Os conceitos acima expostos foram obtidos por visão, isto é, usando a psicologia da intuição que, como dissemos, para alguns indivíduos sensibilizados por evolução, pode constituir um verdadeiro método de investigação. A forma mental que fala nestes últimos dois capítulos é o ápice da curva da onda na oscilação da personalidade, fenômeno que já observamos. Seguindo a ascensão da onda na referida oscilação, obtivemos progressivas visões da verdade. Iniciamos este volume partindo do ponto mais baixo da depressão da onda, expondo, assim, uma verdade concebida com uma psicologia de involuído que permanece na superfície e, não vendo a mais profunda realidade das coisas, logo a nega. E aí está como alcançamos outra verdade.

Propomo-nos agora examinar os conceitos aqui mencionados, não com a psicologia da intuição com que foram alcançados, mas com a psicologia racional usada, hoje, pela ciência. Estamos no meio do caminho, o do intelecto normal, entre os dois extremos mencionados, na oscilação da onda da personalidade, e neste nível devo agora exercer a minha atividade, com a psicologia correspondente. Ora, em face justamente do plano evolutivo dessa psicologia, a ciência está ainda distanciada de uma síntese universal, possível somente em mais altos níveis mentais. Todavia, será muito útil observar os resultados obtidos por ela, enquanto se baseiam em dados experimentais controlados, o que lhes fornece uma segurança que o intelecto racional não sente nos planos mais altos. Porém, somente nestes é que se podem operar amplas sínteses, enquanto o campo da ciência é muito mais limitado. Faltam-lhe elementos de caráter espiritual e moral, que ignora, enquanto a intuída unidade do universo nos faz presumir a existência de relações ainda entre as coisas mais distantes, o que tende a fazer da ciência, filosofia, religião, moral, sociologia etc., uma só coisa. Justamente por este princípio de unidade, o mundo observado pela ciência, conquanto limitado, não deve contradizer no seu âmbito a mencionada visão universal, antes, por estar em seu nível, deveria confirmá-la. Agora observaremos o que diz a ciência, para ver se ela se dirige para aquela síntese ou dela diverge, e quais elementos indicadores ela pode fornecer para se dirigir naquela direção.

A ciência, com o seu método objetivo-indutivo, se nos apresenta como uma psicologia de prudência e de desconfiança, caminhando sem poder ver os grandes planos do ser, sobre um terreno infiel, que continuamente experimenta e controla. Caminha, assim, por tentativas e incertezas, lentamente, por hipóteses e teorias, mas, em compensação, os seus resultados são positivos, controlados, aplicáveis por todos. As últimas verdades que a intuição percebe em clarões de luz, fogem, constituem uma meta desconhecida e distante. Mas, conquanto ignorada, é a essa meta que a ciência tenta avizinhar-se através da descoberta e da coordenação de verdades parciais, por aproximações sucessivas. Tal é hoje a forma assumida pelo pensamento humano no seu progredir. Forma relativa. Evite-se, pois, tomar como definitivos e como base de orientação filosófica, os últimos resultados, que são e foram sempre superados aos poucos. E a última verdade alcançada que modela o pensamento coletivo, porque mais o fere. A antigüidade foi dominada pela concepção platônica e aristotélica, em seguida pela agostiniana e tomística. Depois a ciência objetiva e experimental suplantou a especulação abstrata. Mas logo após, também a física clássica de Laplace, Galileu, Kepler e Newton e as concepções mecanicistas do mundo foram superadas pela física estatística e quantística (Planck) de hoje. E, assim, também esta será superada. Houve tempo em que se acreditava na lógica apenas e se desprezava a experimentação, como de um contato contaminado do pensamento puro. Todavia, conquanto perfeita em si mesma, somente a lógica não pode superar a função de coligação. Ela é uma corrente que se não está apoiada num ponto sólido, não sustenta nada.  Assim, também na forma mais excelsa, a matemática. Caminhando, dessa forma a ciência materialista superou, desmaterializando a matéria, todo o seu materialismo. Ela mesma que é tão racionalmente positiva, não pode progredir senão confiando no método irracional da intuição, isto é, criando, além de toda lógica e método, ao encontrar relações impensadas entre os fatos e conceitos mais distantes. E na coligação entre experiências, e na visão do seu significado, que relampeja a intuição da lei que as regula; é no descobrir as relações, que a análise racional não basta E nisto consiste, muitas vezes, a descoberta. Desponta então a hipótese, como tentáculo lançado para sondar o mistério. Depois ela se desenvolve em teoria e, somente então, começa a trabalhar a psicologia racional da ciência, que controla com a observação e a experimentação para validar ou condenar. Se os fatos dão razão à nova teoria, então a velha rui e é abandonada. E, assim, lentamente, se dá a escalada para a verdade.

