Em campo algum a desigualdade humana é tão profunda como naquele dos valores espirituais íntimos que distinguem a personalidade. Se olharmos a alma despojada dos ouropéis da educação e das convenções sociais; se isolarmos, observando em profundidade, o tipo individual de todos os acessórios que habitualmente o escondem, encontramos homens da mais irredutível disparidade psíquica, ainda que a pátria, as condições e a família sejam as mesmas. Eles vivem sob semelhantes aparências exteriores, sob as mesmas leis sociais, passam pelos mesmos lugares e nas mesmas circunstâncias. Somente ocultam, na profundidade invisível, um modo diverso do ser, de sentir, de reagir, e uma estrutura espiritual diferente: a personalidade. Um eu com suas características turbilhona sob a máscara igual, niveladora da forma, não da substância. Ao lado de quem vegeta na sua beatitude orgânica, esquivo a qualquer fadiga de conhecimento e a qualquer risco de ação, outros se agitam por um incessante tormento de criação e não podem viver sem a consciência do todo, nem sabem mover-se sem que cada ato seu seja uma nota na grande sinfonia da vida. Há os que se saciam de pequenas coisas imediatas, os que tremem sob o peso das concepções poderosas. Aqui um espírito embrionário, quase inconsciente, que não sabe viver senão externamente. Lá uma alma hipertrófica sente o universo se agitar dentro de si e é esmagada num vórtice de sensações. Sob a aparência de igualdade existem distâncias incalculáveis, uma substancial diversidade de vida e de destino, que tornam impossível qualquer nivelamento.

Entretanto, o desejo de nivelamento nasce. E nasce num mundo que, por ser uma corrida para a evolução, não admite igualdade. Este desejo não representa senão o esforço dos inferiores para alcançarem, a qualquer custo, os superiores. A teoria da igualdade foi sempre a teoria da equiparação do maior ao menor, a teoria do rebaixamento do primeiro a favor do segundo. Foram sempre as classes moralmente menos evoluídas as mais ansiosas pelos nivelamentos sociais, pelo rebaixamento de todos os vértices e pela supressão de todas as distâncias. Se olham com desprezo para o alto, na realidade a maior aspiração é imitar, é fazer-se por elevar-se. A eterna lei do progresso incita o homem com seu impulso irresistível. A prepotente necessidade de elevação espiritual, que arrasta mesmo os mais retardados, arrebanha ainda os mais inertes porque um dia toda paralisação e toda satisfação chegam a fase de saciedade e enjôo. Esta universal aspiração de multiplicar necessidades, de refinar hábitos, de complicar a vida, lutando as vezes mais pelo supérfluo do que pelo necessário, para tudo realizar e experimentar, a que coisa tende senão a conquista de formas de vida mais complexas, nas quais alcança maior desenvolvimento da consciência? Nada parece interessar tanto à vida quanto este processo de crescimento da personalidade. Parece que não se sabe dar outro conteúdo, outro objetivo à existência do que esta expansão do eu que deseja conquistar o universo, esta fadiga de. criação, necessidade tormentosa da alma que anseia pelo supranormal. As grandes necessidades da vida humana não são mais, exclusivamente, a conservação e a reprodução (conservação da raça) senão também o aumento da consciência.

Quando dizemos consciência, personalidade, alma, espírito, psique, não conhecemos exatamente qual seja a estrutura deste organismo; sem dúvida, qualquer coisa de muito complexa, que não podemos definir a não ser de modo vago e genérico. Há, na personalidade, dois organismos concêntricos, diversamente desenvolvidos e amoldados segundo os vários indivíduos, ou sejam, duas consciências: a consciência e a subconsciência.

A primeira é exterior, direi quase de superfície, aquela que comumente todos adotam no estado de vigília, na vida cotidiana, nas correlações com o ambiente sobre o qual é plasmada, do qual e para o qual é feita. Nada nos autoriza a tomá-la como unidade de medida das coisas. Muitos fatos nos deixam crer que ela não esgota toda a realidade e que deixa ainda inexplorada uma região ainda mais vasta, uma vez que não possui outros órgãos senão os sentidos; tudo o que esta consciência abraça, apanha e possui, ela o faz por via sensória. Se é precisa e concreta, é entretanto, limitada. Se é positiva e ativa, projeta-se para o exterior que é seu todo e único campo de ação. É a consciência da vida e morre com ela.

A subconsciência é outro modo de ser e de sentir, é uma projeção diferente do eu, em direção oposta, para o interior onde se encontra uma realidade muito mais extensa. É como uma vastíssima consciência de sonho, incerta, evanescente, vizinha do mistério. É outra consciência situada no polo oposto do ser; o eu oscila entre os dois extremos, entre as duas consciências fronteiras em dois mundos limítrofes, um externo, outro interno. Duas consciências que, como o dia e a noite, a vida e a morte, são inversas e complementares e assim se equilibram como duas metades de um todo. A subconsciência é consciência profunda, um organismo mais íntimo, o ser interior, a verdadeira personalidade, não herdeira, nem filha do ambiente. É o eu com toda a sua capacidade, instintos, aspirações e a trajetória do seu destino, o eu que se oculta nas profundezas do ser, bem pouco visível e que raramente se revela no tipo comum. Ela contém e resume todo o passado vivido, a experiência cotidiana de inumeráveis vidas. Das inúmeras provas experimentadas através do organismo sensório da consciência cerebral, qualquer coisa, como a essência destilada, desceu em profundidade, ao íntimo e se transmitiu por automatismo ao subconsciente sob forma de hábitos, qualidades, atitudes, instintos, idéias inatas. A descida das experiências da vida exterior para a consciência mais profunda, que as absorve, as assimila e as conserva eternamente, resistindo assim à transitoriedade das coisas mortais, é um fenômeno maravilhoso porque valoriza no eterno cada ato da vida, dando a tudo um significado profundo. No subconsciente reside o nosso eu verdadeiro e indestrutível, aquilo que de nós não perece com a morte.

