este formado o contato com o ambiente. Já vimos como órgão e função colaboram sem que se possa dizer qual dos dois precede o outro no respectivo desenvolvimento. O órgão está no corpo, a função no espírito e eles cooperam para o mesmo fim de fazer o homem. Através dessa alternada vicissitude se dão as mutações, as variações do indivíduo como da espécie, fixando-se antes no imponderável, e depois na forma física que o exprime. A adaptação é psíquica e orgânica a um tempo, sendo as duas formas conexas. A evolução, iniciando-se no espírito, o corpo depois deve segui-la, ainda que ele esteja sempre no final desse caminho.

Esta é a técnica da evolução. Ela resulta de dois movimentos em duas direções opostas. O dinamismo do espírito gravita para o interior, abre caminho para a substância. o infinito, o eterno, o absoluto, a essência de Deus; a do corpo gravita para o exterior e explora a forma, o finito, o transitório, o relativo, a manifestação de Deus. Quem compreendeu qual é a estrutura do universo sabe que este é constituído por esquema único, repetido em toda altura evolutiva e em todas as suas dimensões; acha, enfim, lógico, que no complexo humano, espírito-corpo, seja repetido o modelo do complexo universal, ou unidade dada por uma dupla de opostos complementares, nos quais Deus e universo, transcendência e imanência, se equilibram. A vida e a sua elaboração evolutiva são dadas pela continua troca dinâmica entre os dois campos de forças. Cada uma das duas é por sua vez agente e reagente. O dinamismo circulante entre eles inverte o seu sinal a cada passagem. Assim, fecha-se o ciclo, e o dualismo reencontra a unidade em um único circuito. Por períodos inversos, o trabalho é contínuo porque, quando ele é ativo em forma positiva, na vida exterior, diurna, então está em calma, em forma negativa própria da vida interior, noturna e ao contrário. Positivo e negativo são duas posições relativas, que se invertem e se tornam em negativo e positivo, de modo que há sempre um positivo em ação. Desse modo, trabalhando alternativamente, espírito e corpo, a atividade é contínua.

Um primeiro estímulo, que desloca os equilíbrios em um campo com todas as suas conseqüências, provém do campo oposto. Os choques do ambiente, através dos meios sensórios, continuamente bombardeiam o espírito, o que significa que os impulsos do ambiente tentam penetrar e se unir no seu sistema dinâmico que, mesmo oferecendo resistência às deformações, registra e se adapta e assim fixa na sua estrutura cinética novas trajetórias, isto é, assimila novas qualidades. Por sua vez, o sistema dinâmico que constitui o espírito, bombardeia, com o seu feixe de forças, o sistema atômico-molecular-celular, que constitui o corpo, o qual, resistindo às deformações, registra e se adapta e assim fixa na sua estrutura cinética novas trajetórias, assume, no mundo da ilusão sensória, novas formas orgânicas. Veremos mais adiante, no capítulo 17: "As últimas orientações da ciência", que a matéria se reduz a uma onda sem substrato material, isto é, àquele mesmo dinamismo ao qual se pode reduzir também o espírito. Encontrado esse denominador-comum entre espírito e matéria, esta interação entre espírito e corpo é também cientificamente possível e aceitável. Assim, trabalhando em dois campos diversos, o espírito constrói o corpo e o corpo serve para construir o espírito.

Ora, como podem os impulsos provenientes do sistema dinâmico-espírito atacar as forças do sistema dinâmico-corpo? Para que os dois campos se possam comunicar, é necessário que eles possam estar em contato, o que, no mundo dinâmico, significa vibração em uníssono, sintonia. Devendo as forças se unirem uma na outra e se fundirem, isto não pode acontecer senão onde elas encontrem a mesma freqüência, um igual número de períodos, à semelhança de duas centrais elétricas que se quisessem pôr em paralelo. Ora, a escala evolutiva se poderia exprimir dinamicamente com uma passagem da onda longa à curta, da baixa à alta freqüência e potencialidade. Então os dois sistemas dinâmicos espírito e corpo não podem comunicar-se senão onde estejam contíguos na escala evolutiva, tenham a mesma freqüência, a mesma potencialidade, períodos e comprimento de onda; isto é, poder-se-ia dizer, nas zonas mais baixas do espírito, nos seus extratos mais involuídos e nas alturas máximas do organismo físico, isto é, nos extratos mais evoluídos. O que significa que o contato não se pode dar senão no sistema nervoso e cerebral, que representa as células mais evoluídas, isto é, a zona organicamente mais elevada e ao mesmo tempo espiritualmente mais baixa, enquanto ela é a primeira materialização daquele organismo imponderável radiante e receptor, que é o espírito.

Tudo isto é possível quando se sabe que o universo, tal como aparece aos nossos meios sensórios com a sua solidez física, não é senão uma aparência. Quanto acima está exposto se torna concebível quando se sabe que a substância da matéria não é representada por algum substrato em sentido físico concreto, mas somente por trajetórias e relações, isto é, redutível à energia e esta a conceitos abstratos. Desse modo fica demonstrável a equivalência matéria-energia-espírito, afirmada nestes escritos. Assim como a matéria se pode reduzir a energia e a pensamento, é lógico que inversamente o pensamento se possa reduzir a energia e matéria, que ele seja criador de todas as formas antes dinâmicas e depois físicas. Dessa maneira se compreende como o só pensamento de Deus tenha podido construir um universo, cuja verdadeira solidez não está na matéria mas está toda na constância e inviolabilidade das leis que o governam, isso é, em princípios abstratos. Se a ciência já pode fornecer muitos elementos para demonstrar a equivalência do mundo físico, dinâmico e psíquico, em direção ascendente, quem conhece os grandes esquemas do universo deve concordar em que o ciclo se deva cumprir, equilibrando-se na sua segunda metade, pois se deve fechar percorrendo o caminho oposto em direção descendente. Esta é dada pela equivalência inversa, isto é, pensamento-energia-matéria, movimento trifásico que sintetiza a técnica construtiva do nosso universo.

Tudo o que existe é, como forma, a resultante de uma dada disposição cinética, e redutível a um movimento puro, denominador-comum de todas as coisas, dado pela energia que é pensamento em ação. Certo é que para lhe compreender a substância é preciso penetrar além da ilusão sensória. Somente assim, reduzindo o fenômeno do ser ao eu funcionamento cinético, é possível compreender como as experiências obtidas no ambiente por meio dos canais sensórios podem modificar e enriquecer de qualidades o espírito, modificando e enriquecendo as trajetórias do seu sistema cinético; e é também possível conceber como essas qualidades, ou íntimas trajetórias, podem depois modificar as do sistema cinético que constitui a substância, da qual o organismo corpóreo não é senão a resultante perceptível por nossos meios sensórios. A mecânica da evolução se baseia sobre essa troca e assimilação de forças, isto é, registro e conservação de trajetórias na estrutura dos dois sistemas dinâmicos que são o corpo e o espírito. Na escala evolutiva, eles representam os dois extremos, o mínimo e o máximo, da zona ocupada pelo homem; este não só se comunica com todas as vibrações de tudo o que existe nesta zona, mas com o extremo máximo entra em contato com a zona superior e com o mínimo com a inferior. No circuito de forças entram, assim, as experiências e registros provenientes do contato com o mundo inferior, bem como com as provenientes do mundo superior. Assim o ser pode, conforme a sua capacidade, apresentar seus mundos inferiores da matéria como antecipar os superiores do espírito.

