Se, mais no alto, há leis superiores, isto não tolhe que a luta pela seleção do mais forte seja a lei verdadeira, a vigente no plano animal-humano. Limitada a esse campo inferior e relativamente a ele, a formação desse tipo biológico pode ali representar a finalidade da vida, porque nada de melhor se pode pretender de um ser que está imaturo para mais altas expressões. Para poder melhor passar à ascensão para planos mais elevados, procuramos pôr em foco a nossa observação sobre o animal-humano, que está mais perto de nós. Podemos assim delinear o fenômeno da ascensão espiritual, também de um ponto de vista biológico e ver a que tipo diversamente forte a vida quer chegar nos níveis mais altos. Todo plano evolutivo produz o seu modelo, ou obra-prima. O reino mineral produz os cristais geometricamente perfeitos, o reino vegetal produz a flor maravilhosa e a árvore soberba, o reino animal produz a besta ágil e forte, o reino humano produz o herói condutor de povos, o reino super-humano produz o gênio e o santo. Assim, cada fase alcança a sua finalidade, ingressando, depois, na sucessiva, para alcançar outra mais elevada, subindo, assim, aos poucos, os degraus da evolução, que não representa senão a gradual, exterior manifestação de Deus, a progressiva realização do Seu pensamento no Seu universo. Todo novo impulso ascensional só se pode tomar da base que antes se haja alcançado e onde estejamos consolidados. Toda forma é o resultado do passado e das conquistas precedentes que resume, e não se pode subir para a sucessiva sem ter cumprido, elaborado e assimilado as precedentes. Dessa maneira a construção continua além do gênio e do santo, limites máximos da nossa atual concepção e perfeição. É sempre a vida que se enriquece através de miríades de experiências nas individuações que a personificam. O que é da vida é nosso e somos feitos de tudo aquilo que vivemos. Como de outro modo se pode conquistar consciência, senão através das próprias experiências?

Que imensa dilatação de horizontes este viver nesta maior vida, sem limites de tempo e de formas! Que senso profundo lhe dá esse conceito de um desenvolvimento, guiado por uma lei sábia, para uma meta radiosa, ainda que ela esteja além do nosso concebível! Que conquistas faz, assim, conosco a vida, e que indestrutível patrimônio ela constrói! Que alegria é pensar que em qualquer posição, de vitória ou de derrota, cada um de nós nunca nada perde, mas trabalha sempre utilmente para a construção de si mesmo! Que gigantesco edifício é uma alma! Nada mais de inútil acontece, tudo fica indestrutível, tem o seu peso, as suas conseqüências, é útil sempre para alguma coisa, cada dor nos enriquece de uma consciência maior. E à medida que subimos nos mudamos e a vida muda para nós; que nos pode roubar a velhice e a morte, quando somos uma alma imortal em ascensão? Que importa a crucificação lacerante, se depois a ascensão nos torna gloriosos? Muitos deliram acerca do fim da humanidade. A terra poderá ser o féretro do seu corpo, mas não do seu espírito. Apagando-se o sol, o nosso planeta não poderá mais hospedar a nossa vida de hoje. Mas esta não terá mais necessidade daquele suporte físico, porque a humanidade terá alcançado uma outra vida mais elevada, fruto da presente, e a viverá em um novo ambiente mais adaptado. Então todos os restos terrenos da nossa civilização humana serão somente produtos de refugo, deixados para mundos inferiores, para que eles os utilizem no seu plano, como acontece com todo cadáver em desfazimento. E a nossa humanidade será sempre viva e jovem, expressa em formas mais elevadas e mais felizes.