Se a função da consciência cerebral e mortal é a de ser órgão externo da subconsciência imortal, um meio para esta tomar contato com o mundo da matéria, um instrumento necessário à  produção e a assimilação de experiências nele adquiridas, primeira condição para o acréscimo de aquisições, a realidade mais profunda de nosso ser encontra-se no subconsciente. Aquele crescimento que observamos ser uma das grandes necessidades da vida é o enriquecimento do subconsciente. O eu eterno se veste de milhares de consciências relativas, diferentes e transitórias, que morrem em milhares de existências. O que permanece indestrutível, o que recolhe os resultados da vida, e assim avulta e se dilata é o subconsciente, somente o subconsciente. Tudo o mais é transitório, sujeito à lei do transformismo fenomênico que tudo arrasta; deve mudar de forma tanto mais rapidamente quanto mais nos debruçamos para o exterior, do espírito para a matéria. Das células dos órgãos físicos, do sistema sensório nervoso cerebral, até à  consciência e à  subconsciência, há uma progressão seriada de veículos ou corpos que se entrosam uns nos outros.

O subconsciente não morre. Aquele que pode encontrar, através da meditação e da introspecção, o próprio subconsciente, reconstruindo-lhe as sensações, descobre o seu eu eterno e, quem sabe, as impressões de sua vida no além. Todas as vezes que das profundezas daquele mistério que se esconde no nosso íntimo aflora qualquer coisa à  superfície da consciência, temos indício de um mundo distante e inexplorado, de uma outra vida oculta que vivemos. Mas nem todos somos iguais. Em alguns o subconsciente é tão desenvolvido, as sensações do espírito são tão potentes, que a vida interior é evidente e já vivem na terra a vida que está além da morte, na eternidade. Outros, cujo subconsciente é apenas esboço embrionário, não encontrando dentro de si nenhuma sensação, nem traços de vida interior, negam naturalmente tudo o que não podem compreender, porque toda a atividade consciente se desenvolve no mundo exterior. A sua alma rudimentar não sabe reger-se sozinha e morre, como consciência, na morte do corpo. Outros, em posição intermediária, que é de criação e de conquista, tentam sondagens neste arcano íntimo, onde cintilam clarões de luzes, revelações parciais, que alvoroçam o ser com profundas emoções. Os contatos fugazes com o invisível, reveladores do subconsciente são, as vezes, estados de sonho, ou movimentos instintivos, ou inspiração. Aquele aparece, então, com meios e funções próprias, na consciência cotidiana, exorbitando os limites da percepção anímica, tipicamente superior à normal. No subconsciente, se o sabemos sentir, gravou-se o segredo da nossa vida, traçou-se a trajetória do nosso destino, oculta-se o porquê dos nossos acontecimentos, vibra a lembrança do nosso eterno passado, permanece a sensação daquilo que fomos antes de nascer e daquilo que seremos depois da morte No subconsciente, se o soubermos encontrar, reside o segredo da identificação de nossa individualidade eterna, a bagagem de sensações com que sobreviveremos. "Conhece-te a ti mesmo". Fato estritamente pessoal, colóquio íntimo do ser que se interroga a si mesmo — "vedado aos estranhos", experiências que não se podem ensinar nem demonstrar a quem não saiba alcançadas por si mesmo. Não é fácil ser lúcido no subconsciente, saber fazer funcionar esta consciência profunda, explorar por meio de uma sensibilidade tão diferente um mundo tão móvel e tão vasto que parece fugir ao controle de qualquer indagação, relatar a lembrança de tudo isto à consciência exterior. É por isto que se evita a utilização do subconsciente na vida prática. Não sabemos confiar-lhe um trabalho intelectual que resultaria sem fadiga e sem consumo de energia nervosa. As duas consciências, sendo inversas, eliminam-se; a subconsciência não aparece enquanto a consciência está em função. Não é fácil suprimir todas as sensações exteriores, transferir-se para a outra parte do nosso ser, e saber descobrir este eu mais profundo que, em silêncio, vive em nós uma outra vida. Aquele, porém, que muito progrediu, sabendo captar o subconsciente, não viverá mais a limitada vida terrestre, mas a vida maior da eternidade e desconhecerá a morte. Este é o grande prêmio, a grande conquista a que conduz o desenvolvimento espiritual.

A morte não é igual para todos. Igual pode ser somente o processo de decomposição orgânica. Diante, porém, da sobrevivência, somente um subconsciente desenvolvido não perde a consciência, isto é, não se anula como sensação no após-morte. Muitos dos homens atuais, demasiado próximos da besta perdem, realmente, na morte, a sua subconsciência. Outros morrem sem perder a limpidez e a potência de vida, porque nem todos sobrevivem igualmente.

O progressivo desenvolvimento da sensibilidade, a que nos conduz a evolução humana, não sendo senão uma contínua revelação do subconsciente ao consciente, um conhecimento cada vez maior das misteriosas potências íntimas da alma, equivale a uma contínua conquista da imortalidade, até que um dia o eu tudo saiba. A consciência, hoje tão limitada, dominará inteiramente o subconsciente, coincidirá com ele e aquele mundo, ainda tão incerto, das percepções anímicas, será claro e evidente. Nesse dia o homem terá vencido a morte.