Para poder fazer a análise do fenômeno evolutivo em cada caso particular, seria preciso conhecer a trajetória de toda força que, entre as tantas em movimento no ambiente, vêm penetrar e juntar-se ao sistema dinâmico do espírito. Seria preciso, depois, conhecer de que trajetórias é constituído esse sistema, a resistência que suas forças opõem, a afinidade que apresentam com os novos impulsos sobrevindos, as reações que oferecem, para chegar, assim, a calcular qual será a resultante de tal encontro, o último termo residual da batalha, que representará o novo impulso assimilado no Eu, isto é, a nova qualidade por este adquirida.

Certo é que a nossa personalidade representa um organismo dinâmico já constituído, resultado do mencionado trabalho de experimentação e assimilação levado a termo no passado e exprimindo a sua atual fase de maturação e grau evolutivo. Representa a atual natureza do ser, efeito de tudo o que por ele foi vivido e já está fixado no sistema de forças, tendentes, fatalmente, por inércia, a continuar o caminho na direção estabelecida pela trajetória já iniciada. Representa também o destino individual e como uma sua vontade de se realizar como ele quis. Estamos na fase em que as precedentes causas se coagularam em efeitos, os quais são causas por sua vez tendentes a novos efeitos. Tudo isto forma as qualidades fixadas no Eu, constitui a estrutura do seu sistema de forças,. resultado de todas as trajetórias transmitidas e assimiladas no passado. O circuito, porém, está sempre. aberto e cada nova experiência ou contato, por meio do corpo e dos sentidos, com o mundo exterior, representa a possibilidade de imissão e assimilação de impulsos e trajetórias novas. Estamos aqui em. uma outra fase, de livre escolha e de formação do Eu, com que se pode corrigir o passado, iniciando novas direções. É preciso, porém, ligar tudo isto ao passado, às velhas causas tornadas efeitos fatais e, como tais, agentes de novas causas. Em outros termos, na imissão de novos impulsos e trajetórias, é preciso ter em conta a natureza e resistência dos precedentes impulsos e trajetórias já estabelecidos no Eu, aos quais as novas se devem sobrepor para se fundirem. Pode-se, em suma, semear no próprio ser o que se quiser, mas é preciso atentar-se para a natureza do terreno em que se semeia, isto é, da estrutura de tudo, porque disto dependerá, e não tão-só da semente, o que depois há de nascer.

Assim a evolução é gradual, livre e ligada ao mesmo tempo, num jogo de forças reguladas a cada passo por reações e equilíbrios, segundo princípios estabelecidos pela Lei. Aqui não é possível dizer mais além destes princípios gerais, suficientes, porém, para orientar o problema e as pesquisas neste campo. A questão está no saber conhecer a estrutura desses sistemas. Eles podem ser considerados como dinâmicos e por isto falei de forças; como cinéticos, e assim falei de trajetórias. Aprofundar demais o argumento far-nos-ia perder o fio da exposição, nem o método da intuição aqui usado é apto para a investigação analítica que qualquer um pode racionalmente realizar com base nesta orientação. Postos esses princípios gerais, é fácil tirar deles muitas conseqüências e controlar a sua aderência à realidade.

É muito provável que, por analogia, o organismo físico-espiritual do homem seja constituído, à semelhança do sistema atômico ou do sistema solar planetário, por um campo central de forças, positivo e ativo, em torno do qual funciona em dependência um campo de forças periférico, negativo e passivo, isto é, de natureza, posição e sinal oposto. Os dois campos se influenciam reciprocamente. É inegável que o ser esteja em contínuo contato com o ambiente do qual recebe infinitas impressões, que tendem a penetrar na consciência e a formá-la com a experiência das coisas. Satisfaz a nossa mente o pensar que, assim, nada de quanto se vive é perdido, mas tudo se registra em nós e sobrevive à ruína do contingente, na forma de nossas qualidades adquiridas como nós quisemos. Somente assim a vida tem, em cada caso, um significado e um valor útil, num quadro em que tudo, também a dor e as derrotas, tem o seu significado e rendimento. Está satisfeito desse modo o nosso instinto e o da vida, que é o de sempre crescer  se expandir porque o espírito se torna uma unidade em contínuo desenvolvimento, sem limites. Tudo então, e somente então, se torna satisfatório, lógico e justo porque se sabe que tudo é o efeito do que fizemos e que tudo se pode remediar no futuro. Então se compreende porque é necessária a prova da vida terrena na matéria, para que o espírito possa evoluir.

Essa transformação de forças e trajetórias no espírito deve produzir um aceleramento de freqüência e proporcional diminuição de onda, com isto uma elevação de potencialidade, o que significa uma potenciação do espírito, uma harmonização que leva a um rendimento maior. Isto se alcança por uma troca e luta, que são sempre elementos genéticos. Parece que o espírito possa, assim, armazenar em síntese os resultados da experimentação, os valores, os totais das operações feitas por análise, no particular, pelo seu organismo exterior. Parece que esse sistema periférico com a função de tentáculo deva alcançar, a um certo ponto, uma saturação de vibrações, que o force a extravasar o que mais não pode conter, no sistema complementar de forcas interiores, o que teria, justamente, a função de transportar em plano evolutivo mais alto, sem sensíveis embaraços de forma, somente a substância destilada do que se adquiriu. O sistema de forças de mais baixa potencialidade, constituído pelo corpo, conquanto mais adaptado para estar em contato com o mundo inferior externo, parece que eleva aquele potencial com a posse de forças do ambiente e, isto, até ao ponto em que, não podendo o seu sistema suportá-lo mais, ele o transmite ao sistema superior, espírito. Isto é bem admissível quando se compreendeu a íntima substância cinética de todas as formas e como no universo dinâmico, radiante e receptor em toda a parte, nenhuma delas se pode isolar e todas São comunicantes. Assim, também o corpo é necessário, enquanto funciona como transformador de potencial entre o externo e o interno, que diretamente, sem este intermédio, não poderia comunicar-se. O organismo físico é, pois, uma ponte entre o espírito e o mundo, e os seus meios sensórios são os canais de comunicação para que os dois possam ficar em contato. Sem esses canais nenhuma relação poderia haver. Somente assim as variações e choques de ambiente podem chegar da periferia ao centro.

A que se reduz, enfim, a evolução? A uma diversa disposição cinética da mesma substância, a qual em última análise não é senão o pensamento, o de Deus. É essa diversa disposição cinética que constrói todas as formas que, se são realidades como substância feita de pensamento, são ilusões como forma sensorialmente concebida. Há somente uma verdadeira realidade, a que tudo, por último, se reduz no universo, e é o pensamento de Deus. Espírito e corpo não são senão pensamento, mais ou menos evoluído, isto é,. mais ou menos puro e livre das formas! A evolução consiste justamente na purificação desse pensamento, isto é, no retorno de todas as mutáveis formas-efeitos, à imutável causa de todas as coisas. Isto significa a gradual libertação de todas as formas, vestes do pensamento, para que fique somente o puro pensamento de Deus. E não pode ser, senão através da elaboração da forma corpórea em que o espírito existe, que este pode livrar-se dela. A ele compete o esforço de fazer evoluir consigo aquela matéria que ele desposou. O universo é unitariamente compacto e nada se pode destruir nele; não é pois possível livrar-se da forma, destruindo-a mas somente fazendo-a progredir para o alto.

O    grande respiro do universo é pois de dois tempos: 1.º, criação, fase na qual o puro pensamento divino se manifesta vestindo-se de forma e quebrando a sua unidade no transitório, múltiplo e relativo, isto é, involução; 2.º, evolução, retorno, em que aquele pensamento se livra da forma e reconstitui a sua unidade no eterno e no absoluto.

