Conquanto se insurja em protesto a multidão dos cegos raciocinadores, o homem não pode renegar o indestrutível pressentimento de seus futuros desenvolvimentos de consciência. Tem-se a sensação de que, sob o minúsculo eu normal de superfície, se estende em profundidade um eu ilimitado. E o homem inquire de si mesmo: que coisa, pois, sou eu? A ciência percebe que o mundo fenomênico, já imenso em sua superfície, é de uma complexidade, perfeição e sabedoria, que progridem à medida que é observado a maiores profundidades. A ciência é algo que, perpétua e ilimitadamente, evolve na direção dessa profundidade. Ela mesma é constrangida, por leis de evolução, a progredir e a lançar-se nesses novos campos. E já percebeu que a personalidade humana se estende em zonas que estão além dos limites normais da consciência racional e prática; deve ter verificado a existência de um campo subterrâneo de consciência, carregado de motivos, repleto de germes, de que tudo isso se desenvolve e aflora na normal consciência de superfície. Denominou esse campo de subconsciente ou consciência subliminal, ou coisa semelhante.

"Nestes últimos anos", escreve Paolucci em seu opúsculo — Os Problemas do Espírito — “a ciência relativamente nova da psicologia começou a projetar viva luz sobre o mistério da personalidade humana. Numerosas pesquisas e estudos experimentais do funcionamento normal e anormal do espírito humano conduziram os psicólogos a descobrir que considerável quota de nossa atividade mental se produz sem que o percebamos. Esta cerebração inconsciente, como a denominam, parece confirmada por nossos conhecimentos psicológicos. Daí procedem as discussões acerca do subconsciente. Segundo aqueles psicólogos, o subconsciente parece ser a sede da inspiração e da intuição. Poetas, pregadores, musicistas disso podem dar testemunho. Os pensamentos de maior apreço são os que nos chegam sem ser invocados e que constituem as fulgurações do gênio. As melhores descobertas científicas realizam-se muitas vezes graças ao que os psicólogos chamam de subconsciente. O investigador sente primeiro uma intuição e, depois, entrega-se ao trabalho e pede à experiência que a justifique. A razão, que nada mais é do que o nome ordinariamente dado por nós ao exercício consciente de nossas faculdades mentais, arrasta-se penosamente sobre quatro pés; a intuição impulsiona-se com um bater de asas". A intuição, pois, que está na profundeza, é um contato mais próximo da realidade do que a razão, que está na superfície. "O método discursivo e dedutivo", diz Jastrow em A Subconsciência, "é o caminho penoso da lógica, montada em pernas de pau, enquanto a intuição é o vôo possante do Inconsciente, que num instante se transporta da terra ao céu". Muitos, porém, como Geley, idealista, mas positivista, em seu De l'Inconscient au Conscient, não chegaram ao fundo e não compreenderam. O próprio Schopenhauer vê um abismo intransponível que separa o Inconsciente do Consciente, e, em vez de lançar pontes, corta-as. Outros se avizinham, averiguam, sem contudo explicar. Assim o faz Ribot: "L'inspiration revèle une puissance supérieure á  l'individu conscient, étrangére a lui quoique agissant par lui: état que tant d'inventeurs ont exprimé en ces termes: Je n'y suis pour rien"22 .


Não posso furtar-me a citar, nessa altura, uma página do conhecido volume — O Homem, Esse Desconhecido — de Alexis Carrel. Esse livro, que me caiu às mãos por acaso, enquanto corrigia provas tipográficas um ano depois de eu haver concluído este meu trabalho, me surpreende pela identidade de pensamento de seu autor com minha experimentação. Coincidência estranha entre indivíduos tão diversos e de ambientes tão distantes, que não pode deixar de impressionar-nos, pois demonstra que certas idéias, por mim vividas (expressas em As Noúres) e por outros julgadas absurdas e inadmissíveis, estão ao contrário, no ar, de uma a outra extremidade do mundo, e o espírito dos menos evolvidos está já preparado e concorde para apreendê-las.

Escreve o Dr. Carrel, um dos mais eminentes cirurgiões experimentadores do Rockfeller Institute for Medical Research:

"É certo que as grandes descobertas científicas não constituem obra exclusiva da inteligência. Os cientistas de gênio possuem, além do poder de observar e compreender, outras qualidades, a intuição, a imaginação criadora. Com a intuição, eles apreendem o que permanece oculto aos outros, percebem relações entre os fenômenos aparentemente insulados, advinham a existência do tesouro ignorado. (....) Sabem, sem raciocínio, sem análise, o que lhes importa saber. É o fenômeno outrora designado pelo nome de inspiração.

"Encontram-se, entre os homens de ciência, dois tipos de espírito: o lógico e o intuitivo. A ciência deve. seu progresso tanto a um quanto a outro desses tipos intelectuais. (....) Somente os grandes homens, ou os puros de coração23 podem ser transportados pela intuição às culminâncias da vida mental e espiritual.

“É uma faculdade estranha: apreender a realidade, sem o concurso do raciocínio, parece-nos inexplicável. (....)É assim que o conhecimento do mundo exterior nos chega muitas vezes por vias diferentes das dos órgãos sensoriais”24 .

Assim é encarado, por necessária conseqüência de averiguações de fenômenos, o subconsciente; mas não se lhe compreendeu a natureza, a extensão, o conteúdo. Cada autor tem criado um seu diverso subconsciente e nenhum o tem enquadrado na fenomenologia universal, na teoria mais profunda da gênese e do desenvolvimento do espírito e das metas da personalidade humana25 .

Para James e para Myers, o subconsciente é o primitivo, o fundamental; o secundário, a derivação é a consciência que é um produto da ambientarão. Jastrow acrescenta que "acima da consciência existe uma organização psíquica anterior a ela, a qual é sem dúvida a fonte de que ela se originou". Chegou-se a sentir confusamente a existência desse intelecto profundo, mais vasto do que aquele intelecto de superfície que chamamos razão, a entender que esta síntese da vida não pode suster-se por sua força e que, como ilha emergente do oceano, deve apoiar-se, para emergir, em bases tanto mais vastas, quanto mais se desce em profundidade Para entender e resolver o problema, não basta haver notado tudo isso e permanecer na dimensão racional; mas é necessário sair, uma vez por todas, dessa dimensão e lançar-se naquela profundidade e isso de olhos abertos, isto é, permanecendo consciente em outras dimensões. É necessário possuir em si o fenômeno e sondá-lo por introspecção. É necessário ter a coragem, que a ciência não tem, de concluir por uma concepção única dos fenômenos. E necessário ter anteposto a tudo isso uma orientação completa, intelectual e moral, do próprio eu, no seio do funcionamento orgânico do universo.
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22 - “A inspiração revela uma potência superior ao indivíduo consciente, que, embora se manifeste por ele, lhe é estranha; é um estado que muitos inventores têm traduzido nestes termos: não tomo absolutamente parte nisso”. (N - do T.)
23 - Quanto não insisti em As Noúres e aqui também sobre o valor do fator moral! (N. do A.)
24 - Traduzimos diretamente do original francês - L'Homme Cet Inconnu, Cap. IV - os trechos citados. (N. do T.)
25 - Cfr. A Grande Síntese, "Teoria da evolução das dimensões", cap. XXXV; "As origens do psiquismo", cap. LXII; "Técnica evolutiva do psiquismo e gênese do espírito", cap. LXIV; "Instinto e consciência, técnica dos automatismos", cap. - LXV etc. (N. do A.)