A força do positivismo está neste manter-se em contato com a realidade, tornando-se exato observador  Pede-se a resposta aos nossos quesitos, não á lógica, mas à experimentação. Pergunta-se tenazmente qual é o pensamento diretor que, escondido, rege os fenômenos, dado que não se pode deixar de admitir, em toda parte, um princípio diretor e ordenador. Nem a ciência pode interrogar Deus, uma vez que lhe são desconhecidos os contatos do místico. Não lhe resta senão segurar aquele divino pensamento através de sua manifestação concreta, nos fatos, lá que ele, ao menos no plano físico, não se exprime senão através das formas concretas e da ação. Certo é que, além da medida necessariamente sensória, portanto, relativa, embora aperfeiçoada, aí deve haver urna realidade verdadeira e profunda, que foge à ciência: e esta não pode fazer mais do que tornar mais poderosos e mais exatos os seus meios de investigação, mais abstratos e independentes destes e dos sentidos os próprios métodos (operações matemáticas puramente formais) menos antropomórficas as suas representações. Diante da realidade, uma medição é coisa bem outra do que um fato simples e objetivo, mas é a resultante de um processo de ações e reações entre fenômenos, meios de investigação, órgãos sensórios e psique do observador. Dessarte a ciência, progredindo, acaba por ter que negar a sua objetividade, devendo considerar cada observação como de um fenômeno entre tantos outros, todos em relação da interferência. Não que o fenômeno perca consistência objetiva e se reduza a um complexo subjetivo de percepções, de modo que, suprimidas estas, o fenômeno não exista por si mesmo. As próprias metas distantes da ciência, que ela ainda não vê, mas para as quais, também, tende porque estão no final do caminho, são de caráter filosófico, metafísico e espiritual, uma realidade incontrolável experimentalmente. Quantos limites, pois, à objetividade do positivismo, que incerteza no registro e interpretação das mensagens obtidas com a observação de um mundo real suposto na profundidade além das aparências sensórias! Como estabelecer exatas relações entre o mundo experimental dos sentidos e essa desconhecida e recôndita realidade? E como alcançar uma realidade absoluta, independente dos sentidos humanos?

Por outro lado, exprobrou-se essa ciência por ser, com prevalência, utilitária. Mas devemos, também, reconhecer que se a ciência nasceu, foi devido ao humano espírito utilitário. Foi a necessidade de orientar-se na navegação, de medir um terreno, de curar uma doença, de defender-se em todo campo que a originou. O que vale. mais que a exatidão e verdade de uma idéia. é. muitas vezes. a sua fecundidade Da absurda procura de uma pedra filosofal para a transmutação dos metais em ouro, nasce a química; a procura do moto perpétuo fez descobrir os princípios da dinâmica. Mais tarde, a teoria de Einstein nasceu da idéia da velocidade absoluta da terra e a física atômica nasceu do conceito astronômico do átomo de Bohr. A história da ciência é semelhante à história de todos os eventos humanos: acaba-se muitas vezes        a um lugar em que nunca se havia pensado. Tudo passa e muda na vida. Muitas filosofias dominaram e caíram no olvido para depois renascerem mais amadurecidas. A metafísica dominante, há um século, faliu e assim será ultrapassado, amanhã, o positivismo de hoje. Tudo passa, desaparece e retorna como as ondas do mar, no entanto, se renova, e dessa maneira se lançam novos pontos de pensamento, se estabelecem novas conexões com fatos antes concebidos a distância e que, desse modo, se avizinham dos já conhecidos, refazendo no futuro, em novos campos, o que foi feito no passado para chegar até aqui, até o que hoje é conhecido, antes inexplorado. Uma descoberta não cria coisas novas, tudo já existe, mas estabelece novas relações entre as coisas, dando-lhes novos significados Muito da civilização moderna consiste na multiplicada possibilidade de trocas e de relações. É assim que, através de hipóteses de trabalho, fatos antes desconexos, vêm a formar uma teoria, isto é, uma coluna do pensamento validada pela experiência, e enfim um organismo lógico revelador de uma unidade diretriz, ou lei sempre mais ampla. É dessa maneira que a ciência, num caminho lento e prudente, mas seguro, procura reconstruir por graus no plano do conhecimento humano a profunda ordem que está nas coisas, numa sempre mais perfeita imagem científica do mundo. A ciência, através de sua cansativa investigação, cumpre com sacrifício o mesmo trabalho de reunificação do todo, que é a base das ascensões humanas. Assim, como tínhamos acima exposto para outros campos, também o progresso da ciência representa o retorno do ser à fonte una que tudo gerou. Neste sentido A Grande Síntese, que nunca pretendeu fazer novas descobertas particulares, fez a de coligar em unidade os fenômenos mais díspares. E fazer um organismo com o acúmulo de materiais diversos é verdadeira obra de criação, como o é a hodierna formação das grandes unidades sociais, em que os indivíduos componentes gozam de uma vida mais elevada em poder, utilidade e vastidão.