Quanto dissemos até agora não representa senão uma fenda que em minha mente se vai abrindo para o infinito em forma de visões progressivas, que vou registrando por escrito, para que elas não fiquem somente para mim. Dou-me conta de que, próprio de nosso tempo racionalista, este é um modo estranho de enfrentar o ignoto, com um tão desusado método de investigação: a intuição. Perguntei a mim mesmo se ele é pura fantasia e a que ignorado mistério da personalidade humana ele corresponde. conquanto tenha procurado analisá-lo com a critica mais demolidora, esse método permanece como um fato, seja pelos seus produtos racionalmente orgânicos, seja pela progressiva profundidade das visões que dele resultam. Sem que eu conheça ciência, elas correspondem aos seus últimos resultados. Por falta de pontos de referência pelos quais se pudesse enquadrar esse caso, ele foi entendido como "ultrafania" (V. Introdução a este volume e o livro: As Noúres). Mas cada um vê quanto estamos longe da habitual mensagem de conteúdo moral, que nunca até agora, ainda nos melhores casos, assumiu o encargo, nem pela vastidão nem pela profundidade, de produzir um trabalho orgânico que toque e oriente todo o saber humano.

A atual geração se tornou muito audaz ao enfrentar o ignoto, que se vê assediado de todos os lados e com todos os meios. Entretanto, a ignorância não ficou destruída, somente foi impelida mais para trás. Porém, deu-se algum passo para a unificação de todas as ciências, para uma só lei e um só pensamento, o pensamento de Deus. Esse ataque cerrado deve levar a grande descoberta do terceiro milênio; a dos poderes do espírito, poderes verdadeiramente criadores. Agora me pergunto porque, ao lado do assalto movido ao ignoto pelos cientistas armados de ultramicroscópios, a condensação de Wilson e de tubos para bombardeamentos eletrônicos de alta potência, não deva ser admissível um paralelo ataque movido por outra via super-racional e super-sensória por parte de indivíduos sensibilizados em que parece que a misteriosa personalidade humana haja encontrado meios de percepções ainda mais penetrantes e de ordem diversa? Por que se deve recusar a priori esse novo método de investigação? Os seus resultados são aqui oferecidos ao público, fixados em volumes. Não são de caráter analítico, mas sintético; parecem complementares daqueles racionais da ciência, enquanto servem, não tanto para aprofundar um singular e particular argumento. quanto para orientação de conjunto; parecem feitos para oferecer um produto paralelo ao oferecido pela ciência e apto a completá-lo. E quem poderá dizer que, se a analise sensória da física mecânica de uma época se está tornando hoje, através da teoria da relatividade e da mecânica quantitativa, ondulatória e estatística, sempre mais abstrata até se fundir com o transcendental; quem poderá dizer que a ciência de amanhã não se torne atingível senão por meio de uma matemática transcendental intuitiva? Tudo se espiritualiza hoje, sem que disso nos apercebamos, enquanto o materialismo em ruínas, pelo fato que nos aturde com o fracasso de sua queda, parece triunfante. Não nos apercebemos que no fundo de tudo, até na matéria, há o espírito e é inevitável que, com o progredir da ciência, se chegue à sua descoberta. Se o progresso é fatal e se a estrutura da matéria é, em substância, espiritual, é impossível impedir que se dê a conjunção entre o campo da ciência e o da matéria, com o do espírito, em que a unidade fundamental de tudo já existe, e tem de ser, finalmente, compreendida pelo homem.

Já vimos outros níveis evolutivos de existência e que a cada um deles corresponde uma lei diversa, uma diversa expressão da única Lei universal. O universo está, assim, construído hierarquicamente como um edifício, no qual cada plano de existência se apoia sobre o inferior, dominando-o. E de um plano ao outro o ser passa por aquela metamorfose ou catarse evolutiva, cuja mecânica temos observado. A cada plano corresponde uma verdade diversa que é a sua lei, e o ser, evoluindo, sobe de uma verdade inferior a uma superior, tal como em todos os seus conceitos e valores. Assim vimos que da biologia animal se passa à biologia transcendental do espírito e da economia da justiça mecânica "do ut des" se passa à economia supernormal baseada no princípio evangélico do "ama o próximo como a ti mesmo", pelo que quem rouba rouba a si mesmo e quem da aos outros a si mesmo dá. É assim que da mecânica clássica gravitacional, penetrando agora a ciência no mundo submicroscópico, se passa a uma mecânica atômica em que as leis da primeira não são mais válidas, mas são ultrapassadas em uma ordem de leis diversas, supergravitacionais. Que maravilha haverá então se, por evolução da personalidade humana, primeiro instrumento de observação, se passa do método sensório racional e experimentalmente indutivo, a uma técnica transcendental do pensamento em que funciona o superconsciente com resultados, não mais analíticos, mas sintéticos? Não é esta, como acontece para a ciência, uma mais profunda penetração do mundo dos efeitos ilusórios no das causas, não é um avizinhamento do plano da realidade e da substância? E não será, assim, possível resolver problemas insolúveis com outros métodos e alcançar conceitos de outro modo inatingíveis? Como, hoje, evoluindo se vai ao encontro de novas verdades, a uma nova biologia e economia, se vai ao encontro de novas concepções sociais e formas de organização coletiva e a novas formas mentais em todo campo, assim é lógico que se vá ao encontro também de novos métodos de investigação, filhos da diversa estrutura psicológica do novo tipo biológico que, hoje, a evolução se apresta a produzir. Estes são os grandiosos resultados daquele fenômeno de elevação humana que aqui estamos estudando. Assim se pode compreender sua importância e quanto ele interessa hoje à vida do mundo.

Somente poucos começam hoje a dar-se conta da grande revolução incruenta e silenciosa que se está realizando no mundo, por obra dos vigorosos impulsos da evolução criadora, que hoje impelem a vida para um plano mais alto. As revoluções políticas, demográficas e econômicas estão na superfície, muito rumorosas e visíveis, mas de mínimas conseqüências, em face a essa outra revolução, cujos eleitos serão bem maiores, porque elas são muito mais profundas. A ciência, chegada ao elétron, ao próton e ao nêutron, pergunta se estes são corpúsculos ou pura vibração. A um certo ponto não se sabe mais se o que observamos é matéria ou energia. Amanhã nos encontraremos defronte ao caso em que não saberemos mais se o que observamos é energia ou pensamento, o qual será indívidualizável por seu comprimento de onda e sua freqüência. Então acharemos que, no fundo, há uma equivalência de substância, em que matéria, energia e espirito se podem fundir e comunicar. E compreenderemos como tudo pode ser formado pela potência criadora do pensamento, o pensamento de Deus. "No princípio era o Verbo e o Verbo estava junto a Deus e o Verbo era Deus Tudo foi feito por seu intermédio; e sem Ele nada foi feito de tudo o que existe"8 . Assim, ao zero absoluto, isto é, a 2730C sob a temperatura do gelo, todos os movimentos da molécula cessariam e a matéria mesma perderia, com isto, todo volume, seria reduzida a nada. Deste nada, somente um estado cinético seu a teria tirado, um dinamismo que tem pontes de comunicação com o mundo do espírito. Eis, então, que é concebível, neste sentido, uma criação partindo do nada, derivada de um puro pensamento. O método da intuição nos avizinha da solução dos maiores mistérios.