Em que fica, diante de uma visão assim tão vasta, a nossa pequena biologia, com os seus fins limitados à sua fase e relativos modelos? Em que fica, na biologia universal, o nosso "mais forte", obtido por luta e seleção? O mais forte nessa biologia o é em sentido todo diverso, e aquele tipo se forma através de uma luta e uma seleção bem diversas. A maior luta não é contra o semelhante para o submeter a servidão, pobre emersão de uni bruto entre brutos, mas é para a conquista de qualidades superiores de sabedoria, decisiva emersão fora da animalidade e da ignorância. O mais forte nessa biologia universal e o mais evoluído, que é verdadeiramente melhor dotado, porque é mais rico em qualidades, para vencer as batalhas da luta pela vida. Ele vence sempre melhor que o involuído, de mente obtusa, embora materialmente forte. Os grandes monstros paleontológicos, quais os brontossauros etc., bem gigantescos, pereceram por sua estupidez, enquanto sobreviveram animais menores e menos fortes, porém mais inteligentes. O homem os está chefiando. É lógico que a vida dê a vitória ao mais evoluído, que representa o seu produto melhor. E ele merece, porque há mais tempo provou o seu valor e sofreu e, como tal, é o mais rico de experiências e qualidades. A vida é sempre econômica e justa. Mais no alto vence não o homem de corpo mais forte, mas aquele de espírito mais potente. Defronte ao seu dinamismo de alto potencial, a brutalidade é somente estúpida destruição. Que pode a ferocidade contra um explosivo? É belo observar a luta apocalíptica entre o anjo e o bruto. Ela não é senão um momento da maior luta entre a luz e a treva, entre Deus e Satanás. E Deus e a Luz vencem.

Em qualquer nível a vida exalta e faz triunfar aquele que é o melhor em relação ao seu ambiente. Assim ela obedece ao seu campeão, vencedor do próprio plano. Dessa maneira, nos limites deste e relativamente às próprias capacidades, ele é admitido à colaboração na Lei com a direção de fenômenos, porque como campeão ele merece confiança. o tipo físico domina só a matéria, o dinâmico domina a energia, o tipo espiritual domina o espírito. Hierarquia de potencialidade e de domínio; pois que, no fundo, o mais forte é quem está mais no alto na evolução, porque é aquele que mais manda. Ele opera nas causas profundas de que, depois, tudo deriva, opera com o espírito que dirige a energia e através desta, termina na matéria e sobre ela atua. O primitivo que crê somente na força não pode compreender que a justiça, se vence mais tarde, vence mais profundamente do que a astúcia; que inteligência e bondade vencem afinal toda violência; que uma idéia, quando responde a uma função biológica, é mais potente do que um explosivo. O mais forte no sentido materialista deve compreender ser como é somente no seu campo animal-humano, além dele, é um fraco e inepto. Passando de um plano a outro, as posições se invertem. O Evangelho demonstra ser, também, uma escola de fortes, mas de uma força diversa. Por isto os vencedores pela violência a esta se apegam desesperadamente, porque sabem, despojados desse meio, estão perdidos. Subindo, os vencedores tornam-se vencidos. Assim o são sempre os juizes defronte aos mártires por eles condenados. Em um plano mais alto os inferiores tremem ao aventurar-se porque se sentem desarmados. E então se desafogam sobre os mais evoluídos, golpeando-os pelo lado material. Mas estes são invulneráveis no seu plano espiritual, onde triunfam. Esta é a história de todos os mártires, até ao maior, o Cristo.