Vejamos, pois, o que nos diz a ciência, em relação à mencionada visão, enquadrando isto no sistema universal de A Grande Síntese, sem a qual tudo é compreensível apenas no particular. O princípio das unidades coletivas nela exposto (cap. XXVII) implica o de uma escala de formas hierarquicamente ordenadas no sistema do universo, em que a superior compreende a inferior, que se organiza, com outras semelhantes, em uma síntese mais elevada. Esta é uma unidade coletiva que tem a função de coordenar as atividades das menores unidades componentes para novos fins que transcendem os de cada uma delas isolada, e isto sempre segundo o conceito acima exposto do universo, princípio unitário, e da tendência unificadora que ele imprime em todas as coisas. Esta coordenação é uma questão de relação, pela qual os indivíduos componentes modificam o seu valor, se potenciam, como é lógico, pois que a unificação é retorno a Deus, isto é, volta para chegar perto do centro genético. Assim o reagrupamento coletivo tem ação amplificadora e o poder aumenta com a unificação, hierarquicamente de grau em grau, em unidades sempre mais vastas e orgânicas. Agora, vários cientistas já sobrepõem ao mundo físico-químico o mundo biológico e a este, o mundo psíquico e espiritual. Trata-se de planos de existência, em que as leis do plano superior dominam e guiam as dos inferiores. Todo plano tem um limite além do qual, num nível mais alto, as suas leis, mesmo permanecendo, não têm valor senão em função de uma lei superior e por si só não são suficientes para explicá-la, nem para dirigi-la a nova unidade.

Dada a estrutura hierárquica do universo, toda unidade é sempre coletiva, isto é, formada por menores unidades componentes coordenadas em organismo, de modo que a observação, toda vez que defronta uma individualização, acaba por decompô-la analiticamente nas menores unidades componentes. Toda unidade, pois, é sempre síntese, e é analiticamente decomponível em unidades menores, que por sua vez são sínteses maiores em face das unidades-sínteses menores, ao infinito de ambos os lados. A observação pode assim mover-se em duas direções: a analítica que vai para as sempre menores unidades componentes ou a sintética, que vai para as maiores unidades originadas. Ora, a ciência objetiva parte de um dado plano de unidades-sínteses, admitido por axioma e "a priori", que é o dado por meios sensórios da sua observação. O trabalho da ciência foi o de decompor as unidades desse plano nos seus elementos componentes. Por estas razões a ciência é analítica. Esta direção lhe foi dada pela própria estrutura das coisas. Partindo da  matéria, unidade sensória para o homem, a ciência penetrou a sua estrutura molecular e atômica. Porém, não se percorreu com isto, senão um mínimo trecho em descida, enquanto o caminho é sem fim, seja em direção descendente de análise, seja na ascendente de síntese. Dizemos descendente porque é na direção da análise que se procede para a pulverização periférica centrífuga do uno na forma, e dizemos ascendente porque é na direção da síntese que se procede para a reunificação centrípeta no uno da substância. E o caminho sem fim pode ser percorrido, não somente em direção analítica como faz a ciência, mas em sentido oposto, em direção sintética. E, então, em vez de penetrar na estrutura atômica da matéria, podemos conhecer as unidades sínteses superiores, como pode ser, por exemplo, o organismo múltiplo humanidade e sociedade de humanidades e a sua alma coletiva.

Agora o observador não é exterior ao fenômeno e distinto dele, mas é um fenômeno no fenômeno. A sua posição está num dado nível de hierarquia ou escala evolutiva, e deste ele pode olhar em torno no próprio plano, ou para os superiores, de baixo, ou para os inferiores, do alto, isto é, a sua investigação pode hierarquicamente descer por via de análise no particular, ou subir, por via de síntese, no universal. O pensamento humano há tentado umas e outras vias, as primeiras com o método indutivo e as segundas com o método dedutivo. Agora, o princípio de Einstein da relatividade, em dependência do sistema de referência escolhido, é aplicável pelo observador também a este caso, enquanto além da trajetória típica de um desenvolvimento fenomênico, há ainda a do transformismo evolutivo dele, como há um semelhante transformismo também no fenômeno representado pelo observador. Então a descoberta científica se pode operar, não somente pela projeção do olhar indagador em um outro plano, mas pela transformação evolutiva, isto é, biológica, do próprio observador. Eis assim justificada a afirmação, muitas vezes feita nestes escritos, de que o maior progresso no conhecimento resultará sobretudo da transformação do homem atual no superpsíquico tipo biológico do porvir. E assim a ciência poderá avançar ainda pelo desenvolvimento das qualidades sensórias e psíquicas do homem. É evidente que toda a perspectiva do conhecimento atual poderá mudar quando o ponto de vista houver mudado, pela diversa posição biológica do observador.