Vou, assim, percorrendo, junto com o leitor, que me segue, através de rasgos progressivos, a descrição da estrutura do universo. Eu mesmo, sem investigação racional, assisto à visão que se abre diante de mim. Vejo-me suspenso entre os planos de existências superiores que irradiam bondade, poder e conhecimento e os planos inferiores em que tudo vai involuindo, precipitando-se no negativo, a bondade em maldade, a potência em impotência, o conhecimento em ignorância. Existe em mim, como nos meus semelhantes, um sistema de organismos conexos em cadeia, que vão do reino mineral (sistema ósseo) ao reino vegetal (sistema vegetativo) ao reino animal (sistema muscular-nervoso), ao reino humano (sistema cérebro-psíquico) ao reino super-humano (sistema imponderável do espírito em dimensões hiperespaciais). Cada um desses organismos emite a voz do seu reino e isto me dá o sentido da hierarquia vivente dos planos do ser, entre limites além dos quais tudo se perde no inconcebível. Com o fenômeno da personalidade oscilante, o Eu pode perceber, desde o extremo-matéria ao extremo-espírito, as verdades relativas a cada plano. Delas se deduz, com o sentido da hierarquia, o de domínio de cada plano sobre o inferior e, pois, do poder criador do pensamento e das grandes conseqüências do próprio tipo de atividade espiritual em cada plano.

No "Satapathabrahama" está dito: "Do desejo depende a natureza do homem. Conforme o seu desejo, tal será a sua vontade, tal será a sua obra: conforme a sua obra, tal será a sua existência que lhe diz respeito O pensamento é criador no homem em todos os planos inferiores ao espírito, como o foi o pensamento de Deus ao criar o universo. É com este pensamento, em princípio livre o fluido, que definimos em nós a matéria, isto é, as formas orgânicas e mais no alto, depois, o nosso fatal destino. No pensamento está a causa de tudo saúde ou doença, riqueza, ou pobreza, alegria ou dor. Sempre somos herdeiros somente de nós mesmos, isto é, daquilo que fomos, quisemos ou fizemos. O micróbio não nos assalta senão quando encontra debilidade e, pois, vulnerabilidade orgânica, a pobreza senão quando encontra incapacidade e preguiça, porque os capazes e ativos nunca são pobres, a dor nos assalta quando encontra erros morais a sanar. Qualquer pensamento nosso se escreve na estrutura do sistema dos nossos organismos conexos em corrente, gerando assim em cada plano posições munidas e potentes, ou pontos fracos e, com isto, predisposição a todo ataque. Eles são o ponto vulnerável onde a vida sempre ataca. Quem se tornou tarado, deve pagar, não por vingança da Lei, mas porque ela cura e fortalece. Tudo é espiritual antes de ser material. E o universal princípio de causa e efeito nos diz que tudo aparece por derivação e filiação.

Compreende-se assim como Cristo, depois de ter curado os doentes, dissesse a um deles: "Vai, não peques mais". O que significa o dever de não mais violar a Lei, se não quisermos mais sentir suas conseqüências no físico. Matéria e espírito são mundos comunicantes e conexos e tudo se escreve nos arquivos da alma e o que está escrito deve, cedo ou tarde, alcançar o corpo e aí manifestar-se. Assim tudo se paga e tudo se recolhe. Ensinou Buda aos seus discípulos: "Como as árvores são diversas segundo a variedade das suas sementes, assim o destino dos homens é diverso segundo a diversidade da obra da qual suportam os efeitos". E ainda: "O que somos é a conseqüência do que havemos pensado". Mais tarde São Paulo dizia: "O que o homem semeou, isto mesmo ceifará". E Jó disse: "Deus dá ao homem segundo a sua obra e faz encontrar a cada um conforme o seu caminho".

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8 João, 1:1 e 3. (N. do T.)

Depois de examinada a seleção no plano animal humano, observemo-la nos planos mais altos. Defrontamos agora o problema que mais de perto interessa o nascente tipo biológico do futuro, isto é, o problema daquela profunda transformação que leva o ser humano do seu atual nível biológico para um evolutivamente superior. Procuremos observar o fenômeno da metamorfose do involuído em evoluído, explorando os desusados caminhos da futura biologia supernormal. Daremos assim um novo passo para diante, sempre mais progredindo no caminho da ascensão do ser. Poderemos, então, paralelamente, ascender para verdades sempre mais vastas e profundas. Aqui a particular experiência de um caso vivido, já exposta, torna-se visão das leis gerais do fenômeno. Completaremos, por visão, as normas que regulam o desenvolvimento do ser nessa nova fase da sua evolução, distanciando-nos sempre mais do plano humano atual. Mundo supernormal, que não se pode explorar experimentalmente com o método objetivo, mas somente por visão interior, com o método da intuição. É necessário apegar-se a esta, já que o campo é inacessível à investigação racional. O mundo do espírito não se pode explorar com instrumentos materiais, mas somente com meios espirituais. Para o ser não sensibilizado, incapaz de conceber os conceitos que seguem, bem como de obter sua visão por intuição, não podemos senão expor-lhe o resultado racional sem outra possibilidade de controle. Como prova se pode oferecer a concordância de todos os fenômenos observados nestes volumes e que convergem para as conclusões neles expostas. Quando tudo quadra e logicamente tudo se explica, a razão pode ficar satisfeita.

O    problema da evolução do ser humano nos leva para fora do campo dominado pela biologia normal, no seio de uma outra biologia que domina um campo mais elevado. Temos dito que ela muda com o ascender evolutivo de grau em grau. Não é de se maravilhar, pois, se em um universo em contínua ascensão, a utopia de hoje pode representar a realidade do amanhã. O fato é comum na história da vida. Vejamos se compreendemos a estrutura do tipo humano do futuro e as leis da nova biologia supernormal na qual ele se move. Enquanto o homem atual é, com prevalência, assinalado pelos seus caracteres físicos, o do futuro o será por caracteres psíquicos. Confrontando as duas biologias que evolutivamente são contíguas e comunicantes, podemos dizer que aquele que é hoje psíquico, tomará amanhã o valor e a precisão anatômica do que hoje é somático. Enquanto hoje o homem é considerado pela ciência, com prevalência, como organismo animal, amanhã ele será considerado como organismo espiritual.

Como se dá a criação de novas formas de vida? A existência é devida a uma contínua restituição e troca, isto é, a um movimento, que tendo naturalmente uma direção, significa caminho evolutivo. No íntimo de cada forma está a perene imanência do pensamento de Deus que impele o ser a percorrer aquele caminho. A forma define e precisa toda sua posição sucessiva, e para não se imobilizar, torna-se destrutível e ao mesmo tempo suscetível de contínua renovação. Esse perpétuo morrer e renascer de todas as coisas é o que torna possível o transformismo evolutivo, de outro modo impossível. Assim o existir é um tornar-se, mas ascensional, um relativo, mas sempre em evolução. O pensamento de Deus, ao movimentar-se progressivamente, faz pressão do interior para se manifestar na forma, sua expressão. É evidente o que a vida nos diz: a expressão que nos dá forma e a tudo existente, vai do material ao espiritual e além. De modo que com a evolução aquela forma se faz sempre menos concreta e mais abstrata, tornando-se, assim, expressão sempre mais transparente do íntimo pensamento criador e mais semelhante a ele. Temos visto nos precedentes escritos como se dá o desenvolvimento da personalidade por expansão de consciência, por força da contínua experimentação que é o fruto da vida. Esta é a parte expressa pela colaboração humana que, com a sua fadiga, segue o íntimo divino impulso criador.