Tudo isto obedece às leis que permanecem iguais à distância de milênios e de uma ponta a outra do mundo. Elas tornam a aplicar-se todas as vezes que o ser se encontra em um dado grau de evolução. A ascensão apresenta-se livre para todos, mas quando se quer percorrê-la, a rota é inalterável. Toda nossa atitude, qualquer seja, nos prende sempre a um sistema do qual precisa, depois, exaurir e absorver todos os elementos componentes, até à ultima conseqüência. Desse modo quem se empenha no plano da força, é verdade, tem no começo a vantagem de ver tudo permitido: o lícito e o ilícito, o justo e o injusto. E assim ele pode escarnecer de todas as leis morais do plano evolutivo superior. E tudo vai bem enquanto ele tem na força seu único apoio. Porém, uma vez colocado sobre este terreno, se perde este seu único apoio, para ele não pode existir piedade. Então, a justiça que ele violou lhe fará pagar tudo aquilo que com a força ele tomou injustamente. A queda de tantos grandes da terra nos mostra quão seja perigoso usar esse método, que está sempre pronto a nos trair. A astúcia é força de caráter psíquico, e igualmente tenta subjugar, por isto está sujeita às mesmas leis. Quando, após muito tempo, a mentira se descobre, para o astuto não há mais piedade e então ele paga por tudo. Cada um está ligado ao seu sistema. Porém, o mais sólido é o da sinceridade e da bondade, único para construir estavelmente, sem antecipações e débito, que depois se hão de pagar. Então se suporta violência e astúcia, e simplesmente se deixa que o mundo saiba. Este então vê no justo condenado, o mártir, pois que a Lei está escrita na alma humana que, queiram ou não, tem o senso do bem e do mal. Princípios verdadeiros em ponto pequeno e grande, do indivíduo mais humilde aos povos e nações.

Há uma invisível hierarquia de seres e valores, uma ordem que ninguém pode subverter. Conquanto inerme, e condenado ao martírio, possa parecer o evoluído na terra, ele pertence sempre a um plano de vida superior, da qual nenhuma condenação terrena poderá jamais arrancá-lo. Cada um é ligado às leis do seu sistema, também o evoluído que por ele finalmente é exaltado. A hierarquia é inviolável. Os vários reinos, mineral, vegetal, animal, humano, super-humano, estão sobrepostos como os planos de um edifício e cada um se eleva sobre o outro, dominando-o. Este é o equilíbrio da imensa construção do universo. Direito, pois, à obediência dos inferiores, como dever de obediência aos superiores. Ao comando estão ligados os pesos e a responsabilidade da direção; nele, pois, nunca arbítrio e abuso, mas sempre função e missão. A Lei é um regime de justiça. Cada um gravita segundo o próprio peso específico, no próprio plano evolutivo, isto é, se encontra a viver na posição que merece, conforme as próprias qualidades e real valor, no sistema, enfim, de força proporcionado e adaptado a ele como vantagem e dever.

Para ascender a um plano biológico superior é necessário haver antes percorrido e assimilado as experiências dos planos inferiores, haver resolvido os problemas que neles nos atormentam. A este propósito, muitos economistas afirmam que não é possível educar os povos para um mais evoluído nível de vida, sem antes ter resolvido o problema das necessidades materiais. Afirma-se, como acima já indicamos (Introdução), que com essas preocupações, não se pode pensar no espírito. O fato de o homem moderno haver situado a questão nesses termos, revela a sua miopia, isto é, significa não ter compreendido qual é o fim da vida, ou seja, a evolução. O erro está no exagerar a importância do problema econômico e em crer que a sua solução signifique resolver todo o problema da vida, que é bem mais amplo que o do estômago. E, então, perguntamos a nós mesmos: que saberá fazer do seu bem-estar um homem que, havendo resolvido o problema econômico e achando-se satisfeito em todas as necessidades materiais, por haver pensado sempre e somente nisto e não saber pensar em outra coisa, não possui nenhuma preparação para um gênero de vida superior? Eis, então, o perigo já alhures notado. Não é lícito ignorar os fins da vida e limitar-se aos do estômago A vida não pode parar ali e, se aceita essa meta, isto só se dá para subordiná-la a um fim mais alto. O nosso mundo materialista se detém nessa etapa, ignorando o resto, sacrificando tudo por ela. Ai de quem trair os grandes fins evolutivos da vida! Esta quer ascender, não quer por nada criar um gordo involuído, mas um evoluído, não importa se magro. Em suma, para a vida, o problema do nosso bem-estar é secundário defronte ao da nossa ascensão, enquanto o homem inverteu os termos, tornando principal o secundário e secundário o principal. E então acontecerá que, se o homem não for preventivamente educado a saber fazer bom uso, para atividades mais elevadas, da abundância dos bens, do tempo livre e das energias disponíveis, dadas pela reduzida necessidade de trabalho, então, o mais alto nível de vida se reduzirá somente a multiplicar os seus defeitos, excitando a cobiça de gozar, a avidez de possuir, o ócio fatal. O novo poder do bem-estar, por um tipo não preparado, em vez de ser uma vantagem, pode resultar em prejuízo. Não é pueril crer que se possa satisfazer à insaciabilidade humana somente com uma mais eqüitativa distribuição de bens? No fundo da alma de quem mais grita hoje contra a injustiça social não está o desejo da eqüidade, mas o de se substituir aos atuais ricos para lhes imitar os feitos e de maneira mais desastrada.

