Completam-se, hoje, dois anos desde que Sua Voz começou a falar. É Noite de Natal e eu me afasto por um momento da reunião familiar para meditar e escrever.

Este é um exame público de consciência que efetuo na hora solene em que se aguarda, para comemorar, uma vez mais, o nascimento do Salvador do Mundo.

Não sei qual imenso espanto me invade nesta hora solene, na qual o homem é vencido pela maravilhosa Voz de Cristo. Extasio-me na visão de um mundo regenerado por Essa Voz e detenho-me, nela buscando descanso. É a noite encantada na qual o grande signo do amor adquire realidade também sobre a Terra. Cristo está aqui conosco, esta noite, para nossa paz.

Amanhã terei que volver a empreender a caminhada, sozinho, exausto, com uma imensa visão na alma, uma febre incessante no coração, um estalido de paixão em cada pensamento. Sinto-me oprimido pela minha debilidade e pela imensidade do programa. Quem sou eu para atrever-me a tais tarefas? Haverá alguém mais aterrorizado e mais aniquilado do que eu? Cumprirei totalmente com o meu dever e hei de cumpri-lo no futuro? Terei forças bastantes para fazê-lo? Vou mendigando um consolo a todas as almas boas para que me sirvam de apoio a minha debilidade. Se Sua Voz me abandonasse, eu me sentiria completamente arruinado.

Entretanto, hoje se completam dois anos que Essa Voz retumba no mundo e o mundo a escuta. Nada me havia causado jamais tanto assombro como esta afirmação decisiva, sem preparação alguma de minha parte, nem vontade, num mundo onde, com freqüência, as coisas mais sabiamente preparados e mais intensamente queridas não obtém êxito.

Como pode avançar tudo isso com a abstração da minha debilidade e hesitação? Como pode produzir efeito e arrastar meu pensamento, que deveria ser sua causa? Que força convincente reside naquelas palavras escritas improvisadamente, sem que delas eu me desse conta, para conseguir o assentimento de tantos? Que sensação de infinito despertam e abalam os espíritos?

Tremo e, entretanto, avanço. Quisera resistir por um instinto de objetividade, e vejo-me arrastado. Quem é, então, que me guia? E quem, por mim, conhece a estrada e o futuro? Sofro desalentos terríveis e, apesar disso, tudo prossegue do mesmo modo. Que sou eu diante do imenso torvelinho de forças que me rodeiam? Que outro grande mundo existe além deste que todos vêem e crêem ser o único?

Parece indubitável que meu trabalho faça parte de um grande programa de renovação mundial que ignoro e que não pode deter-se. Rebelar-me ou vacilar seria em vão. Isto já é toda a minha vida. Não conheço o futuro, mas sei muito bem que todo movimento iniciado não se poderá deter, a menos que tenha completado sua trajetória.

Nesta Noite de Natal, todos vós, homens de boa vontade, que sentis uma fé viva, uma paixão de bondade, uma alma aberta às palavras de Cristo — não importa como a sintais e a manifesteis, desde que essa paixão arda dentro de vós em substancia — ajudai-me a orar junto ao Berço para que o Santo Menino nos faça compreender esta sublime maravilha, que desceu do céu sobre a Terra e que é o amor fraternal.

Parece-me ver o Grande Rei, que veio à Terra por amor, ir mendigando de porta em porta, por este nosso triste mundo, implorando-nos por caridade, pelo amor de Deus, um pensamento de bondade para os nossos semelhantes.


Perusa (Perugia, Itália). Vigília do Natal de 1933