É certo que o nosso mundo sensível de onde deriva também a sua interpretação científica, é um mundo sensório e relativo. Sentimos axiomaticamente que, além dele, deve existir uma realidade, diante da qual o que registramos é ilusório. Indagando em todo campo e evoluindo, procuramos chegar sempre mais perto dessa realidade, com uma interpretação sempre mais exata. Analiticamente decompondo, com a observação, uma unidade-síntese nos seus elementos, a ciência transfere ao relativo grandezas antes consideradas últimas e absolutas. Assim, à medida que se conquista o absoluto, este retrocede. Todo registro, ainda que pareça o último em profundidade, é sempre um registro de síntese, atrás do qual se esconde a possibilidade de ulteriores registros de análises reveladoras de outras leis mais particulares. Mas se a nossa registração é progressiva e verdadeira em relação à realidade, ela é relativa e nos dá uma realidade relativa; é por isto ilusória? Não. No âmbito do seu campo relativo, ela é absoluta, no sentido que é uma exata representação de uma dada unidade-síntese no seu plano e ve dadeira somente nesse plano. É saindo desse plano e quando vista de outros pontos, que ela se torna ilusão. Quando de fato os filósofos indianos falam da grande Maya, é porque eles se põem em um ponto de observação espiritual acima do plano da matéria, que então parece ilusão. Mas. para os materialistas e os seres materiais, a matéria é realidade absoluta, ao menos enquanto eles fiquem naquele campo e vejam com os olhos daquele plano. Porém, logo que se passam os seus limites, aquela se torna relativa e desaparece, como ilusão. Todo o mundo torna-se ilusório, logo que é olhado de um mundo mais alto. E então procuramos realidades mais elevadas, próprias de unidades-sínteses mais amplas que, superando-as, abraçam esta nossa realidade de relação. E é de fato na unidade-síntese maior que podemos encontrar a lei compreensiva das menores, em que elas se coordenam e onde as diferenças que as tornam reciprocamente relativas e ilusórias, são superadas e conciliadas. Tudo isto não pode ser senão uma tendência, um caminho para uma última realidade ampla ao infinito, que compreende todas as outras. Mas ela é infinita e não é alcançável pelo nosso atual concebível, em razão de suas dimensões.

Vejamos o que diz a ciência a este propósito, no campo mais concreto da física. Ela confirma plenamente estes conceitos. Acima assinalamos o sobrepujamento da concepção mecanicista clássica do mundo pela moderna física estatística e quantística. Descobrindo a estrutura atômica da matéria e concebendo-a, não mais segundo as leis dinâmicas, mas conforme as leis estatísticas, a ciência moderna, que parece haver invertido as suas concepções precedentes, confirmou plenamente os conceitos mencionados, isto é, o princípio das unidades coletivas, de unidades-sínteses analiticamente decomponíveis, de hierarquia de unidades e de leis, de pulverização no particular da unidade do universo, de uma progressiva divisão e complexidade no relativo, ao polo oposto do outro extremo do simples e uno no absoluto. A teoria da relatividade de Einstein e a hipótese dos "quanta" de Planck, que revolucionaram a ciência, confirmam estes conceitos. Expliquemo-nos.

Os movimentos brownianos, descobertos em 1827 pelo botânico inglês Brown, são devidos, provou-se recentemente, à estrutura molecular da matéria pela qual as invisíveis moléculas de um líquido ou de um gás são as que chocando-se com as mais microscópicas partículas aí suspensas, lhes comunicam um movimento irregular. Este depende da distribuição assimétrica dos choques impressos por aquelas moléculas. Pode-se, assim, pouco a pouco, provar o caráter descontínuo de quantidades antes tidas como contínuas. Chegados, assim, a conceber a estrutura atômica da matéria, a física clássica pareceu ruir para dar lugar a uma física quantística ou estatística, em que dominam, não mais leis dinâmicas, mas leis estatísticas ou de probabilidade, não mais reguladoras de um caso particular, mas de inumeráveis processos particulares; leis que governam uma multidão de acontecimentos. em que o indivíduo desaparece. Desse modo a ciência superou a sua antiga interpretação mecanicista do mundo. Não mais propriedades que definem deterministicamente, mas probabilidades que regulam as variações no tempo, conforme leis estatísticas relativas a grandes agregações de indivíduos.

O refinamento alcançado pela técnica experimental moderna permitiu descobrir esse mundo que, sem destruir o precedente conhecido, aparece novo porque está além dele, mais profundo no seu intimo. O que formava o objeto da física clássica não eram senão as mencionadas unidades-sínteses, das quais uma análise mais progressiva acabou por revelar a composição. Antes se havia tomado como princípio único e definitivo, irrevogável e absoluto, aquele que depois se revelou ser a resultante de inumeráveis irregularidades livres compensadas, de modo a revelar, não as características do caso singular, mas as dominantes na massa. Estamos na primeira fase de penetração analítica da unidade-síntese e, portanto, o caso individual não foi ainda alcançado como indivíduo. A observação na física usa hoje o método estatístico das coletividades, em cuja conformidade se calculam os valores médios prováveis, em vez daqueles exatos para cada momento ou partícula.

Se tomarmos para exame o caso de um centímetro cúbico de ar, não poderemos calcular, conforme na velha dinâmica, a trajetória e os choques de cada um dos 25 trilhões de moléculas (oxigênio e azoto). Isto requereria enorme tempo, depois elas são tão pequenas, numerosas e em tão rápido movimento que semelhante exame é impossível. O número das moléculas contidas em um grama de hidrogênio é de 303 seguido de 23 cifras (303x1023). A massa de uma molécula de hidrogênio é de pequenez fantástica, isto é, gramas 0,000.000.000.000.000.000.000.000. 033 (33x10- 27). Podemos agora observar as moléculas nas suas qualidades coletivas de unidades-sínteses, sem que necessitemos conhecer o comportamento de cada uma. Poderemos, assim, conhecer a pressão do gás, calculando a velocidade média de cada molécula e desta obter aquela pressão, isto é, o efeito-soma de todos os choques produzidos por estas moléculas contra as paredes do recipiente. E o cálculo que exprime, não o caso singular, mas o resultado coletivo, é exato, porque sobre cada centímetro quadrado de parede chega o choque de um tal número de moléculas (cerca de 200.000 trilhões de choques por segundo) que, na prática, resulta uma pressão constante, cuja grandeza depende do impulso médio de toda molécula. No grande numero, as irregularidades individuais desaparecem numa regularidade coletiva sobre a qual, justamente, se baseiam as leis descobertas pela física clássica.