Há, porém, um outro perigo: o bem-estar material adormece o espírito, amortece a luta, o que faz parar a evolução e nos distancia da salutar fadiga, que é o meio para alcançar os mais elevados fins da vida. Que fizeram, historicamente, todas as classes sociais que se asseguraram o bem-estar, senão apodrecerem até à ruína? Não basta, pois, por si só, para evoluir, a solução do problema econômico, como sustentam as modernas teorias igualitárias. Ninguém lhe nega a importância; mas é necessário compreender que isto "por si só" alcança uma bem pobre solução, se ela não se faz acompanhar por uma paralela educação e preparação espiritual, para saber viver em condições melhores, fazendo de tudo bom uso. Venha, pois, também a justiça social e a elevação econômica das classes menos abastadas. Mas, tome-se em conta que se elas não forem compensadas por um paralelo progresso moral e intelectual, tudo isto pode levar a uma ruína maior que a miséria atual, quando tantas coisas se podem perdoar, mas que, depois, em condições melhores, seriam imperdoáveis. E hoje, é mesmo esta sabedoria que falta, quando os bens não são meios para fins mais altos, mas somente fins para si mesmos e, com isto, motivo de ódios e destruições. Que real vantagem evolutiva o bem-estar econômico pode levar a esse tipo humano? E que serve melhorar economicamente, quando se é imaturo para disto fazer um meio para progredir para planos de vida mais elevados?

As finalidades da vida estão acima das teorias humanas. Elas querem levar a humanidade para o espírito, onde há maior poder e felicidade, e não fazer dela um rebanho de animais que pastam. Todas as leis humanas e em qualquer campo devem existir somente em função dos escopos da vida. É preciso compreender os seus planos e segui-los, se não se quer ficar derrotado. Enquanto, na terra, os homens lutam para monopolizar egoisticamente tudo, a vida é sempre universal. Nenhuma classe ou indivíduo pode vencer isoladamente. A vida é já coletivista, há muito tempo. Se os mais evoluídos podem tirar da fonte, é porque devem irradiar para os outros. A justiça social que hoje tanto se procura, já existe na vida. Tudo nela está proporcionado; fadiga, méritos, poderes. Quem não é digno, usurpa ou abusa, recai nos planos inferiores onde mais se serve, e é excluído dos planos superiores onde mais se comanda. O vencedor deve pagar a sua vitória em favor do vencido, que deve ser pago pela sua derrota. Depois de ter cumprido a justiça (naquele plano) de fazer triunfar o mais forte, a vida cumpre a justiça de ajudar o mais fraco. Tudo é harmonia no conjunto, tudo é equilibrado com justiça. As derrotas são compensadas, como as vitórias são utilizadas, a força é apertada e a fraqueza excitada, e cada um é exposto conforme a posição dada pela sua natureza, pois que é esta que estabelece e atrai os assaltos. A natureza, nunca madrasta, compensará o servo à custa do dono e o débil à custa do forte. Este, mais dotado, crendo dominar, prestará ao outro o serviço de guiá-lo; e o fraco servirá o senhor, e este será o educador do servo. As barreiras sociais são artifícios humanos passageiros, já que a vida tende à unidade e, além dos antagonismos, tende à simbiose. Na realidade o senhor não comanda e o servo não depende senão formalmente, mas eles convivem, influenciando-se reciprocamente, adaptando-se um ao outro; vencedor e vencido nada mais fazem senão executar funções complementares das quais cada uma tem a sua compensação. O dominador, com o bem-estar, se desfaz, e o servo, na sua dura posição, torna-se astuto e aprende a traí-lo. Assim, alguns povos são mais inteligentes po que se tornaram astutos em milênios de servidão Dessa maneira, em qualquer posição em que estejamos, a vida nos faz mestres e alunos um do outro. No fundo de todas as dissensões e competições sociais, a vida já estabeleceu as suas harmonias, as faz funcionar e as põe em atividade. Cada elemento tira do outro e cada um acaba por dar o que tem. Quem crê comandar serve aos servos, e quem crê servir se faz servir pelos senhores. O mais forte não pode deixar de irradiar e de se expandir nos outros; o mais fraco, porque é mais pobre, absorve. Assim o mais forte, ligando-se ao mais fraco, lhe permite viver. Tudo se reduz a uma universal convivência na qual cada um, conforme sua natureza, atende a fins diversos, com objetivos complementares, formando a única grande orquestração da vida. Não há posição que não se compense, de qualquer modo do peso que a grava. Assim o explorado explora como pode o explorador, numa rede de desforras, e tudo se reduz a trocas fraternais. A vida utiliza todas as suas células, e, quer queiramos, quer não queiramos, a convivência no mesmo ambiente torna irmãos todos os seres.