A ciência pergunta se a função cria o órgão ou o órgão cria a função. Recordemos que o órgão é forma transitória, formada, sustentada e transformada continuamente pela função, que é a atividade na qual gradativamente se exprime o íntimo pensamento criador. O que é real na vida não é a forma, mas a trajetória do seu tornar-se. E neste tornar-se que o íntimo impulso do pensamento criador, em que o ser, com o desejo, repete em ponto menor o gesto de Deus, tenta o primeiro esboço do órgão. Cada ato, expressão daquele pensamento, vem logo experimentado pelas resistências do ambiente, é repetido se houver êxito, e com isto fixado e desenvolvido no crescimento do órgão, seu meio. Toda formação atual da vida não é senão repetição de atos iniciais, bem sucedidos, confirmados na prática, consolidados em órgãos estabilizados, que permanecem, até que não haja evolução ulterior para a formação de novos. Se assim é a função que cria o órgão, não se pode negar que seja depois o órgão que permite à função fixar-se e agir sobre ele para o transformar, aperfeiçoar e desenvolver até ao ponto de conseguir meio superior àquela forma e de utilizar-lhe o funcionamento para fazer uma nova para si.  Então é de novo a função que cria um órgão sempre mais perfeito e assim em diante. Mas a este ponto ela não pôde chegar, se não porque pôde primeiro manifestar-se e agir por meio do órgão já formado. Dessa maneira, tudo está concatenado em continuação num lento transformismo, e os dois meios de expressão, o órgão e a função, se escoram reciprocamente para chegar ao mesmo fim de evoluir. Pois que toda função tende a formar um órgão sempre mais complexo e perfeito e todo órgão permite haja expressão de uma função sempre mais complexa e perfeita. Reciprocamente, causa e efeito, órgão e função, são como duas pernas sobre as quais caminha a evolução.

Se esta agora se encaminha para o espírito (que sabemos representar um grau maior de liberdade, conhecimento, potência e expansão), é lógico que o íntimo impulso criador tenda, através da mencionada mecânica evolutiva, a transformar o organismo físico em organismo espiritual, através de um funcionamento que, de físico, expresso por órgãos materiais, tende a fazer-se sempre mais espiritual, expresso por órgãos imateriais. Já no atual grau de evolução o homem começa a representar um funcionamento que se faz sempre mais nervoso e psíquico. Eis a fase de transformação do velho organismo físico e de formação de um novo organismo espiritual e isto por graus até que este último, fixado em novas formas, terá construído os meios e os órgãos para uma atividade superior. A palavra alma é genérica e o espírito não é uma quantidade constante, mas um edifício em construção. O tipo biológico do porvir pode representar, em face do atual, uma hipertrofia psíquica, uma elefantíase espiritual, uma hipersensibilidade, uma dilatação de consciência e de conhecimento, hoje inconcebíveis. Se confrontamos o crescido funcionamento cerebral e intelectual moderno com o do homem pré-histórico, podemos bem imaginar o que ele poderá vir a ser no futuro, continuando esse caminho. Ninguém pode negar as novas condições de vida do homem moderno em um ambiente de velocidade e de máquina. E ninguém poderá impedir que essas condições de vida, que são um desenvolvimento do passado, se continuem a desenvolver no futuro e a influir sempre mais sobre o gênero de experiências e, pois, de funções, que completarão a nossa vida de amanhã. Essas funções, tenazmente aplicadas ao organismo atual, não podem, senão por longa repetição, transformar esse gênero para criar um organismo novo, mais adaptado à sua atuação. Com a mecânica evolutiva oscilante entre órgão, e função, se chegará ao novo tipo biológico de características com predominâncias espirituais, não mais físicas.

Aqui nos propomos observar esse fenômeno, concebendo-o não pelo lado ideal, mas biologicamente.  Queremos ver o espírito, não como vaga aspiração, mas enquadrado na biologia supernormal do futuro. Trata-se de uma nova biologia do espírito, na qual o homem se prepara para ingressar, com suas respectivas leis. Já dissemos alhures que a humanidade atual, em face desse novo plano evolutivo, se encontra psiquicamente na sua fase paleontológica de incertas formações e precipitados esboços. É a fase dos ensaios e das tentativas. Construções espiritualmente monstruosas, que aguardam, para fixar-se, a verificação na experiência. Elas representam um primeiro funcionamento desordenado que está plasmando o seu órgão, a consciência, hoje rudimentar. O fenômeno é solicitado pelo íntimo impulso criador, amadurecido por todas as construções precedentemente completadas, potenciado por todas as conquistas já feitas. As experiências sociais, artísticas, bélicas, intelectuais etc., de hoje, representam, também, exercício de novas funções psíquicas tendentes a formar órgãos espirituais novos, derivando-os daqueles rudimentares hoje existentes.

Trata-se de uma verdadeira grande volta da evolução, que quer levar a humanidade para um mais elevado plano de vida, que, assim, desloca o seu centro de gravidade. Nenhum período histórico foi mais intenso e ativo na transformação e assim se explica a destruição dominante e o universal dinamismo do nosso tempo. A maioria tem somente o sentido da ruína, mas, no fundo dela, por lei da vida, está sempre a ressurreição. Se a civilização européia está morrendo, como tudo que morre, ela deixa uma semente, e cada filiação repete a vida precedente em um grau mais elevado. A cada novo rebento seu há um imperceptível deslocamento para um ciclo maior. E como o fruto se destaca da árvore quando é maduro, e o filho da mãe, apenas crescido, como o novo se destaca do velho que abandona, apenas a função esteja amadurecida e fixada, assim a nova civilização do espírito se destacará da velha materialista, que cairá abandonada como inútil. Toda vida é um ciclo que se renova e se dilata no seguinte E como a vida percorreu e superou o ciclo mineral, vegetal, depois animal e, enfim, humano, agora pela Lei que a lançou por esse caminho, ela deve percorrer o ciclo sucessivo, o super-humano do espírito. E, como no desenvolvimento, o ciclo mineral está para o vegetal, este para o animal e este para o humano, assim o humano está para o super-humano, que dele se distancia em um ciclo mais alto, progredindo com o mesmo ritmo de ascensão e desenvolvimento. O espírito, fruto da experimentação por meio do organismo material, tenderá a destacar-se, sempre mais, da matéria em cujo seio é elaborado, para formar órgãos de expressão mais adaptados à sua nova estrutura, mais refinados para suas novas funções. Esta é a grande metamorfose dos futuros milênios.

Sendo tal metamorfose uma revolução biológica, é natural que ela se verifique numa atmosfera de destruição e de renovação. A sua testa estão os ideais e quem os professa; na sua cauda estão os instintos animais e Os involuídos, que os vivem. Tais são as forças biológicas em contraste. Essas atividades, que fazem a nossa vida, representam as várias funções formadoras de órgãos. A matéria, forte na sua formação do passado, resiste, mas o espírito já está em ação e isto significa que está em ato o processo de formação dos novos órgãos de sua expressão. A permuta da vida e a assimilação dos frutos da sua contínua experimentação não pode parar. O mineral alcançou a construção do seu edifício geometricamente orientado, a planta conquistou a sensibilidade e permuta, o animal, o movimento e o instinto, o homem, a inteligência e o domínio. Assim o super-homem alcançará, com a intuição, o conhecimento e a sabedoria. A progressão em potência e libertação é evidente e o futuro não pode ser senão a continuação do passado na mesma linha de desenvolvimento.

Na metamorfose evolutiva o novo homem espiritual deve substituir o atual homem animal. As experiências da sua vida se tornam sempre mais psíquicas e sempre menos físicas. A nova função já está começada e as suas experiências no novo campo não podem deixar de desenvolver o meio apto que as exprima e as fixe. Esse novo gênero de atividade se faz sempre mais difundido e profundo na raça humana; resulta disto que se destilam sempre novas qualidades no imponderável, que, assim, amanhã, tornar-se-á de pleno domínio humano. Dessa forma, os novos organismos imateriais se desenvolvem e se potenciam até se elevar à forma autônoma e, na sua coordenação, até constituir um organismo em que, do plano material, se virá a transferir o centro do sistema de forças da vida humana. Assim, a função psíquica, derivada da que foi gerada pelo funcionamento orgânico e da luta pela vida animal, torna-se dominante e determinante de um diverso organismo, derivado do primeiro. De modo que o organismo físico, em função do qual, antes, existia a psique, se torna de principal, secundário, e acaba por viver em função do psíquico, tornado dominante. Enquanto agora o espírito é, para a maioria, uma antecipação rudimentar de evolução, e enquanto o corpo é toda a sua vida, amanhã toda a vida estará no espírito e o corpo não representará senão um apêndice abandonado na cauda pela evolução, resíduo do passado em processo de lenta atrofia. Um dia, como hoje se dá com alguns órgãos, todo o atual organismo será uma sobrevivência atávica, um resíduo de formas vividas e superadas, que o ser se prepara para abandonar definitivamente nos mais baixos degraus da evolução. Então o homem viverá em plena biologia supernormal. A esta conclusão nos leva toda a lógica do sistema.