Ela se baseava em experiências de caráter macroscópico, o que significa uma grosseira vista de conjunto, que não penetra absolutamente na estrutura analítica da unidade-síntese e não chega a compreender os processos de dimensão submicroscópica que ocorrem no átomo. A humana observação sensória, conquanto a técnica científica se aperfeiçoe hoje, não pode penetrar nessa estrutura analítica e se deve contentar com as resultantes gerais de massa, sem nada saber do caso singular, como acontece no uso das estatísticas que conhecem o andamento geral do fenômeno, nascimentos, mortes, acidentes etc., sem nada saber do caso particular isolado. Ora, uma ciência que trabalha sobre resultantes gerais de massa, obrigada a abstrair de uma realidade que se distancia sempre mais na profundidade e com a qual perde sempre mais o contato, se, de um lado, se livra de contaminações antropomórficas, de outro lado deve trabalhar e construir no vácuo, em forma de abstrações matemáticas, procurando somente depois a concordância dos resultados obtidos com a realidade experimental. É assim que a nova física deve confiar-se muito aos matemáticos, trabalhando com conceitos que não são os da corrente-concepção sensória. E a alta matemática já está muito perto da especulação filosófica. Não somente, pois, a matéria é hoje vista pulverizada na sua estrutura atômica, mas toda representação antropomorfa e sensória do mundo desaparece totalmente. Se isto conduz a ciência para um princípio ordenador de um organismo universal, do qual ela vê sempre melhor o grandioso funcionamento, lhe mostra ainda que o princípio do universo, Deus está tão além das nossas concepções antropomórficas, que para o homem se perde no inconcebível.

Agora podemos perguntar-nos: a moderna e mais profunda penetração analítica num mundo-fenômeno mais íntimo, fez verdadeiramente ruir a física clássica e as suas concepções? O fato de que a ciência mais panorâmica, sensória e grosseira, escavando em profundidade além da face exterior dos fenômenos, descobriu um mundo com leis diversas, não pode anular o valor das leis precedentemente descobertas, que permanecem, mesmo conquistando um valor relativo em relação a outros planos de existência e ficando absolutas em relação a eles. É verdade que o mundo sub-atômico não funciona como o mundo macroscópico. Naquele plano mais profundo ele não é mais uma grande máquina dirigida por absoluto determinismo e os seus elementos aparecem independentes e livres. Aparecem, assim, segundo a nova física os "quanta" de ação. Entretanto, é possível dessa desordem submicroscópica obter uma ordem indiscutível no plano macroscópico que é vista pela física clássica. O que esta denominava leis, sabe-se hoje que na realidade são apenas regras estatísticas formuladas "a posteriori", como resultantes gerais de massa, por isto não ficam menos verdadeiras. Somente, não aparecem elas como férreo determinismo, mas como regularidades estatísticas que, se no plano macroscópico conservam o valor e a verdade de leis naturais, no plano submicroscópico repousam sobre o acaso ou sobre a liberdade dos atos elementares. Mas, não são menos válidas do que antes. E se dizemos acaso para os atos elementares, é porque a ciência não encontrou ainda neste campo as leis inflexíveis e eternas que devem vigorar num plano mais profundo do macroscópico. A concepção estatística dessas tais leis não é senão a primeira fase de aproximação para o seu conhecimento.

A certeza das leis do mundo macroscópico é dada pelo grande número dos elementos e atos componentes, e por uma repetição preponderante em determinado sentido, de uma maioria de casos. O que forma essa regularidade estatística senão aquela repetição de casos? O que determina essa repetição? Se lançamos um dado exato, cada número sairá tanto mais regularmente por um sexto de vezes, quanto maior for o número dos lances do dado e, isto, pela lei dos grandes números. Mas se o dado tiver um defeito, quanto maior for o número dos lances, tanto mais claramente ele se manifestará nos resultados. Então a lei macroscópica está escrita nas qualidades dos componentes singulares e a regularidade estatística nada faz senão revelá-la. O conteúdo não é senão a revelação da natureza dos elementos individuais. É na qualidade da maioria dos casos que está escrita a lei que, mesmo manifestando-se agora como expressão de características mais íntimas, não perde, por isto, as características precedentes. Se o ato singular depende de uma lei mais profunda que, embora nos escape, denominamos acaso ou livre comportamento, a lei coletiva exprime e revela as qualidades dominantes nos casos individuais. Por isto não é menos absoluta hoje, já concebida como lei dinâmica, como lei estatística. Não é como se acreditou, por nada, rejeitado o conceito de necessidade absoluta, pela moderna física estatística ou quantística, que permanece determinística como a clássica. Não é, dessarte, prejudicada a necessidade da premissa que existam leis absolutas reguladoras que a física, como qualquer outra ciência reclama. Há somente essa diferença com a física clássica: havendo posto em foco a observação num plano mais profundo, hoje se pode considerar como secundário ou derivado o que antes se considerava como primário ou fundamental. Assim as "leis naturais" da ciência clássica não são abolidas e mesmo parecendo-nos agora como leis estatísticas, relativas ao plano macroscópico, distintas das do plano submicroscópico, não perdem, por isto, nada da sua verdade.