Qual é a sorte e a função dos fracos na sua economia? O número é a sua força. Assim a natureza os protege. Por isto eles se reúnem em grupos para se apoiarem uns aos outros. Sentem-se seguros somente entre as filas dos iguais, isolados, estão perdidos. Não sabem pensar e agir sozinhos mas pensam e agem coletivamente, como se fossem construídos em série, vibram em paralelo. Desprovidos de qualquer autonomia, eles não sabem funcionar senão por imitação. Para saber pensar e agir por si próprio, é preciso ter uma personalidade. As massas vão assim, como rebanhos, à procura de pastores. E a sociedade já tem os seus homens-guias e normas-guias: instituição e chefes, leis e costumes, civis, religiosos, em todo campo. O forte não vive na grei; ele emerge e se isola. A massa dos fracos é necessária para fornecer ao forte o material com que trabalhar; mas um trabalho que serve para se cumprirem, para todos, os fins da vida. Tudo se reduz a uma distribuição de funções. Assim o povo tem necessidade de chefes, como os chefes do povo, os inteligentes têm necessidade dos ignorantes a quem ensinar e estes dos de quem possam aprender, os bons dos malvados para os ajudar e estes daqueles, para evoluir

Esses seres se combatem e entretanto não podem viver sozinhos; lutam para se conhecerem, chocam-se para se combinarem, para encontrar uma fórmula de sua simbiose E se não é possível encontrá-la, a adaptação sabe, em geral alcançá-la, então o mais forte destrói o mais fraco e o substitui na vida. Se isto parece cruel e desapiedado, é a esse sistema que a natureza deve a sua força nos planos inferiores. Assim cada ser tem o seu natural inimigo, segundo sua natureza, e nele o seu continuo exame de prova. “Diz-me com quem lutas e te direi quem és”. Os grandes são solitários. Eles não aceitam a luta pelas pequenas coisas terrenas e não é com esta que se ligam aos seus semelhantes, mas somente por missão de bem. Eles não agridem os fracos, mas deles sentem piedade. O fraco tem sempre a vantagem de ser menos odiado, pois não se odeia o inferior, que se pode dominar, ele obedece e não oferece obstáculos. Odeia-se, ao contrário, quem, sendo mais forte, representa uma ameaça e por isto é temido. Cada assalto, na natureza, é, no fundo, uma defesa. Todo ser é levado a agredir quem para ele representa um perigo. Quando a simbiose não é possível, então um dos dois deve perecer, isto é, o menos dotado. Dessa maneira a vida alcança os seus fins seletivos no plano animal-humano.  Ela elimina os ineptos. Se isto parece ferocidade nos planos mais altos, não o é em relação àquele em quem se verifica e à sensibilidade dos seres que toca. O que justifica a vida é a função. Se cai esta, aquela é inútil. As células imperfeitas dos grandes organismos são sacrificadas para vantagem e perfeição das outras. Esta é a condição do triunfo final.