No estado atual o homem está em fase de transição entre as duas biologias: animal e espiritual. Isto corresponde ao universal transformismo físico-dinâmico-psíquico. Em um primeiro tempo a psique, produto do funcionamento orgânico, está a serviço deste; em um segundo tempo, quando aquele produto, elaborado pela vida orgânica, se tornou adulto, então o equilíbrio do sistema de forças constitutivas do ser se desloca e tudo começa a gravitar para outra extremidade. Então o corpo, de senhor, torna-se servo, de fim, um meio e a sua atividade, em vez de subordinar a si o espírito, como no tipo corrente, subordina-se ao espírito, como nos mais evoluídos. Isto desloca todos os valores da saúde e da doença, do bem-estar, da vida e da morte. As velhas formas da vida ficam mais esvaziadas do conteúdo normal e com significado de todo diverso. Então elas devem ceder o passo a novas formas; daí um contraste penoso, mas criador. Devem dar-se, então, profundas transformações na íntima estrutura cinética da substância orgânica, para registrar e fixar os resultados de um metabolismo diversamente orientado, para novas formas biológicas: as espirituais. Todas as energias e os recursos da forma física devem ser cedidos à outra que surge, todas as qualidades, já adquiridas, devem ser postas em serviço e orientadas para o seu crescimento pois que, sem morte, não pode existir ressurreição, sem renúncia, nenhuma conquista.

É uma estranha sensação o sentir-se renascer em outro plano de vida, com recursos e poderes diversos. Cai então o conceito da pequena e breve vida humana e nos sentimos viver em uma imensa vida eterna. O senso fundamental de alegre expansão, próprio de todo desenvolvimento, nos diz que estamos no caminho mestre da evolução. O senso de felicidade crescente nos diz que não erramos. O novo senso de orientação que nos dá consciência e sabedoria nos diz que sempre mais nos avizinhamos de Deus. É estranho e maravilhoso o sentir-se mudar, morrer para reviver em novas dimensões, além do espaço e do tempo, sentir que a própria vida física se atrofia, se contrai, para ceder a sua potência a qualquer outra parte do Eu, que ainda não se conhece e que foge no imponderável. Parece que a vida física se esvai absorvida pela voracidade do espírito. Se o corpo passa para os segundos planos e parece agonizar, ele é todavia sustentado, porém, não mais de fontes orgânicas, mas espirituais. Profundas alterações devem advir na permuta e na assimilação, para passar da normal do alimento, à da energia cósmica, devendo a íntima estrutura do metabolismo celular transformar-se toda. Mas as leis da vida sabem conduzir-nos a bom termo.

Então começa-se a ver o mundo com olhos diversos, tornando-se de natureza diversa o contato com o ambiente; aparecem por isso novos aspectos mais psíquicos do que físicos. Assim os contatos e as experimentações se espiritualizam, as trocas e abastecimentos dinâmicos seguem novos caminhos radiantes que não são mais os do alimento. A sensibilidade que exprime o grau de expansão vital e fornecendo os seus meios, iniciada com o ingresso do reino mineral no vegetal e acentuada no mundo animal e humano, se desenvolve até transformar o organismo em uma unidade vibrante. O evoluído é um sensibilizado. É um abrir-se de novas portas, uma queda de diafragmas, que permite comunicar e receber. Então, além do limite do espaço e do tempo, o mundo se torna imenso. Entra-se, depois, no domínio de novas leis, de um funcionamento orgânico e de uma química cujos elementos componentes são forças-pensamentos, entra-se num mundo dócil e plástico, no qual a concepção tem potência criadora. É, por certo, uma grande revolução passar da biologia normal à supernormal. A química do metabolismo de alta potencialidade, própria do extremo superior, dito espírito, deve, gradativamente, introduzir-se, substituindo a química do metabolismo de baixa potencialidade, própria do extremo evolutivo inferior, dado pelo organismo físico, que é assim, como queimado pela lenta combustão de uma potência e um ritmo de vida demasiado fortes para os seus meios e estrutura. O corpo assim emagrece, torna-se em feixe de nervos, mas de um dinamismo e resistência ao trabalho e doenças, superiores ao normal. Parece que a vida trata, agora, o organismo físico corno uma inútil sobrevivência atávica, ou produto de refugo, a ser eliminado em cinzas. Certo é que a química do espírito se deverá basear em leis análogas às da química inorgânica e orgânica, e como a química atômica recorda a dinâmica astronômica, assim a química do espírito deverá lembrar a estrutura dos sistemas de forças, segundo as quais, freqüentemente, se organiza a energia. Um primeiro contato entre o extremo psíquico e aquele físico humano, o encontramos na influência que tem, na assimilação e permuta, um estado psíquico do sujeito, tanto que, se prolongado, ele pode incidir na estrutura orgânica e alterá-la. Isto prova que é possível, por parte da psique, uma influência transformadora na estrutura da célula.

Como se vê, a catarse espiritual não é somente fenômeno da alma, mas, para ser completa deve cometer todo o ser humano até o outro seu polo físico, com que se comunica. As duas biologias estão em contato, representam dois planos evolutivos contíguos e trocam entre si os seus produtos. Na prática podemos ter metamorfose muito diversas, seja por grau de evolução, seja pelo particular tipo biológico que as vive e, pois, qualidades a serem adquiridas. Que diverso conteúdo pode, pois, adquirir para os vários indivíduos a metamorfose! Em todo caso, porém, como velocidade, o transformismo é sempre gradual, é diluído no tempo, de modo a permitir os íntimos deslocamentos cinéticos necessários e a substituição das novas às velhas trajetórias. Mas tudo é sempre proporcionado aos recursos disponíveis e à maturidade atingida. Tudo se realiza com ordem, de modo que os equilíbrios são deslocados e não destruídos. Trata-se de instituir novos circuitos de forças, lançar pontes e suprimir outras, abrir ou fechar passagens, dissecando ou alimentando, atrofiando ou desenvolvendo este ou aquele ponto, ou vibração, ou corrente. Trabalho complexo no qual não há senão o confiar-se à sábia direção da Lei. A vida, que sabe, protege nesses profundos trabalhos evolutivos a criatura que, inexperiente, se aventura no inexplorado.