Para compreender, podemos referir-nos analogicamente. aos fenômenos sociais, em que reencontramos a mesma relação, pelo que o funcionamento do organismo coletivo é dado por leis precisas que se exprimem estatisticamente, enquanto no seu âmbito o indivíduo, regulado por uma outra lei, sente-se livre. Também neste caso, o organismo coletivo é dado pelas características dominantes nos componentes individuais, pelos valores comuns, enquanto os diferenciais se elidem. Vemos aqui o principio das unidades coletivas ressoar idêntico, do plano da matéria ao humano, com as mesmas características. E o que se disse do plano físico (organismo de átomos), agora do plano social (organismos de seres humanos), se pode repetir, ainda, do plano biológico (organismos de células) etc.

Quando as unidades individuais não são mais observadas singularmente, mas coletivamente, por massas a observação é conduzida de maneira macroscópica em vez de o ser de maneira microscópica, então aparece uma lei nova em que as características de minoria dadas pelas diferenças individuais se anulam e desaparecem, e ressaltam somente os caracteres predominantes comuns. Então sobre a minoria dos casos divergentes, triunfa a maioria dos casos concordantes. Para lá da lei do indivíduo aparece a lei do grupo, em que os singulares se fundem por homogeneidade de caracteres. Na mais vasta lei da unidade-síntese, é reabsorvida a lei de cada uma das unidades individuais componentes. Na visão panorâmica desaparecem os particulares e o indivíduo revive, não como tal, mas como síntese. Como os respectivos planos, as duas leis são contíguas, mas diversas. E como toda unidade coletiva é a resultante dos seus elementos componentes, assim toda lei de todo plano é a resultante das leis que dominam a maioria dos casos singulares. Assim, mais analiticamente se desce ao particular e mais se vai para a diferenciação dos princípios diretivos; e mais sinteticamente se sobe para o universal e mais se vai para a unificação e extensão dos princípios diretivos. Também neste campo da Lei, eles são hierarquicamente conexos conforme os planos evolutivos do ser. E assim que, acima do espírito, há uma infinita hierarquia de leis que nos fogem, como no intimo da matéria há uma outra infinita hierarquia de leis que não conhecemos.

Dessa maneira, a visão sentida antes em forma filosófica e mística agora se prolonga em forma científica. E eis que o ponto clássico, ou um elétron que se move no espaço, pela ciência já é concebido como um conjunto de ondas; o que se acha ser o último indivisível elemento da realidade, é ainda, depois, decomposto em menores elementos componentes. Desse modo, conforme a mais recente física, este último termo da realidade não é senão uma contração de energia ondulatória, tanto mais facilmente e exatamente localizável, quanto mais as freqüências componentes do conjunto de ondas diferem entre si. Com uma freqüência única não é possível nenhuma localização, porque uma onda única em nenhum ponto se distingue de uma uniforme intensidade. Esse elemento, pois, pode formar-se lá onde numerosas ondas de várias freqüências interfiram entre si, de modo a se anularem reciprocamente no espaço e a, se distinguirem em sistema autônomo, somente em torno de um determinado ponto. Ora, dado que a "função de onda" é determinável segundo regras de cálculo bem definidas, adotando-as, se resolvem algumas dificuldades como as do elétron incidente, divisível somente assim em mais ondas incidentes, explicando desse modo o seu comportamento quando, isolado, ele fere uma lâmina de cristal.

Eis qual a substância que representa, conforme a ciência moderna, o elemento fundamental da realidade. O extremo corpúsculo material, qual o elétron, se dissolve em ondas, a substância fundamental, material de construção do edifício das coisas, é um puro campo eletromagnético, essas ondas não têm necessidade de se apoiarem em nenhum substrato material, sendo concebidas somente como modificações periódicas. A tudo isto não se sabe mais dar qualquer significado físico real, mas somente o lógico de representar a probabilidade matemática em que o elétron se encontre, naquele instante, naquele determinado ponto do espaço. A solidez do mundo físico é, pois, toda sensória, e se reduz a algo que está bem distante da realidade física, isto é, a uma probabilidade matemática. Eis em que se tornou a matéria por obra da mesma ciência materialista. A série estequiogenética nos mostra como a matéria foi decomposta em 92 elementos. Depois, foi decomposto o átomo, à guisa de sistema sideral, em partículas dotadas de carga elétrica. Agora também essas últimas quantidades da matéria são reduzidas a determinações formais de processos ondulatórios, de modo que da matéria não permaneceu senão uma forma matemática, isto é, simplesmente variações dos fenômenos sem que aí esteja qualquer coisa que exista e persista, por si mesma, fora delas. Não se pode admitir, de fato, uma substância absolutamente neutra, sem pr priedades suas, as quais não poderiam deixar de influir sobre processos a ela relativos. De  modo que por último a ciência da matéria se reduz a uma ciência de relações, a um puro processo lógico. Assim ela se encaminha a compreender como a última essência da matéria não seja senão uma abstração, um imponderável, um pensamento puro, o da mente diretriz do universo. Essa ciência se apresta a conceber como este puro pensamento haja podido criar, em Deus, como Sua expressão, o universo.