Assim é a sabedoria da vida. O que é destrutivo, no fundo é criador, e o que é negativo, assume um valor positivo. E a harmonia do conjunto, no caso particular, o indivíduo inepto não é destruído senão na forma, enquanto o principio espiritual reencontra a vida em uma forma mais adaptada; ele é eliminado do ambiente que lhe é menos profícuo. A vida segue aqui um seu método geral e lógico para a eliminação dos valores fictícios e das passividades. Permite que na desordem das revoluções, na decomposição dos enquadramentos sociais, aflorem os extratos inferiores. Então a história, momento da biologia social, está em crise. A vida procura, pois, superá-la para dela sair mais forte e imunizada como acontece nas doenças. São esses os momentos em que os micróbios patogênicos, que em patologia orgânica como na social são os involuídos dos planos inferiores, prosperam, só porque encontram o ambiente adaptado, da demolição. Micróbios sociais que não afloram senão nas horas patológicas das revoluções. Depois eles são repelidos para os planos biológicos inferiores, seu ambiente natural, porque é no próprio plano de vida que cada ser acaba sempre recaindo, por peso especifico, equilíbrio e sintonia. Assim os filhos da desordem são depois retornados no ciclo de forças do seu mundo, pois que ninguém pode resistir longamente fora do seu elemento. As posições fictícias, não correspondentes aos valores reais, logo caem. Desse modo os vencedores das revoluções raramente são os que as fizeram e depois se restabelece uma ordem diversa da qual eles são expulsos. Se, em princípio, as revoluções são destrutivas, e então a vida mobiliza a ralé incumbida dessa destruição; exaurida, porém, essa sua função, a vida se desembaraça desses elementos agora inúteis, para chamar à ação os mais evoluídos. Dá-se, assim, um como que processo de decantação ou depósito, pelo qual as unidades mais grosseiras e de maior peso específico, gravitando para baixo, aí retornam para se encarregarem de funções inferiores.

Semelhantemente, a guerra é o grande catalisador, isto e. representa a ação decisiva, na química dos povos. Tudo isto a vida faz para voltar aos valores efetivos e para se garantir com a eficiente função de cada um. Exame periódico de tudo, indivíduos, castas, povos, leis, instituições, para reformar, desfolhar, liquidar, deixando somente o útil e o bom Com esses meios a vida trabalha para se livrar das escórias das incrustações, das superestruturas que lhe impedem o caminho. Poda-se a árvore social, obra essa em que todos colaboram a seu turno. O pensador lança a idéia, o homem de ação a apanha e a aplica, as massas a fixam. Eles sentem, não analítica e racionalmente, mas intuem por instinto, em cujo fundo é a vida que fala; são guiadas pela psique de seu núcleo vital. Os fracos, reunidos em grupo, sentem qual é a verdade que pode executar a função biológica de ajudar e salvar e a ela se apegam. Tal é, por exemplo, a materna e protetora função biológica das religiões à qual mais do que todos, se agarram os fracos à procura de ajuda, os deserdados, os vencidos para superar a dor, esperando e crendo. Eis o rebanho reunido e sectário. Poucos são os fortes capazes de dar, em vez de pedir. Os demais procuram apoio, uma defesa da vida, e os meios que os auxiliam cumprem uma função biológica.

O que observamos numa rápida visão não é senão um dos aspectos da infinita sabedoria da vida. Dilatar os princípios, acima expostos, em ulteriores conseqüências, nos levaria agora muito longe do caminho até aqui trilhado das ascensões humanas.