Velocidade do transformismo significa intensidade de elaboração, que não pode superar um dado limite relativo. A evolução tem um ritmo, que não se pode forçar. Pode, assim, haver necessidade também de pausas e repouso, ainda de momentâneos retrocessos, para que a evolução não se torne destruição. Problema vasto e complexo o da ascensão espiritual, porque diz respeito a uma biologia na qual o imponderável psicológico e moral se torna força dominante. Certas concepções absolutistas de um ascetismo não iluminado podem, em vez de ajudar, causar dano ao processo evolutivo. Este representa uma maturação de todo o ser, por isto também do corpo que não deve ser inutilmente perseguido e esmagado como um inimigo, mas tratado como um aliado colaborador na árdua obra construtiva. Os dois pólos são comunicantes e cada impulso desconsiderado pode gerar reações prejudiciais. Nenhum dos dois extremos pode trabalhar sozinho, mas sempre em função do outro. Trata-se de uma sábia distribuição de trabalho. É necessário haver proporção e equilíbrio a cada passo, porque o desequilíbrio, que o transformismo implica, deve ser enquadrado no equilíbrio geral do sistema. É necessário saber dosar o esforço evolutivo em relação aos recursos dos quais a vida, no caso particular, dispõe. Que a ascensão seja uma metódica e consciente conquista e não uma louca aventura. Evoluir significa revolucionar os equilíbrios da vida, o que, se mal feito, pode resultar, em vez de progresso, em retrocesso. Para se fixar na alma é necessário haver mais perseverança e disciplina do que ímpetos precipitados e desordenados. É preciso ter em conta que a evolução espiritual não é somente um fato moral, mas que ele penetra todo o organismo, também o físico, com o qual precisa fazer as contas, e que o fenômeno se desenvolve entre duas biologias.

É muito difícil formar um conceito exato e são de virtude, especialmente no caso particular das aplicações práticas. De toda maneira ela deve ser, sempre, um auxílio e não uma ofensa à vida, uma atividade positiva e construtiva e não de prevalência negativa e destrutiva. Lembremos que Deus é sempre construtivo, e que o trabalho de destruição foi deixado a Satanás, que o executa. Tudo o que é destruidor não pode, pois, vir de Deus e exprime o princípio satânico do mal. Não façamos da virtude, na luta pela vida, um meio para oprimir e vencer o próximo. Por outro lado,. ministrar ideais muito elevados e absolutos, significaria oferecer um alimento não assimilável. É desta desproporção entre ideal e homem, que nascem as degradações dos princípios por adaptação, como observamos tão freqüentemente. Então, em vez de elevar o homem ao nível do espírito, se abaixa o espírito ao nível do homem. Em vez de efetiva colaboração entre os dois, nasce luta e atrito, destruição e deformação. É da forçosa imposição da virtude que nasceram em tantos imaturos os arranjos e as mentiras.

A evolução é mudança profunda, que requer infinitas experiências, mesmo do mal, do erro e da dor, operadas no espírito como no corpo. Para que a vida, que deve viver, não se rebele com razão, antes de a destruir embaixo, é preciso desenvolvê-la no alto. Antes de seu sufocamento no corpo, a ascensão espiritual deve ser expansão no espírito. Somente então a vida se lançará deste lado e o resto, tornado inútil, cairá por si. Ai de nós, se dermos à prática da virtude um conteúdo negativo antes positivo. A vida não se pode destruir, o que seria contra a Lei de Deus, além de ser um suicídio. Então, se quisermos tirar antes que dar, ela reagirá, reforçando-se embaixo para não morrer, e obteremos por reação o efeito contrário, isto é, a involução. É preciso sempre ter em conta a que tipo biológico um ideal é aplicado. Assim é que se explica como, na prática todo ideal representa uma afirmação teórica que pede cem, sabendo que recolherá, apenas, um. É a natureza das massas que estabelece a dosagem para a assimilação dos princípios pregados, aos quais, por isto, não se pode lançar a culpa de uma aplicação falha, porque esta depende do terreno no qual a semente cai É preciso recordar que a evolução é uma grande transformação e que a vida sabe qual esforço e risco isto representa para ela. Ela caminha lenta e prudentemente, quase explorando o ignoto futuro com desconfiança; das energias acumuladas, não arrisca o necessário à vida, mas somente o supérfluo; expõe, aos perigos do novo, somente alguns pioneiros da evolução, deixando o grosso atrás, mais em segurança, para aprovar ou seguir os pioneiros somente quando eles tiverem experimentado sozinhos, com risco e dor própria, a forma futura. Então esta pode ser seguida pelos outros, porque somente ai ela dá segurança. E então os pioneiros ficam glorificados, porque utilizáveis para a vida.

Podemos, pois, encontrar-nos com diversíssima velocidade de transformismo evolutivo: da rapidíssima do super-homem já lançado, que percorre, a grandes passos, o seu caminho, às mais limitadas e lentas dos normais, funcionando em série, como massas. A vida não pode ingressar nos planos superiores da evolução se antes não percorreu os precedentes e não estiver consolidada neles. É a vida, e com ela o pensamento de Deus, que aperfeiçoa a sua manifestação, dando evolução à forma pela qual se manifesta.

Mas também as massas conhecem as crises evolutivas, as quedas e as reconstruções; a história também para elas tem voltas e metamorfoses. Eis como tudo isto acontece. A fecundidade da vida é tal que produz em exuberância, além das necessidades para sua continuação. Logo que, nos períodos de paz, há trégua na luta viril, destruidora e construtora, o elemento negativo ou feminino, produtor, protetor e conservador da vida, trabalha e produz no seu campo que é o da acumulação de material. Então se verifica de repente uma superprodução que, não somente repara todas as perdas passadas, mas acumula material biológico em abundância. Logo que se haja formado uma suficiente reserva, elaborada até a um dado grau de evolução, então, a vida, como lá fez no mundo mineral para chegar ao vegetal, neste para chegar ao animal e neste para alcançar o plano humano, pode, em sua economia, arriscar o sacrifício desse material excedente ao necessário, para fins, não mais de conservação, mas de evolução. Então a vida queima esse seu combustível e o consome em revoluções, usa-o para alimentar um esforço excepcional de ascensão, destruindo, a um tempo, com as revoluções, as suas construções biológicas menos eleitas e deixando sobreviver, das cinzas do incêndio, os mais selecionados tipos biológicos, aptos para mais altas formas de vida. Completado o ciclo da paz e construção dos seus produtos, entra em campo o princípio positivo, másculo, destruidor e criador, cuja função é a de utilizar o combustível acumulado, queimando-o para renovar e evoluir as formas da vida. Assim, nas revoluções, se cumprem as metamorfoses dos povos. Mas essas não podem vir senão depois de períodos de preparação, de paz, e requerem outro tanto depois, para elaborar e fixar os resultados atingidos com as revoluções. No entanto se acumula novo material de reserva ou combustível para as queimas, para novos deslocamentos evolutivos, e assim por diante! Dessarte, de metamorfoses em metamorfoses, também os povos progridem.

Esse processo faz parte do sistema criador em que Deus perpetuamente está presente e opera, manifestando-se na forma. Assim a produção exuberante como quantidade, mas de qualidades inferiores, destila-se no seu equivalente, menor como quantidade, mas de qualidade superior, em um plano biológico mais elevado. Dessa maneira, aumenta a potencialidade da expressão, porque o valor passa de um grande número de exemplares de escasso valor, a um mais exíguo, mas de maior potência e mais elevado grau evolutivo. Esse é o ritmo da ascensão dos povos e civilizações. Primeiro paz, trabalho, desenvolvimento demográfico, construção material e espiritual, isto é, expansão em sentido horizontal sobre a superfície do próprio plano evolutivo; depois aquela formação horizontal é utilizada para o único fim possível, isto é, para uma formação vertical. Então a primeira se desfaz e, do que resta, porque é mais resistente e vital, se faz um edifício em altura, isto é, em direção evolutiva, em potência Utilizando os resultados do ciclo precedente, toma-se o impulso para um novo, podendo assim chegar bem mais no alto, ao utilizar somente o valor intrínseco e a potência das conquistas feitas, sem trazer consigo o peso dos particulares elementos determinantes. Assim, de revolução em revolução, caminha a história e evolui a vida. Dessa maneira, por alternada vicissitude entre paz e guerra, entre períodos de legalidade representando a fase de estabilização e assimilação, e períodos de ilegalidade representando a transformação, caminham os povos. Fases ambas necessárias e complementares, elas são como uma respiração a dois tempos, a respiração da história. Elas não são senão duas posições inversas, uma no positivo e outra no negativo, da mesma perene atividade criadora de Deus na humanidade.