Desse modo, a moderna mecânica ondulatória no estudo das ondas não pensa num substrato físico, mas somente nas leis formais do fenômeno, de modo que a física pode hoje deixar de se referir a um substrato ou meio. Ele poderá existir, será um "quid" que ocupa contemporaneamente espaço e tempo, não se sabendo hoje como conhecê-lo. E assim a física o estuda como relação, no seu comportamento e não na sua essência. Dessa maneira, para poder continuar a trabalhar, a ciência e o seu sistema se tornaram independentes e para funcionar não têm mais necessidade dessa incógnita, que foi posta fora das suas equações. Tudo assim parece vaporizar-se no nada. Mas nem por isto a ciência identifica o mundo com o nada, mas crê que alguma coisa o distingue dele. E isto é um "quid" objetivo, independente do sujeito conhecedor que não é o ponto de partida das coisas. Mas esse "quid" não é por certo a matéria. Esta e a concepção materialista ficaram assim dissociadas e precisamente ao longo da linha do realismo e não ao longo daquela de um absoluto idealismo. Isto nos mostra que o materialismo, levado às maiores profundidades, por fim se confunde com o espiritualismo. Assim ruem tantas distinções, física e dinâmica, matéria e vida etc., tudo se torna, como já afirmei em A Grande Síntese, a expressão de um mesmo princípio cinético. Não permanece, no fundo de tudo, senão um "quid" que no campo da física extravasa aquela forma sensória que chamamos matéria. Hoje a ciência chama "quid" ignoto o campo abstrato do puro pensamento. Mas um dia ele verá que o pensamento, de Deus ao homem, representa uma força criadora, significa uma transcendência em que é latente toda imanência, constitui o elemento genético de toda sua manifestação concreta.

Agora podemos compreender como o mundo, que nos aparece e que denominamos real, seja, além do limitado ponto de vista sensório, uma ilusão; compreender como essa realidade, que é uma síntese, se possa dissolver toda através da análise científica, e como a que vemos como estabilidade da matéria não seja senão uma estabilidade abstrata, isto é, dos princípios imateriais que a regem (o pensamento). E assim o materialismo como acontece em todas as formas de erro e para o mal, com o progredir da ciência materialista, se tem autodestruido e, embora ainda impere em nossa vida prática, já foi superado no pensamento diretriz, pois esta última interpretação do elemento extremo hoje conhecido como realidade, o elétron, é verdadeiramente uma ponte lançada pela física no campo do espírito. A ciência encontrou no fundo da matéria uma onda, uma vibração, alguma coisa que pode formar o elemento construtivo, seja da matéria, seja da energia, seja do pensamento. Achado esse denominador comum, possuímos os elementos fundamentais para demonstrar o físio-dínamo-psiquismo monista de A Grande Síntese.

Assim concebida a matéria, conforme a física moderna, não há mais dificuldade em conhecer o espírito, conexo e substrato das formas materiais, dotado de potência criadora. Observemos, agora, a mesma realidade, não mais com o olho analítico da ciência, mas com o olho sintético de quem sobe ao longo dos planos do ser, ao longo das grandes construções da arquitetura do universo. A visão continua, não mais para o mundo físico, mas para o espiritual. Ela se dilata numa concepção cosmogônica em que a matéria aparece como uma organização elementar, dominada por uma hierarquia de formas de existência superiores em complexidade e potência construtora, entre as quais estão antes a energia e depois o espírito. Pelo que, como a energia representa o princípio criador e diretriz da matéria, assim o espírito representa o mesmo principio para a energia e depois para a matéria; Todo plano depende hierarquicamente e é dominado pelo evolutivamente superior. Assim a vida organiza para um mais complexo nível de química orgânica a mais simples química inorgânica, como esta tinha organizado os átomos em moléculas etc. Desta forma o espírito constrói o seu organismo com os elementos preparados pelo mundo biológico. Do espírito e além, se sobe para Deus, em domínio e potência criadora. A criação descende, assim, contínua, de Deus, mas de plano em plano, através de meios de diversa potência, que são instrumentos proporcionados ao divino trabalho criador que por meio deles se cumpre. Mas, seja mesmo como operários, os seres colaboram, como canais através dos quais a criação se mobiliza e a manifestação de Deus se exprime. De sua parte o ser ascende, e evoluir significa também restituir sempre mais ao real o pensamento de Deus, significa dar forma a algumas coisas de verdadeiramente novo como forma e manifestação, se bem que já tudo exista latente em Deus. Assim a criação é contínua, pois que não se pode manter nada sem criar. Deus realiza essa criação através das criaturas. Quanto mais o ser sobe, tanto mais se torna criador, porque mais se avizinha e se assemelha a Deus. Assim o homem participa e se torna sempre mais participador da atividade criadora divina, que cria nele e por meio dele. A criação é atual e é assim que o Deus transcendente se torna também imanente no contingente, que não pode estar além d‘Ele, que deve ser tudo. O homem que cria no pensamento já opera fora do espaço e do tempo e, por isso, ele é o ser terrestre que mais se avizinha de Deus e o primeiro artífice da Sua criação na terra. A atividade intelectual e espiritual do homem é obra diretriz dos planos a ele submetidos, da qual é investido, de direito, dada a sua posição hierárquica no universo. O criador das obras do pensamento é o ser que mais está perto de Deus na terra.