No seio desses movimentos de massa, os indivíduos seguem ciclos pessoais. Aquele pára, aquele caminha, aquele retrocede, aquele procede lentamente, cada um segundo sua natureza e condição. Mas é sempre por revoluções ou metamorfoses que se ingressa em formas de vida mais altas, é sempre pelo mesmo incêndio que se ascende, tanto para o indivíduo como para as massas. Quando num plano se experimentou suficientemente, tendo absorvido todos os recursos, então o ser, saturado daquela ordem de forças, transforma-se e aporta a um plano mais elevado para experimentar outras formas de vida e poder assim continuar, com novos elementos, a sua construção, e assim por diante. Observando o processo das metamorfoses do humano ao super-humano, temos delineado a trajetória dos grandes ritmos da evolução, isto é, das oscilações periódicas dessa grande respiração criadora de Deus. Podemos assim ver algum aspecto da técnica da criação, que é contínua. Parece que estamos contemplando a ascensão de uma escada, da qual todo degrau é um plano de evolução  O pé do ser que sobe pousa sobre um deles, ajeita-se e somente depois, consolidada a sua posição, pode tomar impulso para subir ao degrau seguinte. A ascensão de um degrau representa uma revolução, a formação de uma nova civilização para os povos, a metamorfose para o indivíduo. Mas assim como, feito o esforço e realizada a ascensão, os povos se acomodam nas novas posições para as fixar, assim o indivíduo repousa nelas, para retomar depois, como o faz o pé subindo, um novo impulso para um degrau mais alto. Os superados são abandonados embaixo como formas de vida já inúteis, mas os superiores, pelo fato de os dominar os resumem em síntese e os contêm todos. Assim nada se perde e a conquista continua.

Nesse movimento vivem dois processos paralelos: um de destruição na cauda e um de construção na cabeça, à guisa de vermes que caminham, desintegrando-se de um lado para reintegrar-se no outro. Assim este, mesmo progredindo, fica inteiro, enquanto se muda, pois que readquire em nova forma o que perde. Na substância nada se cria e nada se destrói, mas tudo se elabora. No homem que ascende há sempre qualquer coisa que se deixa e qualquer coisa que se adquire, em um movimento paralelo e proporcional que o desloca para o alto. Essa técnica é igual para todos, em todo nível, relativa ao passo de cada um, seja ele involuído ou evoluído, caminhe inconscientemente somente como célula em função de uma massa, ou como autônomo e consciente, autodirigindo-se.

Evoluir é o motivo dominante neste e nos outros volumes, observado em todos as aspectos e níveis do nosso concebível. Vimos isto alhures como fenômeno inspirativo, psicológico, místico, filosófico. Aqui quisemos observar como fenômeno biológico. Quando um primitivo resolveu o problema da fome e da reprodução, está satisfeito com suas conquistas. Outros querem alguma coisa a mais: honras, poder, riquezas. Outros ainda mais: a cultura e o bem coletivo. Outros enfim um pouco mais: a visão do universo e o amor de Deus. Mas todos apressam o passo para alcançar qualquer coisa, e nisto cada um se revela quem é, pois que não se sabe desejar e não se conquista senão conforme a sua própria natureza. Assim, há trabalhos e conquistas fundamentais para alguns, que para outros estão no inconcebível. Há coisas tremendas para as quais o inferir não tem a mínima ressonância; há necessidades espirituais como as do conhecimento, que para outros são fundamentais e que para o primitivo não tem sentido, enquanto para ele são fundamentais as do corpo. Ele é surdo e cego em face das grandes alegrias, tempestades e criações do espírito. Cada um está fechado no próprio concebível, nas dimensões do próprio plano evolutivo, limitado pela própria forma mental, que lhe define a natureza. O que está além do próprio nível, o latente, não ainda desenvolvido, representa o nada. É a estrutura da nossa consciência que estabelece os confins do Eu. A verdadeira servidão é dada por esses limites, a verdadeira liberdade consiste somente em superá-los. Todo ser está fechado nos limites constituídos por seu próprio tipo biológico. É inútil abrir-lhe portas: se não está amadurecido, não sabe passar por elas. É inútil mostrar-lhe novos mundos: não tem olhos para vê-los. É inútil oferecer-lhe novo alimento: não sabe nutrir-se dele. É inútil dizer-lhe tudo nos livros: não os sabe ler. Ele está integralmente preso às experiências do seu plano. Até que tenha percorrido toda a estrada necessária, um passo depois do outro, não poderá chegar àquele dado grau de evolução, de liberdade e de potência.

Na atual fase evolutiva humana, hora histórica de grandes transformações, os dois tipos biológicos pertencentes às duas biologias, normal e supernormal, estão-se defrontando. O segundo, se bem que raro, já existe para se multiplicar e se afirmar, e eles se podem medir na luta pela vida. A primeira vista, pode parecer que o primitivo, mais simples e menos sensibilizado, seja o menos vulnerável, o que tem maiores probabilidades de salvação. Mas não é assim. Ele se move por tentativas nas trevas da sua ignorância e fora dos imediatos problemas nada mais sabe resolver. O evoluído é autônomo, autodirigindo-se em relação ao funcionamento orgânico do universo que ele conhece. Suas previsões e defesas alcançam muito mais longe. A inteligência é uma grande força na luta pela vida, a sabedoria é uma força ainda maior. O primitivo é estúpido. A sua violência pode triunfar no momento, mas perde no jogo mais longo e complexo do qual é feita a vida. Ele deve suportar as reações de leis que não conhece e que loucamente viola em seu dano, o que o evoluído que sabe, nem pensa fazer. Quem sabe proceder em harmonia com o todo arrisca-se muito menos a errar e a sofrer. As vitórias do primitivo são imediatas, mas efêmeras. Afirmações, defesas e conquistas, tudo não pode superar os limites do próprio plano, os quais são sempre tanto mais acanhados, quanto mais em baixo se desce, e sempre tanto mais vastos quanto mais se sobe. As mãos do ser evoluído alcançam muito mais longe.  Está-se inexoravelmente ligado à própria natureza, resultado do nosso passado e se recai sempre nos limites do próprio prejuízo. Nenhuma liberdade humana pode dar a verdadeira liberdade, que não se pode conquistar, senão através da própria transformação. As verdadeiras prisões que encarceram os homens, as cadeias que os têm escravos, ligados a dados pontos fixos, são os seus instintos, que sempre a eles os levam. Os verdadeiros muros de contorno que limitam a cidade do Eu são imponderáveis, e, no entanto, invioláveis; todos estão inexoravelmente fechados dentro deles e não os vêem. Não suspeitam sequer que deles se possa sair e vão gritando liberdade, uma liberdade que quer dizer direito de obedecer aos próprios instintos, isto é, de ficar nas cadeias da própria escravidão. Assim todos obedecem, ainda quem crê ser um rebelde, à Lei que mantém todos, não importa que o saibam ou não, enquadrados na sua ordem. Para se moverem, livres e autônomos, não há mais que conhecê-la e depois segui-la. Para se tornarem sempre mais livres e autônomos, para derrubarem os invisíveis muros que cingem a cidade do Eu e arrombar as portas que os fecham, não há mais que compreender a Lei, harmonizar-se com o seu funcionamento, vivendo-a, não há mais que subir evolutivamente, operando a própria metamorfose.