É assim que o espírito tem verdadeiramente potência criadora no sentido que plasma organiza e mantém em vida na forma desejada quanto existe nos planos a ele inferiores. Mas isto não significa que o mundo tenha uma existência somente enquanto seja uma pura criação subjetiva do espírito individual. O mundo, já dissemos, tem uma existência objetiva, independente do sujeito pensante. Ora, como se conciliam essas opostas afirmações? O que existe é efeito do pensamento ou é independente dele? Mas sobre a terra não há somente o pensamento humano. Ele pode dirigir a sua vida para algum fim, mas não todas as vidas, às quais outros pensamentos presidem. Eis o mundo objetivo, independente do homem. Não é o pensamento humano a única força diretriz do planeta. Dessa potência criadora própria do espírito, pode-se, porém, deduzir quanto interfira um fenômeno a simples presença do observador que, embora, esteja em posição neutra de pensamento, será sempre ativo, será uma força capaz de influenciar o fenômeno.

Terminando esta visão, podemos perguntar: chegará a ciência a nos dar uma concepção do mundo, exaurida e demonstrada em todos os campos, tudo coordenando organicamente o que sabemos e o que saberemos, em uma síntese universal? Certo que chegará e por isso hoje urge compensar o atual divergente trabalho racional de análise, com um oposto, convergente trabalho intuitivo de síntese. Desde hoje, não se pode fazer uma filosofia ou explicar uma religião sem conhecer a ciência. Hoje não se admite mais um. pensador insciente de todos os ramos do saber humano; ele deve conhecê-los todos. Trata-se de descobrir as relações que façam desse esparso saber um todo orgânico. É necessária uma obra criadora de intuição que revele uma idéia que, sem representar nenhuma das particulares idéias tomadas em cada campo, represente uma nova, a da sua coordenação, o que significa criação de um organismo novo de uma potência muito maior do que a dos componentes particulares somados em conjunto. Não são as fórmulas e os complicados processos da matemática que criam, mesmo na física. Eles somente demonstram. O que conta são as idéias fundamentais, filhas das intuições, das quais, depois, nascem as teorias. Na origem destas estão. as idéias e não as fórmulas. É unicamente, em seguida, que aquele pensamento deverá tomar a veste matemática de uma teoria quantitativa para fins de controle experimental. Como na história temos o período clássico e o romântico, a guerra e a paz, a revolução e a reconstrução, em biologia, o macho e a fêmea, em física, o núcleo e os elétrons e, em astronomia, o sol e os satélites tudo sendo assim bipolar, avançando por opostos períodos de onda, também a ciência é bipolar e avança por clarões de intuição criadora antes, e, depois, por paciente controle analítico racional. Assim também a elaboração racional da mais árida ciência presume como ponto de partida, o seu oposto, e esse ponto de partida é uma fé. E que é uma hipótese de trabalho, senão um ato de fé?

Trata-se de antecipar e, sem fé, não se antecipa Poder-se-á dizer fantasia, intuição, mas estamos sempre em um campo super-racional, o único de onde pode partir a primeira centelha. Assim a ciência, que foi mas não será inimiga da fé, nasceu e não pode nascer senão de uma fé. Se a observação não é assim fecundada, se os dados da experiência não são coordenados pelo espírito, tudo permanecerá material desconexo e a ciência nunca saberá concluir. Ela não é somente observação, mas também síntese das observações. Dessa maneira, como em qualquer parte, somente uma grande fé é criadora igualmente no campo da ciência. Ela é o impulso que sustém o homem em qualquer parte, mesmo na confusão das áridas fórmulas matemáticas. Desse modo. uma obra, ainda que tecnicamente imperfeita e parcialmente errada, pode ser frutífera e genética, porque sustentada por uma grande fé, da qual só pode nascer a intuição genial. Com isto se entende uma livre, espontânea fé sentida. O cientista, que deve indagar sem preconceitos, não pode estar ligado "a priori" a absolutismos dogmáticos em nenhum campo. Uma fé orienta, impele, aguça os sentidos e gera a intuição, faz-se o essencial em um mar de particulares. Assim o matemático encontra e formula o novo teorema antes de estar em grau de demonstrá-lo. A ciência nasceu de uma fé numa ordem racional do universo. Quando o cientista se mantém no sólido terreno da experiência e da realidade dos fatos e os respeita, baseando-se neles como primeiro fundamento, sem o qual não se faz ciência, somente a fé depois poderá dar-lhe asas aos pés para percorrer o áspero caminho.